terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Na liturgia estamos em casa

Cada livro novo me era uma preciosidade, e eu não podia sonhar com nada mais lindo. Foi para mim uma aventura cativante esse lento acesso ao misterioso mundo da liturgia, que lá no altar, diante de nós e para nós, se realizava. Tornou-se cada vez mais claro para mim que eu me encontrava aí diante de uma realidade que não foi inventada por uma pessoa qualquer, e não havia sido criada por uma autoridade ou grande personagem. Essa misteriosa fusão de textos e ações tinha nascido da fé da Igreja, através dos séculos. Carregava dentro de si o peso de toda a história, mas era, ao mesmo tempo, muito mais do que um produto da história humana. Cada século tinha contribuído com seus vestígios. As introduções nos ensinavam o que tinha vindo da Igreja primitiva, da Idade Média, dos tempos modernos. Nem tudo era lógico. Tudo era bastante complicado; nem sempre era fácil a gente se orientar. Mas exatamente por isso aquela estrutura era maravilhosa, e nos sentíamos em casa. Como criança, eu naturalmente não percebi tudo isso em detalhe, mas meu caminho com a liturgia foi um processo contínuo de crescimento, penetrando numa grandiosa realidade, que supera todas as individualidades e gerações, o que me levava a sempre renovadas surpresas e descobertas. A inesgotável realidade da liturgia católica acompanhou-me em todas as fases de minha vida; por isso, não posso deixar de voltar continuamente a esse assunto.

(Joseph Ratzinger, Lembranças da minha vida, p. 20-1).

sábado, 2 de agosto de 2014

Revisitando o Concílio – 1



Os textos do Concílio Vaticano II são tão importantes para a Igreja contemporânea – quer gostemos deles quer não, todos temos de admitir – que é necessário revisitá-los com frequência, seja para investigá-los mais a fundo, seja para compará-los com a Igreja atual e ver em quê esta está sendo fiel ao Concílio e em quê não; e se esta fidelidade ou infidelidade traz os frutos materiais e espirituais que os papas João XXIII e Paulo VI, bem como todos os padres conciliares, a Igreja inteira e o mundo esperavam.
Relendo pois os documentos do Concílio, decidi reproduzi-los aqui em alguns trechos que acho fundamentais e comentá-los quando necessário, fazendo uma ligação com o modo como a Igreja está ou não aplicando o trecho em questão. Prescindirei da história dos documentos ou das discussões conciliares dos trechos citados. Limitar-me-ei a estabelecer, quando achar necessário, uma ponte comparativa do trecho pronto com a vida da Igreja atual.
Seguirei a ordem de aprovação dos documentos, começando com o primeiro, a Constituição Sacrossanctum Concilium.
O texto do documento vai caracteres normais. Meus eventuais comentários seguem em itálico, dentro ou fora do corpo do texto.

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A presença de Cristo na Liturgia

(...) Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Meditação sobre a gravidade do pecado mortal como ofensa a Deus

Considera algumas circunstâncias de teus pecados para conhecer mais a sua gravidade. Quando pecavas, nem que fosse no meio da noite ou no lugar o mais afastado, ali estava Deus presente, e à Sua vista cometias aquela maldade. Que desacato e atrevimento! Na presença de um rei, de um bispo, de um sacerdote, não cometerias tal maldade, e a cometes na presença de Deus, ó suma vergonha! Mais: quando pecavas, tinhas de fazer alguma ação e, para executá-la, necessitavas da ajuda de Deus, o qual, como causa universal, era obrigado a servir-te na maldade, do que se queixa por um profeta. Que desacato mais horrendo! Poderá haver maior? Quando pecavas, estava lá Deus em seu infinito poder e não necessitava senão querer para tirar-te naquele mesmo instante a vida e passar-te do pecado em ato ao inferno, como aconteceu a outros, onde estarias queimando sem apelo e, ainda crendo nesta verdade, ias adiante, cometendo o pecado mortal. Que atrevimento! Digas, pecador: isso não é insultar a Deus? Ah, infeliz! Perdeste o temor de Deus, mas não por isso: se Ele não te levou antes, pode fazer neste momento caso não te arrependas imediatamente e lhe peças perdão com a mais viva dor e arrependimento.

Oração

Meu Deus, se grande é a minha culpa, maior é a vossa misericórdia em conservar-me a vida quando tão infamemente insultava e provocava vossa justiça pecando em Vossa Presença. Fazei, Senhor, que meu coração seja possuído pelo Vosso santo temor para que possa arrepender-me com grande dor.

Côn. Josep Antoni Arnautó, Manual de piadosas meditacions, 1835, p. 80-81.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Felicidade falsa e verdadeira

     Tratamos da Felicidade do "desterro", limitada e imperfeita.
     Na fachada do palácio da pseudofelicidade ou da fortuna aparente,  apresentam-se-nos prazeres,  riquezas, diversões... Não está ali a felicidade. Do interior saem estas vozes: "Vazio, intranquilidade,  fastio". A riqueza não satisfaz; não trouxe paz a 80 milionários que num só ano,  se suicidaram nos Estados Unidos. O mesmo se diga do prazer confundido com a felicidade.  Muitos entregam-se ao vício, mas encontram abjeção, enfado, enfermidade,  remorso,  morte prematura e, talvez, condenação eterna. Tampouco nos satisfazem as diversões imoderadas. Quantos jovens sentem o vazio de sua vida sem ideal! Deveriam preenchê-lo com a satisfação do dever cumprido ou do sacrifício por uma causa nobre,  mas se contentam com entulhar este vácuo com acúmulo de diversões, ou tentam disfarçá-lo com o riso chocarreiro e a agitação desenfreada. Nunca serão felizes por esse caminho.
     A verdadeira felicidade é uma "Senhora nobre, altruísta,  tranquila e recolhida, que mora no interior do castelo da alma, conhecendo, aumentando e saboreando seus tesouros. Assoma com frequência ao exterior pelas janelas do rosto, engalanada de sorriso, veste fulgurante do ser racional, que nem os animais, nem as flores mais belas podem ostentar".
     A felicidade se oculta quando a buscamos com egoísmo. Ela vem a nós, quando, sem olhar para nós,  nos abraçamos com o que há de mais nobre: o Dever,  a Virtude, o Bem do próximo, Deus. Os acontecimentos quase não a afetam. Pois, se os insensatos tiram destes desespero e tristeza, os sábios, ao contrário, paz e alegria. A alma feliz descobre na essência de cada ser ou acontecimento aquilo que lhes dá unidade e valor: o fim nobilíssimo de ajudar-nos a glorificar o Criador infinitamente Bom e de unir-nos a Ele com perfeita felicidade.

Narciso Irala, Controle cerebral e emocional,  p. 23-24.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Nossos padres não são nossos heróis

Padres... deveriam ser nossos herois. E, no entanto,  que decepção! Eles não são como queríamos que eles fossem.  E nós exigimos tanto deles! Até os pagãos esperam mais deles! E, por eles não serem tão bons quanto deveriam, por não serem o que a Igreja espera deles, por não serem - de novo - o que queríamos que eles fossem, sentimo-nos defraudados,  decepcionados, desgostosos. Mas, é que eles são apenas... homens, homens de carne e osso,  como todos os demais,  com defeitos, vícios e virtudes, demasiadamente humanos. Nunca estamos satisfeitos com eles, como não estamos satisfeitos conosco mesmos.
Deveríamos perdoar os sacerdotes. É muito difícil ser um e colocamos todas as nossas melhores expectativas neles. São pontífices entre o céu e a terra, mediadores no único Mediador,  Jesus Cristo. Mas, esperamos que eles sejam sempre divinos e nunca humanos - isto é, como nós. Deveríamos perdoar os nossos padres, e perdoar mais ainda do que pelo que eles são,  perdoar porque eles não são segundo as nossas expectativas, expectativas que não ajustamos tão alto para nós mesmos quanto para os outros e, mais ainda, para os nossos padres. Eles não são nossos heróis,  são apenas nossos padres.