terça-feira, 31 de março de 2009

XII Estação - Jesus morre na cruz

- Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos!
- Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Mt 27,45-46.50

As trevas que cobrem a terra durante a crucificação de Jesus são a expressão mais palpável e material do maior drama da história humana que se desenrola no Calvário: os homens que matam a Deus e Deus que se deixa matar pelos homens. Mas o maior mistério é o da entrega: na cruz, o Senhor entrega toda a sua vida: entrega o perdão aos que o condenam, entrega o Reino ao bom ladrão, entrega sua Santa Mãe ao discípulo amado, entrega o seu espírito nas mãos do Pai. Mas sua entrega não será em vão: o preço do seu total esvaziamento, da sua kénosis, é a salvação de todo o gênero humano que deseja esta salvação e não ficará sem paga: três dias depois o grão de trigo que caiu na terra e morreu, receberá de volta o Espírito que entregou e tornará a viver.

Oração: Senhor Jesus Cristo, vós que tivestes a coragem de ser obediente até a morte e morte de cruz, concedei-nos também a graça de sermos perseverantes até o fim no sofrimento; que quando nós estivermos pregados na cruz, na nossa cruz, saibamos, como vós, entregar a vida ao Pai para recebê-la de volta, renovada e incorruptível, no vosso Reino.

- Pai-nosso...

domingo, 29 de março de 2009

Quando for elevado da terra, atrairei todos a mim - V Domingo da Quaresma

Toda a história da salvação é história da aliança de Deus com seu povo, aliança de amor que continuamente foi renovada na história de Israel. O povo sempre rompia a aliança, corrompendo-se com os deuses estrangeiros, imitando as práticas idolátricas das nações que o cercavam. Como diz o salmo 105: “Muitas vezes ele os libertou, mas eles se obstinavam na sua rebeldia e se arruinaram por causa de suas iniqüidades.” (v.43). E continua: “Contudo ele olhou para sua desgraça, quando escutou suas súplicas. Lembrou-se da sua aliança, teve piedade deles na sua grande bondade, e fê-los achar misericórdia” (v. 44-46). Ele fez isso através da nova aliança selada pelo sangue de seu Filho, conforme este disse na Última Ceia: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue. (1Cor 11,25). Através da cruz, onde derramou seu precioso sangue, o qual é tão precioso que por ele fomos resgatados da nossa vã maneira de viver (cf. 1Pd 1,18). Dessa forma, se cumpriu a Palavra que o Senhor dirigiu ao povo por meio do profeta Jeremias: “Eis que virão dias, diz o Senhor, em que concluirei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança (...): imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de escrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão o meu povo” (31,31.33).
Aproximando-se o tempo da morte de Jesus, estando Ele pregando no Templo, numa das festas judaicas, o Senhor manifestou o mistério de sua paixão e morte aos seus discípulos, de acordo com o relato do Evangelho de hoje. Essa sua revelação deu-se dentro do contexto da procura de alguns gregos tementes a Deus, que tinham vindo ao Templo adorar e manifestaram a Filipe o desejo de ver Jesus (cf. Jo 12,20-21). Eles estavam no primeiro dos vários pátios do Templo, reservado aqueles que não eram do povo de Israel, mas que simpatizavam com a religião judaica e temiam a Deus. Não podiam aproximar-se de Jesus, que estava num dos pátios mais interiores do Templo. A resposta de Jesus a esse desejo dos pagãos é enigmática: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto.” (Jo 12, 23-24) Ao desejo de ver Jesus, este revela o mistério de sua paixão: se agora aqueles gregos não podem vê-lo por causa das prescrições da Lei, quando Ele for elevado da terra, atrairá todos a Ele (cf. Jo 12,32). Assim, se os pagãos não podem nem sequer entrar nos pátios internos do Templo, depois que o Senhor for elevado na cruz, Ele entrará “no Santuário, não com o sangue de bodes e bezerros, mas com seu próprio sangue, e isto, uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12); e, uma vez que Ele entrou no Santuário, isto é, na presença, na intimidade de Deus, também nós podemos ter a santa ousadia de entrar no Santuário pelo sangue de Jesus (cf. Hb 10,19), de sorte que, nossa intimidade com Deus será tão grande que “não será mais necessário ensinar seu próximo ou seu irmão, dizendo: ‘Conhece o Senhor!’ Todos me reconhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor, pois perdoarei sua maldade, e não mais lembrarei o seu pecado” (Jr 31,34).
Façamos, portanto, nestes últimos dias quaresmais do ano da graça de 2009, nos quais o Senhor nos convida à conversão, conforme nos admoesta o autor da carta aos Hebreus: “Aproximemo-nos, portanto, de coração sincero e cheio de fé, com o coração purificado de toda a má consciência e o corpo lavado com água pura. Continuemos a afirmar a nossa esperança, sem esmorecer, pois aquele que fez a promessa é fiel.” (Hb 10,22-23).

sexta-feira, 27 de março de 2009

XI Estação - Jesus é crucificado

- Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos!
- Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Lc 23,33

"E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim" (Jo 12,32), disse Jesus durante o seu ministério público. E agora se cumpre estas palavras. Mas como se cumpre tais palavras? A cruz é levantada, e nela aparece um sinal. E que sinal contraditório, escandoloso! Um amontoado de chagas, um homem desfigurado. É assim que Jesus atrairá todos a ele?. A cruz sintetiza o pecado em toda a sua crueldade: incompreensão, traição, injustiça, apego ao poder, solidão. A cruz revela até onde podemos ir em nossa obstinação; mostra o quanto podemos ser um povo de cerviz dura. S. Paulo (1Cor 1,18-25) diz que, de fato, a linguagem da cruz é loucura para aqueles que não a compreendem. No entanto, para aqueles que experimentaram o poder de Deus dali emanado, descobrem, sob o escândalo da cruz, a força de Deus e de sua salvação. Aqueles que crêem descobrem, na ignomínia da cruz, o poder do amor de Deus, pois é ali que tudo o que o pecado fez será redimido. É ali que tudo será recriado, pois Aquele chagado, por sua fidelidade, tornar-se-á, na madrugada do Domingo de Páscoa, o primogênito dos mortos, o primeiro de uma humanidade nova, em comunhão com Deus. É por isso que Jesus disse que, na cruz levantada, atrairia todos a si, pois, por meio dela, os filhos de Deus dispersos são congregados na humanidade nova, reunida Nele.

Oração: Senhor Jesus, foste levantado na cruz. Senhor, que nunca nos escandalizemos de ti e de tua cruz. Pelo contrário, sempre nos gloriemos dela, que resplandece como sinal de amor, sinal de vida nova. Faze-nos sempre crer que o poder de Deus se manifesta subvertendo sempre a nossa pobre lógica humana. Amém

- Pai-nosso...

quarta-feira, 25 de março de 2009

O cristão e a angústia - VI

Toda a alegria cristã nasce deste ponto, da solidariedade; a alegria por causa de uma graça e de uma salvação consideradas individuais, limitadas a cada um, não se poderia chamar cristã. é exatamente no prolongamento desta alegria cristã que nasce, dela própria, a angústia cristã: aí precisamente, no âmbito do mistério da representação, se realiza algo que Paulo tanto ambicionava para si: “ser separado de Cristo como anátema pelos meus irmãos”. O amor é oferta de si mesmo, feita com serena confiança, mais, com a fé cega de uma criança em todos os milagres que a graça de Deus fará para salvar o mundo.
Desde que a oferta existe, inviolável, definitiva, bastará apenas que o amor abra os olhos sobre o que o pecado do mundo realmente significa, sobre o que ele representa diante de Deus e do Crucifixo, para o precipitar num abismo de angústia. Diante de uma superioridade esmagadora e um peso incomensurável, está a gora uma impotência absoluta, um ser isolado que se limita a sofrer: o milagre escondeu-se atrás do frio cálculo da justiça divina e o crente é convidado, por divina disposição, a experimentar alguma coisa da infinita desproporção da cruz. Uma vez suspensas por um momento a alegria e a tranquilidade derivadas do saber que um outro fez já tudo para superar a angústia – de outra forma não haverá a “comunhão de sofrimento” com Cristo (Fl 3,10) –, surge pois a angustiosa desproporção entre o próprio esforço e o fardo imenso do pecado e da culpa que não se consegue remover; essa desproporção, tendente ao absoluto, não pode gerar senão uma angústia absoluta. Efetivamente, o milagre da confiança cristã em Deus e na cruz redentora é qualquer coisa de tão delicado, compreensível e crível unicamente de um ponto de vista sobrenatural, que basta o menor sopro para este espelho límpido seja embaciado pela angústia. A confiança, a esperança, têm um caráter de improbabilidade que, comparativamente a angústia, que delas nasce – exatamente lá onde Deus a toma a sério –, aparece quase como o provável, o normal. E se Deus a poupa muitas vezes, e até agora como regra, aos fiéis, isto deve considerar-se uma nova e, por assim dizer, potencializada graça da cruz. Não se pode, todavia, afirmar que a angústia da cruz chegue a pôr em dúvida, de qualquer maneira, a fé, a esperança e a caridade no seu caráter absoluto, que desespere da sua eficácia, que se torne o oposto de todas três, ou que faça parecer a redenção já realizada e sempre em ato, como falaz, duvidosa, infrutífera.
Ainda que possa, subjetivamente, levar muito perto deste limite, o certo é que não o ultrapassa nunca.
Uma vez considerada objetivamente, ela não é senão um modus da fé, do amor e da esperança, uma fase da sua realização e um processo vital interno; a angústia cristã não pode descrever-se senão como um misterioso não-se-ver-a-si-mesma, ou melhor, um não querer conhecer-se a si mesmas da fé, do amor e da esperança. O Filho, sobre a cruz, despoja-se nas mãos do Pai, de toda a sua força e vista, para atingir, neste estado de obscuridade e prostração, o vértice do sofrimento. O Filho não renunciou ao que é seu adquirindo, assim propriedades opostas, mas provisoriamente o que lhe pertence é inatingível, não usual e, por conseguinte, sem eficácia. Ele renunciou de maneira tão categórica, que já não pode servir-se do que é seu para se ajudar. Existe sim o fúlgido reino da fé, do amor, da esperança; mas ele, na angústia, é dele excluído, não pode contar com ele; e visto que renunciou real e totalmente, ao conforto desta luz, não vê sequer como os outros possam confiar em tal conforto: se o soubesse, isto seria para o sofredor o cume da beatitude.
Quem quer sofrer, deve privar-se desta certeza, e quem deve sofrer na graça da cruz, é privado desta certeza. O obscurecimento da fé, do amor e da esperança, que se dá através de um processo interno de aperfeiçoamento é, portanto, exatamente o oposto do obscurecimento das mesmas causado pelo pecado, no qual, além de perderem a sua posição central, chegam a ser anuladas. Na angústia cristã, a imagem de Deus é velada, como as imagens na igreja durante o tempo da Paixão; na angústia do pecado a mesma imagem é deformada ou destruída. Aquela angústia é uma intensificação da verdade cristã, uma prova de que Deus se digna fazer uma alma participante dos seus mistérios mais preciosos; esta é uma diminuição ou uma perda da verdade, a prova de que uma alma se afastou de Deus.

sábado, 21 de março de 2009

Tanto Deus amou o mundo que enviou o seu Filho – IV Domingo da Quaresma


Alegra-te Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações (Cf. is 66, 10-11). Com essas palavras do profeta Isaías, a liturgia de hoje exorta os fiéis a experimentarem esse IV Domingo da Quaresma, denominado Domingo Laetare ou Domingo da Alegria. Alegremo-nos porque, nós que choramos os nossos pecados, a nossa ingratidão para com o amor gratuito de Deus, encontraremos consolação quando o Filho do Homem for levantado da terra no madeiro da cruz (cf. Jo 3, 14s).
De fato, Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho não para condená-lo, mas para salvá-lo (cf. Jo 3, 17). Foi para isso que Deus nos criou: para a comunhão com Ele, por meio de Jesus Cristo. Mesmo com o pecado, com a negação reiterada do homem ao amor de Deus, Ele continuou nos amando, nos ofertando seu aconchego de Pai. E quando nós estávamos mortos por causa das nossas faltas, Ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2, 5a).
Essa vida é a vida imperecível, aquela na qual Jesus será revestido pelo Espírito na Ressurreição. É essa vida que Jesus compartilhou conosco, e tudo isso por graça. Por isso o Apóstolo irá dizer: É por graça que vós sois salvos (Ef 2,5b).
Porém, s. João nos vai recordar que a oferta de Deus em Jesus pode ser rejeitada: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações são más (Jo 3,19). O pecado pode nos tornar insensíveis a ação de Deus. Ora, foi essa a atitude de Israel apresentada em 2Cr 36, 15s: O Senhor Deus de seus pais dirigia-lhes frequentemente a palavra por meio de seus mensageiros (...) Mas eles zombavam dos enviados de Deus, desprezavam as suas palavras.
No entanto, ninguém pode fechar-se ao amor de Deus que é luz, sem sofrer as consequências. Israel perdeu sua terra, foi levado cativo. Foi preciso Israel chorar suas culpas às margens dos rios da Babilônia (cf. Sl 136, 1) para redescobrir o valor do amor de Deus. E o reencontrou porque Deus vem sempre ao nosso encontro. E Ele veio definitivamente ao nosso encontro no seu Filho Jesus.
Nesse caminho quaresmal redescubramos o amor de Deus, reavivemos essa experiência e ajamos conforme a verdade, aproximando-nos da luz, e, assim, manifestemos que as nossas ações são realizadas em Deus (cf. Jo 3, 21).

sexta-feira, 20 de março de 2009

Eu vi a cidade - V


Apocalipse 21,1ss; 22,1-5

A Igreja de Cristo na glória, motivo de tanto esperar, no-la mostra o apóstolo amado, qual lhe foi dado contemplar, na visão do Apocalipse.
Dá-se uma nova gênesis. Deus faz nova todas as coisas.
A nova Jerusalém é a Igreja triunfante, a união de Deus com o seu povo, o reino de Deus perfeito como fora no paraíso.
A cidade é a esposa do cordeiro, pois a Igreja se une a Cristo, e Cristo nela se completa.
O modelo da cidade – alta, grande, firme, segura – bem representa a unidade da Igreja.
É uma cidade ampla, ilimitada (pois tem mil vezes doze em cada face), por todas as direções abertas, acessível – portanto, universal.
É a Igreja de Cristo que tem por fundamento os doze apóstolos do cordeiro.
Nas doze portas, com os nomes das doze tribos dos filhos de Israel, reconhecemos a continuidade da mesma Igreja – o povo de Deus através do tempo – entre o Antigo e o Novo Testamento.
A forma quadrangular, a proporção da partes, a medida igual das dimensões, o material puro e precioso, tudo simboliza a beleza, a perfeição e a santidade da Igreja, pois “nela nada entra impuro, mas somente os que estão escritos no livro da vida do cordeiro”.
Os limites do muro denotam ser humana a Igreja de Cristo.
A nova Jerusalém é o novo paraíso – mais belo, mais precioso, mais perfeito – o verdadeiro paraíso.
Estão banidos todos os males e possibilidades do mal. A felicidade é completa e não se perderá jamais.
A imortalidade está garantida. Há livre acesso à fonte das águas vivas. O próprio cordeiro é a árvore da vida.
Nos que habitam a cidade, há perfeita harmonia – união das vontades com a vontade de Deus. Eles gozam e reinam, e sabem que servir a Deus é reinar.
A cidade santa é morada de Deus juntamente com os homens. Nela habitam os homens juntamente com Deus.
Na visão de Deus face a face consiste a suprema felicidade.
A sombra cede ao esplendor. Cessa a fé e a esperança e toda a imperfeição do culto. E tudo que há mais nobre e grande, tem livre e pleno acesso a Deus.
É tudo luz, brilho, claridade. Tudo é posse, gozo, recompensa.
Vem de Deus o ser e a graça, a vida e a santidade. Criou tudo para si; tudo em si já consumou.
Tudo está cumprido. Todas as promessas realizadas. O homem é filho de Deus.

quinta-feira, 19 de março de 2009

X Estação - Jesus é despojado de suas vestes

- Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos!
- Porque pela Vossa Santa Cruz remiste o mundo!

Mc 15,24

Certa vez, Jesus curou um leproso, vítima de um mal que o condenava a viver fora da cidade. A lepra, imagem do pecado, despia o homem de sua dignidade, alienava-o. Jesus ao curar aquele leproso, conforme nos atesta s. Marcos (1,40-45), assume o lugar dele, pois, devido à cura realizada, já não podia entrar publicamente na cidade, ocupando, assim, o lugar de despido daquele pecador. E assim, durante o seu ministério, Jesus vai assumindo as conseqüências do pecado humano que humilha, rouba a dignidade, à medida que é rejeitado, ultrajado pelos seus. E eis aqui o momento crucial dessa assunção: Jesus é despojado de suas vestes, símbolo de sua honra, de sua condição de homem. Ele leva até as últimas conseqüências a sordidez do pecado, que nos arranca tudo, para nos revestir com as vestes de suas núpcias, as núpcias do cordeiro.

Oração: Senhor Jesus, ao assumir a nossa condição humana, assumiste as conseqüências do pecado que nos desumaniza, nos faz menos homens. No entanto, Senhor, ao ressuscitares, nos revestiste de uma dignidade maior, a dignidade de filhos de Deus. Que diante de tão grande dom, saibamos responder-te com gratidão, respeitando a dignidade de todos os filhos de Deus e de toda a criação. Amém.
- Pai-nosso

Solenidade de São José, Esposo de Nossa Senhora


Dentro do Tempo da Quaresma deste ano, a liturgia da Igreja celebra hoje esse grande santo, Esposo de Nossa Senhora e Padroeiro de toda a Igreja. Como nos diz São Bernardino de Sena, “ele foi escolhido pelo Pai eterno para ser guarda fiel e providente dos seus maiores tesouros: o Filho de Deus e a Virgem Maria”.
Sobre a vida de São José, pouco sabemos. Os Evangelhos quase não falam a respeito dele, mas nos dizem o suficiente, o mais importante: José era um homem justo(cf. Mt 1,19). Justo para com Maria: mesmo sofrendo, na dúvida, não quis denunciá-la. Tão grande era seu amor por ela! Justo para com o seu filho adotivo: confiando nas palavras do Anjo do Senhor, correu graves perigos para proteger a vida do menino.
A celebração de hoje nos convida a pensar no silêncio daquela casa de Nazaré, tão simples casa! Lá também haviam dificuldades: José era carpinteiro, vivendo daquele trabalho sem importância. Lá também havia compreensão: o filho não explorava os pais, exigindo deles aquilo que não podiam dar. Lá havia amor, muito amor. Naquela família, tudo se ajeitava. Naquela família, Sagrada Família, havia um pai companheiro, havia uma mãe protetora, havia um filho obediente. Quanta humildade! Quanta prova de amor!
Diz-nos São Bernardino: “Se, portanto, toda a santa Igreja tem uma dívida para com a Virgem Maria, assim também, depois dela, deve a São José uma singular graça e reverência”. Devemos muito a São José: seu exemplo de fé, de homem, de pai, de esposo, de trabalhador. Graças a Deus que, ainda hoje, muitos homens seguem seus exemplos. Sigamos também os exemplos desse grande homem, para nos tornarmos autênticos cristãos. “Se amais São José, imita-lhe as virtudes”, recomendava Santo Ambrósio, porque, como nos lembra São Bernardino, “São José foi o homem mais puro em sua virgindade; mais profundo em sua humildade; mais ardente na caridade; mais elevado na contemplação”.
No dia em que celebramos São José, o homem justo, façamos destas palavras de São João Maria Vianney a nossa mais sincera oração: “Ó Jesus, dai-me a ardente caridade de São José, e nada mais me restará a desejar sobre a terra”. Amém!

terça-feira, 17 de março de 2009

IX Estação - Jesus cai pela terceira vez

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Lm 3,27-32

O Salvador continua seguindo pelo caminho que O levará ao Calvário. Aquela cruz, repleta do peso dos nossos pecados, faz o Senhor cair. Ele está sozinho. Ele carrega aquela cruz sozinho...! As quedas de Jesus nos fazem pensar nas nossas quedas, nas quedas do homem de hoje, nas quedas da humanidade. Quantos homens se afastando de Deus para seguir o seu próprio caminho! Quantos homens vivendo na idolatria, prestando culto ao dinheiro, ao prazer, à ciência. Quantos homens vivendo por viver! Quantos homens deixaram de acreditar em si, no outro, no mundo, em Deus. Quantos sorrisos que, na verdade, são gritos... gritos de desespero... o desespero humano! Podemos pensar o quanto Cristo tem sofrido na sua própria Igreja. Quantos de nós O recebemos indignamente, com o coração cheio de ódio e de podridão! Quantos de nós O trocamos por tão pouco! Quantas vezes aqueles que são seus ministros e agem em sua pessoa O traem, escandalizando os pequeninos e afastando os mais simples da fé! Quantos sacerdotes que celebram a si próprios, deixando-O de lado. Quantos sacerdotes que pregam a si mesmos, ignorando a Palavra de Deus. Quantos sacerdotes que insistem em seguir aquelas ideologias fracassadas, conformando-se a esse mundo. Quanto escândalo! Quanta traição nossa! O Senhor continua caindo por cauda de todas essas nossas quedas, por causa de todas essas nossas infidelidades.

Oração: Senhor Jesus Cristo, faltam-nos palavras. Diante do Vosso sofrimento, o que podemos dizer, se somos nós os verdadeiros culpados? Perdoai-nos, Senhor, perdoai-nos. Ajudai-nos nessa nossa caminhada. Fortalecei a nossa fé e aumentai-a. Ajudai também àqueles homens descrentes e infelizes, que em nada acreditam. Ajudai-os a sair do desespero e da vida sem sentido em que vivem. Colocai em nosso coração, tão frio e vazio de Vós, o desejo de Vos buscar no Sacramento da Reconciliação, e assim sermos perdoados, confortados, renovados. Como aqueles discípulos que clamaram por Vós, e a tempestade foi acalmada, nós também imploramos: “Senhor, salva-nos, estamos perecendo!” (Mt 8,25). Vós, que viveis e reinais para sempre. Amém!

- Pai-Nosso...

segunda-feira, 16 de março de 2009

Cristo é o caminho para a luz, a verdade e a vida

Dos Tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo

Diz o Senhor: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andarás nas trevas, mas terá a luz da vida (Jo 8,12). Estas breves palavras contêm um preceito e uma promessa. Façamos o que o Senhor mandou, para esperarmos sem receio receber o que prometeu, e não nos vir ele a dizer no dia do juízo: “Fizeste o que mandei para esperares agora alcançar o que prometi?” Responder-te-á: “Disse que me seguisses”. Pediste um conselho de vida. De que vida, senão daquela sobre a qual foi dito: Em vós está a fonte da vida? (Sl 35,10).
Por conseguinte, façamos agora o que nos manda, sigamos o Senhor, e quebremos os grilhões que nos impedem de segui-lo. Mas quem é capaz de romper tais amarras se não for ajudado por aquele de quem se disse: Quebrastes os meus grilhões? (Sl 115,7). E também noutro salmo: É o Senhor quem liberta os cativos, o Senhor faz erguer-se o caído (Sl 145,7.8).
Somente os que assim são libertados e erguidos poderão seguir aquela luz que proclama: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas. Realmente o Senhor faz os cegos verem. Os nossos olhos, irmãos, são agora iluminados pelo colírio da fé. Para restituir a vista ao cego de nascença, o Senhor começou por ungir-lhe os olhos com sua saliva misturada com terra. Cegos também nós nascemos de Adão, e precisamos ser iluminados pelo Senhor. Ele misturou sua saliva com terra: E a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Misturou sua saliva com a terra, como fora predito: A verdade brotou da terra (cf. Sl 84,12). E ele próprio disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6).
A verdade nos saciará quando o virmos face a face, porque isso também foi prometido. Pois quem ousaria esperar, se Deus não tivesse prometido ou dado?
Veremos face a face, como diz o Apóstolo: Agora, conheço apenas de modo imperfeito; agora nós vemos num espelho, confusamente, mas, então, veremos face a face (1Cor 13,12). E o Apóstolo João diz numa de suas cartas: Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem se quer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é (Jo 3,2). Eis a grande promessa!
Se o amas, segue-o! “Eu o amo, dizes tu, mas por onde o seguirei?” Se o Senhor houvesse dito: “eu sou a verdade e vida”, tu que desejas a verdade e aspiras à vida, certamente procuraria o caminho para alcançá-la e dirias a ti mesmo: “Grande coisa é a verdade, grande coisa é a vida! Ah, se fosse possível à minha alma encontrar o caminho para lá chegar!”
Queres conhecer o caminho? Ouve o que Senhor diz em primeiro lugar: Eu sou o caminho. Antes de dizer aonde deves ir, mostrou por onde deves seguir. Eu sou, diz ele, o caminho. O caminho para onde? A verdade e a vida. Disse primeiro por onde deves seguir e logo depois indicou para onde deves ir. Eu sou o caminho, eu sou a verdade, eu sou a vida. Permanecendo junto do Pai, é verdade e vida; revestindo-se de nossa carne, tornou-se o caminho.
Não te é dito: “Esforça-te por encontrar o caminho para que possas chegar à verdade e à vida”. Decerto não é isso que te dizem. Levanta-te preguiçoso! O próprio caminho veio ao teu encontro e te despertou do sono em que dormias, se é que chegou a despertar-te; levanta-te e anda!
Talvez tentes andar e não consigas, porque te doem os pés. Por que estão doendo? Não será pela dureza dos caminhos que a avareza te levou a percorrer? Mas o Verbo de Deus também curou os coxos. “Eu tenho pés sadios, respondes, mas não vejo o caminho”. Lembra-te que ele também deu a vista aos cegos.

VIII Estação – Jesus consola as mulheres de Jerusalém

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Lc 23,27-28

No meio de toda a barbárie que cerca o caminho de Jesus ao Calvário, encontra-se pequenas ilhas de humanidade que são uma resistência muda e passiva à violência onipresente: Maria, o Cireneu, Verônica, as mulheres de Jerusalém. Estas, em sua impotência e fragilidade diante daquele espetáculo aterrador, onde o Justo é vilipendiado em toda a sua dignidade, limitam-se a chorar copiosamente, mostrando, desta forma, seu inconformismo. Mas durante toda a história, indo e vindo as dominações humanas, os grandes e violentos passam, mas pequenos, aqueles que sofrem e choram, aqueles que não têm vez diante do poderosos do mundo, são esses que permanecem como um pequeno resto. São esses que serão consolados. São esses que herdarão a terra. São esses que serão chamados filhos de Deus. São esses que verão a face de Deus. Serão essas mulheres que verão o Senhor ressuscitado, enquanto que ao resto de Jerusalém, isto será vedado, por causa da dureza de seu coração, que não acolheu o Senhor, nem chorou por Ele.

Oração: Senhor Jesus Cristo, vós, vendo o desespero das mulheres de Jerusalém vos compadecestes delas e alertaste-as de que a pena que infligem ao único Justo é apenas o prelúdio do maior endurecimento da humanidade. Dai-nos o dom das lágrimas para podermos chorar quando sois vilipendiado nos irmãos que são oprimidos e perseguidos por causa do teu nome. Dai-nos a graça de podermos ter um coração novo, purificado, capaz de se compadecer dos irmãos que sofrem e ir ao socorro deles.

- Pai-Nosso...

domingo, 15 de março de 2009

Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei - III Domingo da Quaresma

Estamos já chegando à metade do tempo quaresmal, itinerário penitencial e, ao mesmo tempo, itinerário de Jesus, que sobe à Jerusalém para sofrer a Paixão. Nós subimos com o Senhor e observamos a sua progressiva auto-revelação.
Jesus diz-nos hoje no Evangelho deste terceiro Domingo da Quaresma: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei” (Jo 2,19), e João explica: “Jesus estava falando do Templo do seu corpo” (v. 21). O Templo, na Antiga Aliança, era o sinal da presença de Deus, lugar do encontro d’Ele com os homens: “A minha casa é casa de oração!” (Lc 19,46). Mas o profeta Jeremias já alertava aos hebreus de sua época sobre a confiança demasiada no Templo sem a devida conversão do coração e a prática da Lei: “Não vos confieis em palavras mentirosas dizendo: ‘Este é o Templo do Senhor, Templo do Senhor, Templo do Senhor!’ (...) Eis que vós vos fiais em palavras mentirosas, que não podem ajudar. Não é assim? Roubar, matar, cometer adultério, jurar em falso, queimar incenso a baal, correr atrás de deuses estrangeiros, que não conheceis, depois virdes e vos apresentardes diante de mim, neste Templo, onde o meu nome é invocado, e dizer: ‘Estamos salvos’, para continuar cometendo estas abominações! Este templo, onde o meu Nome é invocado, será porventura um covil de ladrões a vossos olhos?” (Jr 7,4-11). Pois bem, este templo, de pedra, por causa da infidelidade e da obstinação do povo de Israel, por três vezes foi destruído; o novo Templo, o Corpo de Cristo – como João nos fala – foi destruído em sua Paixão, mas, conforme a palavra do Senhor, três dias depois foi reconstruído, ressuscitado e nunca mais desaparecerá. Nesse mesmo sentido, o Senhor disse à Samaritana: “Vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai (...) Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade (...) Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4,21-24). Sendo, portanto, o corpo de Cristo o novo Templo, é n’Ele que passamos a adorar a Deus, em espírito, ou melhor, no Espírito, que é um com o Pai e com o Filho, e em verdade – que é o próprio Jesus (cf. Jo 14,6). Entrementes, também Paulo diz à Igreja: “Vós sois o corpo de Cristo” (1Cor 12,27). Eis, portanto, o novo Templo onde se adora a Deus: o Corpo de Cristo, que é a Igreja. Não se pode adorar verdadeiramente a Deus fora de seu Templo, de seu Corpo, de sua Igreja. Mais: não se pode adorar verdadeiramente a Deus sem participar do seu Corpo, entregue por nós na Eucaristia. Pois Jesus disse: “Eu sou o pão da vida (...). Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes seu sangue, não tereis a vida em vós (...). Quem come minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele” (Jo 6,53-56). Como se pode, pois, não comer a carne, o corpo do Senhor, que é a Eucaristia e permanecer n’Ele, praticando autêntico culto a Deus? Para os que não acreditam na Eucaristia apesar das palavras claras de Jesus e acham que não é possível que Deus fique encerrado num pedaço de pão e que tal coisa é uma insensatez, servem as palavras de Paulo na segunda leitura da missa de hoje: “o que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1,25).
A leitura supracitada de Jeremias nos mostra uma coisa importante: a falsa confiança depositada pelos hebreus no Templo resultava do apego deles ao mal, de tudo aquilo que os mandamentos proibiam. São esses os mesmos mandamentos de que fala a primeira leitura, do livro do Êxodo, mesmo que em ordem diferente. No entanto, o pecado fundamental e que é raiz de todos os outros, é a desobediência ao primeiro mandamento, sintetizado por Jesus no Evangelho: “Amarás o Senhor, o teu Deus de todo o teu coração, de todo o teu entendimento e com todas as forças da alma. Este é o maior mandamento” (Mt 22,37-38). Por outras palavras, o Deuteronômio expressa a mesma ordem divina: “E agora, ó Israel, o que pede a ti o Senhor, teu Deus, senão que o temas, andando nos seus caminhos, amando-o e servindo-o de todo o teu coração e de toda a tua alma?” (12,10). O desobedecer ao primeiro mandamento é o desobedecer toda a Lei de Deus, porque este é o maior mandamento.
Portanto, uma coisa só e amar a Deus acima de tudo e adorá-lo em espírito e em verdade no seu templo, que é seu Corpo. Corramos, pois ao seu encontro na Eucaristia e, prostrando-nos, adoremos e recebamos o Sagrado Corpo do Senhor, destruído pelos homens, mas ressuscitado pelo poder de Deus.

VII Estação - Jesus cai pela segunda vez

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Lm 3,1-2.9.16

As quedas do Senhor a caminho do Calvário nos recordam a queda de Adão, que significa o homem caído que nós somos, homem marcado pelo pecado e inclinado para o mal. Mas isso nos convida a mergulhar num mistério ainda mais profundo: o Senhor se une à nossa queda, o Senhor assume todas as nossas fraquezas. No caminho do Calvário, todos abandonaram o Senhor, exceto aquele bom Cirineu. Nós sempre O abandonamos, nós O trocamos por qualquer coisa, por aquelas coisas mais insignificantes. Entretanto, o Senhor Jesus não nos abandona jamais. Ele é fiel! Na verdade, é Ele que nos ajuda a carregar a nossa cruz. Ele é o verdadeiro Cirineu. É o Deus-que-caminha-conosco! Ele conheceu a miséria para nos libertar e nos salvar da nossa vida miserável!

Oração: Senhor Jesus Cristo, que conhecestes a miséria e andastes nas trevas por nossa causa, para nos salvar. Perdoai-nos pelas nossas infidelidades. Perdoai-nos por tantas vezes Vos abandonar pelo caminho e Vos deixar sozinho. Que vergonha para nós, os cristãos! Que vergonha, meu Deus! Como somos ingratos! Como somos indignos desse nome de “cristão”! Mas Vós, Homem do Sofrimento, Vós nunca nos abandonastes. Vós sempre caminhastes ao nosso lado, conduzindo-nos pela mão, carregando-nos nos Vossos braços divinos e misericordiosos. Levantai-nos das nossas inúmeras quedas. Tornai-nos homens novos. Vós, que viveis e reinais para sempre. Amém!

- Pai-nosso...

sexta-feira, 13 de março de 2009

O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe

Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo

Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente.
O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas.
Quem jejua, pense no sentido do jejum; seja sensível à fome dos outros quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça; quem quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si.
Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia; deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que quiseres; basta que te compadeças dos outros com generosidade e presteza.
Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas.
Reconquistemos pelo jejum o que perdemos por não saber apreciá-lo; imolemos nossas almas pelo jejum, pois nada melhor podemos oferecer a Deus como ensina o Profeta: “Sacrifício agradável a Deus é um espírito penitente; Deus não despreza um coração arrependido e humilhado” (cf. Sl 50,19).
Homem, oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum, para que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva que ao mesmo tempo permanece em ti e é oferecida a Deus. Quem não dá isto a Deus não tem desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos.
Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos se for regado pela misericórdia, pois a aridez da misericórdia faz secar o jejum. O que a chuva é para a terra, é a misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia.
Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não o possuirás.

VI Estação - Verônica limpa o rosto de Jesus

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Isaías 53, 2-3; Salmo 41, 2-3

Nesse momento Cristo já havia sentido quão pesada era aquela cruz que o fizera cair pela primeira vez. Mas, havia, também, experimentado no silêncio, olhar e abraço de sua santa mãe, o sabor de ser consolado.
Jesus sob o peso da cruz, curvado, estava repleto de suor e sangue. Suor e sangue se misturavam. E, por isso, seus olhos e seu rosto eram velados. Mas, o exemplo de Maria inquietou o coração de outras mulheres.
Surge, assim, da multidão, uma piedosa mulher cheia de pena daquele servo sofredor. E ela não hesitou em abrir passagem no meio do povo e dos soldados até chegar a Jesus. E diante Dele se ajoelhou oferecendo-lhe um lenço com o qual Ele enxugou o rosto. E nesse pano ficou desenhada a face humana que Deus assumiu na encarnação. A face de Jesus Cristo.
À mencionada mulher fora atribuído o nome de Verônica, que quer dizer, a verdadeira imagem, nesse caso, a imagem de Deus.
Assim, Cristo recebe o segundo sinal de afeto. O primeiro veio de sua mãe, que simboliza o afeto familiar. O segundo, veio de Verônica que simboliza o afeto da amizade. Pois Cristo disse: “Non iam dicam vos servos, sed amicos” – não vos chamarei servos, porém amigos.

Oração: Ó Deus, que fizestes brotar no coração de Verônica o ardente desejo de ser solícita a Jesus no caminho do calvário, concedei-nos, nós vo-lo pedimos, que a exemplo dela, aprendamos o identificar nossa peregrinação com a via crucis de seu Filho, Jesus Cristo, e assim, sejamos solícitos aos nossos irmãos que também caminham conosco. Tudo isso vos suplicamos, ó Pai, por Cristo, na unidade do Espírito Santo.

- Pai-nosso...

quinta-feira, 12 de março de 2009

A divinização: um ideal humano


Uma das características da natureza humana é a sua sede de infinito, sua sensação de incompletude. O homem não consegue se conformar com o fato de que é limitado e almeja sempre altos vôos. Santa Teresa de Lisieux expressa bem esta realidade quando diz: “Eu me considero como um fraco passarinho coberto somente com uma leve plumagem; não sou uma águia, dela tenho apenas os olhos e o coração (...) meu coração sente nele todas as aspirações da Águia (...) tudo o que ele pode fazer é levantar suas asinhas, mas levantar vôo, isso não está no seu pobre poder!” (A história de uma alma, manuscrito B, 4v).
Mas também os gregos já sentiam esta verdade e a expressavam poeticamente em seus mitos. Diante da realidade dos deuses, imortais e bem-aventurados, os homens, efêmeros e infelizes, sentiam tamanha inveja que, em seu assomo orgulhoso (a hybris), tentavam a todo custo alcançar a participação no mundo divino.
Ora, esta intuição grega não está expressa em abundância na Sagrada Escritura? A antropologia teológica revelada pelo relato da criação do Gênesis exprime, como os gregos e antes deles, este anseio humano. O homem é criado à imagem e à semelhança de Deus e vive uma relação de amizade com Ele. Mas esta relação é ameaçada pelo orgulho, a hybris do homem, que, enganado pelo mal, almeja mais do que a simples amizade divina: “sereis como deuses”, lhe disse a serpente (3,5). O ser como Deus é, sem dúvida, participar de sua natureza; isso, de certa forma, é dado ao homem por Deus no próprio ato criador; mas, depois, o pecado faz com que o homem tome este “participar da natureza divina” como uma empresa própria; é um movimento ascendente, é o homem que pretende subir até as alturas onde Deus habita e partilhar da vida bem-aventurada própria da divindade. Encontramos esse mesmo orgulho no relato da construção da torre de Babel, alguns capítulos depois, no mesmo livro do Gênesis: “Disseram: ‘Vinde! Construamos uma cidade e uma torre cujo ápice penetre os céus!” (11,4).
Esse desejo humano de subir até Deus, no entanto, não pode ser conseguido com os próprios esforços humanos. Somente Deus pode dar ao homem a graça de participar da vida divina, porque Ele mesmo quis que o homem sentisse tal anseio. E esta graça nos é dada por meio de seu Filho, Jesus Cristo. Nele aprouve a Deus fazer habitar corporalmente toda a Plenitude da divindade (cf. Cl 1,19; 2,9); através de sua natureza humana, a nós é também aberta essa possibilidade, que é efetivada pela presença do Espírito do Filho em nós, nos tornando filhos adotivos de Deus, podendo chamá-lo de Pai e sendo, consequentemente, seus herdeiros e co-herdeiros de Cristo (cf. Rm 8,14-17). Dessa forma nos tornamos filhos de Deus por participação na filiação de Cristo, que é o Unigênito por natureza. Assim, ao contrário dos deuses antigos, que como castigo pelo orgulho dos homens os deixariam entregues ao destino, ao acaso sempre trágico, o Deus verdadeiro que se revelou à Israel não deixou a humanidade entregue à própria sorte; ao contrário, veio em socorro dela por causa do seu amor, que é para sempre (cf. Sl 117,1). “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16), que é a vida divina. Dessa forma, e somente dessa forma, é que nos tornamos, de fato e de direito, deuses, isto é, participantes da natureza divina.

Eu Vi a Cidade - IV


Atos dos Apóstolos 2,1-11

O fato que lemos na história dos Atos é também a história dos fatos na Igreja.
A narração do fato é a profecia da história. O Pentecostes é prodígio de todos os tempos. A multiplicação das línguas no adequado louvor a Deus, maravilha dos nossos dias. A pregação apostólica do Evangelho, a constante ação, através dos séculos, da Igreja missionária. A incorporação pelo batismo de multidões a Cristo, a expansão contínua do reino de Deus a todas as nações a terra.
O amor fraterno dos primeiros crentes é o próprio exercício da vida cristã.
A oração comum e a fração do pão é o mistério da eucaristia, o culto da comunidade, ato máximo de realização do corpo místico de Jesus Cristo, na sua inteireza e vitalidade.
A comunicação do Espírito é cumprimento da promessa. É o acabamento do mistério, o eterno perfazer da Igreja, até a consumação dos séculos.
Assim como, por ação do Espírito de Deus, assumiu o Verbo, no seio de Maria, a natureza humana, assim também pelo mesmo Espírito de amor, ao correr da história, assume a Igreja sua função redentora.
Do Espírito Santo recebe a Igreja a sua personalidade – forma, consciência, coesão, movimento, fecundidade.
A partir de Pentecostes, manifesta-se ao mundo a Igreja de Jesus Cristo.
Ela é mãe e mestra dos povos. A iluminação e a regeneração dos homens se unem e se completam.
A Igreja é mãe fecunda, que se vai ampliando sempre na geração de nova prole. É mestra infalível, que dissipa as trevas e alimenta os homens na palavra que é vida.
Em nossos dias, a muitos parece outra a pregação da Igreja, porque estes jamais a conheceram, nem outrora nem agora. A todos aparece nova, porque, atingindo coisas novas, tem de ressoar nos seus ângulos e resplandecer nas suas cores.
Não se trata de alteração da doutrina nem acomodação da verdade.
São os diversos modos pelos quais os problemas humanos, sempre novos e crescentes, vão refletindo a luz verdadeira, que ilumina a todo homem e ao homem todo.
Tudo são provas da vitalidade sempre renascente da Igreja, e mostras de sua agilidade eternamente juvenil.
A palavra de Deus não é luz para se conter nos contornos de uma fase ou tipo de civilização, mas sim para se elevar por sobre os tempos e alumiar a mundo, sem qualquer limitação.
A Igreja não se finda nem envelhece. Ela vai continuando o Cristo!
A Igreja na terra é esta que lemos nos Atos. A que temos ao redor de nós. A que sabemos pela história. A que nós abraçamos na fé.
À Igreja de Cristo na terra não faltarão jamais, pelos séculos adentro, calúnias e perseguições.
“O demônio seduzirá o mundo e retomará o seu império; dominará povos, governará nações, inspirará leis, combaterá a verdade, proclamará a iniquícia, destruirá o direito, aclamará a desordem”, endeusará a maldade.
Em tudo afrontada, estará sempre a Igreja pelos seus mais cruéis inimigos cercada, que inventarão sempre novas perseguições, e mais terríveis, talvez, por mais disfarçadas.
Tudo isso nós vimos e veremos.
Mas, ao cabo disso tudo, os inimigos da Igreja serão batidos e a cidade de Deus triunfará.

quarta-feira, 11 de março de 2009

V Estação - Jesus é ajudado a levar a cruz pelo Cireneu


- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Lc 23,26

Jesus segue o seu caminho, assumindo sua vida de entrega até o fim, na fidelidade ao Pai. Aquele que falou que quem desejasse ser seu discípulo deveria assumir a cruz de cada dia, dá-nos o exemplo.
Um outro homem também segue o seu caminho. O nome dele é Simão. Está voltando do campo, completando provavelmente a sua rotina diária. Mais a simplicidade do cotidiano sem grandes novidades é rompida pelo encontro com um estranho, com um condenado. E, de repente, Simão se vê assumindo uma pena – carregar a cruz - que não era sua, vê-se comprometido e envolvido com esse suposto subversor.
Mais vale dois que um só (...) Porque se caem, um levanta o outro; quem está sozinho, se cai, não tem ninguém para levantá-lo (Eclo 4,9s). Na nossa vida, nas labutas de cada dia, deparamo-nos com muitas pessoas para as quais o amor de Deus nos impulsiona a ser solidários, carregando os seus fardos. Quase sempre não escolhemos carregar tais cruzes. Encontramos as cruzes desses nossos irmãos no caminho da vida, e, sem perceber, envolvidos em suas aflições, não conseguimos mais distinguir entre as nossas cruzes e as deles.
Mas também em nossa vida, há muitos que vêm em nosso auxílio, aliviando o peso das angústias, do medo do futuro incerto, ajudando-nos a sermos fiéis ao projeto do Pai para cada um de nós.
Em ambos os casos, quando socorremos o próximo ou somos por ele socorridos, algo de novo acontece. A vida ganha um outro sentido. Assim como Simão de Cirene provavalmente nunca mais foi o mesmo, nós, à medida que peregrinamos nesse mundo rumo à Jerusalém celeste, descobrimos o sofrimento como via de aproximação fraterna e amiga, tornando-nos verdadeiramente uma família.
Ajudar o próximo a suportar a cruz ou ser por ele auxiliado não significa fazer grandes sacrifícios ou atos de heroísmo. A palavra amiga, o sorriso brejeiro, o silêncio contemplativo, o encontro caloroso, o tempo gasto numa boa conversa, o choro partilhado são formas de tornar a vida do próximo mais leve, mais cheia da certeza de que, quando se é cristão, nunca se está só.
Pensemos de um modo particular em nossos amigos, esses legítimos “Simões” de Cirene. Estes, com sua firmeza de caráter, com a sua presença consoladora, com o exemplo de suas lutas diárias em busca da santidade e da retidão, nos impulsiona ao céu, fazendo das nossas cruzes verdadeiras pontes para a vida eterna.

Oração: Senhor, tu és o verdadeiro Cirineu, que vindo ao nosso encontro, na nossa carne, nos ajudaste a levar as cruzes de nossa vida. Ajuda-nos a sermos também como tu: alívio para o próximo, auxílio necessário. Ajuda-nos também a reconhecer a tua bondade naqueles que vem em nosso socorro, principalmente naqueles que se tornam nossos amigos, e, assim as a nossas cruzes torna-se-ão pontes para o encontro contigo na glória eterna. Amém.

- Pai-nosso...

terça-feira, 10 de março de 2009

IV Estação: Jesus encontra sua Mãe

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Lc 2,34-35.51

Eis que no caminho de Jesus rumo ao Calvário, aparece-lhe Sua Mãe. Como foi consolador para o Senhor e doloroso para a Mãe esse encontro! Quantas imagens não terão passado pelas mentes dos dois! Imagens da doçura e do aconchego da Família de Nazaré; imagens dos beijos e afagos que cercam um relacionamento maternal! Mas também, imagens da dor: a perda do justo José, a pobreza e a vida miúda e monótona na Galiléia, o desapego de ambos quando tiveram de se separar assim que Jesus iniciou suas andanças para pregar o Reino de Deus: imagens que neste instante, como num turbilhão de lembranças, afloram na mente junto com a dor dilacerante que os dois sentiam na alma. Depois deste momento, nunca mais nesta vida a Mãe tomaria nos braços o Filho Bendito gerado em Seu Ventre, a não ser ao recebê-lo sem vida depois de descido da cruz. Mas o consolo do Filho ao receber o breve e último afago da Mãe antes de sofrer a suprema agonia, com certeza deu-lhe forças para continuar a via dolorosa que seria a causa da salvação dos homens.

Oração: Santa Maria, Mãe de Jesus, tu que estavas sempre junto ao teu Filho, tu o consolaste no caminho do Calvário mesmo com o coração despedaçado e ferido, tu que foste fiel ao teu Filho seguindo-O até o fim, tu que fostes Serva e Mãe perfeita, dá-nos, por tua intercessão, a graça de também nos unirmos a Jesus em nossas dores, para que possamos completar na nossa carne, aquilo que faltou à Santa Paixão do Senhor. Maria, Mãe, rogai por nós!

- Pai-Nosso...

segunda-feira, 9 de março de 2009

III Estação: Jesus cai pela primeira vez

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Is 53, 4-6

O Salvador caído por terra demonstra toda a sua fragilidade humana. Jesus sente na sua carne tudo aquilo que nós sentimos: a dor... a humilhação... a injustiça... o sofrimento aparentemente sem sentido! Caído, Ele leva consigo todas as misérias da humanidade; caído, Ele assume a culpa pelos nossos inúmeros pecados; caído, Ele se torna solidário ao gênero humano, Ele mostra que é um de nós. Entretanto, as quedas do Salvador não são um sinal de fracasso, mas um sinal de humildade, de coragem, de confiança em Deus – que não abandona aquele que lhe procura ser fiel. Todas as vezes que o Senhor Jesus caiu, também se levantou, e, levantando-se, reergue todos os homens, renovando-os. Assim, Jesus é o nosso mais fiel companheiro de jornada, é o nosso amigo por excelência. Ele vem ajudar a construir a nossa história. O Cristo que cai pelo caminho mostra ao mundo que, quando se aceita a cruz, é possível carregá-la! Isso é insuportável para os homens de hoje. Isso denuncia e incomoda o mundo de hoje, que faz do prazer a sua máxima lei. A cruz de Cristo sempre será, portanto, o grande sinal de contradição para uns, e o Sinal de Salvação para outros.

Oração: Senhor Jesus Cristo, que sois verdadeiramente Homem e verdadeiramente Deus, ajudai-nos a compreender que é preciso carregar a cruz-nossa-de-cada-dia, sem jamais desanimar nem voltar atrás. Fazei-nos entender que nós não sofremos sozinhos, mas que Vós também sofreis conosco. Senhor, que sois o homem das dores, ajudai-nos a oferecer os nossos sofrimentos em favor da salvação dos homens de boa vontade, dos homens que vos procuram de coração sincero. Senhor, quando chegar a hora do nosso cálice, que nós o saibamos beber com fé, esperança e caridade. Vós, que viveis e reinais para sempre. Amém!
- Pai-Nosso...

II Estação: Jesus é carregado com a cruz

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Mc 15,16-20

O Senhor tinha dito uma vez à seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). A quem seguimos, carregando nossa cruz? Àquele que, antes de nós, tomou a cruz pesada, mais pesada do que qualquer cruz porque era o peso de todos os pecados do homem de todos os lugares e de todos os tempos, todo o pecado em sua horrenda face, de desobediência e maldade, e carregou-a até o Calvário. Assim, Ele se tornou visivelmente, para seus discípulos, o modelo de abnegação que recomendara; Ele que disse que nós devíamos dizer a Deus “seja feita a vossa vontade” (Mt 6,10), quando chegou a hora da agonia, foi capaz de não só dizê-lo de Si: “Pai, não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mt 26,39), “Pai, seja feita a tua vontade” (Mt 26,42), mas também foi capaz de fazê-lo, tomando a cruz sobre os ombros, mudo como “cordeiro conduzido ao matadouro” (Is 53,7), Aquele que é “o Cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29).

Oração: Senhor Jesus Cristo, aprendestes o que é a obediência em Vossa santíssima humanidade, obediência sem questionamentos, sem conjunções adversativas, obediência amorosa ao Pai. Ensinai-nos a sermos obedientes àqueles que vós legitimamente nos destes como pastores. Ensinai-nos a obedecer o imperativo categórico da caridade que habita em nosso peito, para que sejamos servos obedientes ao participar do vosso sofrimento e assim possamos participar da vossa glória.
- Pai-Nosso...

domingo, 8 de março de 2009

O cristão e a angústia - V


Como paradigma desta angústia cristã pode indicar-se, no Evangelho, a angústia dos amigos de Jesus, as irmãs de Betânia, as quais, como o mostram a sua amizade e o seu comportamento para com o Senhor (Jo 11) eram crentes perfeitos. A angústia é-lhes imposta diretamente pelo Senhor, que permanece mudo e surdo perante o fervoroso pedido de socorro que lhe fazem, para dar tempo a Lázaro de morrer e a elas de serem tomadas pela angústia “para que seja glorificado o Filho de Deus”. Privadas do que tinham de mais caro na terra e aparentemente abandonadas, após este despojamento, pelo seu Amado do céu, as irmãs de Lázaro parecem-se muito com Jó sofredor, cuja angústia tem prolongamentos tão fundos no Novo Testamento. Todavia, esta angústia imposta como prova – imposta como participação na cruz ainda antes desta existir!; imposta aos membros ainda antes que a cabeça sofresse! – é profundamente diversa da de Jó, porque é uma angústia sofrida no Amor tornado Homem, na paciência e na submissão, sem perguntas, sem convulsões, sem revoltas, sem ênfase: derivação imediata da angústia do Cordeiro que não abre a boca, enquanto é conduzido ao matadouro. Não se encontram vestígios das questões de Jó com Deus, do cortejo de interrogatórios sobre o “porquê” e o “até quando”; os olhos não vêem, a alma atormenta-se na angústia; não obstante isso, há nela pura simples aceitação. Mas a nota mais saliente é que a angústia imposta é a função da solicitude por um próximo. Jó é solitário porque não tem maneira de referir o seu sofrimento a outros. As irmãs experimentam a solidão, mas sempre no âmbito da solicitude pelo irmão moribundo e mais ainda pelo Senhor, a quem servem humana e cristãmente: a sua existência é definida por este serviço ativo e contemplativo. Este servir ao Senhor, de que nascerá a sua angústia, foi um servir em alegria; da alegria no Senhor, passaram a preocupar-se, juntamente com o Senhor, pelo próximo; depois, a sofrer e, finalmente, a temer, com Ele. Vale a lei de que a angústia no Novo Testamento é sempre e por princípio uma angústia universal, em que os limites do indivíduo são superados e destruídos, seja em razão da origem, seja pelo fim ou efeitos da mesma angústia. Desde que o Senhor com a sua expiação sobre a cruz fez confluir a angústia de todo o pecado, a unidade da angústia do mundo na unidade da sua angústia humano-divina, deixou de ser pensável, em termos cristãos, uma expiação isolada por uma culpa pessoal isolada. Toda a forma de expiação, ainda que por uma certa e determinada falta, é cristã somente se passou pela cruz, recebendo desta o caráter de universalidade, na qual o particular já não se distingue. De outra forma, ter-se-ia ainda a expiação da Antiga Aliança, e unicamente deste mundo em que existe uma relação calculável entre culpa singular e expiação singular, no âmbito de uma justiça sem mistério. Uma vez que a essência do Cristianismo está no “novo mandamento” do Senhor de amar o próximo como a nós mesmos, melhor, mais do que a nós mesmos, porque não há maior amor do que o daquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15,13), mais pelos seus inimigos (Rm 5,10) segue-se que a angústia cristã só pode ter origem na solicitude pelo próximo, amigo ou inimigo que seja, com o qual o crente, ao dar o salto para Deus, deve permanecer solitário, sem o abandonar à sua sorte.
Ao contrário, neste salto, ele deve arrastá-lo e levá-lo consigo, deve realizar o salto em representação do seu próximo, numa indissolúvel comunhão de salvação. O mandamento do amor não fica, efetivamente, nos primeiros passos, mas postula, porque emanado d’Aquele que ia imolar-se sobre a cruz em representação dos outros, um empenho total, um seguir voluntariamente e ainda que constrangidos, o seu caminho (Mt 5,41), até à mesma crucificação, com Cristo e em representação dos outros (Rm 9,3).

sábado, 7 de março de 2009

Sacríficio, Caminho para a Transfiguração - II Domingo da Quaresma


Na primeira leitura desse domingo, extraída do livro do Gênesis, Deus pede a Abraão o seu filho Isaac em sacrifício. O filho desejado por tantos anos, recebido como um dom, agora é solicitado em holocausto: Toma teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá, e oferece-o aí em holocausto sobre o monte que eu te indicar (Gn 22,2). Podemos imaginar a angústia de Abraão ao escutar esse pedido. Como pode Deus pedir tal sacrifício e com que finalidade?
Em nosso caminho quaresmal, também nós somos chamados ao sacrifício da fé, à exemplo de nosso pai Abraão. Quais “Isaacs” precisamos sacrificar? Abraão não hesitou, creu, e Deus lhe poupou o Filho. Deus não queria o sacrifício humano, mas o sacrifício de um coração capaz de se dilatar até aos extremos para que Deus possa selá-lo com o seu amor. Por sua fidelidade, Abraão é abençoado e terá uma descendência numerosa como as estrelas do céu e como as areias do mar (cf. Gn 22,18). Quem doa tudo a Deus, quem é capaz de se mortificar, receberá de Deus a sua própria vida. E esse Deus, como nos diz s. Paulo, ao doar o seu Filho, entregando-o por todos nós, deu-nos tudo junto com Jesus Cristo (cf. Rm 8,31b-32).
Os exercícios quaresmais da penitência, da esmola e do jejum ajudam-nos a fazer o caminho do sacrifício da fé. O esvaziamento de nós mesmos, de nossas limitações e fraquezas, encher-nos-á dos dons de Deus, na solene festa da Páscoa, transfigurando-nos em homens novos.
Essa transfiguração é-nos apresentada no evangelho desse domingo. Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João, e leva-os a uma alta montanha e ali se transfigura (cf. Mc 9,2). Jesus antecipa a olhos desses três discípulos a glória reservada a todos os cristãos. A finalidade dessa antecipação é afastar o medo da cruz, indicando que o sacrifício é o caminho para a Vida Nova em Cristo. O destino de todo o cristão é a glorificação, a vida plena no Espírito Santo.
A magnitude dessa vida que nos aguarda escapa à nossa compreensão humana. Tal grandeza é expressa por S. Marcos quando diz que as roupas de Jesus ficaram brilhantes e brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar (cf. Mc 9,3).
Hoje podemos dizer com as palavras de s. Paulo: o que os olhos não viram, os ouvidos não viram e o coração do homem não percebeu, tudo o que Deus preparou para os que o amam (1Cor 2,9), Ele nos revelou na transfiguração de Jesus.
Guardemos a fé nessa quaresma, diante do sofrimento e da renúncia (cf. Sl 115), para que possamos gozar das alegrias pascais desse ano, e, um dia, da glória eterna, onde seremos plenamente revestidos de Cristo.

I Estação: Jesus é Condenado à Morte

- Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos!
- Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo!

Jo 19,12-16

A condenação de Jesus à morte é o evento que sintetiza a obstinação de Israel, que há tempos o tinha levado a não reconhecer e acolher os sinais libertadores de Deus: Nossos pais não se importaram com os vossos admiráveis grandes feitos, logo esqueceram vosso amor prodigioso (Sl 105,7), nos diz o salmista . Diante de Jesus, o sinal definitivo dado por Deus, a atitude não foi diferente. O próprio Jesus tinha dito: no dia do julgamento, os ninivitas se levantarão juntamente com esta geração e a condenarão. Porque eles se converteram quando ouviram a pregação de Jonas. E aqui está quem é maior que Jonas (Lc 11, 32).
E agora, esse não reconhecimento da gratuidade de Deus em favor de seu povo chega ao seu ponto máximo: Jesus é condenado à morte. Israel fora convidado a escolher a vida (cf. Dt 30,19). No entanto, escolhe a morte, entregando à morte o autor da vida.
Essa opção pela morte se apresenta motivada por causas justas: Não temos outro rei senão César! (Jo 19, 15c). E por causas justas se condena o Justo. Afinal, não foi para preservar o culto, as relações com o império que Israel pede a condenação de Jesus?
A condenação de Jesus é expressão máxima da consequência do pecado humano, que consiste em um grande não a Deus. Um não que obscure o que é o bem, o que é a verdade.
Essa obstinação causada pelo pecado persiste hoje na Igreja, condenando muitos justos à morte. Quantas palavras caluniosas, quanta condenação ao Santo Padre e aos bispos que preservam a ortodoxia da fé, por parte dos próprios filhos da Igreja! Quanta cerviz dura em não reconhecer neles a Palavra que vem do Alto: Fora! Fora! Crucifica-os! (cf. Jo 19, 14), esses doutos cristãos gritam. E muitas vezes, como o judeus, esse não conhecimento se justifica com argumentos aparentemente lícitos como a defesa da vida e do diálogo com o mundo. No entanto, esses pérfidos filhos da Igreja não têm outro rei a não ser a sua auto-suficiência.

Oração: Senhor Jesus, o fechamento que outrora levou o povo da Antiga Aliança a não te reconhecer e a te condenar à morte, rodeia, como um leão a rugir, o nosso coração. Pela força do teu Santo Espírito, abre-nos o coração para enxergar sempre com os olhos da fé os teus sinais presentes na tua Palavra, na Liturgia, e nos ensinamento daqueles a quem confiaste o governo da tua Igreja. Ao acolher esses sinais, livra-nos de condenar o justo que prega a Verdade. Ajuda-nos, enfim, a optar sempre pela Vida, e repletos dela, caminhar ao teu encontro na Eternidade. Amém.
- Pai-Nosso...

sexta-feira, 6 de março de 2009

Via-sacra: meditação inicial

Caros leitores, a partir de hoje estaremos disponibilizando no blog algumas meditações nossas em forma de via-sacra. A cada dia, a partir de amanhã, contemplaremos uma estação desta tradicional meditação no mistério da paixão do Senhor. Que elas nos ajudem em nosso esforço de conversão ao Senhor no itinerário quaresmal que iniciamos.

MEDITAÇÃO INICIAL


Nos dias da Sagrada Quaresma, nos quais o Senhor nos dirige um convite à conversão, a Igreja propõe aos cristãos uma forma especial de meditação que é a via-sacra. Esta oração milenar é a meditação sobre os passos da paixão do Senhor que a Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja nos deixaram. Pensar nos sofrimentos que o Filho de Deus padeceu pelos homens nos ajuda a ter a compreensão das duas mais altas realidades espirituais: primeiro, da expressão máxima do amor incondicional de Deus pelo homem, ao ponto do desprezo de si próprio e, depois, das conseqüências drásticas do desamor que causa e é a causa do pecado. Esta dupla realidade está sintetizada na expressão de Jesus: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). É somente tendo diante dos olhos estas duas realidades que o homem será capaz de viver uma vida verdadeira, plenamente fincada no chão do real, do hoje, e ao mesmo tempo, com os olhos nos bens do futuro que aguardamos ansiosamente.

* * *


Pai de misericórdia, nós vos louvamos por vossa imensa bondade, pela vossa grande compaixão, pelas vossas vísceras misericordiosas (Lc 1,78), porque em vosso desmedido amor nos destes o vosso próprio Filho para que nossos pecados fossem expiados e para que por Ele tenhamos a vida. Não deixeis, Senhor, que tenhamos o coração endurecido a ponto de não nos compadecermos mais com sofrimentos que o vosso Filho sofreu por nós. Por causa de nossa dureza, que insiste em rejeitar o amor que nos é oferecido gratuitamente, mudai o nosso coração, convertei-nos e concedei-nos a graça de podermos chorar a nossa falta de amor e aprender que “amor, só com amor se paga” (S. Bernardo de Claraval).

quinta-feira, 5 de março de 2009

Imitemos a bondade de Deus

Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo

Considera de onde te vem a existência, a respiração, a inteligência, a sabedoria, e, acima de tudo, o conhecimento de Deus, a esperança do reino dos céus e a contemplação da glória que, no tempo presente, é ainda imperfeita como num espelho e em enigma, mas que um dia haverá de ser mais plena e mais pura. Considera de onde te vem a graça de seres filho de Deus, herdeiro com Cristo e, falando com mais ousadia, de teres também sido elevado à condição divina. De onde e de quem vem tudo isso?
Ou ainda. – se quisermos falar de coisas menos importantes e que podemos ver com nossos olhos – quem te concedeu a felicidade de contemplar a beleza do céu, o curso do sol, a órbita da lua, a multidão dos astros e aquela harmonia e ordem que se manifestam em tudo isso como uma lira afinada?
Quem te deu as chuvas, as lavouras, os alimentos, as artes, as moradas, as leis, a sociedade, a vida tranqüila e civilizada, a amizade e a alegria da vida familiar?
De onde te vem poderes dispor dos animais, os domésticos para teus serviços e os outros para teu alimento?
Quem te constituiu rei e senhor de todas as coisas que há na face da terra?
E, porque não é possível enumerar uma a uma todas as coisas, pergunto finalmente: quem deu ao homem tudo aquilo que o torna superior a todos os outros seres vivos?
Porventura não foi Deus? Pois bem, agora, o que ele te pede em compensação por tudo isso, não é o teu amor para com ele e para com o próximo? Sendo tantos e tão grandes os dons que recebemos ou esperamos dele, não nos envergonharemos de não lhe oferecer nem mesmo esta única retribuição que pede, isto é, o amor? E se ele, embora sendo Deus e Senhor, não se envergonha de ser chamado nosso Pai, poderíamos nós fechar o coração aos nossos irmãos?
De modo algum, meus irmãos e amigos, de modo algum sejamos maus administradores dos bens que nos foram concedidos pela graça divina, a fim de não ouvirmos a repreensão de Pedro: “Envergonhai-vos, vós que vos apoderais do que não é vosso; imita a justiça de Deus e assim ninguém será pobre”.
Não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas, enquanto outros padecem necessidade, para não merecermos aquelas duras e ameaçadoras palavras do profeta Amós: tomai cuidado, vós que andais dizendo: “quando passarás o mês para vendermos; e o sábado, para abrirmos nossos celeiros?” (cf. Am 8,5).
Imitemos aquela excelsa e primeira lei de Deus, que faz chover sobre os justos e os pecadores e faz o sol igualmente levantar-se para todos; que oferece aos animais que vivem na terra a extensão dos campos, as fontes, os rios, e as florestas; que dá as aves a amplidão dos céus, aos animais aquáticos, a vastidão das águas; que proporciona a todos, liberalmente, os meios necessários para a sua subsistência, sem restrições, sem condições, sem fronteiras; que põe tudo em comum, à disposição de todos eles, com abundância e generosidade, de modo que nada falte a ninguém. Assim procede Deus para com as criaturas, a fim de conceder a cada um os dons de que necessita segundo a sua natureza e dignidade, e manifestar a todos a riqueza de sua bondade.

terça-feira, 3 de março de 2009

Eu Vi a Cidade - III

Mateus 16,13-19
João 21,15-17
Mateus 28,16-20

A Igreja é o edifício de Cristo. A reunião das pedras vivas por Deus escolhidas, superedificadas entre si, assentadas sobre a rocha.
A Igreja é o rebanho de Cristo. O homem, a ovelha do seu rebanho.
As ovelhas precisam de uma voz que as dirija, de um cajado que as conduza, do pastor que lhes garanta alimento e segurança. E busque ainda as transviadas ao convívio do rebanho.
A humanidade inteira são ovelhas a trazer para o redil. Resta imensa caminhada, até que haja um só rebanho e um só pastor.
Por isso, o Cristo elege os doze apóstolos e os envia a todos os recantos, como pastores de sua Igreja. Dá-lhes aquela missão que do Pai recebera – ensinar, conduzir, santificar.
Juntamente com os doze e acima deles, como pastor supremo e vínculo de unidade, distingue a Pedro e o constitui fundamento de sua Igreja.
Assim quis o próprio Cristo. Uma sociedade externa, visível, acessível, juridicamente organizada.
O ministério sacerdotal, o magistério episcopal, a hierarquia eclesiástica, o primado de Pedro – tudo corresponde à sabedoria divina, às necessidades humanas.
Tudo para o bem do povo de Deus.
Nada para empobrecer, estreitar, oprimir, como pode sugerir o mesquinho jurisdicismo.
Ao contrário, tudo para engrandecer, dilatar, expandir o reino de Cristo, até a consumação na glória com Deus.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O cristão e a angústia - IV

Uma vez estabelecido isto, sem equívocos nem possibilidades de retorno, de um modo firme e categórico, e só então, se poderá prosseguir verdadeiramente para diante sobre a mesma estrada e não para trás ou para o lado. Cristo carregou a angústia do mundo para dar-lhe em troca o que tem de seu, a sua alegria, a sua paz. Fique bem claro: aquilo que é seu. E isto não poderá nunca separar-se da vida terrena, da sua cruz, da sua descida “aos infernos”, da sua ressurreição. Toda a graça provém da Cruz. Toda a alegria é alegria da Cruz, marcada com o selo da Cruz. E cruz significa também angústia. Se é certo que o homem foi libertado radicalmente de toda a forma de angústia do pecado, mais, que lhe foi proibido experimentá-la – e isto compreende tudo o que o recalca em si mesmo e o fecha, o angustia, torna infecundo e frustra –, a cruz abre-lhe, todavia, uma perspectiva absolutamente nova, isto é: a graça muda o valor da angústia, até a transformar no seu contrário: se a angústia do homem estéril e segregado em si mesmo é um constrangimento e uma perda de comunicação, a angústia dada pela cruz é, ao contrário, o fruto e o efeito de uma comunicação: é um alargamento, uma dilactatio do amor da cruz, que, como tal, não pode deixar de produzir uma nova dilatação em que dela foi feito participante.
Não se quer afirmar que este objetivo contraste se torne plenamente visível na experiência subjetiva; ao contrário, é melhor, para garantia da genuidade da participação, que a própria participação, o seu fruto e a sua natureza antitética da angústia do pecado, permaneçam escondidos a quem se encontra dentro dela.
Por agora, falemos apenas da estrutura objetiva, reservando-nos para tratar mais tarde as leis que regulamentam a sua aplicação, apropriação e experiência. Objetivamente, o motivo da angústia proibida ao cristão é o pecado, e distinguem-se nela as características do pecado: a alienação, a fuga, o letargo, a esterilidade, a impressão de estar perdido, de queda no abismo, o ensimesmamento constrangido, a reclusão, o enquistamento, a segregação. Ao contrário, o motivo da angústia da cruz não é outro senão o amor de Deus, que assume em si todo este mundo de angústia para, sofrendo, o vencer e superar, um amor que é o perfeito oposto da angústia do pecado, isto é: doação, disponibilidade, vida, fecundidade, sentimento de segurança e de amparo, dilatação, emancipação.
Os atributos da primeira angústia aparecem como função dos atributos da segunda, a tal ponto que, quando a angústia se transforma, quando passa a ser uma angústia suportada, não há só uma mudança genérica, um deslocamento do exterior, mas também uma específica, profunda transformação de cada uma das características, enquanto características e mesmo enquanto experiências. A estrutura da angústia muda profundamente, paralelamente à da morte e da dor. Basta a consideração de que a genuína angústia cristã pode derivar unicamente da coragem, tal como a cruz do Filho de Deus foi a expressão de uma audácia suprema, ao ter um homem só afrontado todo o poder dos infernos.
A coragem do cristão, que pode ter que suportar a angústia, não é mais do que o seu ato de fé, no qual ele ousa pôr-se a si mesmo e a todo mundo nas mãos daquele que tem sobre si poder de vida e de morte.

domingo, 1 de março de 2009

A Esposa, o Sol da Família


De uma Alocução a um Grupo de Recém-Casados, de Pio XII, Papa

A família tem o brilho de um sol que lhe é próprio: a esposa. Ouvi o que a Sagrada Escritura afirma e sente a respeito dela: “A graça da mulher dedicada é a delícia do marido. Mulher santa e pudica é graça primorosa. Como o sol que se levanta nas alturas do Senhor, assim o encanto da boa esposa na casa bem-ordenada” (Eclo 26,16.19.21).
Realmente, a esposa e mãe é o sol da família. É o sol por sua generosidade e dedicação, pela disponibilidade constante e pela delicadeza e atenção em relação a tudo quanto possa tornar agradável a vida do marido e dos filhos. Irradia luz e calor do espírito. Costuma-se dizer que a vida de um casal será harmoniosa quando cada cônjuge, desde o começo, procura não a sua felicidade, mas a do outro. Todavia, este nobre sentimento e propósito, embora pertença a ambos, constitui principalmente uma virtude da mulher. Por natureza, ela é dotada de sentimentos maternos e de uma sabedoria e prudência de coração que a faz responder com alegria às contrariedades; quando ofendida, inspira dignidade e respeito, à semelhança do sol que ao raiar alegra a manhã coberta pelo nevoeiro e, quando se põe, tinge as nuvens com seus raios dourados.
A esposa é o sol da família pela limpidez do seu olhar e o calor da sua palavra. Com seu olhar e sua palavra penetra suavemente nas almas, acalmando-as e conseguindo afastá-las do tumulto das paixões. Traz o marido de volta à alegria do convívio familiar e lhe restitui a boa disposição, depois de um dia de trabalho ininterrupto e muitas vezes esgotante, seja nos escritórios ou no campo, ou ainda nas absorventes atividades do comércio ou da indústria.
A esposa é o sol da família por sua natural e serena sinceridade, sua digna simplicidade, seu distinto porte cristão; e ainda pela retidão do espírito, sem dissipação, e pela fina compostura com que se apresenta, veste e adorna, mostrando-se ao mesmo tempo reservada e amável. Sentimentos delicados, agradáveis expressões do rosto, silêncio e sorriso sem malícia e um condescendente sinal de cabeça: tudo isso lhe dá a beleza de uma flor rara mas simples que, ao desabrochar, se abre para receber e refletir as cores do sol.
Ah, se pudésseis compreender como são profundos os sentimentos de amor e de gratidão que desperta e grava no coração do pai e dos filhos, semelhante perfil de esposa e de mãe!

Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome

Trechos da mensagem quaresmal do papa para 2009
Queridos irmãos e irmãs!
No início da Quaresma, que constitui um caminho de treino espiritual mais intenso, a Liturgia propõe-nos três práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã – a oração, a esmola, o jejum – a fim de nos predispormos para celebrar melhor a Páscoa e deste modo fazer experiência do poder de Deus que, como ouviremos na Vigília pascal, “derrota o mal, lava as culpas, restitui a inocência aos pecadores, a alegria aos aflitos. Dissipa o ódio, domina a insensibilidade dos poderosos, promove a concórdia e a paz” (Hino pascal). Na habitual Mensagem quaresmal, gostaria de refletir este ano em particular sobre o valor e o sentido do jejum. [...]
Podemos perguntar que valor e que sentido tem para nós, cristãos, privar-nos de algo que seria em si bom e útil para o nosso sustento. As Sagradas Escrituras e toda a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e tudo o que a ele induz. Por isto, na história da salvação é frequente o convite a jejuar. [...] Dado que todos estamos entorpecidos pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor. [...]
No Novo Testamento, Jesus ressalta a razão profunda do jejum, condenando a atitude dos fariseus, os quais observaram escrupulosamente as prescrições impostas pela lei, mas o seu coração estava distante de Deus. O verdadeiro jejum, repete também noutras partes o Mestre divino, é antes cumprir a vontade do Pai celeste, o qual “vê no oculto, recompensar-te-á” (Mt 6,18). [...] O verdadeiro jejum finaliza-se portanto a comer o “verdadeiro alimento”, que é fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4,34). [...], com o jejum o crente deseja submeter-se humildemente a Deus, confiando na sua bondade e misericórdia.
Encontramos a prática do jejum muito presente na primeira comunidade cristã (cf. At 13,3; 14,22; 27,21; 2Cor 6,5). Também os Padres da Igreja falam da força do jejum, capaz de impedir o pecado, de reprimir os desejos do “velho Adão”, e de abrir no coração do crente o caminho para Deus. [...]
Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela busca da satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio corpo. Jejuar sem dúvida é bom para o bem-estar, mas para os crentes é em primeiro lugar uma “terapia” para curar tudo o que os impede de se conformarem com a vontade de Deus. [...]
A prática fiel do jejum contribui ainda para conferir unidade à pessoa, corpo e alma, ajudando-a a evitar o pecado e a crescer na intimidade com o Senhor. [...] Privar-se do sustento material que alimenta o corpo facilita uma ulterior disposição para ouvir Cristo e para se alimentar da sua palavra de salvação. Com o jejum e com a oração permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus.
Ao mesmo tempo, o jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. [...] Escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente. Precisamente para manter viva esta atitude de acolhimento e de atenção para com os irmãos, encorajo as paróquias e todas as outras comunidades a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola. [...] Também hoje esta prática deve ser redescoberta e encorajada, sobretudo durante o tempo litúrgico quaresmal.
De quanto disse sobressai com grande clareza que o jejum representa uma prática ascética importante, uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos. [...]
Queridos irmãos e irmãos [...]. A Quaresma seja portanto valorizada em cada família e em cada comunidade cristã para afastar tudo o que distrai o espírito e para intensificar o que alimenta a alma abrindo-a ao amor de Deus e do próximo. Penso em particular num maior compromisso na oração, na lectio divina, no recurso ao Sacramento da Reconciliação e na participação activa na Eucaristia, sobretudo na Santa Missa dominical. Com esta disposição interior entremos no clima penitencial da Quaresma. Acompanhe-nos a Bem-Aventurada Virgem Maria [...]. Com estes votos, ao garantir a minha oração para que cada crente e comunidade eclesial percorra um proveitoso itinerário quaresmal, concedo de coração a todos a Bênção Apostólica.