sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Os Padres da Igreja - Santo Inácio de Antioquia - 3

Vida de Santo Inácio de Antioquia

Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman

A Igreja no século II

As cartas de Inácio estão cheias de ensinamentos sobre a Igreja no início do século II. Momento crucial. Se, de um lado, os apóstolos morreram uns após outros, de outro lado a sombra do seu prestígio continua a projetar-se sobre as regiões evangelizadas.
A Igreja ampliou-se e continua a prosperar no meio das perseguições. Organiza-se, estrutura-se, hierarquiza-se. O episcopado é solidamente fundado nas comunidades da Ásia Menor, como o atestam as cartas de Inácio.
Mutação e expansão chocam-se com as dificuldades que elas mesmas provocam. A multidão respingada de novos crentes contém, como o cesto do Evangelho, uma mistura. Pesam ameaças sobre as comunidades. A autoridade é discutida, e talvez aceita com queixas. Inácio volta incessantemente a insistir sobre a unidade do clero e dos fiéis em torno do bispo, os quais devem harmonizar-se “como as cordas da lira”. A própria fé é ameaçada pela heresia. A Ásia Menor parece particularmente infestada pelo que Inácio chama de “peste”. O bispo coloca de sobreaviso as comunidades de Éfeso, de Magnésia e de Trales. Estaria ele pressentindo o misticismo gnóstico que iria dilacerar o Oriente cristão e que seria mais destruidor do que as forças do Império? A perseguição recrudesce, a heresia destroi a unidade.
Inácio é uma das primeiras e raras testemunhas da Igreja no momento em que ela se abre ao mundo grego-romano. Se suas cartas são mais cheias de vida do que de literatura, é porque nos revelam maravilhosamente a fé que enfuna as velas do barco em alto mar.
A comunidade acha-se agrupada em torno do bispo, e, mais profundamente ainda, em torno da Eucaristia, palavra que Inácio faz adotar para exprimir dali em diante a reunião litúrgica na ação de graças. Sua carta aos magnesianos ensina-nos a instituição do domingo para comemorar a vitória pascal. Pela primeira vez, a carta aos esmírnios tenta integrar o casamento na vida da comunidade.

Temas mais importantes

Há dois temas que voltam com prioridade nas cartas: a fé em Jesus Cristo e a caridade. Ele gosta de retomar os ensinamentos que dizem respeito ao Cristo: “Há um só médico, a um tempo carne e espírito, gerado e não gerado, Deus feito carne, verdadeira vida no seio da morte, nascido de Maria e de Deus, primeiramente passível de sofrer e agora impassível: Jesus Cristo, nosso Senhor” (Ef 2,2).
Inácio não tem outra paixão senão a de imitar o Cristo. É para segui-lo perfeitamente que aspira ao martírio e a dar a sua vida como ele o fez: perder tudo para encontrar Cristo: “Que nada de visível ou de invisível me impeça de alcançar Cristo. Que todos os tormentos do demônio se desencadeiem sobre mim, contanto que eu alcance o Cristo... Para mim, é mais glorioso morrer pelo Cristo do que reinar até os limites extremos da terra. É a ele que busco, ele, este Jesus que morreu por nós. É ele que eu quero, ele que ressuscitou por nossa causa. Neste momento é que começarei a viver” (Aos Romanos 5,3; 6,1-2). A todas as comunidades ele recomenda a caridade. Esta palavra volta como um leimotiv, resumindo para ele a fé que arde em seu coração. A fé é o princípio, a caridade, a perfeição. “A união das duas é o próprio Deus; toda as outras virtudes formam o seu cortejo, para conduzir o homem à perfeição” (Aos Efésios, 14).
“É muito bom ensinar, com a condição de que se pratique o que se ensina”, escreve ainda Inácio. Este princípio orientou a sua vida, antes que o exprimisse em suas cartas. Assim é o primeiro bispo da Ásia, cujas cartas perpetuam o seu eco. À primeira vista, pode parecer que ele pertença a uma outra época. Basta, porém, revolver as cinzas: suas páginas conservam o fogo que o consumia.

Os Padres da Igreja - Santo Inácio de Antioquia - 2

Vida de Santo Inácio de Antioquia

Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman

O homem

Só conhecemos o homem através de suas sete cartas, as únicas que nos permitem penetrar em seu jardim fechado. Aqui, “o estilo é o homem”. Tal homem, tal coração! Em frases curtas, densas, tão cheias que parecem que vão explodir, de estilo sincopado, sofrido, corre um rio de fogo. Nenhuma ênfase, nenhuma literatura, mas um homem excepcional, ardente, apaixonado, heroico, embora modesto, benevolente mas dotado de lucidez; um dom inato de simpatia, como Paulo, com uma doutrina segura, clara, mais dogmática do que moral, na qual se exprimem a influência joanina, a experiência mística e a santidade.

A importância dessas cartas não passou despercebida aos historiadores. Sua autenticidade foi apaixonadamente discutida durante dois séculos, por motivos em que as teses por vezes induziam às conclusões. Os críticos mais severos, como Harnack, afirmam sua originalidade e sua autenticidade. “A questão, escreve o padre Camelot, está agora definitivamente encerrada”.

Inácio possui senso humano e respeito ao homem. A dificuldade não está em amá-los todos, mas em amar cada um deles; e, em primeiro lugar, o pequeno, o fraco, o escravo, aquele que nos magoa ou que nos faz sofrer, como o escreve e o recomenda a Policarpo. Ama suficientemente os homens para corrigi-los sem feri-los. A palavra “médico”, que aplica com acentuada preferência a Cristo, cabe perfeitamente a ele. Inácio serve à verdade da fé a ponto de pregá-la mesmo quando ela lhe é incômoda e quando ameaça atrair sobre ele as incompreensões e até a hostilidade. A afeição que o cerca é antes de mais nada uma estima; esta “bigorna sob o martelo” não é homem de concessões.

Inácio conquistou o domínio de si a custa de paciência, palavra que lhe é querida e que o caracteriza. Este temperamento impulsivo, impetuoso, tornou-se brando, vencendo a irritação que reprovava em si. Mostra como se conhece bem quando escreve: “Imponho-me uma determinada medida, para não me perder por causa da minha vaidade”. À vaidade ele opõe a humildade, às blasfêmias a exortação, aos erros a firmeza da fé, à arrogância uma educação sem falhas.

O amadurecimento muda sua lucidez em vigilância, sua força em persuasão, sua caridade em delicadeza. “Não vos dou ordens”. Ele prefere convencer. Não precipita nada, acha melhor esperar. Em Esmirna, nada lhe escapa. Aguarda o momento de escrever sua carta de agradecimento, para transformar sua crítica em humildes sugestões de alguém que já partiu definitivamente, cujo olhar não provocará mais humilhações.

A responsabilidade que tem sobre os outros não lhe fez perder a lucidez a respeito de si próprio. Ele se conhece bem. Sabe que é sensível aos elogios, propenso à irritação. Com humildade, na estrada triunfal, cercado de honras, confessa: “Estou correndo perigo”. As demonstrações de consideração não lhe sobem à cabeça, nem o impedem de ver claro.

Se as confidências escapam ao longo de diversas cartas, a dirigida aos romanos é uma confissão. É o bispo que escreve aos esmirnenses, aos efésios, que agradece e exorta; é o homem, arrebatado por Deus, que fala aos romanos. Este caráter singular da carta não escapou aos historiadores. Renan, que rejeitava as outras, achava esta “tão cheia de uma energia estranha, de um espécie de fogo sombrio, e impregnada de um caráter particular de originalidade”.

A língua aí é mal cuidada. O ardor e a paixão provocam a expressão e tornam-na incandescente. Que importam as palavras? Só uma coisa importa: alcançar a Deus. “Como é glorioso ser um sol poente, longe do mundo, em direção a Deus. Que eu me possa levantar em sua presença (Rom 2,2). Para Inácio não se trata apenas da expectativa da fé, mas de uma paixão que lhe aperta a garganta e o sufoca, de um amor que o consome, de um ardor que deixa longe todos os que costumamos experimentar em nossos corações de carne. Fora Deus, tudo agora parece sem valor.

“Em mim já não existe atração pela matéria; só há uma água viva que murmura dentro de mim dizendo-me: Vem para o Pai. Não encontro mais prazer no alimento corruptível nem nas alegrias desta vida; o que desejo é o pão de Deus, este pão que é a carne de Jesus Cristo, o filho de Davi; e, como bebida, quero o seu sangue, que é o amor incorruptível”. Os historiadores podem tecer comentários sobre o sentido destas expressões. Quem lê a carta aos romanos aí encontra um dos testemunhos mais comoventes da fé, o grito do coração, que não pode enganar nem ser enganado, que comove porque diz a verdade.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Os Padres da Igreja - Santo Inácio de Antioquia - 1

Vida de Santo Inácio de Antioquia

Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman

O cristão de hoje, que lê no cânon da missa: “E a todos nós, pecadores, que confiamos na vossa imensa misericórdia, concedei, não por nossos méritos, mas por vossa bondade, o convívio dos apóstolos e mártires: João Batista e Estêvão, Matias e Barbabé, Inácio...”, saberá, por acaso, quem é este Inácio a quem se recorre? É bispo ou monge? De onde é? Em que época viveu? Que conhecemos a respeito dele?

A Antioquia cristã

Inácio é bispo de Antioquia, no começo do século II, no momento em que a Igreja tem cinquenta anos de existência. O peregrino ou o turista hoje procurariam em vão a cidade de Antioquia, situada no ponto de conjunção entre a Turquia e a atual Síria. Os turcos, que logo depois da Grande Guerra a reivindicaram e a obtiveram, zelam apenas por um nome. Da cidade primitiva não resta mais nada. Uma vista aérea é o bastante para se medir a superfície dessa cidade-encruzilhada, uma das três grandes metrópoles do império romano, elemento de ligação entre o Oriente e o Ocidente.

É de Antioquia que Paulo parte para plantar a cruz na Ásia Menor e na Grécia. O Apocalipse fornece-nos o nome de sete cidades que possuem, cada uma, um bispo; estão agrupadas na parte ocidental da Anatólia. Antioquia herda o patrimônio espiritual de Jerusalém, depois do saque desta cidade. Torna-se um dos pontos altos da fé e da vida cristãs. Sua liturgia vai impregnar e influenciar a igreja grega. Em Antioquia, João Crisóstomo exerce o ministério sacerdotal quando é chamado para governar a Igreja de Constantinopla.

Inácio é sem dúvida, juntamente com o papa Clemente de Roma, o primeiro escritor da Igreja, vindo do paganismo, preparado pelos filósofos gregos. De Paulo a Inácio existe a mesma distância que separa um missionário que se adapta aos costumes indígenas de um índio que se converte ao Evangelho e que repensa o cristianismo. Em uma época em que a primeira literatura cristã ainda permanece sob os moldes judaicos, as cartas de Inácio só conservam como herança os valores bíblicos e espirituais. Elas são as cartas de um grego, para quem o grego é a língua de sua alma e de sua sensibilidade, de sua cultura e de seu pensamento. Inácio adota a forma literária e as categorias filosóficas do helenismo.

Sua língua e suas imagens dão-lhe a possibilidade de traduzir suas aspirações místicas mediante fórmulas que um platônico jamais desaprovaria. Ao exprimir o amor mais puro de Cristo, a língua e o pensamento gregos recebem sua consagração suprema. Daí em diante, eles servem ao novo Senhor, que batizou com seu sangue o mundo dos gentios e todos os seus valores autênticos.

O bispo

A Igreja governada pelo jovem bispo é de origem estritamente helênica. Ela é um testemunho da primeira expansão da evangelização. Desde o fim do primeiro século, os cristãos não mais se contentam com a inserção em suas comunidades de pessoas de destaque; sabem colocá-las no leme. Assim, enriquecem-se com Inácio, dotado de uma personalidade de qualidades incomparáveis.

Este bispo, preocupado com seu rebanho e com seu martírio, não deixa de dar atenção às outras Igrejas, cujas dificuldades ele conhece. Não esperou que a colegialidade dos bispos fosse votada em concílio para pô-la em prática. Pelo contrário. Ele é uma das primeiras testemunhas desta colegialidade, muitas vezes citado nas sessões do Vaticano II.

Sob o imperador Trajano (85-117), Inácio foi preso, julgado e condenado às feras. Ele segue o caminho dos confessores da fé; será executado em Roma, que reserva para si as vítimas de maior prestígio. Seu desejo do martírio não o impede de estigmatizar a crueldade imperial, que lhe envia “dez leopardos” para vigiá-lo, a dureza do tratamento destes, que pagam com o mal a benevolência que ele lhes dispensa.

Conduzido da Síria a Roma, o bispo faz escala primeiro em Filadélfia e depois em Esmirna. Estamos no mês de agosto; o sol é causticante. Na cidade, abrigada no fundo de uma enseada, os curiosos vêem passar um grupo de prisioneiros, cercado por uma escolta militar. Os cristãos, dirigidos pelo jovem bispo Policarpo, sabem que o prisioneiro é o bispo da gloriosa cidade de Antioquia; acorrem sem demora e dão mostras, aos confessores da fé, de m respeito impregnado de veneração.

O prestígio de Inácio era tal, que as Igrejas das cidades da Ásia por onde ele não ia passar enviavam delegações “que se dispunham a esperá-lo de cidade em cidade”. Éfeso delegara seu bispo Onésimo, o diácono Burrhus e três outros irmãos. Magnésia, o bispo Basso, dois padres e um diácono.

Em Esmirna, o bispo prisioneiro escreve manifestando sua gratidão às diversas comunidades que o cumprimentam: Éfeso, Magnésia e Trales. Dali também redige sua carta mais bela, a mais cuidada, à cidade de Roma, “a igreja toda pura que preside à caridade”. Pede-lhe que não recorra a nenhum meio que possa vir a frustrar a alegria de seu martírio. “Sou o trigo de Deus. Sou triturado pelo dente das feras para me transformar no pão imaculado de Cristo”.

Depois, como Paulo, ele prossegue seu caminho até Trôade. Antes de embarcar desta cidade para Neápolis, atualmente Kavalla, ainda escreve aos cristãos de Filadélfia, de Esmirna, e a Policarpo, pedindo que enviem delegados à sua cidade episcopal, preocupação constante de seus pensamentos, a fim de felicitá-la por haver recuperado a paz. Isto denota a delicadeza de sua ternura pastoral.

domingo, 25 de outubro de 2009

Veni Creator Spiritus: 1 ano de vida!

Há exatamente um ano atrás, este blog foi criado. Sua intenção era a de ser mais um meio para a Evangelização, segundo o mandato de Nosso Senhor. Esta é a missão da Igreja: impregnar o mundo com a doçura do Evangelho, o bom odor de Cristo, a Santa Doutrina da Verdade.

A internet é um meio extraordinário para a Evangelização. Como todos os outros meios de comunicação, ela é uma ferramenta que em si não é nem boa nem má; ela se torna boa quando usada para coisas boas e má quando usada para coisas más. Quantos não são os sites que mostram imoralidades das mais diversas espécies ou que servem para a manipulação ideológica das pessoas, para a desinformação e engano, para promover a violência e o ódio, para espalhar o enxofre de Satanás pela vida de milhões, não, de bilhões de pessoas? E, embora haja já muitos que se dedicam a anunciar a Boa-Nova da libertação de Cristo no mundo, são poucos, insuficientes para atingir o mundo inteiro. Sim, nós que procuramos evangelizar pela rede mundial de computadores somos poucos, não somos tão lidos, acessados etc. Mas a nossa força não vem de nós, mas de Deus, de seu Santo Espírito que sopra aonde quer. Somos fracos, mas como diz o Apóstolo das Gentes, o grande anunciador do Evangelho de Jesus, “quando me sinto fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10).

Este blog é fraco e pouco acessado, mas é sim mais um canal para que a Seiva vivicante do Espírito Divino passe para as pessoas que acessam diariamente a rede. E é aqui que está a sua força. Saiba você que o lê neste momento, que todo o esforço empregado para mantê-lo no ar por um ano – Deus sabe a que custo de tempo e de lágrimas – terá valido a pena se por um momento ele levou você ou alguém a elevar o coração a Deus. Que o Senhor não permita que tenha sido em vão. Por isso, dirijo ao Senhor esta prece: “Completai em mim a obra começada; ó Senhor, vossa bondade é para sempre! Eu vos peço: não deixeis inacabada, esta obra que fizeram vossas mãos!” (Sl 137, 8).

Bendito seja Deus, que nos permitiu permanecer juntos neste ano! Sua misericórdia é para sempre! (Sl 117,1)

Senhor, que eu veja! - XXX Domingo Comum B

O Evangelho deste Santo Domingo nos apresenta a figura de um cego mendigo, a beira do caminho que sai de Jericó. Como não nos identificarmos com o cego Bartimeu? O próprio nome não é nome próprio: é a designação de quem ele é filho, bar-timeu, filho de Timeu – como Jesus era chamado “Yehoshua bar Iossef”, Jesus filho de José. O cego filho de Timeu é imagem de muitas realidades: do povo de Israel, que pode ouvir a Palavra de Deus mas, por sua cegueira, não pode vê-la perambulando pelas estradas da Galileia e da Judeia, isto é, Nosso Senhor Jesus Cristo, a Palavra encarnada. O cego filho de Timeu é imagem dos pagãos: cegos, não conseguem enxergar a luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem (cf. Lc 2,32), e por isso “jazem nas trevas e na sombra da morte” (Lc 1,79) sem esperança neste mundo (cf. Ef 2,12). O cego filho de Timeu éramos nós, semelhante aos pagãos, antes de conhecermos Jesus e nos deixarmos iluminar por ele no Santo Batismo. O cego filho de Timeu somos nós quando nos esquecemos de Jesus, ou quando nos deixamos levar por realidades fantasmáticas e estéreis, levando uma vida longe de Deus. Mas, se o cego filho de Timeu é imagem da humanidade ferida, fraca, incapaz de enxergar a realidade de Deus, que é a realidade por excelência – “somente quem reconhece Deus, conhece a realidade”, dizia Bento XVI na abertura da Conferência de Aparecida – a atitude concreta e histórica deste cego, conforme nos relata o Evangelho, é modelo para todo aquele que deseja sair das trevas da ignorância, do erro, e do mal. Sabendo que Jesus está a passar, ele começa a gritar com toda força: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!”. E, em resposta àqueles que o queriam calar, grita mais alto: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!”. Nesta prece simples, singela e comovente, ressoa a fé dos verdadeiros discípulos de Cristo: Ele é o Messias, o Filho de Davi, aquele que devia vir para libertar o povo de sua cegueira de Deus, o Ungido enviado a curar os cegos de corpo e de alma. É essa oração humilde que nossos irmãos orientais repetem como um mantra, que contém ao mesmo tempo a súplica, a confissão de fé e louvor: Kyrie eleison! Senhor, salva-nos! (Mt 8,25), Senhor, tende piedade de nós! Esta oração não deve nunca abandonar os nossos lábios, porque nela nos reconhecemos como aquilo que somos: cegos e mendigos necessitados de cura e salvação. Àquele cego exemplar, uma vez curado, foi-lhe dito: “Vai, tua fé te curou” (Mc 10,52). Neste “vai”, Jesus o está despedindo, ordenando que ele siga o seu caminho; mas o caminho daquele que foi iluminado por Jesus é o caminho de Jesus, e tendo recuperado a vista, passou a seguir Jesus pelo caminho (cf. Mc 10,52). Uma vez curados, regenerados, iluminados pelo Santo Batismo, sigamos o exemplo do cego filho de Timeu e ponhamos nossos passos no caminho de Jesus, já que Ele é o Caminho, o Verdadeiro Caminho para a Verdadeira Vida (Jo 14,6).

sábado, 24 de outubro de 2009

Ano Sacerdotal - Carta do Papa V

CARTA DO SUMO PONTÍFICE

BENTO XVI

PARA A PROCLAMAÇÃO

DE UM ANO SACERDOTAL

POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO

DO DIES NATALIS DO SANTO CURA D’ARS


Continuação.

No contexto da espiritualidade alimentada pela prática dos conselhos evangélicos, aproveito para dirigir aos sacerdotes, neste Ano a eles dedicado, um convite particular para saberem acolher a nova primavera que, em nossos dias, o Espírito está a suscitar na Igreja, através nomeadamente dos Movimentos Eclesiais e das novas Comunidades. «O Espírito é multiforme nos seus dons. (…) Ele sopra onde quer. E fá-lo de maneira inesperada, em lugares imprevistos e segundo formas precedentemente inimagináveis (…); mas demonstra-nos também que Ele age em vista do único Corpo e na unidade do único Corpo». A propósito disto, vale a indicação do decreto Presbyterorum ordinis: «Sabendo discernir se os espíritos vêm de Deus, [os presbíteros] perscrutem com o sentido da fé, reconheçam com alegria e promovam com diligência os multiformes carismas dos leigos, tanto os mais modestos como os mais altos» (n. 9). Estes dons, que impelem não poucos para uma vida espiritual mais elevada, podem ser de proveito não só para os fiéis leigos mas também para os próprios ministros. Com efeito, da comunhão entre ministros ordenados e carismas pode brotar «um válido impulso para um renovado compromisso da Igreja no anúncio e no testemunho do Evangelho da esperança e da caridade em todos os recantos do mundo». Queria ainda acrescentar, apoiado na exortação apostólica Pastores dabo vobis do Papa João Paulo II, que o ministério ordenado tem uma radical «forma comunitária» e pode ser cumprido apenas na comunhão dos presbíteros com o seu Bispo (cf. n. 17). É preciso que esta comunhão entre os sacerdotes e com o respectivo Bispo, baseada no sacramento da Ordem e manifestada na concelebração eucarística, se traduza nas diversas formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efetiva e afetiva (id., n. 74). Só deste modo é que os sacerdotes poderão viver em plenitude o dom do celibato e serão capazes de fazer florir comunidades cristãs onde se renovem os prodígios da primeira pregação do Evangelho.
O Ano Paulino, que está a chegar ao fim, encaminha o nosso pensamento também para o Apóstolo das nações, em quem refulge aos nossos olhos um modelo esplêndido de sacerdote, totalmente «doado» ao seu ministério. «O amor de Cristo nos impele – escrevia ele –, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram» (2 Cor 5, 14). E acrescenta: Ele «morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles» (2 Cor 5, 15). Que programa melhor do que este poderia ser proposto a um sacerdote empenhado a avançar pela estrada da perfeição cristã?
Amados sacerdotes, a celebração dos cento e cinquenta anos da morte de S. João Maria Vianney (1859) segue-se imediatamente às celebrações há pouco encerradas dos cento e cinquenta anos das aparições de Lourdes (1858). Já em 1959, o Beato Papa João XXIII anotara: «Pouco antes que o Cura d’Ars concluísse a sua longa carreira cheia de méritos, a Virgem Imaculada aparecera, noutra região da França, a uma menina humilde e pura para lhe transmitir uma mensagem de oração e penitência, cuja imensa ressonância espiritual há um século que é bem conhecida. Na realidade, a vida do santo sacerdote, cuja comemoração celebramos, fora de antemão uma viva ilustração das grandes verdades sobrenaturais ensinadas à vidente de Massabielle. Ele próprio nutria pela Imaculada Conceição da Santíssima Virgem uma vivíssima devoção, ele que, em 1836, tinha consagrado a sua paróquia a Maria concebida sem pecado e havia de acolher com tanta fé e alegria a definição dogmática de 1854». O Santo Cura d’Ars sempre recordava aos seus fiéis que «Jesus Cristo, depois de nos ter dado tudo aquilo que nos podia dar, quis ainda fazer-nos herdeiros de quanto Ele tem de mais precioso, ou seja, da sua Santa Mãe».
À Virgem Santíssima entrego este Ano Sacerdotal, pedindo-Lhe para suscitar no ânimo de cada presbítero um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e à Igreja que inspiraram o pensamento e a ação do Santo Cura d’Ars. Com a sua fervorosa vida de oração e o seu amor apaixonado a Jesus crucificado, João Maria Vianney alimentou a sua quotidiana doação sem reservas a Deus e à Igreja. Possa o seu exemplo suscitar nos sacerdotes aquele testemunho de unidade com o Bispo, entre eles próprios e com os leigos que é tão necessário hoje, como o foi sempre. Não obstante o mal que existe no mundo, ressoa sempre atual a palavra de Cristo aos seus apóstolos, no Cenáculo: «No mundo sofrereis tribulações. Mas tende confiança: Eu venci o mundo» (Jo 16, 33). A fé no divino Mestre dá-nos a força para olhar confiadamente o futuro. Amados sacerdotes, Cristo conta convosco. A exemplo do Santo Cura d’Ars, deixai-vos conquistar por Ele e sereis também vós, no mundo atual, mensageiros de esperança, de reconciliação, de paz.
Com a minha bênção.


Vaticano, 16 de Junho de 2009.


BENEDICTUS PP. XVI

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Ano Sacerdotal - Carta do Papa IV

CARTA DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
PARA A PROCLAMAÇÃO
DE UM ANO SACERDOTAL
POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO
DO DIES NATALIS DO SANTO CURA D’ARS
Continuação.


No seu tempo, o Cura d’Ars soube transformar o coração e a vida de muitas pessoas, porque conseguiu fazer-lhes sentir o amor misericordioso do Senhor. Também hoje é urgente igual anúncio e testemunho da verdade do Amor: Deus caritas est (1 Jo 4, 8). Com a Palavra e os Sacramentos do seu Jesus, João Maria Vianney sabia instruir o seu povo, ainda que frequentemente suspirava convencido da sua pessoal inaptidão a ponto de ter desejado diversas vezes subtrair-se às responsabilidades do ministério paroquial de que se sentia indigno. Mas, com exemplar obediência, ficou sempre no seu lugar, porque o consumia a paixão apostólica pela salvação das almas. Procurava aderir totalmente à própria vocação e missão por meio de uma severa ascese: «Para nós, párocos, a grande desdita – deplorava o Santo – é entorpecer-se a alma», entendendo, com isso, o perigo de o pastor se habituar ao estado de pecado ou de indiferença em que vivem muitas das suas ovelhas. Com vigílias e jejuns, punha freio ao corpo, para evitar que opusesse resistência à sua alma sacerdotal. E não se esquivava a mortificar-se a si mesmo para bem das almas que lhe estavam confiadas e para contribuir para a expiação dos muitos pecados ouvidos em confissão. Explicava a um colega sacerdote: «Dir-vos-ei qual é a minha receita: dou aos pecadores uma penitência pequena e o resto faço-o eu no lugar deles». Independentemente das penitências concretas a que se sujeitava o Cura d’Ars, continua válido para todos o núcleo do seu ensinamento: as almas custam o sangue de Cristo e o sacerdote não pode dedicar-se à sua salvação se se recusa a contribuir com a sua parte para o «alto preço» da redenção.
No mundo atual, não menos do que nos tempos difíceis do Cura d’Ars, é preciso que os presbíteros, na sua vida e ação, se distingam por um vigoroso testemunho evangélico. Observou, justamente, Paulo VI que «o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas». Para que não se forme um vazio existencial em nós e fique comprometida a eficácia do nosso ministério, é preciso não cessar de nos interrogarmos: «Somos verdadeiramente permeados pela Palavra de Deus? É verdade que esta é o alimento de que vivemos, mais de que o sejam o pão e as coisas deste mundo? Conhecemo-la verdadeiramente? Amamo-la? De tal modo nos ocupamos interiormente desta palavra, que a mesma dá realmente um timbre à nossa vida e forma o nosso pensamento?». Assim como Jesus chamou os Doze para estarem com Ele (cf. Mc 3, 14) e só depois é que os enviou a pregar, assim também nos nossos dias os sacerdotes são chamados a assimilar aquele «novo estilo de vida» que foi inaugurado pelo Senhor Jesus e assumido pelos Apóstolos. Foi precisamente a adesão sem reservas a este «novo estilo de vida» que caracterizou o trabalho ministerial do Cura d’Ars. O Papa João XXIII, na carta encíclica Sacerdotii nostri primordia – publicada em 1959, centenário da morte de S. João Maria Vianney –, apresentava a sua fisionomia ascética referindo-se de modo especial ao tema dos «três conselhos evangélicos», considerados necessários também para os presbíteros: «Embora, para alcançar esta santidade de vida, não seja imposta ao sacerdote como própria do estado clerical a prática dos conselhos evangélicos, entretanto esta representa para ele, como para todos os discípulos do Senhor, o caminho regular da santificação cristã». O Cura d’Ars soube viver os «conselhos evangélicos» segundo modalidades apropriadas à sua condição de presbítero. Com efeito, a sua pobreza não foi a mesma de um religioso ou de um monge, mas a requerida a um padre: embora manejasse com muito dinheiro (dado que os peregrinos mais abonados não deixavam de se interessar pelas suas obras sócio-caritativas), sabia que tudo era dado para a sua igreja, os seus pobres, os seus órfãos, as meninas da sua «Providence», as suas famílias mais indigentes. Por isso, ele «era rico para dar aos outros e era muito pobre para si mesmo». Explicava: «O meu segredo é simples: dar tudo e não guardar nada». Quando se encontrava com as mãos vazias, dizia contente aos pobres que se lhe dirigiam: «Hoje sou pobre como vós, sou um dos vossos». Deste modo pôde, ao fim da vida, afirmar com absoluta serenidade: «Não tenho mais nada. Agora o bom Deus pode chamar-me quando quiser!». Também a sua castidade era aquela que se requeria a um padre para o seu ministério. Pode-se dizer que era a castidade conveniente a quem deve habitualmente tocar a Eucaristia e que habitualmente a fixa com todo o entusiasmo do coração e com o mesmo entusiasmo a dá aos seus fiéis. Dele se dizia que «a castidade brilhava no seu olhar», e os fiéis apercebiam-se disso quando ele se voltava para o sacrário fixando-o com os olhos de um enamorado. Também a obediência de S. João Maria Vianney foi toda encarnada na dolorosa adesão às exigências diárias do seu ministério. É sabido como o atormentava o pensamento da sua própria inaptidão para o ministério paroquial e o desejo que tinha de fugir «para chorar a sua pobre vida, na solidão». Somente a obediência e a paixão pelas almas conseguiam convencê-lo a continuar no seu lugar. A si próprio e aos seus fiéis explicava: «Não há duas maneiras boas de servir a Deus. Há apenas uma: servi-Lo como Ele quer ser servido». A regra de ouro para levar uma vida obediente parecia-lhe ser esta: «Fazer só aquilo que pode ser oferecido ao bom Deus».

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Ano Sacerdotal - Carta do Papa III

CARTA DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
PARA A PROCLAMAÇÃO
DE UM ANO SACERDOTAL
POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO
DO DIES NATALIS DO SANTO CURA D’ARS

Continuação.

O Santo Cura ensinava os seus paroquianos sobretudo com o testemunho da vida. Pelo seu exemplo, os fiéis aprendiam a rezar, detendo-se de bom grado diante do sacrário para uma visita a Jesus Eucaristia («A contemplação é o olhar de fé, fixado em Jesus. “Eu olho para Ele e Ele olha para mim” – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d’Ars em oração diante do sacrário» ). «Para rezar bem – explicava-lhes o Cura –, não há necessidade de falar muito. Sabe-se que Jesus está ali, no tabernáculo sagrado: abramos-Lhe o nosso coração, alegremo-nos pela sua presença sagrada. Esta é a melhor oração». E exortava: «Vinde à comunhão, meus irmãos, vinde a Jesus. Vinde viver d’Ele para poderdes viver com Ele». «É verdade que não sois dignos, mas tendes necessidade!». Esta educação dos fiéis para a presença eucarística e para a comunhão adquiria um eficácia muito particular, quando o viam celebrar o Santo Sacrifício da Missa. Quem ao mesmo assistia afirmava que «não era possível encontrar uma figura que exprimisse melhor a adoração. (...) Contemplava a Hóstia amorosamente». Dizia ele: «Todas as boas obras reunidas não igualam o valor do sacrifício da Missa, porque aquelas são obra de homens, enquanto a Santa Missa é obra de Deus». Estava convencido de que todo o fervor da vida de um padre dependia da Missa: «A causa do relaxamento do sacerdote é porque não presta atenção à Missa! Meu Deus, como é de lamentar um padre que celebra [a Missa] como se fizesse um coisa ordinária!». E, ao celebrar, tinha tomado o costume de oferecer sempre também o sacrifício da sua própria vida: «Como faz bem um padre oferecer-se em sacrifício a Deus todas as manhãs!».
Esta sintonia pessoal com o Sacrifício da Cruz levava-o – por um único movimento interior – do altar ao confessionário. Os sacerdotes não deveriam jamais resignar-se a ver os seus confessionários desertos, nem limitar-se a constatar o menosprezo dos fiéis por este sacramento. Na França, no tempo do Santo Cura d’Ars, a confissão não era mais fácil nem mais frequente do que nos nossos dias, pois a tormenta revolucionária tinha longamente sufocado a prática religiosa. Mas ele procurou de todos os modos, com a pregação e o conselho persuasivo, fazer os seus paroquianos redescobrirem o significado e a beleza da Penitência sacramental, apresentando-a como uma exigência íntima da Presença eucarística. Pôde assim dar início a um círculo virtuoso. Com as longas permanências na igreja junto do sacrário, fez com que os fiéis começassem a imitá-lo, indo até lá visitar Jesus, e ao mesmo tempo estivessem seguros de que lá encontrariam o seu pároco, disponível para os ouvir e perdoar. Em seguida, a multidão crescente dos penitentes, provenientes de toda a França, haveria de o reter no confessionário até 16 horas por dia. Dizia-se então que Ars se tinha tornado «o grande hospital das almas». «A graça que ele obtinha [para a conversão dos pecadores] era tão forte que aquela ia procurá-los sem lhes deixar um momento de trégua!»: diz o primeiro biógrafo. E assim o pensava o Santo Cura d’Ars, quando afirmava: «Não é o pecador que regressa a Deus para Lhe pedir perdão, mas é o próprio Deus que corre atrás do pecador e o faz voltar para Ele». «Este bom Salvador é tão cheio de amor que nos procura por todo o lado».
Todos nós, sacerdotes, deveríamos sentir que nos tocam pessoalmente estas palavras que ele colocava na boca de Cristo: «Encarregarei os meus ministros de anunciar aos pecadores que estou sempre pronto a recebê-los, que a minha misericórdia é infinita». Do Santo Cura d’Ars, nós, sacerdotes, podemos aprender não só uma inexaurível confiança no sacramento da Penitência que nos instigue a colocá-lo no centro das nossas preocupações pastorais, mas também o método do «diálogo de salvação» que nele se deve realizar. O Cura d’Ars tinha maneiras diversas de comportar-se segundo os vários penitentes. Quem vinha ao seu confessionário atraído por uma íntima e humilde necessidade do perdão de Deus, encontrava nele o encorajamento para mergulhar na «torrente da misericórdia divina» que, no seu ímpeto, tudo arrasta e depura. E se aparecia alguém angustiado com o pensamento da sua debilidade e inconstância, temeroso por futuras quedas, o Cura d’Ars revelava-lhe o segredo de Deus com um discurso de comovente beleza: «O bom Deus sabe tudo. Ainda antes de vos confessardes, já sabe que voltareis a pecar e todavia perdoa-vos. Como é grande o amor do nosso Deus, que vai até ao ponto de esquecer voluntariamente o futuro, só para poder perdoar-nos!». Diversamente, a quem se acusava de forma tíbia e quase indiferente, expunha, através das suas próprias lágrimas, a séria e dolorosa evidência de quão «abominável» fosse aquele comportamento. «Choro, porque vós não chorais»: exclamava ele. «Se ao menos o Senhor não fosse assim tão bom! Mas é assim bom! Só um bárbaro poderia comportar-se assim diante de um Pai tão bom!». Fazia brotar o arrependimento no coração dos tíbios, forçando-os a verem com os próprios olhos o sofrimento de Deus, causado pelos pecados, quase «encarnado» no rosto do padre que os atendia de confissão. Entretanto a quem se apresentava já desejoso e capaz de uma vida espiritual mais profunda, abria-lhe de par em par as profundidades do amor, explicando a inexprimível beleza de poder viver unidos a Deus e na sua presença: «Tudo sob o olhar de Deus, tudo com Deus, tudo para agradar a Deus. (...) Como é belo!». E ensinava-lhes a rezar assim: «Meu Deus, dai-me a graça de Vos amar tanto quanto é possível que eu Vos ame!».

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Novos tempos no blog

Como vocês, caros leitores, devem ter percebido, os colaboradores do blog resolveram deixá-lo, à exceção deste que vos fala. Não houve nenhum tipo de briga: diversos elementos contribuíram para que eles resolvessem sair e o principal deles é a falta de tempo. Vocês devem ter notado que às vezes um de nós demorava algum tempo sem publicar nada; também às vezes faltavam as meditações dos Domingos, Solenidades e Festas. Ao contrário do que alguns podem pensar, que seminarista é um boa vida, um burguesinho que vive sem fazer nada somente consumindo o dinheiro do povo de Deus, nada disso é verdade! Vida de Seminarista não é nada fácil! O ritmo diário de um Seminário é frequentemente estafante e estressante – se bem que o será muito mais quando formos padres. De qualquer forma, quem conhece um pouco de nossa rotina sabe que nela o tempo é escasso e um bem precioso! Assim, muitas vezes não podíamos contribuir para o blog em virtude de nossas inúmeras atividades na pastoral, na oração, nos estudos, na organização da casa e em diversos outros compromissos. Dessa forma, um a um foi resolvendo deixar o blog. Mas continuamos amigos como antes!

Bem, como eles próprios insistiram, vou continuar a postar no blog, sempre que possível. Assim, espero manter de alguma forma este apostolado na internet, que embora não atinja muitas pessoas, sempre recebeu um bom retorno dos nossos poucos leitores. Você, que sempre passa por aqui, continue se sentindo bem-vindo e que as graças do Espírito Santo, nosso Divino Patrono, o conduzam cada vez mais à santidade dos que amam a Deus.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Viva a Mãe de Deus e nossa! - Solenidade de Nossa Senhora Aparecida

Celebramos hoje a solenidade de Maria sob o título de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil. Fruto de uma saudável devoção popular, o culto à Virgem Aparecida é fonte de incontáveis graças para o povo brasileiro e oferece a eles a oportunidade de aproximar-se mais de Jesus, o Filho Bendito da Bendita Virgem Maria. De fato, conforme diz o Concílio Vaticano II na Constituição Lumen Gentium, “a função maternal de Maria, em relação aos homens, de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; antes, manifesta a sua eficácia. E de nenhum modo impede o contato imediato dos fiéis com Cristo, antes o favorece”. Eis aqui: ao contrário do que muita gente pensa, Maria não é obstáculo para se chegar a Deus. Ela é, antes, caminho seguro para seu Filho Jesus. É isto que a primeira leitura e o Evangelho da Solene Liturgia nos mostram: na leitura do Livro de Ester, vemos como esta é capaz de arriscar sua vida aproximando-se do rei sem ser convidada – o que poderia acarretar sua morte – consegue do rei o favor por sua beleza e encanto: a sua própria vida e a vida de seu povo. Como não enxergar Ester como uma figura de Maria no seio da Igreja? Ela é a filha de Sião, que se aproxima do Rei em vestes vistosas, as vestes da virtude e da santidade, de modo que o Rei se encanta com sua beleza – beleza que Ele mesmo fez, e nela se compraz. O Evangelho também mostra esta realidade, de um modo muito mais explícito: Maria é aquela que intercede pelos participantes da festa de núpcias, de modo que a alegria simbolizada pelo vinho não falte. Da mesma forma, no banquete das núpcias eternas entre Deus e sua Igreja, que já se iniciou com a Redenção de Cristo, e do qual Maria já participa, ela intercede a seu Filho para que não venha a faltar a alegria espiritual, o vinho novo do Espírito Santo. E da mesma forma como o Senhor transformou a água em vinho em abundância (seis talhas com cem litros de água cada, transformadas em vinho – seiscentos litros de vinho!), ele transforma a nossa tristeza, a nossa fraqueza, o nosso pecado, em alegria, em força, em santidade, pelo vinho espiritual do Seu Espírito.
Há ainda uma coisa importante, que é sempre oportuno lembrar a respeito de Maria, e que os católicos podem ter a tentação de atenuar em nome de um ecumenismo torto: no seio da Igreja, no Cristianismo puro e simples, o cristão não pode prescindir da veneração e do amor filial para com Maria. Ela não é opcional na vida do cristão: um autêntico discípulo do Senhor não pode escolher se aceita ou não a maternidade espiritual de Maria para com ele. Ela é obrigatória para todos os discípulos autênticos do Senhor. Ele não nos deixou-a como Mãe na cruz? Ele disse ao discípulo amado: “Eis tua mãe!” (Jo 19,27). Nós cristãos, discípulos amados e amantes do Senhor, devemos obedecer o seu último pedido antes de morrer por nós: “A partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,27). Convido você, caro leitor, a obedecer na fé a ordem do Senhor e, nesse santo dia, levar também Maria para sua casa, para a casa do seu coração, e dirigir-lhe todo o amor que uma mãe merece e mais ainda, porque dela nos veio o Salvador do mundo, o Cristo Nosso Deus.

sábado, 10 de outubro de 2009

O desenvolvimento do dogma na religião cristã

Este magnífico texto do Padre do século V São Vicente de Lerins, nos inspira três pensamentos muito significativos para os tempos de hoje. Em primeiro lugar, o dogma, bem como a Igreja como um todo, tem de se desenvolver, não pode ficar estacionado no passado. É o erro daqueles que rechaçam tudo o que pode haver de novo: apegam-se pesadamente ao passado, sem abertura para os legítimos desenvolvimentos da doutrina, da liturgia etc. Segundo, este desenvolvimento não pode ser uma ruptura com a Tradição: deve inserir-se em sua esteira, deve ser um processo contínuo de amadurecimento, não uma irrupção de modismos e novidades tolas: é o erro daqueles que querem romper com o passado, tachando tudo o que é mais velho do que eles de retrógrado, ultrapassado etc. Por último, o desenvolvimento vivido dentro da continuidade da Tradição é perfeitamente legítimo e de acordo com a ação do Espírito Santo. É pueril achar que a Igreja de hoje deva voltar a ser como a Igreja primitiva, com toda a sua simplicidade e livre de instituições: é o erro de certas correntes cristãs, ou que se dizem cristãs, que proclamam aos quatro ventos asserções como “placa de Igreja não salva”, achando que a Igreja é puramente espiritual e não encarnada na realidade. Vejamos o texto:

Não haverá desenvolvimento algum da religião na Igreja de Cristo? Há certamente e enorme.
Pois que homem será tão invejoso, com tanta aversão a Deus que se esforce por impedi-lo? Todavia deverá ser um verdadeiro progresso da fé e não uma alteração. Com efeito, ao progresso pertence o crescimento de uma coisa em si mesma. À alteração, ao contrário, a mudança de uma coisa em outra.
É, portanto, necessário que, pelo passar das idades e dos séculos, cresçam e progridam tanto em cada um como em todos, no indivíduo como na Igreja inteira, a compreensão, a ciência, a sabedoria. Porém apenas no próprio gênero, a saber, no mesmo dogma o mesmo sentido e a mesma significação.
Imite a religião das almas o desenvolvimento dos corpos. No decorrer dos anos, vão se estendendo e desenvolvendo suas partes e, no entanto, permanecem o que eram. Há grande diferença entre a flor da juventude e a madureza da velhice. Mas se tornam velhos aqueles mesmos que foram adolescentes. E por mais que um homem mude de estado e de aspecto, continuará a ter a mesma natureza, a ser a mesma pessoa.
Membros pequeninos na criança, grandes nos jovens, são, contudo, os mesmos. Os meninos têm o mesmo número de membros que os adultos. E se no tempo de idade mais adiantada neles se manifestam outros, já aí se encontram em embrião. Desse modo, nada de novo existe nos velhos que não esteja latente nas crianças.
Por conseguinte, esta regra de desenvolvimento é legítima e correta. Segura e belíssima a lei do crescimento, se a perfeição da idade completar as partes e formas sempre maiores que a sabedoria do Criador pré-formou nos pequeninos.
Mas se um homem se mudar em outra figura, estranha a seu gênero, ou se se acrescentar ou diminuir ao número de membros, sem dúvida alguma todo o corpo morrerá ou se tornará um monstro ou, no mínimo, se enfraquecerá. Assim também deve o dogma da religião cristã seguir estas leis de crescimento, para que os anos o consolidem, se dilate com o tempo, eleve-se com as gerações.
Nossos antepassados semearam outrora neste campo da Igreja as sementes do trigo da fé. Será sumamente injusto e inconveniente que nós, os pósteros, em vez da verdade do trigo autêntico recolhamos o erro da simulada cizânia.
Bem ao contrário, é justo e coerente que, sem discrepância entre os inícios e o término, ceifemos das desenvolvidas plantações de trigo a messe também de trigo do dogma. E se algo daquelas sementes originais se desenvolver com o andar dos tempos, seja isto motivo de alegria e de cultivo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Ano Sacerdotal - Carta do Papa II

CARTA DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
PARA A PROCLAMAÇÃO
DE UM ANO SACERDOTAL
POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO
DO DIES NATALIS DO SANTO CURA D’ARS

Continuação.


Tinha chegado a Ars, uma pequena aldeia com 230 habitantes, precavido pelo Bispo de que iria encontrar uma situação religiosamente precária: «Naquela paróquia, não há muito amor de Deus; infundi-lo-eis vós». Por conseguinte, achava-se plenamente consciente de que devia ir para lá a fim de encarnar a presença de Cristo, testemunhando a sua ternura salvífica: «[Meu Deus], concedei-me a conversão da minha paróquia; aceito sofrer tudo aquilo que quiserdes por todo o tempo da minha vida!»: foi com esta oração que começou a sua missão. E, à conversão da sua paróquia, dedicou-se o Santo Cura com todas as suas energias, pondo no cume de cada uma das suas ideias a formação cristã do povo a ele confiado. Amados irmãos no sacerdócio, peçamos ao Senhor Jesus a graça de podermos também nós assimilar o método pastoral de S. João Maria Vianney. A primeira coisa que devemos aprender é a sua total identificação com o próprio ministério. Em Jesus, tendem a coincidir Pessoa e Missão: toda a sua acção salvífica era e é expressão do seu «Eu filial» que, desde toda a eternidade, está diante do Pai em atitude de amorosa submissão à sua vontade. Com modesta mas verdadeira analogia, também o sacerdote deve ansiar por esta identificação. Não se trata, certamente, de esquecer que a eficácia substancial do ministério permanece independentemente da santidade do ministro; mas também não se pode deixar de ter em conta a extraordinária frutificação gerada do encontro entre a santidade objectiva do ministério e a subjectiva do ministro. O Cura d’Ars principiou imediatamente este humilde e paciente trabalho de harmonização entre a sua vida de ministro e a santidade do ministério que lhe estava confiado, decidindo «habitar», mesmo materialmente, na sua igreja paroquial: «Logo que chegou, escolheu a igreja por sua habitação. (…) Entrava na igreja antes da aurora e não saía de lá senão à tardinha depois do Angelus. Quando precisavam dele, deviam procurá-lo lá»: lê-se na primeira biografia.
O exagero devoto do pio hagiógrafo não deve fazer-nos esquecer o facto de que o Santo Cura soube também «habitar» activamente em todo o território da sua paróquia: visitava sistematicamente os doentes e as famílias; organizava missões populares e festas dos Santos Patronos; recolhia e administrava dinheiro para as suas obras sócio-caritativas e missionárias; embelezava a sua igreja e dotava-a de alfaias sagradas; ocupava-se das órfãs da «Providence» (um instituto fundado por ele) e das suas educadoras; tinha a peito a instrução das crianças; fundava confrarias e chamava os leigos para colaborar com ele.
O seu exemplo induz-me a evidenciar os espaços de colaboração que é imperioso estender cada vez mais aos fiéis leigos, com os quais os presbíteros formam um único povo sacerdotal e no meio dos quais, em virtude do sacerdócio ministerial, se encontram «para os levar todos à unidade, “amando-se uns aos outros com caridade fraterna, e tendo os outros por mais dignos” (Rm 12, 10)». Neste contexto, há que recordar o caloroso e encorajador convite feito pelo Concílio Vaticano II
aos presbíteros para que «reconheçam e promovam sinceramente a dignidade e participação própria dos leigos na missão da Igreja. Estejam dispostos a ouvir os leigos, tendo fraternalmente em conta os seus desejos, reconhecendo a experiência e competência deles nos diversos campos da actividade humana, para que, juntamente com eles, saibam reconhecer os sinais dos tempos» (Presbyterorum ordinis, 9)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ano Sacerdotal - Carta do Papa

Caríssimos leitores, a partir de hoje o Veni Creator Spiritus, estará entrando (um pouco atrasados) no clima do Ano Sacerdotal proclamado pelo Papa Bento XVI no 150º ano de falecimento de São João Maria Vianney, que é chamado agora não somente padroeiro dos párocos, mas de todos os sacerdotes. Estaremos colocando neste espaço diversos textos ligados ao tema. Para começar, vamos apresentar a Carta do Papa em que ele proclama o Ano Sacerdotal. É um texto muito profundo e belo, como tudo o que o nosso querido Papa Ratzinger escreve. Rezemos também por ele, o primeiro dentre os sacerdotes da Igreja, para que saiba oferecer-se a si mesmo em oblação pelas ovelhas que o Senhor lhe confiou.

CARTA DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
PARA A PROCLAMAÇÃO
DE UM ANO SACERDOTAL
POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO
DO DIES NATALIS DO SANTO CURA D’ARS
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Amados irmãos no sacerdócio,

Na próxima solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, sexta-feira 19 de Junho de 2009 – dia dedicado tradicionalmente à oração pela santificação do clero – tenho em mente proclamar oficialmente um «Ano Sacerdotal» por ocasião do 150.º aniversário do «dies natalis» de João Maria Vianney, o Santo Patrono de todos os párocos do mundo. Tal ano, que pretende contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um seu testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo, terminará na mesma solenidade de 2010. «O sacerdócio é o amor do Coração de Jesus»: costumava dizer o Santo Cura d’Ars. Esta tocante afirmação permite-nos, antes de mais nada, evocar com ternura e gratidão o dom imenso que são os sacerdotes não só para a Igreja mas também para a própria humanidade. Penso em todos os presbíteros que propõem, humilde e quotidianamente, aos fiéis cristãos e ao mundo inteiro as palavras e os gestos de Cristo, procurando aderir a Ele com os pensamentos, a vontade, os sentimentos e o estilo de toda a sua existência. Como não sublinhar as suas fadigas apostólicas, o seu serviço incansável e escondido, a sua caridade tendencialmente universal? E que dizer da fidelidade corajosa de tantos sacerdotes que, não obstante dificuldades e incompreensões, continuam fiéis à sua vocação: a de «amigos de Cristo», por Ele de modo particular chamados, escolhidos e enviados?
Eu mesmo guardo ainda no coração a recordação do primeiro pároco junto de quem exerci o meu ministério de jovem sacerdote: deixou-me o exemplo de uma dedicação sem reservas ao próprio serviço sacerdotal, a ponto de encontrar a morte durante o próprio acto de levar o viático a um doente grave. Depois repasso na memória os inumeráveis irmãos que encontrei e encontro, inclusive durante as minhas viagens pastorais às diversas nações, generosamente empenhados no exercício diário do seu ministério sacerdotal. Mas a expressão utilizada pelo Santo Cura d’Ars evoca também o Coração traspassado de Cristo com a coroa de espinhos que O envolve. E isto leva o pensamento a deter-se nas inumeráveis situações de sofrimento em que se encontram imersos muitos sacerdotes, ou porque participantes da experiência humana da dor na multiplicidade das suas manifestações, ou porque incompreendidos pelos próprios destinatários do seu ministério: como não recordar tantos sacerdotes ofendidos na sua dignidade, impedidos na sua missão e, às vezes, mesmo perseguidos até ao supremo testemunho do sangue?
Infelizmente existem também situações, nunca suficientemente deploradas, em que é a própria Igreja a sofrer pela infidelidade de alguns dos seus ministros. Daí advém então para o mundo motivo de escândalo e de repulsa. O máximo que a Igreja pode recavar de tais casos não é tanto a acintosa relevação das fraquezas dos seus ministros, como sobretudo uma renovada e consoladora consciência da grandeza do dom de Deus, concretizado em figuras esplêndidas de generosos pastores, de religiosos inflamados de amor por Deus e pelas almas, de directores espirituais esclarecidos e pacientes. A este respeito, os ensinamentos e exemplos de S. João Maria Vianney podem oferecer a todos um significativo ponto de referência. O Cura d’Ars era humilíssimo, mas consciente de ser, enquanto padre, um dom imenso para o seu povo: «Um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus, é o maior tesouro que o bom Deus pode conceder a uma paróquia e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina».
Falava do sacerdócio como se não conseguisse alcançar plenamente a grandeza do dom e da tarefa confiados a uma criatura humana: «Oh como é grande o padre! (…) Se lhe fosse dado compreender-se a si mesmo, morreria. (…) Deus obedece-lhe: ele pronuncia duas palavras e, à sua voz, Nosso Senhor desce do céu e encerra-se numa pequena hóstia». E, ao explicar aos seus fiéis a importância dos sacramentos, dizia: «Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem a há-de preparar para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. (…) Depois de Deus, o sacerdote é tudo! (…) Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no céu». Estas afirmações, nascidas do coração sacerdotal daquele santo pároco, podem parecer excessivas. Nelas, porém, revela-se a sublime consideração em que ele tinha o sacramento do sacerdócio. Parecia subjugado por uma sensação de responsabilidade sem fim: «Se compreendêssemos bem o que um padre é sobre a terra, morreríamos: não de susto, mas de amor. (…) Sem o padre, a morte e a paixão de Nosso Senhor não teria servido para nada. É o padre que continua a obra da Redenção sobre a terra (…) Que aproveitaria termos uma casa cheia de ouro, senão houvesse ninguém para nos abrir a porta? O padre possui a chave dos tesouros celestes: é ele que abre a porta; é o ecónomo do bom Deus; o administrador dos seus bens (…) Deixai uma paróquia durante vinte anos sem padre, e lá adorar-se-ão as bestas. (…) O padre não é padre para si mesmo, é-o para vós».

sábado, 3 de outubro de 2009

Já não são dois, mas uma só carne – XXVII Domingo Comum

Um tema fundamental perpassa todas as leituras que a Sagrada Liturgia nos propõe hoje: a família. A primeira leitura, do livro do Gênesis, começa com uma frase muito significativa: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Deus não criou o homem para que vivesse isolado, para que vivesse somente para ele. Ele quis que o homem vivesse em comunidade, em uma família, compartilhando sua vida, seus anseios e suas alegrias com uma pessoa que seria para ele “uma auxiliar semelhante a ele” (Gn 2,18). O homem é criado para a comunhão da família, célula mãe de toda vida social. É na família que o homem, na medida em que passa da infância para a adolescência e daí para a fase adulta, abandona o egocentrismo inicial (uma marca deixada pelo pecado) para se abrir aos poucos para uma realidade mais ampla: ele percebe que não é o centro do mundo, mas que é apenas uma porção insignificante dele. Ao mesmo tempo, descobre na família a fé em um Deus Providente que o ama e que foi capaz de entregar-se inteiramente por ele. Descobre, enfim, o amor, que constitui a essência mesma de Deus, penetrando no mistério do amor de Deus através do amor que recebe da família. Assim, a família é espaço privilegiado da vida de fé, é a primeira porção da Igreja que um homem tem contato. A família é reflexo do mistério trinitário, de um Deus que é Um, mas que é uma Comunidade de Três Pessoas, que vivem eternamente numa dinâmica recíproca de amor.

A santidade da família é algo evidente para quem crê na Revelação de Deus. O Senhor Jesus alerta para esta santidade ao descrevê-la como uma união estável e indissolúvel, justamente porque firmada em Deus, em sua vontade. Deus quis a família deste modo – é isto que o Evangelho nos ensina: indissolúvel, fiel e fecunda. Nada menos do que isso. E, ao nos depararmos com as exigências de Cristo e compará-las com a situação das famílias de hoje, não podemos ter outra reação a não ser de uma profunda tristeza pela distância de ambas. Que tipos de famílias encontramos? Famílias destruídas pelo vício das drogas, do alcoolismo, da prostituição, famílias desfeitas, famílias criadas de qualquer maneira, famílias vilipendiadas pela mídia e pelo Estado, famílias “de fato” e “famílias” gays: tudo isso se encontra no mundo de hoje. Haverá solução para a família? O sonho de Deus para ela – um homem, uma mulher e seus filhos, numa união estável, fiel e fecunda – permanecerá até o fim do mundo. E o sonho de Deus sempre prevalecerá.

Como o cristão de hoje pode ajudar a construir uma família que seja mais conforme aos desígnios de Deus? Ele não precisa se preocupar com as outras; basta que olhe para a sua e trabalhe nela os valores evangélicos e viva conforme estes, segundo sua condição de esposo e pai, ou mãe e esposa, ou filho e irmão, filha e irmã. Que valores são esses? São Paulo nos ensina: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela; Assim os maridos devem amar as suas mulheres, como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Certamente, ninguém jamais aborreceu a sua própria carne; ao contrário, cada qual a alimenta e a trata, como Cristo faz à sua Igreja - porque somos membros de seu corpo. Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois constituirão uma só carne. Este mistério é grande, quero dizer, com referência a Cristo e à Igreja. Em resumo, o que importa é que cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido” (Cl 5,25.28-33). E ainda: “Filhos, obedecei a vossos pais segundo o Senhor; porque isto é justo. Pais, não exaspereis vossos filhos. Pelo contrário, criai-os na educação e doutrina do Senhor” (Cl 6,1.4). Estes conselhos do Apóstolo são caminho seguro para santificar a família, fazendo-a mais agradável a Deus. Tenhamos fé e coragem, irmãos e irmãs: o ideal que Nosso Senhor propõe não é irrealizável: é o mais belo plano de amor que ele sonhou para seus filhos, de modo que já aqui na terra eles saboreiem as delícias de participar da comunhão dos filhos de Deus, vivendo o céu antecipadamente na família.