Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman
As cartas de Inácio estão cheias de ensinamentos sobre a Igreja no início do século II. Momento crucial. Se, de um lado, os apóstolos morreram uns após outros, de outro lado a sombra do seu prestígio continua a projetar-se sobre as regiões evangelizadas.
A Igreja ampliou-se e continua a prosperar no meio das perseguições. Organiza-se, estrutura-se, hierarquiza-se. O episcopado é solidamente fundado nas comunidades da Ásia Menor, como o atestam as cartas de Inácio.
Mutação e expansão chocam-se com as dificuldades que elas mesmas provocam. A multidão respingada de novos crentes contém, como o cesto do Evangelho, uma mistura. Pesam ameaças sobre as comunidades. A autoridade é discutida, e talvez aceita com queixas. Inácio volta incessantemente a insistir sobre a unidade do clero e dos fiéis em torno do bispo, os quais devem harmonizar-se “como as cordas da lira”. A própria fé é ameaçada pela heresia. A Ásia Menor parece particularmente infestada pelo que Inácio chama de “peste”. O bispo coloca de sobreaviso as comunidades de Éfeso, de Magnésia e de Trales. Estaria ele pressentindo o misticismo gnóstico que iria dilacerar o Oriente cristão e que seria mais destruidor do que as forças do Império? A perseguição recrudesce, a heresia destroi a unidade.
Inácio é uma das primeiras e raras testemunhas da Igreja no momento em que ela se abre ao mundo grego-romano. Se suas cartas são mais cheias de vida do que de literatura, é porque nos revelam maravilhosamente a fé que enfuna as velas do barco em alto mar.
A comunidade acha-se agrupada em torno do bispo, e, mais profundamente ainda, em torno da Eucaristia, palavra que Inácio faz adotar para exprimir dali em diante a reunião litúrgica na ação de graças. Sua carta aos magnesianos ensina-nos a instituição do domingo para comemorar a vitória pascal. Pela primeira vez, a carta aos esmírnios tenta integrar o casamento na vida da comunidade.
Temas mais importantes
Inácio não tem outra paixão senão a de imitar o Cristo. É para segui-lo perfeitamente que aspira ao martírio e a dar a sua vida como ele o fez: perder tudo para encontrar Cristo: “Que nada de visível ou de invisível me impeça de alcançar Cristo. Que todos os tormentos do demônio se desencadeiem sobre mim, contanto que eu alcance o Cristo... Para mim, é mais glorioso morrer pelo Cristo do que reinar até os limites extremos da terra. É a ele que busco, ele, este Jesus que morreu por nós. É ele que eu quero, ele que ressuscitou por nossa causa. Neste momento é que começarei a viver” (Aos Romanos 5,3; 6,1-2). A todas as comunidades ele recomenda a caridade. Esta palavra volta como um leimotiv, resumindo para ele a fé que arde em seu coração. A fé é o princípio, a caridade, a perfeição. “A união das duas é o próprio Deus; toda as outras virtudes formam o seu cortejo, para conduzir o homem à perfeição” (Aos Efésios, 14).
“É muito bom ensinar, com a condição de que se pratique o que se ensina”, escreve ainda Inácio. Este princípio orientou a sua vida, antes que o exprimisse em suas cartas. Assim é o primeiro bispo da Ásia, cujas cartas perpetuam o seu eco. À primeira vista, pode parecer que ele pertença a uma outra época. Basta, porém, revolver as cinzas: suas páginas conservam o fogo que o consumia.