quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Quem recebe esta criança, é a mim que recebe

“Quem receber esta criança em meu nome estará recebendo a mim. E quem me receber estará recebendo aquele que me enviou” (Lc 9,48). Como é grande o mistério de um Deus que se identifica com os pequenos! Primeiro, Deus se identifica com a pequenez humana – e, mais ainda, se encarna nela; depois, se identifica com uma criança – Ele próprio foi uma criança. Por que Jesus se identifica com uma criança? O salmista nos responde: “O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos” (Sl 8,3). Jesus é a perfeita Palavra de louvor de Deus para si mesmo, Palavra que o Pai dá aos homens para que estes possam louvá-lo de forma perfeita. Mas isso só é possível – já o vimos – sendo como uma pequena criança.

A nossa identificação com uma criança, porém, não significa que tenhamos de ter atitudes e pensamentos de criança – “Quando me tornei adulto, rejeitei o que era próprio de criança” (1Cor 13,11). O que devemos imitar na criança – e é nisso que Jesus se identifica com elas – é a inocência, inocência que faz com que a ela não possa ser imputado o crime, o pecado. Mais ainda: devemos imitar a cega confiança da criança para com seu pai, como a cega confiança de Jesus em Seu Pai. Diante de Deus, somos como crianças, impotentes, fracas, necessitadas do auxílio de alguém maior para podermos desenvolver a nossa potencialidade, o nosso pleno desenvolvimento humano: em última instância, a santidade.

Acolhamos o Senhor nos pequenos e, especialmente,imitemos os pequenos, que se abandonam confiantes nas mãos de seus pais. De fato, “se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedirem!” (Mt 7,11)

sábado, 26 de setembro de 2009

Ai de quem escandaliza! - XXVI Domingo Comum

A riqueza inexaurível da Palavra de Deus permite que se escreva miríades de miríades de tratados sobre ela. Contentemo-nos, neste santo Domingo, a contemplar apenas dois aspectos que podemos depreender das leituras que a Igreja nos propõe. Estes são: a liberdade de Deus e a responsabilidade do homem.
O ato amoroso e inteiramente livre de Deus de, uma vez tendo criado a humanidade e tendo esta perdido a amizade com Ele, escolher um povo para que fosse sua porção, o povo de sua preferência, o povo de sua propriedade, implica necessariamente que Deus transcende este povo, não é propriedade dele – Deus é o “proprietário” de Israel e não Israel é proprietária de Deus. A eleição de Israel serve como sinal e prefiguração da amizade, da pertença, da santidade de um povo escolhido que o é não em vista de si mesmo ou para ficar fechado em si mesmo: Israel é sinal para os outros povos. A eleição de Israel por Deus é o sinal de que Deus, na verdade, almejava estender sua eleição para todos os povos. E a missão de Israel é justamente esta: ser sinal do amor de Deus, que se estende até os confins da terra e atinge a todos os homens, sem distinção.
Toda esta realidade é depreendida do que escutamos na primeira leitura, retirada do Livro dos Números. Deus manda que Moisés escolha setenta homens retos e prudentes para que lhes seja comunicado uma porção do espírito profético que Deus deu a Moisés para guiar o Seu povo. No entanto, dois deles não estão junto aos outros e, mesmo assim, recebem o espírito de profecia. Josué tem uma atitude muito humana, análoga a de João no Evangelho, reclamando que outros que não estavam junto com os líderes também exerciam o poder de Deus. A resposta de Moisés – “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito!” (Nm 11,29) – é a afirmação da liberdade de Deus: ele não se deixa prender por esquemas humanos, nem mesmo os esquemas sagrados que ele mesmo impõe. Deus é absolutamente livre. Se nós pudéssemos enquadrar Deus nos esquemas da nossa cabeça – e mesmo nos esquemas, por exemplo, da doutrina, ou da ação de Deus nos sacramentos -; se pudéssemos fazê-lo, não seria Deus. De Deus podemos ter apenas um aceno, uma visão pelas costas, como Moisés. Só na eternidade poderemos vê-lo face a face.
Uma outra realidade, a da responsabilidade humana como resposta à liberdade amorosa de Deus é expressa na seguinte expressão do Evangelho de hoje: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42). Quem, por sua atitude escandaliza, ou seja, põe uma pedra de tropeço no caminho do seu irmão por causa de uma atitude sua, seria melhor que pegasse essa mesma pedra de tropeço, a amarrasse no próprio pescoço e se jogasse ao mar. O que quer dizer isso? Quer dizer que, se é grave o pecado que uma pessoa comete, muito mais grave é quando este pecado tornar-se um mau “modelo” para os outros, levando os outros a pecar ou a terem abalada a sua fé. Neste sentido, quanto mais alto se está, maior a queda, maior o escândalo. Isto serve para todos, sobretudo para os cristãos. Quando o nosso comportamento não é condizente com a realidade ontológica de batizados que possuímos – somos filhos de Deus, santos de Deus – a nossa vida se torna um escândalo para os outros que estão de fora, ou para os que estão dentro mas fraquejam ou, ainda, para os que estão afastados. Isto é o escândalo: por nossos atos, afastamos os outros de Deus. Que alta responsabilidade! Ao mesmo tempo em que podemos conduzir os outros para o céu, podemos também conduzir os outros para o inferno, tornando-nos escândalo para eles. Eis aqui o que deve nos fazer tremer!
Roguemos, irmãos e irmãs, para que possamos ser transparência de Deus para os outros e nunca pedra de tropeço, que o escândalo nunca se ache em nossa vida! Peçamos ainda que o Senhor nos ajude a entender que nunca poderemos abarcá-lo, entendê-lo com nossa mente tão miúda e tão limitada! Que estes rogos e pensamentos nos acompanhem nesta abençoada semana que hoje se inicia, e que a Santa Virgem Maria nos acompanhe com sua materna intercessão. Amém.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Veni Creator Spiritus

Veni Creator Spiritus, por Giovanni Vianini:

Veni, creator Spiritus

mentes tuorum visita,

imple superna gratia,

quae tu creasti pectora.

Qui diceris Paraclitus,

donum Dei altissimi,

fons vivus, ignis, caritas

et spiritalis unctio.


Tu septiformis munere,

dextrae Dei tu digitus,

tu rite promissum Patris

sermone ditans guttura.


Accende lumen sensibus,

infunde amorem cordibus,

infirma nostri corporis,

virtute firmans perpeti.


Hostem repellas longius

pacemque dones protinus;

ductore sic te praevio

vitemus omne noxium.


Per te sciamus da Patrem

noscamus atque Filium,

te utriusque Spiritum

credamus omni tempore. Amen.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O eu, os outros eus e as coisas do mundo

A consciência plenamente desenvolvida – que é, antes de mais nada, autoconsciência – percebe a realidade a partir de três perspectivas distintas mas intimamente relacionadas: a primeira, a partir da própria consciência, da própria individualidade; depois, como consciência do que está fora de si, do mundo, da realidade (da qual o eu autoconsciente é parte integrante); e, finalmente, a partir da consciência do eu do outro, que é um meio-termo entre o eu e o mundo, sendo semelhante em sua relação com o eu próprio e diferente deste mesmo eu próprio em sua relação como o mundo.
A autoconsciência é o anelo mais profundo do homem. Os Antigos atestavam esta realidade quando, em busca da sabedoria que conduz à felicidade, se deparavam com este imperativo: “Scitote teipsum”, conhece-te a ti mesmo. Dentro dessa perspectiva, um filósofo como Agostinho apontava para a interioridade do homem como o local onde se buscava e se achava a Verdade. Assim, o homem sábio e, consequentemente, feliz, é aquele que entra em si buscando achar a unidade de sua consciência, a verdade sobre si próprio.
Naturalmente, mesmo tomando como basilar o conhecimento de si mesmo para a formação da consciência e posse da sabedoria, nem Agostinho nem os Antigos negavam a realidade de que o mundo criado ou o mundo existente proporcionavam o conhecimento da Verdade, meta de toda sabedoria, de toda filosofia; pelo contrário, tanto na tradição greco-romana quanto na tradição judaico-cristã, o conhecimento do mundo é uma necessidade em vista da própria compreensibilidade do eu, que não é isolado deste mundo. De fato, como conhecer o próprio eu sem levar em conta o mundo que me circunda, as circunstâncias que me são estranhas e que fazem parte da estrutura da realidade fora de mim? “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, já dizia Ortega y Gasset, ou seja, a formação da autoconsciência humana não pode prescindir dos elementos de experiência que se apresentam à consciência, elementos que estão fincados na realidade e na substancialidade do mundo.
O movimento para fora do eu – que, como já ressaltado, acaba sendo entrada no próprio eu por outra via – que acontece quando nos abrimos para a realidade das coisas criadas nos faz deparar com outros eus, outras substâncias que são semelhantes à nossa substância e que constituem uma só substância, a substância humana, na qual podemos enxergar-nos nos outros como num espelho. De fato, quando olhamos para fora de nós mesmos e vemos o outro, é como se víssemos a nós mesmos refletidos. Mas ao mesmo tempo em que a natureza do outro é a minha mesma natureza, a comparação de nós mesmos com os outros nos faz perceber a irrepetibilidade de cada eu autoconsciente. É esta consciência da singularidade do outro que é a base da tão afamada e ao mesmo tempo vilipendiada dignidade humana, dignidade que é reconhecida no amadurecer da personalidade, na tomada de posse de uma autoconsciência que é fundamento e base da vida humana.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A oração do Senhor X - Amém

Do Tratado sobre a oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir

Não é de admirar, irmãos caríssimos, que a oração, tal como Deus a ensinou, enfeixe, por seu ensinamento, toda a nossa prece numa breve palavra de salvação. Já pelo profeta Isaías isto tinha sido predito, quando, cheio do Espírito Santo, falava da majestade e bondade de Deus: Verbo que completa e abrevia na justiça, porque Deus fará uma palavra abreviada em todo o orbe da terra. Pois a palavra de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, veio para todos e, reunindo doutos e ignorantes, sexos e idades, lhes deu preceitos salutares, resumindo de tal maneira seus mandamentos, que a memória dos discípulos não sentisse dificuldade com o ensinamento celeste, mas rapidamente aprendesse o que era necessário à simples fé.
Do mesmo modo, ao ensinar-nos o que seja a vida eterna, condensou o mistério da vida com grande e divina brevidade, dizendo: Esta é a vida eterna, que te conheçam a ti, único e verdadeiro Deus, e a quem enviaste, Jesus Cristo. E ainda, querendo salientar os primeiros e maiores preceitos da lei e dos profetas, diz: Ouve, Israel. O Senhor, teu Deus, é um só Senhor; e Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Este é o primeiro; e o segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas. E de novo: Tudo quanto quiserdes que vos façam os homens, fazei-o a eles. Isto é a lei e os profetas.
Deus não nos ensinou a orar apenas com palavras, mas também com atos. Ele próprio com frequência orou e suplicou, mostrando-nos com seu exemplo o que temos de fazer. Está escrito: Ele se afastava para os lugares solitários e adorava. E a ainda: Saiu para o monte a fim de orar e passou a noite inteira em oração a Deus.
O Senhor orava e pedia não para si – que pediria, o inocente, para si? – mas por nossos delitos, como ele mesmo o declarou ao dizer a Pedro: Eis que Satanás procurava joeirar-vos como trigo. Mas eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça. E pouco depois rogou ao Pai por todos, dizendo: Não rogo apenas por estes, mas também por aqueles que irão crer em mim pelas palavras deles, a fim de que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós.Imensa benignidade e piedade de Deus para nossa salvação! Não contente de redimir-nos com seu sangue, ainda quis com tanta generosidade rogar por nós. Considerai o desejo daquele que rogou, para que do mesmo modo como o Pai e o Filho são um, assim também nós permaneçamos na mesma unidade.

sábado, 12 de setembro de 2009

Se alguém quiser me seguir, renuncie a si mesmo - XXIV Domingo Comum

O Evangelho deste XXIV Domingo do Tempo Comum fala da missão de Jesus e da nossa missão. O Senhor pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27). Quais as ideias que os homens têm sobre mim? Diante do que eu fiz, de minha doutrina, dos sinais que realizei, dos corações que curei, das vidas que salvei, diante de tudo isso, quem os homens acham que eu seja? “Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas” (Mc 8,28). Hoje nos diríamos: alguns dizem que sois um revolucionário como Che Guevara; outros que sois um mestre espiritual, como Buda; outros, ainda, que sois um homem bom, como Ghandi; outros, também, que sois a salvação dos nossos problemas financeiros, de nossas doenças, como se fosses um banco ou uma farmácia. As pessoas dizem muitas coisas sobre vós, Senhor Jesus!, tantas coisas que até nós mesmos, às vezes, nos confundimos! Muitas vezes, aqueles que são vossos discípulos, que deveriam saber quem vós sois para vos indicar ao mundo, deixam de falar em vós para falar em generalidades, dizendo coisas como “é preciso despertar o senso da beleza do divino” ou “nós temos que trabalhar para construir o Reino de Deus”, “os problemas sociais são os mais importantes” etc. Às vezes, é difícil acharmos alguém que nos fale de vós, que sejam simples e diretos como Pedro: “Tu és o Cristo, tu és o Messias, o Filho de Deus!” (Mc 8,29; cf. Mt 16,16) Eis uma grande desgraça para o mundo de hoje: os discípulos de Cristo, não falam mais de Cristo, da Pessoa de Cristo, mas generalidades que, sem Cristo, não passam de banalidades!
Jesus é o Cristo, o Messias esperado, mas que tipo de Messias? O Senhor, logo após a confissão de Pedro os alerta: o Messias não é um chefe político, um revolucionário que vai libertar o povo de Israel do jugo dos romanos, ou qualquer outra coisa; o Cristo é aquele que “devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da lei; devia ser morto e ressuscitar depois de três dias” (Mc 8,31). Que paradoxo! O Messias, o Filho de Deus, que veio ao mundo para salvar a humanidade do pecado e da morte, não foi destinado por seu Pai a vir reinar no mundo com poder e com glória, calcando aos pés todos os que o rejeitam; não, ele veio manso, humilde, fraco, plenamente homem. Ele oferece as faces para seus agressores, levando bofetadas e cusparadas, sofrendo a humilhação de ser homem e mais, de ser considerado o mais desprezível dos homens (cf. Is 50,5-9). Mas ele é, ao mesmo tempo, o homem perfeito que mesmo diante da injustiça mantém a esperança em Deus: Ele é seu libertador. Ele sabe que os sofrimentos deste mundo valem a pena ser sofridos se unidos a Deus porque a breve provação pela qual o homem passa nessa vida é um nada comparado com a glória da vida futura. Ele sabe que tem Deus a seu lado e que nada o poderá separar de seu Auxiliador. É por isso que Jesus não aceita a repreensão de Pedro: uma negação da missão sofredora de Jesus consistiria na negação do plano salvífico de Deus, seria um pecado contra a esperança em Deus, seria um puro acomodar-se a um plano meramente humano de carreira e sucesso. Mas os planos de Deus são diferentes: é através do sofrimento do Messias que a humanidade redimida pode aproximar-se de Deus purificada de seus pecados e viver diante d’Ele em santidade e em justiça. É nesse sentido que Jesus alerta: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do evangelho vai salvá-la” (Mc 8,34-35). Se nós quisermos, como Pedro queria, sermos poupados dos sofrimentos deste mundo, sermos poupados da cruz que nos cabe carregar, sermos poupados da responsabilidade a que somos chamados a ter diante do mundo, não seremos dignos de ganhar a verdadeira vida: perdê-la-emos. Mas, ao contrário, se como Jesus soubermos gastar a nossa vida, aceitando a cruz cotidiana, carregando-a não apenas com resignação mas com a alegria de sabermos que o Senhor caminha conosco, se formos generosos para não somente carregar a nossa cruz mas ajudar os irmãos a carregar suas cruzes, aí sim, embora pareça que estaremos perdendo nossa vida, estaremos, na verdade, ganhando-a. Eis o convite que o Senhor nos faz nesse Santo Domingo: seguirmo-lo integralmente, sem meios termos, sem murmurações, sem questionamentos, carregando nossa cruz e morrendo junto com Ele, para com Ele ressuscitarmos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A Bíblia ou os best-sellers

Por Leandro Marques
.
Nas revistas semanais há uma coluna de livros mais vendidos, os best-sellers. Muitos deles são de autoajuda, prontos a acudir a quem já não tem esperanças nem perspectivas ou está subordinado ao stress ou à depressão. Outros tantos de ficção. Alguns muito rasos, com ficção desonesta e especulações mentirosas, incluem a Igreja em seus enredos fantasiosos. São livros não científicos como Anjos e demônios, O Código Da Vinci que são lidos como se fossem ciência por mentes ignóbeis que se deixam influenciar por qualquer folhetim impresso.
Isso é um sinal negativo de uma sociedade que esquece o valor da Bíblia. Ela ainda é o livro mais vendido no mundo. Todavia, muitos tiram a Sagrada Escritura do lugar privilegiado que ela deve ter no coração humano, como palavra de Deus inspirada e dirigida ao homem da parte de Deus.
Quando ela é tida como conjunto de fábulas criadas por um povo primitivo, então se acredita mais nas fantasias irracionais de certos autores sem moral, sem ética, preocupados apenas com seus direitos autorais, seu lucro. Quando ela é tida como uma linguagem dura e ultrapassada que já não pode aconselhar, orientar e dirigir as mentes, as pessoas aportam sua confiança inquestionável nos livros açucarados de autoajuda, crendo neles de maneira dogmática. Nem imaginam que os resultados que um livro de autoajuda oferece não duram mais que três meses.
Hoje precisamos nos voltar para a Bíblia como presença de Deus na história da humanidade, de um Deus que se comunica, que dirige ao homem sua voz, indicando sua vontade, seu plano de amor. Em setembro celebramos a memória de São Jerônimo, santo do século IV que traduziu a Bíblia para o latim. Que neste mês, possamos reaquecer o nosso amor pela Sagrada Escritura, lembrando-nos daquilo que diz o salmista: Tua palavra é lâmpada para meus passos e luz no meu caminho (Sl 118,105).

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

ESSA CRUZ MUITO AMADA

Do Livro O Meu Cristo de Cada Dia,
Padre Virgílio, SSP.

Se alguém quer vir após mim,
tome a sua cruz
(Mt 16,24).

Mais de uma vez fiquei pensando no que significariam para mim essas palavras de Jesus: “Cada um tome a sua cruz e siga-me”.
Imaginei que Cristo me convidasse apenas a suportar sem reclamações as contrariedades da vida.
Julguei que a cruz fosse algo que acontece por acaso na vida da gente e que é preciso agüentar pacientemente até o fim. Um cálice amargo que alguém me oferece e que não fica bem recusar...
Mas hoje, não estou mais convencido disso. Sei com certeza que a cruz não é um imprevisto. Não é uma paulada na cabeça nem uma telha que cai em cima da gente e que é preciso suportar com toda resignação.
Jesus não disse: “Agüentai a cruz”. Disse: “Tomai a cruz”.
Então, significa que ela deve ser assumida conscientemente, deve ser tomada, abraçada, amada.
Em concreto, significa que eu devo assumir os compromissos do batismo, ocupar com coragem o meu lugar na construção do mundo novo, aceitar integralmente o sermão da montanha e o Evangelho todo, acolher o Cristo em minha vida, com todas as suas exigências.
Significa, enfim, que devo aceitar a vida e aceitar a morte, como ato de amor, como missão e como serviço.
É debaixo de uma cruz que nasce e amadurece uma vida. É nos braços dela que o homem se torna homem.
Mas eu não posso ser apenas um cireneu “obrigado” a carregá-la, nem um condenado à morte “forçado” a levá-la até o lugar da execução.
Não basta eu dobrar o dorso debaixo dela. Será preciso que eu lhe abra o coração.
Nem é suficiente arrastá-la com a força do desespero e com a raiva de quem nada pode fazer para evitá-la. Ela tem que ser carregada nos braços como uma criança muito amada.
Então, ele se tornará leve, como disse Jesus.
Mesmo porque debaixo dela não estarei sozinho. Estará também ele a carregá-la comigo.

A oração nos dá o Espírito Santo

Em Lc 11,13 Jesus afirma que o Pai dará o Espírito Santo aqueles que lho pedirem. Para se compreender a profundidade e a largueza dessas palavras é necessário situá-las textualmente. O capítulo 11 de s. Lucas inicia com o pedido de um dos discípulos para que Jesus os ensine a orar. Jesus ensina o Pai nosso, conta-lhes a parábola do amigo inoportuno, e deixa evidente a importância e a eficácia da oração de petição para os cristãos. “Pois todo aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater, se lhe abrirá” (cf. Lc 11,10). Por fim, Jesus conclui: “Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo aos que lho pedirem” (cf. Lc 11, 13). Numa palavra: Jesus encerra as suas colocações acerca da oração manifestando a sua real finalidade: dar a vida no seu Espírito Santo.
A oração cristã não alcança de Deus simplesmente “coisas”. A intimidade com Deus alcança dele, na linguagem lucana, a “coisa boa” por excelência, o Espírito Santo. E o Espírito concede aos que o recebem aquilo que está descrito nas palavras da IV Oração Eucarística: “E, afim de não mais vivermos para nós, mas para Ele (Jesus), que por nós morreu e ressuscitou, enviou de vós, ó Pai, o Espírito Santo, como primeiro dom aos vossos fiéis para santificar todas as coisas, levando à plenitude a sua obra”. O Espírito Santo, portanto, abre o coração humano para Deus. Nele, o homem não vive mais para si mesmo, mas para Cristo. O homem vive para Cristo porque na sua natureza humana o Espírito habita como num templo, possuindo-a, transfigurando-a, sujeitando o homem velho ao senhorio de Cristo.
Orar nos abre para Deus porque não nos dá “coisinhas”. A vida de oração dá-nos a vida na graça, porque nos embriaga do Espírito Santo. É Ele que nos permite perscrutar os planos de Deus, compreender a nossa vida dentro do mistério salvífico de Deus. Quem experimenta a oração assim, vive na presença de Deus.
Mas se a oração nos dá o Espírito Santo e a liturgia é oração por excelência da Igreja, as celebrações litúrgicas são momentos privilegiados da epifania do Espírito Santo. Ali, os ritos, as palavras, comunicam-nos uma realidade nova, que não é nossa, é Dom do alto. Os sacramentos realmente nos transmitem o Espírito Santo. É por isso que dizemos que eles nos dão a vida na graça, porque a graça não uma das coisas boas que o Pai pode nos dá: a Graça é o próprio Espírito Santo.
A vida de oração, seja individual ou litúrgica, não pode estar à mercê dos caprichos humanos. A oração individual não deve servir ao atendimento dos pedidos mesquinhos e desconectados do compromisso com uma vida nova; a liturgia, por sua vez, não pode ser manipulada e deturpada nos seus ritos. Ambas devem ser experimentadas como momentos de encontro, cujo fruto é ao mesmo tempo o protagonista: o Espírito Santo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Festa da Natividade de Nossa Senhora

Nesse dia da Festa da Natividade de Nossa Senhora, meditemos nas palavras de Santo André de Creta, bispo do século VIII.

O fim da lei é Cristo (Rm 10,4), que ao mesmo tempo separa da lei e eleva para o espírito. Nele está a consumação, pois o próprio legislador – tendo cumprido e terminado tudo – transfere a letra para o espírito. Assim tudo recapitula em si mesmo, vivendo a graça depois da lei. A lei, porém, submetida; a graça, harmoniosamente adaptada e unida. Não misturadas e confundidas as características de uma com as da outra, mas mudado de modo divino o que era pesado, servil e escravo, em leve e liberto, para que não mais estejamos reduzidos à servidão dos elementos do mundo (Gl 4,3), como diz o Apóstolo, nem sujeitos ao jugo da escravidão da letra da lei.
É este o resumo dos benefícios de Cristo para nós; é esta a manifestação do mistério; é o aniquilamento da natureza; é Deus e homem; é a deificação do homem assumido. Todavia era absolutamente necessário ao esplendor e à evidência da vinda e Deus aos homens uma introdução jubilosa, antecipando para nós o grande dom da salvação. Este é o sentido da solenidade de hoje que tem início na natividade da Mãe de Deus, cuja conclusão perfeita é a predestinada união do Verbo com a carne. Agora a Virgem nasce, é alimentada com leite, plasmada e preparada como mãe para o Deus e rei de todos os séculos.
Neste momento, foi-nos dado duplo proveito: um, a elevação à verdade; outro, a rejeição da servidão e da vida sob a letra da lei. De que modo, com que fim? Pelo desaparecimento da sombra com a chegada da luz; em lugar da letra, a graça que dá a liberdade. Nossa solenidade está na fronteira entre a letra e a graça, unindo a realidade que chega aos símbolos que a figuravam, substituindo o antigo pelo novo.
Portanto cante e exulte toda a criação e contribua com algo digno para a alegria deste dia. É um só o júbilo dos céus e da terra; juntos festejem tudo quanto está unido no mundo e acima do mundo. Pois hoje se construiu o templo criado do Criador de tudo, e pela criatura, de forma nova e bela, preparou-se nova morada para o seu Autor.

domingo, 6 de setembro de 2009

Panis Angelicus, de São Tomas de Aquino, por Andrea Bocelli

Para encerrar a noite do Domingo, a voz maravilhosa de Andrea Bocelli cantando Panis Angelicus e elevando nosso espírito ao Senhor. A todos um bom Domingo, um bom feriado e uma ótima semana!

sábado, 5 de setembro de 2009

XXIII Domingo do Tempo Comum


Esse XXIII Domingo do Tempo Comum nos apresenta o compromisso e a aliança que Deus fez com o homem. Por esta aliança, Ele nos dá vida nova e felicidade para podermos atingir o seu plano, o seu projeto de amor para nós: sermos homens renovados por seu Espírito Santo.
O profeta Isaías, na primeira leitura da liturgia de hoje, nos fala dos exilados na Babilônia, e em especial daqueles que estão vivendo na dor e no desespero de uma escravidão em terras estrangeiras. Mesmo nessa situação dramática, Deus pede para o povo ter fé, porque será ele mesmo que irá libertá-lo e conduzi-lo à sua terra: “Sedes fortes, não temas. Eis que vosso Deus vem para vingar-vos, trazendo a recompensa divina. Ele vem para vos salvar” (Is 35,4).
O salmista, por sua vez, proclama a fidelidade do Senhor em cumprir suas promessas quando diz: “o Senhor é fiel para sempre faz justiça aos que estão oprimidos” (Sl 145). Por isso, apesar de nossos pecados e limitações, o Senhor nos aparece como um Deus que ama a cada um de nós e quer que todos nós alcancemos a sua salvação eterna, a verdadeira liberdade
No Evangelho, Marcos (cf. 7,31-37) manifesta Jesus obediente ao seu Pai, cumprindo com muita precisão sua missão: abrir os ouvidos, soltar a língua de um surdo mudo. Ou seja: Jesus veio anunciar o Reino aos homens para que eles pudessem se salvar. O surdo-mudo curado por Jesus é imagem da humanidade escrava das suas paixões, exiladas de Deus, como o povo de Israel, carente de libertação. Neste gesto de Jesus, ao curar o surdo-mudo, revela-se que o Reino de Deus acontece quando os nossos olhos, nossos ouvidos, enfim todos os nossos sentidos se abrem para ação de graça divina, para a ação do seu Espírito Santo.
Essa abertura dos sentidos à ação de Deus transforma a vida da cada batizado. É por isso que São Tiago se dirige aquelas pessoas que acolheram o chamado e o convite de Jesus Cristo e se comprometeram a segui-lo no caminho do amor, da partilha do acolhimento e da doação (cf. Tg 2,1-5) . É justamente por essas virtudes que se manifesta a abertura do coração humano a vida no Espírito Santo.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A fé: caminho para a verdadeira felicidade

Se fôssemos capazes de entrar as portas da intimidade de cada pessoa, não encontraríamos um único coração onde não habitasse a tristeza, o temor ou a desolação.
Sofre o pobre porque é pobre, sofre o rico por ser rico; sofre o jovem por ser jovem; sofre o idoso por ser idoso. Sofrer! Eis aqui o manjar que nunca vai deixar de faltar na festa de nossas vidas enquanto estivermos peregrinando neste mundo. Mas, essa vida não é apenas sofrimento, pois não fomos criados por Deus Pai somente para sofrer nessa terra. Deus criou o homem à sua imagem, criou-os homem e mulher (Gn 1,27).E como imagens reais do criador, por meio de Cristo, Deus nos libertou da morte, dando-nos a oportunidade de viver com ele uma aliança de amor.
No entanto, quando o sofrimento, a dor, a angústia, ou seja, as cruzes desta vida terrena chegam em nossas vidas, é preciso que já se tenha maturidade e consciência para acreditar que a dor em nossas vidas passam, são passageiras. Para uma pessoa que tem confiança e acredita em Deus, consegue fazer da fé uma anestesia para acalmar as dores mais potentes da vida de um ser humano.
Ser feliz não é um sonho impossível, porque para isso, Cristo Jesus já derramou seu sangue santo na cruz para nos resgatar das mãos do maligno. Mas a fé em Jesus Cristo consegue cortar as raízes das dores da vida, amenizá-las, tirar alguns espinhos, curar algumas feridas para que finalmente possamos sentar à sombra fresca do arvoredo, e respirar, dormir e sonhar em paz, porque quem nos da essa paz é Jesus Cristo, nosso Deus e Senhor.