quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus – Oitava de Natal

Tamanha é a grandiosidade do mistério celebrado no Natal – o aparecimento do Filho de Deus no meio dos homens – que tal solenidade estende-se por oito dias e culmina com a terceira grande festa do tempo de Natal: a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Mas, quem imagina que a principal personagem celebrada nesta festa é a Santíssima Virgem, engana-se. Basta um olhar mais aprofundado no título desta solenidade para compreender-lhe o sentido: o menino há oito dias nascido em Belém, filho de Maria, é o Deus perfeito; Aquele que nasceu de uma mulher, conforme nos disse a Carta aos Gálatas (4,6), é o Filho de Deus, o Verbo de Deus, como ouvimos na Liturgia do dia do Natal: Verbo que era no princípio, que estava com Deus, que era Deus (cf. Jo 1,1). Pois bem, aquela criançinha choramingando no presépio e que hoje, oito dias depois, foi circuncidada e recebeu o nome de Jesus (cf. Lc 2,21), é o Deus bendito por quem foram feitas todas as coisas (cf. Jo 1,3).

A festa de hoje, portanto, proclama o dogma fundamental da nossa fé: a divindade de Cristo, que é, ao mesmo tempo, homem. Este dogma foi proclamado solene e triunfalmente após o Concílio de Éfeso, em 431. Naquela época, a heresia do Nestorianismo, que pregava que em Cristo subsistiam duas pessoas, uma divina e outra humana, estava amplamente difundida. Em decorrência disso, Maria seria mãe da pessoa humana de Cristo, seria apenas Christotokos. Reunidos num Concílio em Éfeso, cidade da Ásia Menor, os bispos da Igreja seguiram a doutrina já apontada por Inácio de Antioquia, Orígenes, Atanásio e João Crisóstomo, dizendo que em Cristo existe apenas uma pessoa divina, na qual subsistem duas naturezas, uma divina e uma humana, as quais, como definirá a seguir o Concílio de Calcedônia (451) estão juntas “sem confusão nem mudança, sem divisão nem separação”. Todo este ensinamento estava incluso no título que se deu à Virgem Maria: Theotokos, Mãe de Deus, já que não se pode separar o Jesus divino do Jesus humano. Dessa forma, Maria é verdadeiramente Mãe de Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, em sua natureza humana.

No sentir da Igreja, no entanto, mais importante do que a maternidade divina de Maria, foi sua fé em Deus. O Senhor Jesus já tinha dito quando uma mulher lhe disse: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!”: “Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lc 11, 27-28). É isso que vemos com clareza em toda a história da anunciação e do nascimento de Jesus: todos aqueles fatos extraordinários geraram em Maria uma mais entranhada fé e confiança em Deus, que nela havia já cumprido as extraordinárias promessas do nascimento miraculoso do Messias e, por isso, ela meditava todos esses fatos em seu coração. Em outras palavras, ela procurava compreender a ação de Deus nos acontecimentos de sua vida, de forma que estivesse melhor preparada para dar as respostas adequadas quando se pusessem os questionamentos que a nossa carne humana, tão débil, nos faz ter nos tempos de crise. Sem dúvida, pela meditação nas palavras e nos acontecimentos extraordinários que viveu, a Virgem Mãe foi crescendo em sua fé em Deus e em seu amor pelo Filho maravilhoso que tinha gerado miraculosamente. Assim, ela é para nós modelo de fé e de escuta da Palavra de Deus; ao contemplar extasiada o fruto bendito de seu ventre reclinado sobre o presépio, ela é também o modelo de perfeita contemplativa para os cristãos, que deveriam, da mesma forma, aprender a contemplar as maravilhas de Deus, sobretudo Aquela grande maravilha deitada no presépio, dormindo o sono profundo e tranquilo dos inocentes.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A Vós, ó Deus, louvamos

Chegamos ao último dia do ano de 2009. Neste dia agradecemos ao Senhor porque Ele nos sustentou e nos guardou em seus caminhos. Mesmo que tenhamos perambulado longe d'Ele, em sua infinita misericórdia, Ele espera de nós que caiamos em si e voltemos a Ele, como o filho pródigo (cf. Lc 15). Alegramo-nos recordando os bons momentos de 2009; entristecemo-nos lembrando os maus momentos, as dificuldades; estas, no entanto, devem servir de exemplo para nós, para que evitemos os terrenos pantanosos pelos quais nos aventuramos e possamos caminhar por caminho mais firme nesse ano que começa.
Eis um tempo propício, no começo de um novo ano, em meio ao tempo de Natal, para começar uma vida nova. Sobretudo para nós, batizados, é tempo de renovar os propósitos para viver a vida nova em Cristo que já está em nós. Olhemos para frente confiantes: neste ano que se iniciará amanhã, o Senhor continuará nos protegendo e guardando, continuará de braços abertos para nos acolher se pecarmos; neste ano, continuar-se-á a celebrar a Eucaristia, como sempre; continuarão a existir sacerdotes para nos ouvir, aconselhar e perdoar em nome de Cristo; neste ano, mais uma vez, as suas misericórdias se renovarão cada manhã, porque o seu amor é para sempre!
Ergamos os olhos e o coração para o alto e louvemos ao Senhor por este ano que passou com o antiquíssimo hino Te Deum. A Igreja concede Indulgência Plenária a todos os que, reunidos em alguma Igreja, capela ou oratório, cantarem ou rezarem o Te Deum. Deixamos vocês com ele.

Em latim:

Te Deum laudamus: te Dominum confitemur.

Te æternum Patrem omnis terra veneratur.

Tibi omnes Angeli, tibi Cæli, et universæ Potestates: Tibi Cherubim et Seraphim incessabili voce proclamant: Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus Deus Sabaoth.

Pleni sunt cæli et terra majestatis gloriæ tuæ.

Te gloriosus Apostolorum chorus, Te Prophetarum laudabilis numerus, Te Martyrum candidatus laudat exercitus.

Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia, Patrem immensæ majestatis: Venerandum tuum verum et unicum Filium: Sanctum quoque Paraclitum Spiritum. Tu Rex gloriæ, Christe.

Tu Patris sempiternus es Filius, Tu, ad liberandum suscepturus hominem, non horruisti Virginis uterum.

Tu, devicto mortis aculeo, aperuisti credentibus regna cælorum. Tu ad dexteram, Dei sedes, in gloria Patris. Iudex crederis esse venturus.

Te ergo quæsumus, tuis famulis subveni, quos pretioso sanguine redemisti.

Æterna fac cum Sanctis tuis in gloria munerari.

Salvum fac populum tuum, Domine, et benedic hereditati tuæ.

Et rege eos, et extolle illos usque in æternum.

Per singulos dies benedicimus te; Et laudamus Nomen tuum in sæculum, et in sæculum sæculi.

Dignare, Domine, die isto sine peccato nos custodire.

Miserere nostri domine, miserere nostri.

Fiat misericordia tua, Domine, super nos, quemadmodum speravimus in te.

In te, Domine, speravi: non confundar in æternum.


Em português:

A Vós, ó Deus, louvamos,
A Vós, Senhor, cantamos.
A Vós, Eterno Pai,
adora toda a terra.

A Vós cantam os anjos,
os céus e seus poderes:
Sois Santo, Santo, Santo,
Senhor, Deus do universo!

Proclamam céus e terra
a vossa Imensa glória.
A Vós celebra o coro
glorioso dos Apóstolos,

Vos louva dos Profetas
a nobre multidão
e o luminoso exército
dos vossos santos Mártires.

A Vós por toda a terra
proclama a Santa Igreja,
ó Pai onipotente,
de imensa majestade,

e adora juntamente
o vosso Filho único,
Deus vivo e verdadeiro,
e ao vosso Santo Espírito

Ó Cristo, Rei da glória,
do Pai eterno Filho,
nascestes duma Virgem,
a fim de nos salvar.

Sofrendo Vós a morte,
da morte triunfastes,
abrindo aos que têm fé
dos céus o reino eterno.

Sentastes à direita
de Deus, do Pai na glória.
Nós cremos que de novo
vireis como juiz.

Portanto, vos pedimos:
salvai os vossos servos,
que Vós, Senhor, remistes
com sangue precioso.

Fazei-nos ser contados,
Senhor, vos suplicamos,
em meio a vosso santos
na vossa eterna glória.

Salvai o vosso povo.
Senhor, abençoai-o.
Regei-nos e guardai-nos
até a vida eterna.

Senhor, em cada dia,
fiéis, vos bendizemos,
louvamos vosso nome
agora e pelo séculos.

Dignai-vos, neste dia,
guardar-nos do pecado.
Senhor, tende piedade
de nós, que a Vós clamamos.

Que desça sobre nós,
Senhor. a vossa graça.
porque em Vós pusemos
a nossa confiança.

Fazei que eu, para sempre,
não seja envergonhado:
Em Vós, Senhor, confio,
sois vós minha esperança!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Hodie Christus natus est, allluia!

Hódie Christus natus est;

hódie Salvátor appáruit;

hódie in terra canunt ángeli,

lætántur archángeli;

hódie exsúltant iusti, dicéntes:

Glória in excélsis Deo, allelúia.

Hoje o Cristo nasceu,

Hoje apareceu o Salvador;

Hoje na terra os Anjos cantam,

Alegram-se os arcanjos;

Hoje exultam os justos dizendo:

Glória a Deus nas alturas, aleluia.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Pio XII: Servo de Deus!

O Santo Padre Bento XVI reconheceu as virtudes e heróicas de seu Predecessor Pio XII, de veneranda memória. É uma notícia realmente fantástica! Agora, falta pouco para que seja elevado à honra dos altares aquele que – na minha opinião – foi o maior Papa do século XX! Num século de grandes papas – Leão XIII (1878-1903), São Pio X (1903-1914), Bento XV (1914-1922), Pio XI (1922-1939), João XIII (1958-1963), Paulo VI (1963-1978) João Paulo I (1978) e João Paulo II (1978-2005) – o papa Eugenio Pacelli (1939-1958) conduziu a barca de Pedro pelos mares encapelados da mais sanguinolenta guerra de todos os tempos conseguindo, por sua ação e inspiração, salvar centenas de milhares de pessoas e atenuar o sofrimento de outras tantas. Sem Pio XII, o sofrimento humano durante aqueles anos tenebrosos teria sido infinitamente maior. Além de tudo, ele foi um baluarte da ortodoxia da fé e da tradição da Igreja, ao mesmo tempo em que deu os primeiros passos para a renovação tão necessária de alguns pontos da vida da Igreja no Concílio Vaticano II. Há alguns meses fiz um site em sua homenagem, onde publico algo a seu respeito. Ele estava meio parado, mas pretendo voltar a publicá-lo, e se tornará um meio de fazer com que as pessoas o conheçam melhor e compreendam a grande pessoa que foi! Não deixe de visitá-lo! Para tanto, clique aqui: Pastor Angelicus.

sábado, 5 de dezembro de 2009

São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja

Da obra A Igreja dos Tempos Bárbaros, de Daniel-Rops


Em 26 de fevereiro de 398, na catedral de Constantinopla, havia sido entronizado bispo da capital um homem franzino, de aparência frágil, mas em cujo rosto brilhava a chama de Deus. Chamava-se João e tinha sido sacerdote em Antioquia. No seu país de origem, a Síria, esse homem havia adquirido uma imensa celebridade, tanto pelas suas virtudes, sabedoria e coragem, como pela eloquência dos seus sermões. Durante vinte anos, as multidões se tinham acotovelado para ouvir essa voz maravilhosa que lhes falava, numa linguagem de perfeição clássica, de temas concretos, vivos, dirigidos diretamente ao coração. Certo dia, explodira na cidade um grande motim, e fora somente por sua intervenção que se pudera restabelecer a calma. Chamavam-lhe “João da Boca de Ouro”. E fora precisamente esta celebridade que o fizera subir ao trono episcopal mais cobiçado do Oriente. Para dar brilho a esta sé – depois dos dezesseis anos pouco reluzentes do velho Nectário –, a eleição fora preparada por um verdadeiro partido dentro da corte, formado por um poderoso ministro, o eunuco Eutrópio, pela imperatriz Eudóxia e pelo clã dos burgueses ricos e de todos aqueles cuja intenção última era erigir a Nova Roma em rival da antiga, mesmo no plano cristão. João Crisóstomo foi raptado – literalmente, pois se receava que os fiéis de Antioquia não deixassem sair de lá o seu santo presbítero –, e vi-se sagrado bispo de Constantinopla sem o ter desejado. Este singular golpe do destino haveria, porém, de trazer-lhe mais preocupação do que felicidade.

Aqueles que se gabavam de ter trazido para o seu jogo o novo bispo em breve se desencantaram. João Crisóstomo era justamente o tipo desses cristãos que se recusam a aceitar conchavos. Mal se instalara na sua sé, avaliou imediatamente o valor exato dos autores da peça em que queriam dar-lhe um papel: Arcádio, o imperador, débil filho do grande Teodósio, era um homenzinho mirrado, de pele esverdeada e tez mortiça, dócil instrumento nas mãos rivais da sua mulher e dos seus sucessivos ministros; Eudóxia, uma ambiciosa sedenta de gloríolas; Eutrópio, um indivíduo suspeito, sem moral e de uma vaidade ilimitada; e, por último, nesses fiéis bem situados na vida que tanto haviam aclamado a sua chegada, descobria-se mais jactância do que moral, mais autocomplacência do que fé.

Com uma intransigência serena, sem se preocupar com agradar ou desagradar aos poderosos, João fez aquilo que a sua consciência – e somente a sua consciência – lhe ordenava. Começou por reformar a casa episcopal, desfazendo-se de todo o luxo. Ao contrário de Nectário, que comia sempre fora ou no Palácio, tomava as refeições sozinho e com a maior frugalidade; o clero, que se permitira certas liberdades em matéria de costumes, foi logo chamado à ordem, e os monges, demasiado habituados a perambular pela capital, foram convidados a recolher-se urgentemente às suas celas. Do alto da sede episcopal, o santo fazia ouvir a sua voz todos os domingos e as verdades caíam equitativamente repartidas da sua boca: quer se tratasse de um general godo ou de algum alto funcionário, todos os que o mereciam eram atingidos, porque o bispo fustigava os arianos do exército com a mesma tranquilidade com que verberava a miséria dourada da corte imperial. E o povo, que a princípio vira com frieza a eleição deste bispo trazido da Ásia por uma intriga de palácio, não tardou a amar com fanatismo esse apóstolo dos pobres, esse bispo de inesgotável caridade, esse homem franzino que dizia as verdades aos ricos e que não temia os poderosos.

Um incidente acabou por fixar posições. Eutrópio, o ministro todo-poderoso, caiu em desgraça; a bem dizer, a sua ambição e a sua vaidade haviam-no tornado intolerável para toda a gente, mesmo para Eudóxia, a quem, no entanto, tinha conduzido anos antes ao tálamo do imperador. De combinação com Gainas, o chefe dos aliados godos, a basilissa instigou o fraco marido contra o eunuco. Perseguido, Eutrópio refugiou-se em Santa Sofia, invocando o direito de asilo, um direito que – pormenor irônico – ele próprio tinha querido suprimir quando se encontrava no auge do poder. São João Crisóstomo, sem a menor hesitação, defendeu-o, acolheu-o e protegeu-o. Da mesma forma que tinha criticado livremente os excessos do ministro, empenhou-se agora em salvar o decaído. Na prática, isso não serviu para nada, a não ser para dar um belo testemunho da independência de uma consciência cristã. Pouco tempo depois, Gainas exigiu que o refugiado se entregasse, e o fantoche Arcádio mandou decapitar o seu favorito da véspera, à espera de que também Gainas, algum dia, por sua vez...

A partir desse momento, viraram-se contra Crisóstomo todos os que o tinham trazido para Constantinopla. Aquele que não deveria ser mais do que um político acabara por comportar-se como um cristão. Não era um descalabro? O alto clero, a quem o bispo incomodava na sua vida fácil; os monges que andavam rompidos com os seus conventos; as grandes damas que tinham ouvido, do alto da cátedra episcopal, transparentes alusões aos seus desvios morais acobertados por uma devoção bem apregoada; os pregadores da moda agora eclipsados; os godos arianos furiosos com o apoio dado a Eutrópio; os bispos da Ásia – incluídos alguns prelados certamente apreciadores da boa mesa e humilhados pela sóbria hospitalidade do seu colega de Bizâncio –, que São João Crisóstomo tinha acusado de simonia e obrigara a destituir, todos eles provocaram uma terrível perseguição contra o santo. Eudóxia fazia parte do conluio, desde que algumas boas almas lhe tinham dito que certo sermão sobre Jezabel era com certeza dirigido contra ela. E Arcádio, manejado sem dificuldade pelos que o rodeavam, persuadiu-se de que o santo intrigava contra ele.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Deus, nossa Salvação

“O Senhor Deus eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces e acabará com a desonra do seu povo em toda a terra; o Senhor o disse” (Is 26,8). O que dizer dessas palavras, o que dizer dessa promessa? O nosso coração se enche de comoção diante do amor misericordioso do nosso Deus, que quer nos salvar, nos livrar do sofrimento, do mal e da morte. Realmente feliz é quem crê nessa promessa do Senhor, porque desde já, na esperança, pode saborear a alegria e a felicidade dos que conhecem a fidelidade arquicomprovada de Deus. De fato, nos diz o Apóstolo: “Isto é para vós a fonte de uma alegria inefável e gloriosa, porque vós estais certos de obter, como preço de vossa fé, a salvação de vossas almas” (1Pd 1,8s). Que poderemos retribuir ao Senhor Deus, por tudo aquilo que Ele fez, faz e fará em nosso favor? (cf. Sl 115,4). Diremos naquele dia e dizemos já, hoje: “Este é o nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado: vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvo” (Is 26,9).

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Deus age na nossa pequenez

A divina promessa de salvar o povo eleito está alicerçada no mais concreto da história humana. Da família do Rei Davi deveria vir Aquele sobre quem repousaria o Espírito do Senhor. Da descendência de Jessé, pai de Davi, passando por toda a linhagem dos reis de Israel até chegar ao simples carpinteiro José, de Belém, Deus foi tecendo no subterrâneo de nossa vida miúda o seu plano de salvação que haveria de desabrochar como um rebento de uma flor (cf. Is 11,1). Esta é uma realidade concreta e que o cristão deve diariamente esforçar-se para crer e viver: Deus, embora se manifeste maravilhosamente com prodígios e milagres, opera a nossa salvação na pequenez de nosso dia-a-dia. De fato, no dia do julgamento, seremos julgados menos pelos nossos grandes atos do que pela fidelidade cotidiana, no dizer sim a Deus a cada dia, no rejeitar o pecado e o mal que se insinua permissiva e lentamente em nossos corações, no trabalhar duro para comer o pão com o suor do próprio rosto, no dar sempre ações de graças Àquele que nos livra diariamente do mal e que nos sustenta e acaricia como um pai amoroso, dando-nos muito mais do que ousamos pedir. Convençamo-nos, irmãos caríssimos: na nossa atividade habitual, nas nossas pequenas fidelidades diárias, o Senhor vai invadindo o nosso coração como Doce Hóspede da alma e o Reino de Deus vai já se realizando neste mundo. Não precisamos fazer grandes coisas, não precisamos mudar o mundo: apenas precisamos guardar a nossa fidelidade ao Senhor nas pequenas coisas. Este é o caminho que o Senhor nos oferece para sermos felizes.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Santo André Apóstolo e Mártir

Das catequeses de Bento XVI

Nas últimas duas catequeses falámos da figura de São Pedro. Agora queremos, na medida em que as fontes o permitem, conhecer mais de perto também os outros onze Apóstolos. Portanto, falamos hoje do irmão de Simão Pedro, Santo André, também ele um dos Doze. A primeira característica que em André chama a atenção é o nome: não é hebraico, como teríamos pensado, mas grego, sinal de que não deve ser minimizada uma certa abertura cultural da sua família. Estamos na Galileia, onde a língua e a cultura gregas estão bastante presentes. Nas listas dos Doze, André ocupa o segundo lugar, como em Mateus (10, 1-4) e em Lucas (6, 13-16), ou o quarto lugar como em Marcos (3, 13-18) e nos Actos (1, 13-14). Contudo, ele gozava certamente de grande prestígio nas primeiras comunidades cristãs.
O laço de sangue entre Pedro e André, assim como a comum chamada que Jesus lhes faz, sobressaem explicitamente nos Evangelhos. Neles lê-se: "Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu os dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: "Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens"" (Mt 4, 18-19; Mc 1, 16-17). Do Quarto Evangelho tiramos outro pormenor: num primeiro momento, André era discípulo de João Baptista; e isto mostra-nos que era um homem que procurava, que partilhava a esperança de Israel, que queria conhecer mais de perto a palavra do Senhor, a realidade do Senhor presente. Era verdadeiramente um homem de fé e de esperança; e certa vez, de João Baptista ouviu proclamar Jesus como "o cordeiro de Deus" (Jo 1, 36); então ele voltou-se e, juntamente com outro discípulo que não é nomeado, seguiu Jesus, Aquele que era chamado por João o "Cordeiro de Deus". O evangelista narra: eles "viram onde morava e ficaram com Ele nesse dia" (Jo 1, 37-39). Portanto, André viveu momentos preciosos de familiaridade com Jesus.
A narração continua com uma anotação significativa: "André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João e seguiram Jesus. Encontrou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: "Encontramos o Messias" que quer dizer Cristo. E levou-o até Jesus" (Jo 1, 40-43), demonstrando imediatamente um espírito apostólico não comum. Portanto, André foi o primeiro dos Apóstolos a ser chamado para seguir Jesus. Precisamente sobre esta base a liturgia da Igreja Bizantina o honra com o apelativo de Protóklitos, que significa exactamente "primeiro chamado". E não há dúvida de que devido ao relacionamento fraterno entre Pedro e André a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla se sentem irmãs entre si de modo especial. Para realçar este relacionamento, o meu Predecessor, o Papa Paulo VI, em 1964, restituiu as insignes relíquias de Santo André, até então conservadas na Basílica Vaticana, ao Bispo metropolita Ortodoxo da cidade de Patrasso na Grécia, onde segundo a tradição o Apóstolo foi crucificado.
As tradições evangélicas recordam particularmente o nome de André noutras três ocasiões, que nos fazem conhecer um pouco mais este homem. A primeira é a da multiplicação dos pães na Galileia. Naquele momento foi André quem assinalou a Jesus a presença de um jovem que tinha cinco pães de cevada e dois peixes: era muito pouco observou ele para todas as pessoas reunidas naquele lugar (cf. Jo 6, 8-9). Merece ser realçado, neste caso, o realismo de André: ele viu o jovem portanto já se tinha perguntado: "mas o que é isto para tantas pessoas?" (ibid.) mas apercebeu-se da insuficiência dos seus poucos recursos. Contudo, Jesus soube fazê-los bastar para a multidão de pessoas que vieram ouvi-lo. A segunda ocasião foi em Jerusalém. Saindo da cidade, um discípulo fez notar a Jesus o espectáculo dos muros sólidos sobre os quais o Templo se apoiava. A resposta do Mestre foi surpreendente: disse que não teria ficado em pé nem sequer uma pedra daqueles muros. Então André, juntamente com Pedro, Tiago e João, interrogou-o: "Diz-nos quando tudo isto acontecerá e qual o sinal de que tudo está para acabar" (Mc 13, 1-4).
Para responder a esta pergunta Jesus pronunciou um importante discurso sobre a destruição de Jerusalém e sobre o fim do mundo, convidando os seus discípulos a ler com atenção os sinais do tempo e a permanecer sempre vigilantes. Podemos deduzir deste episódio que não devemos ter receio de fazer perguntas a Jesus, mas ao mesmo tempo devemos estar prontos para receber os ensinamentos, até surpreendentes e difíceis, que Ele nos oferece.
Por fim, nos Evangelhos está registrada uma terceira iniciativa de André. O Cenário ainda é Jerusalém, pouco antes da Paixão. Para a festa da Páscoa narra João tinham vindo à cidade santa alguns Gregos, provavelmente prosélitos ou tementes a Deus, que vinham para adorar o Deus de Israel na festa da Páscoa. André e Filipe, os dois apóstolos com nomes gregos, servem como intérpretes e mediadores deste pequeno grupo de Gregos junto de Jesus. A resposta do Senhor à sua pergunta parece como muitas vezes no Evangelho de João enigmática, mas precisamente por isso revela-se rica de significado. Jesus diz aos dois discípulos e, através deles, ao mundo grego: "Chegou a hora de se revelar a glória do Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto" (12, 23-24).
O que significam estas palavras neste contexto? Jesus quer dizer: sim, o encontro entre mim e os Gregos terá lugar, mas não como simples e breve diálogo entre mim e algumas pessoas, estimuladas sobretudo pela curiosidade. Com a minha morte, comparável à queda na terra de um grão de trigo, chagará a hora da minha glorificação. A minha morte na cruz originará grande fecundidade: o "grão de trigo morto" símbolo de mim crucificado tornar-se-á na ressurreição pão de vida para o mundo; será luz para os povos e para as culturas. Sim, o encontro com a alma grega, com o mundo grego, realizar-se-á naquela profundidade à qual faz alusão a vicissitude do grão de trigo que atrai para si as forças da terra e do céu e se torna pão. Por outras palavras, Jesus profetiza a Igreja dos gregos, a Igreja dos pagãos, a Igreja do mundo como fruto da sua Páscoa.
Tradições muito antigas vêem em André, o qual transmitiu aos gregos esta palavra, não só o intérprete de alguns Gregos no encontro com Jesus agora recordado, mas consideram-no como apóstolo dos Gregos nos anos que sucederam ao Pentecostes; fazem-nos saber que no restante da sua vida ele foi anunciador e intérprete de Jesus para o mundo grego. Pedro, seu irmão, de Jerusalém, passando por Antioquia, chegou a Roma para aí exercer a sua missão universal; André, ao contrário, foi o apóstolo do mundo grego: assim, eles são vistos, na vida e na morte, como verdadeiros irmãos uma irmandade que se exprime simbolicamente no relacionamento especial das Sedes de Roma e de Constantinopla, Igrejas verdadeiramente irmãs.
Uma tradição sucessiva, como foi mencionado, narra a morte de André em Patrasso, onde também ele sofreu o suplício da crucifixão. Mas, naquele momento supremo, de modo análogo ao do irmão Pedro, ele pediu para ser posto numa cruz diferente da de Jesus. No seu caso tratou-se de uma cruz decussada, isto é, cruzada transversalmente inclinada, que por isso foi chamada "cruz de Santo André". Eis o que o Apóstolo dissera naquela ocasião, segundo uma antiga narração (início do século VI) intitulada Paixão de André: "Salve, ó Cruz, inaugurada por meio do corpo de Cristo e que se tornou adorno dos seus membros, como se fossem pérolas preciosas. Antes que o Senhor fosse elevado sobre ti, tu incutias um temor terreno. Agora, ao contrário, dotada de um amor celeste, és recebida como um dom. Os crentes sabem, a teu respeito, quanta alegria possuis, quantos dons tens preparados. Portanto, certo e cheio de alegria venho a ti, para que também tu me recebas exultante como discípulo daquele que em ti foi suspenso... Ó Cruz bem-aventurada, que recebestes a majestade e a beleza dos membros do Senhor!... Toma-me e leva-me para longe dos homens e entrega-me ao meu Mestre, para que por teu intermédio me receba quem por ti me redimiu. Salve, ó Cruz; sim, salve verdadeiramente!".
Como se vê, há aqui uma profundíssima espiritualidade cristã, que vê na Cruz não tanto um instrumento de tortura como, ao contrário, o meio incomparável de uma plena assimilação ao Redentor, ao grão de trigo que caiu na terra. Nós devemos aprender disto uma lição muito importante: as nossas cruzes adquirem valor se forem consideradas e aceites como parte da cruz de Cristo, se forem alcançadas pelo reflexo da sua luz. Só daquela Cruz também os nossos sofrimentos são nobilitados e adquirem o seu verdadeiro sentido.
Portanto, o apóstolo André ensina-nos a seguir Jesus com prontidão (cf. Mt 4, 20; Mc 1, 18), a falar com entusiasmo d'Ele a quantos encontramos, e sobretudo a cultivar com Ele um relacionamento de verdadeira familiaridade, bem conscientes de que só n'Ele podemos encontrar o sentido último da nossa vida e da nossa morte.

domingo, 29 de novembro de 2009

Ave Maria, por Giovanni Vianinni

Caríssimos, um singelo presente de fim de domingo para vocês. Ave Maria, por Giovanni Vianinni. Saudemos a Mãe de Deus com filial devoção e roguemos a ela que interceda por nós agora, neste Advento e na hora de nossa morte, quando entregarmos nossa alma a Cristo seu Filho e nosso Deus.

A vossa libertação está próxima - I Domingo do Advento

Os trechos da Palavra de Deus que a Igreja nos propõe neste primeiro Domingo do Advento falam da segunda vinda de Jesus. Deus foi paulatinamente revelando ao povo de Israel o seu desígnio de salvação: haveria um dia em que o seu povo seria salvo definitivamente, um momento em que a história humana chegaria ao seu zênite e onde todas coisas teriam a sua finalidade. Este dia final, chamado Dia do Senhor pelos profetas, é dia de salvação para o seu povo e dia de perdição para os que rejeitaram a Deus e viveram fora do seu amor. Vejamos, portanto, esses dois aspectos do desenlace escatológico da história humana.
Em primeiro lugar, o Dia do Senhor é dia de salvação para seus fiéis, aqueles que permanecem n’Ele, em Seus Mandamentos, dia em que ele cumprirá plenamente as promessas de felicidade eterna que fez a seus amados ao enviar o seu Messias, que resgatará e salvará os que são do povo de Deus. É o que diz o profeta Jeremias na primeira leitura da Solene Liturgia de hoje: “Naqueles dias, naquele tempo, farei brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra. Naqueles dias, Judá será salvo e Jerusalém terá uma população confiante; este é o nome que servirá para designá-la: ‘O Senhor é a nossa justiça’”. No entanto, percebemos que muitos dos que possuem o nome de cristãos não vivem segundo aquilo que são, renascidos na água e no Espírito Santo, mas vivem de modo que desagrada ao Senhor, desprezando os seus mandamentos, não aceitando que Deus seja realmente Deus em suas vidas, mas divinizando a si mesmo ou outras pessoas ou coisas, elevando-as à condição de critério absoluto da vida. Eis, portanto, o critério para se saber quem será salvo, ou seja, quem pertencerá ao número dos eleitos: o critério é guardar os mandamentos de Deus, porque, assim nos diz São João em sua primeira Epístola (2,3-6): “Eis como sabemos que o conhecemos: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz conhecê-lo e não guarda os seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele. Aquele, porém, que guarda a sua palavra, nele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito. É assim que conhecemos se estamos nele: aquele que afirma permanecer nele deve também viver como ele viveu”. Viver nos mandamentos de Deus, guardar a sua Palavra, é praticar as boas obras; assim, rezamos na oração da coleta para que sejamos achados, diante de Cristo, com as mãos cheias destas boas obras.
O Evangelho nos mostra a outra realidade deste dia da Parusia, ou seja, da manifestação do Senhor. Esta será aterrorizante e catastrófica para os ímpios: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas. Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao mundo, porque as forças do céu serão abaladas” (Lc 21,25-26). E o Senhor nos convida à vigilância, advertindo contra os perigos e tentações que advém neste e deste mundo e que nos podem fazer temer o dia do juízo: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra. Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21,34-36).
O dia do juízo acontecerá realmente um dia, o qual, porém, ninguém sabe, nem compete a nós sabê-lo. Entretanto, estejamos preparados, porque mesmo que nós não vejamos esse dia ele indubitavelmente ocorrerá no momento de nossa morte. E, pelo jeito com que vivermos neste mundo, procurando fazer as obras de Deus ou não, iremos recebê-lo ou com a cabeça erguida porque vem a nossa salvação, ou com pavores e desmaios se formos indignos.

sábado, 28 de novembro de 2009

O tempo do Advento

Mais uma vez começa o tempo do Advento, tempo de silenciosa e alegre espera do Senhor que vem para cumprir suas promessas.
O início do Advento coincide com o início do ano litúrgico. É preciso que compreendamos bem o que vem a ser o ano litúrgico: ele é o compêndio espiritual dos mistérios da salvação no decorrer do tempo. Ao passar os dias do ano, dentro do espaço temporal da liturgia, nós, ao mesmo tempo em que permanecemos no tempo, entramos na eternidade de Deus através do Espírito Santo que habita em nós. Dessa forma, viver cada ano com intensidade os mistérios celebrados diariamente no ano litúrgico deve ser uma preocupação primordial para o fiel de Cristo. Nesse sentido, o tempo do Advento com o qual se inicia o ano litúrgico constitui uma oportunidade ímpar para predispor o espírito para receber o Senhor que vem nos visitar no Natal.
O tempo do Advento é marcado pela cor roxa, sinal da vigilância que deve ser o estado de espírito corrente do cristão e que a Igreja convida a aprofundar nesse período. Apenas no terceiro Domingo do Advento o roxo é substituído pelo róseo ou roxo mitigado, em sinal da proximidade das festas natalinas. Também nos lembra a necessidade de buscar a reconciliação com Deus por meio do sacramento da reconciliação para podermos participar dignamente dos santos mistérios de Deus.
Um outro aspecto importante deste tempo litúrgico é o convite que a Igreja faz para que seus filhos ouçam mais e melhor a Palavra de Deus. Nesse sentido é que ela nos faz ouvir durante este período, grande parte da profecia de Isaías, além de, no Evangelho, destacar cada dia que a vinda do Senhor no fim dos tempos está iminente. Este é o tom deste tempo: a expectativa e certeza da vinda do Senhor no fim dos tempos (durante as primeiras semanas do Advento) e no Natal (a partir do dia 17 de dezembro), além da vinda cotidiana do Senhor em nossos corações pelo Seu Santo Espírito e na Sagrada Liturgia, nos irmãos etc.
A riqueza do tempo que agora se inicia é tamanha que não caberia nem ao menos assinalar os principais pontos neste minúsculo texto. Durante todo o tempo do Advento chamarei a atenção de você, caro leitor, para outros aspectos importantes. Também tentarei colocar uma série diária de reflexões acerca das leituras do profeta Isaías que forem sendo lidas no decorrer deste período e que meditarei, convidando você a fazer o mesmo.
De todo coração, desejo a você um santo tempo de Advento, de forma que possamos receber, de coração dilatado, o nosso doce Jesus neste Natal de 2009 e também durante estes dias que o antecedem.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Um país realmente católico

A respeito da decisão do Tribunal de Direitos Humanos da União Europeia de forçar a Itália a retirar os crucifixos das paredes das salas de aula, houve um levante indignado em todo o país. Vejam, católicos brasileiros, o que acontece num país realmente católico e depois se pergunte: o Brasil é um? O texto está no blog Frates in Unum.


“Oh, bella Italia! A Itália mostra aos imbecis europeus com quantos paus se faz uma canoa” – esclareceu o BLOG ‘Fakten Fiktionen’ na quinta-feira:
“Esta é a resposta ao Juiz turco de Estrasburgo!”.
O Blog narra os fatos: “O prefeito de San Remo, Maurizio Zoccarato, está colocando uma cruz de dois metros no prédio da prefeitura!”
A cidade de San Remo encontra-se no extremo noroeste da Itália.
Ao mesmo tempo Zoccarato exigiu que todos os diretores de escolas afixem cruzes nas salas de aula.
Segundo o blog ‘Fakten Fiktionen’, em toda a Itália inicia-se uma competição para mostrar isso aos juízes de Estrasburgo”.
Na cidade de Busto Arsizio, perto de Milão, a administração municipal hasteou as bandeiras da União Européia em frente aos prédios oficiais a meio mastro.
Um enorme crucifixo está resplandecendo há pouco tempo diante da fachada do Teatro Bellini de Catania, na Cicília.
Inúmeras comunidades italianas encomendaram novas cruzes para as suas escolas.
A cidade Sassuolo na província de Modena no norte da Itália encomendou cinqüenta novos crucifixos. Eles deverão ser pendurados em todas as salas de aula em que ainda não houver algum.
O Ministro da Defesa Ignazio La Russa abordou o tema da defesa nacional espiritual em uma discussão de TV: “Todas as cruzes devem permanecer penduradas, e os opositores da cruz que morram, juntamente com essas instituições aparentemente internacionais!”
A comunidade Montegrotto Terme com 10.000 habitantes – onze quilômetros a sudoeste de Pádua – anuncia em placas de néon: “Noi non lo togliamo” – Não vamos ceder.
O prefeito da cidade de Treviso no noroeste da Itália resumiu a situação muito bem: “Encontramo-nos no reino da demência, essa é uma decisão, que clama por vingança. O tribunal deve processar a si mesmo pelo crime que cometeu!”
O prefeito de Assis sugeriu que além dos crucifixos fossem colocados também presépios nas salas de aula.
O prefeito da cidade de Trieste esclareceu que tudo permaneceria do jeito que está.
A Câmara de Comércio romana pediu que as lojas pendurassem crucifixos.
Na comunidade Abano Terme – onde mora a ateísta militante finlandesa que reclamou do crucifixo – haverá protestos amanhã em frente das escolas a favor da Cruz de Cristo.
O prefeito de Galzignano Terme na província de Pádua, Riccardo Roman, ordenou colocação imediata de cruzes em todos os edifícios públicos – não somente escolas, mas também na Prefeitura e museus. Dentro de duas semanas a polícia irá conferir se a ordem foi obedecida, caso contrário haverá uma multa de 500 Euros. O autor de ‘Fakten Fiktionen’ está maravilhado: “Bravo! Vou descansar alguns dias lá no ano que vem! Deve valer à pena!”
O Prefeito Maurizio Bizzarri da comunidade de Scarlino na Toscana do sul impôs uma multa de 500 Euros para aqueles que retirarem uma cruz dos prédios públicos.
Na cidade Trapani no extremo oeste da Sicília o Presidente e o assessor do governo da província encomendaram 72 cruzes com recursos próprios.
Na cidade de Neapel apareceu uma pixação que dizia: “Se arrancar a cruz, eu arranco a tua mão fora!”
‘Fakten Fiktionen’ se dá por vencido: “Lamento, preciso parar, mas parece que não existe nenhuma cidade sem resistência.”

sábado, 21 de novembro de 2009

Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

Chegamos à ultima semana do ano litúrgico. O ciclo litúrgico é imagem da história da salvação: ele começa com a expectativa da chegada do Salvador da humanidade, penetra no mistério da morte e ressurreição do Senhor, segue e termina no acontecimento escatológico quando o Cristo virá para reinar sobre o mundo, exercer a justiça sobre a terra e dar a recompensa aos servos justos: o reino preparado para eles desde toda a eternidade.
Pois bem: chegamos ao último domingo do ano litúrgico, comemorando este fato escatológico que, celebrado na Sagrada Liturgia, acontece agora. Sim, meus irmãos, na Liturgia entramos na eternidade: o Sacrifício pascal de Cristo é tornado presente, bem como toda a economia da salvação e, inclusive, os tempos futuros. Na liturgia penetramos o “tempo” de Deus, que não é tempo, mas eternidade; utilizando as categorias de Santo Agostinho, diríamos que na liturgia deixamos o nunc transiens, o agora que passa, ou seja, o tempo, para penetrar no nunc stans, o agora que permanece, isto é, a eternidade.
Assim sendo, podemos agora entender o sentido preciso da Solenidade de hoje: no fim dos tempos Cristo virá como Rei para reinar sobre o reino que seu pai lhe deu (cf. Sl 2), sentando-se no seu trono glorioso para separar o joio do trigo (cf. Mt 13,30.41-42), os peixes bons dos maus (cf. Mt 13,47-50), as ovelhas dos cabritos (cf. Mt 25,32). Mas, na verdade, o Cristo já reina, embora de modo não-pleno ainda: reina por Sua presença (cf. Lc 17,21) que enche toda a terra e, no coração humano que o acolhe, reina como Senhor. Cristo já reina no coração dos que creem e já reina na Igreja; enquanto Deus, reina sobre toda a criação por sua virtude divina. Mas também nos incumbe de fazer que seu reinado se estenda por toda a terra, não apenas nos corações dos homens, mas nas estruturas sociais, nas leis das nações, na cultura, na economia... É dever de todo cristão impregnar o mundo com o bom odor de Cristo, espalhar pelo orbe o seu reino “de verdade e vida, santidade e graça, justiça, amor e paz” (cf. Prefácio da Missa de Cristo Rei). É preciso lutar contra as forças do mal que querem apagar da sociedade os sinais de Cristo, retirando os crucifixos dos lugares públicos, fazendo passar leis iníquas nos parlamentos, sendo conivente com as ideologias pagãs e destrutivas. Ergamo-nos, cristãos: vós formais um reino de sacerdotes (Ap 5,10) e, se Cristo é o Rei dos reis, Senhor dos senhores, é porque ele reina e domina sobre nós: nós somos reis, nós somos senhores.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Inspiração e inveja


É realmente inspirador depararmo-nos com pessoas competentes em seus ofícios, em suas profissões. Um bom médico é capaz de salvar a vida de uma pessoa graças à dedicação que teve em aprender a medicina, à sua experiência diária na profissão, ao seu empenho neste caso específico. Falo do médico apenas como um exemplo, mas isso serve para todos os ofícios humanos. Não é reconfortante saber que recebemos o serviço de alguém competente? E, ao mesmo tempo, como dito, é inspirador. Mas na nossa singular nação este sentimento não parece ser tão óbvio quanto parece. Um médico medíocre tanto pode inspirar-se num competente quanto pode ficar com inveja e desprezá-lo, procurando subterfúgios para diminuir o outro e elevar-se a si próprio. E, se há a oportunidade, este sujeito passará o outro para trás. Do mesmo modo nos outros ambientes: na escola, na empresa, na repartição e – infelizmente! – na Igreja.
Não é o que frequentemente encontramos ao nosso redor? Inveja, pusilanimidade, mediocridade e todos os sentimentos mais baixos apoderam-se das pessoas quando veem alguém que deu certo na vida – em nosso caso, na Igreja, de alguém que busca a santidade, a obediência, ou que chegou a ocupar um cargo de liderança ou destaque. É verdade que isto é próprio do ser humano em geral, não é uma macabra particularidade do Brasil, mas é fato que aqui como em nenhum outro lugar, este sentimento é particularmente agudo. E isto extrapola para dentro da vida eclesial, como não nos pode deixar mentir você, caro leitor! Quem sabe você próprio – ou este que te escreve – não sofre da mesma paixão? No entanto, entre nós, não deve ser assim. Entre nós – e isto deveria transbordar para a vida civil em geral – não deve existir essa maligna emulação que consiste em corroer-se de inveja e planejar o mal para o outro, ou mesmo sentir-se triste com o progresso alheio. O desenvolvimento do meu irmão – não importa em que sentido – deveria ser motivo de alegria para mim e – voltamos ao começo deste minúsculo artigo – motivo de encorajamento e inspiração. Assim viveram os santos: tendo sempre modelos de vida reta que os estimulavam a seguir a Cristo e tornando-se eles mesmos modelos para demais irmãos.
Desta forma, peçamos ao Senhor, curador de nossas paixões, que nos livre da inveja e da disputa e nos faça sentir um verdadeira alegria com as vitórias, com o sucesso e com a competência alheias, onde quer que se encontrem.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Os Padres da Igreja - São Justino 3

Vida de São Justino
Do livro Os Padres da Igreja de A. Hamman

A escola de Roma
Roma constitui para o cristianismo uma posição de capital relevância. Todas as seitas empenham-se para aí se implantarem e, tanto quanto possível, nela exercer o seu domínio. Mais importante ainda seria conseguir que a ortodoxia aí se achasse representada, e a verdade cristã fosse defendida contra a heresia e o paganismo.
Justino fez seus adeptos. A história conservou o nome de Taciano, que mais tarde cairá na heresia. Seis dos discípulos de Justino tornar-se-ão seus companheiros de martírio. Seu sucesso deixará na sombra o filósofo cínico Crescêncio que, em vez de combatê-lo lealmente, se contentou em denunciá-lo covardemente. Os ensinamentos do filósofo cristão obrigaram as autoridades e os pensadores a levar em conta o cristianismo. Ele deu ao pensamento cristão direito de cidadania. Seu martírio prova que sua ação e sua influência eram temidas pelas autoridades romanas.
Justino concentrou seus esforços na demonstração da fé cristã, tendo em vista converter judeus e pagãos. Sua controvérsia devia refutar a heresia que começava a proliferar de maneira perigosa. Cinquenta anos mais tarde, Irineu de Lião testemunha sua veneração pelo mestre de Roma que havia sido um precursor.

O escritor
A obra literária de Justino é considerável. Muitos dos seus escritos acham-se hoje perdidos. Dentre eles restam-nos três cuja autenticidade é incontestável: as duas Apologias, o Diálogo com o judeu Trifão, que nos permitem fazer uma ideia da apologética cristã, tal como se desenvolveu por volta da metade do século II.
Justino não é um literato. “Ele escreve rudemente, afirma Duchesne, e numa língua incorreta”. O filósofo só se preocupa com a doutrina. Seu plano é fraco, o ritmo de sua exposição interceptado por digressões e retrocessos para retomar pontos já abordados. O homem comove-nos mais pela retidão de sua alma do que pela arte de sua dialética ou de sua composição. A originalidade de Justino não está na sua qualidade literária, mas na novidade de seu esforço teológico. Por trás deste esforço, descobrimos o testemunho de um homem, de um conversão, de um opção definitiva. Os argumentos que ele apresenta têm uma história: a dele. As tentações contra as quais recomenda que se esteja alertado, ele as conheceu. Para quem sabe descobrir este testemunho, os livros de Justino não envelhecem.

O exegeta
O leitor moderno sente-se um pouco desorientado diante da exegese de Justino. Este percebe, ao longo de toda a Bíblia, a palavra do Verbo de Deus. Para ele a Bíblia inteira anuncia o Cristo. O Verbo que se encarna preexistiu e inspirou os profetas. Ele constitui a unidade dos dois Testamentos. Esta exegese, cara a São Paulo, tornar-se-á tradicional durante o período patrístico. Vamos reencontrá-lo em Irineu e em Agostinho.
Não possuímos mais nenhum dos tratados teológicos compostos por Justino. Somos obrigados a nos contentar com seus livros apologéticos. O Deus do universo só é conhecido por nós através de seu Verbo, que se apresenta a Justino como uma ponte entre o Pai e o mundo. Por ele, Deus criou o mundo, age sobre este e governa-o, ilumina toda alma de boa vontade. Tudo o que os poetas, os filósofos ou os escritores possuem de verdade é um raio de sua presença luminosa. O Verbo guia não somente a história de Israel, mas toda busca sincera de Deus.
Este admirável frescor, esta visão ampla e generosa da história, apesar de certas formulações desajeitadas, encerra a intuição de um gênio, intuição que será retomada desde santo Agostinho até São Boaventura, e, mais perto de nós, por Maurice Blondel. Ele se acha singularmente próxima de nossa problemática moderna.
“Ninguém acreditou em Sócrates enquanto ele não morreu para confirmar o que ensinava. Pelo Cristo, porém, artesãos e até pessoas ignorantes desprezaram o medo da morte”. Estas nobres palavras, que poderíamos atribuir a Pascal, são dirigidas por Justino ao prefeito de Roma.

O mártir
O filósofo cristão dirigira uma primeira apologia ao imperador Marco Aurélio para defender os cristãos caluniados. Não falava ao imperador-filósofo como um acusado, mas como um parceiro. A Apologia não dispusera esse homem sério a conhecer melhor a nova seita, que reunia em uma mesma fraternidade, escravos e patrícios. O imperador continuou a condenar sem conhecer. Este homem, observa o padre Lagrange, que fazia diariamente seu exame de consciência e que se acusava de pecadinhos, nunca se questionou a si próprio para saber se, em relação aos cristãos, não agia como um verdadeiro tirano!
Justino foi denunciado por um filósofo invejoso, que de filósofo só tinha o nome e as vestes aparatosas; as atas do processo foram conservadas. São de uma autenticidade incontestável. O filósofo comparece diante de Rústico, que havia iniciado o jovem Marco Aurélio na moral de Epicteto. Fazem-se as jogadas. Justino sabe-o. não se trata mais de convencer, senão de confessar.
– A que ciência te dedicas?
– Estudei sucessivamente todas as ciências. Acabei por apegar-me à doutrina verdadeira dos cristãos.
As respostas são simples e nobres, nítidas como o metal. Condenaram Justino a ser flagelado e depois a sofrer a pena capital. Assim, glorificou ele a Deus. Sua vida terminava, como as atas que no-la contam, numa doxologia. Era a sua última celebração.
Justino não estava só: achava-se cercado de seus discípulos. As atas citam seis deles. E esta presença constituía a homenagem mais comovente que se possa prestar a um mestre da sabedoria.

sábado, 14 de novembro de 2009

Os Padres da Igreja - São Justino 2

Vida de São Justino

Do livro Os Padres da Igreja de A. Hamman

O homem
Ninguém estava mais bem preparado para este confronto do que Justino. O pensamento dos filósofos, ele o havia procurado, praticado e amado; conhecia-o por dentro, pois que jamais procurou a verdade que não fosse para vivê-la. Havia lutado, viajado, sofrido, em busca do saber. Por esta razão, sem dúvida, percebemos um despojamento por trás de sua descoberta, um testemunho que não engana. Este filósofo do ano 150 está mais perto de nós do que muitos pensadores modernos. “Justino, filho de Prisco, filho de Baqueios, de Flávia Neápolis, na Síria da Palestina”, é com estes termos que Justino faz a sua própria apresentação, à primeira página de sua Apologia. Ele nascera no coração da Galiléia, na cidade de Naplusa, cidade romana e pagã, construída da antiga Siquém, perto do poço de Jacó, onde Jesus anunciara à Samaritana o culto novo. Naplusa era uma cidade moderna, onde floresciam as romãzeiras e os limoeiros, e que ficava encaixada entre as encostas de duas colinas, a meio caminho entre a verdejante Galiléia e a cidade de Jerusalém.
Os pais de Justino eram colonos abastados, de origem latina mais do que grega, o que explica sua nobreza de caráter, seu gosto pela exatidão histórica, as lacunas de sua argumentação. Ele não possui nem a flexibilidade nem a dialética sutil de um grego. Viveu em contato com judeus e samaritanos.

O filósofo
Natureza nobre, apaixonado pelo absoluto, bem jovem ainda sentiu-se inclinado para a filosofia, no sentido que se lhe dava naquela época: não uma especulação por diletantismo, mas busca da sabedoria e da verdade que levam a Deus. A filosofia conduziu-o passo a passo até o limiar da fé. O próprio Justino conta-nos, no Diálogo com Trifão, o longo itinerário de sua busca, sem que nos seja possível fazer a discriminação entre o artifício literário e a autobiografia. Sucessivamente, em Naplusa, freqüentou as aulas de um estoico; depois, de um discípulo de Aristóteles, que logo abandonou, trocando-o por um platônico. Com candura, esperava que a filosofia de Platão lhe permitisse “ver imediatamente a Deus”.
Retirando-se à solidão, Justino passeava pela areia, à beira-mar, para meditar sobre a visão de Deus, sem conseguir apaziguar sua inquietação, quando encontrou um ancião misterioso que dissipou suas ilusões. Este mostrou-lhe que a alma humana não podia atingir a Deus com seus próprios recursos; somente o cristianismo era a filosofia verdadeira, que apresentava conclusão para todas as verdades parciais: “Platão, para dispor a pessoa ao cristianismo”, dirá Pascal.
Instante inesquecível, que assinala uma data na história cristã, em que se encontram a alma platônica e alma cristã. A Igreja colhia Justino e Platão. Tendo ingressado no cristianismo por volta do ano 130, o filósofo cristão, longe de abandonar a filosofia, afirma ter encontrado no cristianismo a única filosofia segura, que satisfaz todos os seus desejos. Ele se apresenta sempre coberto com o manto dos filósofos. Isto para ele é um título de nobreza. Não repudia o pensamento de Platão, mas o introduz na Igreja. Justino gosta de declarar que os filósofos eram cristãos sem o saberem. Justifica esta afirmação começando por um argumento tirado da apologética judaica, que achava que os pensadores deviam o melhor de sua doutrina aos livros de Moisés (Apol. 44,40). O Verbo de Deus ilumina todos os homens, o que explica as parcelas de verdade que se encontram nos filósofos. Os cristãos não têm por que invejá-los, pois possuem o próprio Verbo de Deus.

Testemunha da comunidade cristã
Depois de se ter feito cristão, Justino, sem dúvida alguma, nunca foi padre. Viveu em Roma como um simples membro da comunidade cristã, cujas reuniões dominicais descreve, bem como o batismo e a eucaristia. Desta forma, fornece-nos a primeira descrição da liturgia e dá testemunho da fraternidade que anima e une os membros da comunidade.Primeiro em Éfeso, depois em Roma por volta do ano 150, Justino funda escolas filosóficas cristãs. Na capital do império, morava, como ele conta ao longo do seu interrogatório, “perto das Termas de Timóteo, na casa de um homem chamado Martinho”. Mantém aí uma escola, ensinando a filosofia de Cristo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Os Padres da Igreja - São Justino - 1

Vida de São Justino
Do livro Os Padres da Igreja de A. Hamman

De todos os filósofos cristãos do século II, Justino é o mais célebre e o maior. É também o que toca mais profundamente o íntimo do nosso ser. Este leigo, este intelectual, inicia o diálogo com os judeus e com os pagãos. Sua vida foi um alonga busca da verdade. De sua obra, escrita com rudeza e sem arte, desprende-se um testemunho cujo preço os séculos só fizeram valorizar cada vez mais. O cristianismo para ele não é, antes de tudo, uma doutrina, porém uma pessoa: o Verbo encarnado e crucificado em Jesus.
Neste homem, que viveu há dezoito séculos, percebemos o eco de nossos anseios, de nossas objeções, de nossas certezas. Descobrimos nele uma abertura de alma, uma possibilidade de acolhimento, uma vontade de diálogo, que desarmam e seduzem. Se muitas de suas obras estão hoje perdidas, as que nos restam fornecem-nos o diário íntimo desse cristão, e são suficientes para nos revelar a sua vida, desde o seu nascimento e a sua formação, até o seu martírio.

Vida intelectual no século II
Na época de Justino, os filósofos conquistaram o direito de cidadania em Rima. Vitoriosa em seus exércitos, Roma permanece vassala da cultura e da fermentação religiosa do Oriente. Os mestres do pensamento vêm da Ásia para ensinar em Roma. Os romanos foram tomados de excessiva admiração pela filosofia grega e pelas religiões mistéricas. Roma absorvera os impérios; restava-lhe abrir suas portas às divindades do Panteão.
Cansados de uma religião sem poesia e sem alma, os romanos voltaram-se para os filósofos. A filosofia transformara-se numa escola espiritual de paz e de serenidade, e o filósofo num diretor de consciência, num mestre interior, num guia. O próprio imperador Marco Aurélio reveste-se da moral do estoicismo.
No momento em que Justino se converte, a Igreja se acha em plena fermentação. O homem vindo de fora, o pagão de Roma ou de Éfeso, encontrava certa dificuldade para discernir a Igreja de Cristo, em meio às inúmeras escolas que já proliferavam em torno dela. Os falsos profetas criavam comunidades que se opunham à grande Igreja. Como distinguir o bom grão do joio? O pagão daquela época, como o descrente de hoje, não podia deixar de ficar desnorteado no meio desse formigamento de seitas que reclamavam para si o Cristo.

O ambiente cristão
Dentro da Igreja, não se fazem jogadas. A tradição mal acaba de nascer. Justino pôde ver homens que haviam conhecido Pedro e Paulo. Em Éfeso certamente encontrou cristãos que haviam ouvido João, o Vidente. Cem anos separam-no da vida de Jesus: a mesma distância que separa a nossa geração da do duque de Caxias.
Justino ingressa num cristianismo jovem, de fé ardente e contagiosa, que procura formular sua doutrina. O pensamento de Justino revela sua própria história; ele argumenta tal como raciocina. Seus escritos defendem a fé que ele escolheu.
Duas coisas mudaram: na época de Justino, a Igreja atinge o público culto: filósofos e patrícios pedem o batismo e tomam o lugar dos estivadores e dos escravos. A expansão cristã provoca críticas e gracejos por parte dos escritores pagãos e acusações caluniosas da multidão. A tais oposições os cristãos respondem com a juventude de sua fé: “Nada de literatura. O que vale é a vida”, dizia Minúcio Félix. Justino faz-lhe eco: “Atos e não palavras”.
O Evangelho ia de vento em popa. Para detê-lo, os mundanos espalhavam boatos em que o “zé-povinho”, sempre crédulo, acreditava. Os cristãos eram acusados de adorar um deus com cabeça de asno, de se entregarem à devassidão e de participar dos festins de antropófagos. Filósofos e retóricos lançavam o descrédito sobre esses concorrentes incômodos. Não se deveria de chofre tachar de hostilidade a resistência ao Evangelho. A oposição no século II, como a de todos os períodos da história religiosa, provém de preconceitos, de opções prévias, de ignorância e de mal-entendidos que os escritores cristãos vão esforçar-se por afastar, a fim de estabelecer o diálogo entre a fé o pensamento, entre a Igreja e o mundo. Justino será o homem do diálogo. Uma de suas principais obras intitular-se-á Diálogo com o judeu Trifão.

domingo, 1 de novembro de 2009

Solenidade de Todos os Santos

Bendito seja Deus nos seus anjos e nos seus santos! Essa oração que fazemos junto ao Santíssimo Sacramento resume bem a presente solenidade: celebrar todos os santos e santas de Deus é bendizer a Deus pelo grande dom que Ele dá à Igreja nos seus santos e por meio deles.
Mas o que é santidade? A santidade é, antes de tudo, uma propriedade do próprio Deus: Ele, só Ele, é que o Santo, o separado de todas as coisas porque sua natureza de tal modo transcende tudo que nada o pode abarcar, nada o pode prender. Mas, ao mesmo tempo que é o Altíssimo, o Inalcançável, Ele, em sua bondade, se inclina para o homem e o chama à altíssima vocação da santidade, do apartar-se de tudo o que não é Deus para estar junto d’Ele.
Se é Deus quem chama e dá a santidade, este dom, este chamado, é dirigido a todos os povos, a todas as pessoas. Todos são chamados a serem amigos de Deus, a andarem em sua presença. Objetivamente, no entanto, por causa do pecado original, os homens tiveram sua mente obscurecida e passaram a viver afastados de Deus. Mesmo assim, Deus, através do Seu Filho, que viveu e morreu por nós, temos de volta a vida que Deus nos tinha dado no início. E a nossa entrada nesta vida nova, vida de santidade, se dá quando entramos na Santa Igreja, Casa Deus entre os homens, Templo Santo, Corpo de Cristo, Sinal da sua salvação entre todos os povos. Aqueles que pela fé e pelo batismo recebem o Espírito Santo e se nutrem dos sacramentos são o povo santo, a nação sacerdotal que o Senhor escolheu para proclamar as suas obras maravilhosas. Você, cristão, pelo santo batismo, possui o Espírito Santo, que o torna santo! Mesmo na sua fraqueza, mesmo que cometa pecados, mesmo assim Deus o ama e o chama a viver uma vida de santidade, continuamente se purificando das obras más do pecado e se tornando semelhante ao Cristo Nosso Deus em sua vida terrena. É Cristo, o Santo de Deus, o Bem-aventurado, o modelo primeiro e insubstituível para o cristão; mas para que não penses que este ideal é alto demais, Deus deu-nos uma inumerável multidão de homens e mulheres que foram, na vida e na morte, capazes de imitar o Senhor pela força do Espírito Santo que estava neles. É a eles que nos dirigimos hoje, suplicando suas preces junto a Deus para que nós possamos também nós imitá-los e caminhar na amizade de Deus neste mundo. Que o Senhor nos conceda a graça grandiosa de sermos, como os santos que hoje celebramos, testemunhas dignas de sua Palavra e que sejamos contados entre o número daqueles que têm seus nomes inscritos nos céus e que no fim desta vida hão de participar da bem-aventurança eterna.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Os Padres da Igreja - Santo Inácio de Antioquia - 3

Vida de Santo Inácio de Antioquia

Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman

A Igreja no século II

As cartas de Inácio estão cheias de ensinamentos sobre a Igreja no início do século II. Momento crucial. Se, de um lado, os apóstolos morreram uns após outros, de outro lado a sombra do seu prestígio continua a projetar-se sobre as regiões evangelizadas.
A Igreja ampliou-se e continua a prosperar no meio das perseguições. Organiza-se, estrutura-se, hierarquiza-se. O episcopado é solidamente fundado nas comunidades da Ásia Menor, como o atestam as cartas de Inácio.
Mutação e expansão chocam-se com as dificuldades que elas mesmas provocam. A multidão respingada de novos crentes contém, como o cesto do Evangelho, uma mistura. Pesam ameaças sobre as comunidades. A autoridade é discutida, e talvez aceita com queixas. Inácio volta incessantemente a insistir sobre a unidade do clero e dos fiéis em torno do bispo, os quais devem harmonizar-se “como as cordas da lira”. A própria fé é ameaçada pela heresia. A Ásia Menor parece particularmente infestada pelo que Inácio chama de “peste”. O bispo coloca de sobreaviso as comunidades de Éfeso, de Magnésia e de Trales. Estaria ele pressentindo o misticismo gnóstico que iria dilacerar o Oriente cristão e que seria mais destruidor do que as forças do Império? A perseguição recrudesce, a heresia destroi a unidade.
Inácio é uma das primeiras e raras testemunhas da Igreja no momento em que ela se abre ao mundo grego-romano. Se suas cartas são mais cheias de vida do que de literatura, é porque nos revelam maravilhosamente a fé que enfuna as velas do barco em alto mar.
A comunidade acha-se agrupada em torno do bispo, e, mais profundamente ainda, em torno da Eucaristia, palavra que Inácio faz adotar para exprimir dali em diante a reunião litúrgica na ação de graças. Sua carta aos magnesianos ensina-nos a instituição do domingo para comemorar a vitória pascal. Pela primeira vez, a carta aos esmírnios tenta integrar o casamento na vida da comunidade.

Temas mais importantes

Há dois temas que voltam com prioridade nas cartas: a fé em Jesus Cristo e a caridade. Ele gosta de retomar os ensinamentos que dizem respeito ao Cristo: “Há um só médico, a um tempo carne e espírito, gerado e não gerado, Deus feito carne, verdadeira vida no seio da morte, nascido de Maria e de Deus, primeiramente passível de sofrer e agora impassível: Jesus Cristo, nosso Senhor” (Ef 2,2).
Inácio não tem outra paixão senão a de imitar o Cristo. É para segui-lo perfeitamente que aspira ao martírio e a dar a sua vida como ele o fez: perder tudo para encontrar Cristo: “Que nada de visível ou de invisível me impeça de alcançar Cristo. Que todos os tormentos do demônio se desencadeiem sobre mim, contanto que eu alcance o Cristo... Para mim, é mais glorioso morrer pelo Cristo do que reinar até os limites extremos da terra. É a ele que busco, ele, este Jesus que morreu por nós. É ele que eu quero, ele que ressuscitou por nossa causa. Neste momento é que começarei a viver” (Aos Romanos 5,3; 6,1-2). A todas as comunidades ele recomenda a caridade. Esta palavra volta como um leimotiv, resumindo para ele a fé que arde em seu coração. A fé é o princípio, a caridade, a perfeição. “A união das duas é o próprio Deus; toda as outras virtudes formam o seu cortejo, para conduzir o homem à perfeição” (Aos Efésios, 14).
“É muito bom ensinar, com a condição de que se pratique o que se ensina”, escreve ainda Inácio. Este princípio orientou a sua vida, antes que o exprimisse em suas cartas. Assim é o primeiro bispo da Ásia, cujas cartas perpetuam o seu eco. À primeira vista, pode parecer que ele pertença a uma outra época. Basta, porém, revolver as cinzas: suas páginas conservam o fogo que o consumia.

Os Padres da Igreja - Santo Inácio de Antioquia - 2

Vida de Santo Inácio de Antioquia

Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman

O homem

Só conhecemos o homem através de suas sete cartas, as únicas que nos permitem penetrar em seu jardim fechado. Aqui, “o estilo é o homem”. Tal homem, tal coração! Em frases curtas, densas, tão cheias que parecem que vão explodir, de estilo sincopado, sofrido, corre um rio de fogo. Nenhuma ênfase, nenhuma literatura, mas um homem excepcional, ardente, apaixonado, heroico, embora modesto, benevolente mas dotado de lucidez; um dom inato de simpatia, como Paulo, com uma doutrina segura, clara, mais dogmática do que moral, na qual se exprimem a influência joanina, a experiência mística e a santidade.

A importância dessas cartas não passou despercebida aos historiadores. Sua autenticidade foi apaixonadamente discutida durante dois séculos, por motivos em que as teses por vezes induziam às conclusões. Os críticos mais severos, como Harnack, afirmam sua originalidade e sua autenticidade. “A questão, escreve o padre Camelot, está agora definitivamente encerrada”.

Inácio possui senso humano e respeito ao homem. A dificuldade não está em amá-los todos, mas em amar cada um deles; e, em primeiro lugar, o pequeno, o fraco, o escravo, aquele que nos magoa ou que nos faz sofrer, como o escreve e o recomenda a Policarpo. Ama suficientemente os homens para corrigi-los sem feri-los. A palavra “médico”, que aplica com acentuada preferência a Cristo, cabe perfeitamente a ele. Inácio serve à verdade da fé a ponto de pregá-la mesmo quando ela lhe é incômoda e quando ameaça atrair sobre ele as incompreensões e até a hostilidade. A afeição que o cerca é antes de mais nada uma estima; esta “bigorna sob o martelo” não é homem de concessões.

Inácio conquistou o domínio de si a custa de paciência, palavra que lhe é querida e que o caracteriza. Este temperamento impulsivo, impetuoso, tornou-se brando, vencendo a irritação que reprovava em si. Mostra como se conhece bem quando escreve: “Imponho-me uma determinada medida, para não me perder por causa da minha vaidade”. À vaidade ele opõe a humildade, às blasfêmias a exortação, aos erros a firmeza da fé, à arrogância uma educação sem falhas.

O amadurecimento muda sua lucidez em vigilância, sua força em persuasão, sua caridade em delicadeza. “Não vos dou ordens”. Ele prefere convencer. Não precipita nada, acha melhor esperar. Em Esmirna, nada lhe escapa. Aguarda o momento de escrever sua carta de agradecimento, para transformar sua crítica em humildes sugestões de alguém que já partiu definitivamente, cujo olhar não provocará mais humilhações.

A responsabilidade que tem sobre os outros não lhe fez perder a lucidez a respeito de si próprio. Ele se conhece bem. Sabe que é sensível aos elogios, propenso à irritação. Com humildade, na estrada triunfal, cercado de honras, confessa: “Estou correndo perigo”. As demonstrações de consideração não lhe sobem à cabeça, nem o impedem de ver claro.

Se as confidências escapam ao longo de diversas cartas, a dirigida aos romanos é uma confissão. É o bispo que escreve aos esmirnenses, aos efésios, que agradece e exorta; é o homem, arrebatado por Deus, que fala aos romanos. Este caráter singular da carta não escapou aos historiadores. Renan, que rejeitava as outras, achava esta “tão cheia de uma energia estranha, de um espécie de fogo sombrio, e impregnada de um caráter particular de originalidade”.

A língua aí é mal cuidada. O ardor e a paixão provocam a expressão e tornam-na incandescente. Que importam as palavras? Só uma coisa importa: alcançar a Deus. “Como é glorioso ser um sol poente, longe do mundo, em direção a Deus. Que eu me possa levantar em sua presença (Rom 2,2). Para Inácio não se trata apenas da expectativa da fé, mas de uma paixão que lhe aperta a garganta e o sufoca, de um amor que o consome, de um ardor que deixa longe todos os que costumamos experimentar em nossos corações de carne. Fora Deus, tudo agora parece sem valor.

“Em mim já não existe atração pela matéria; só há uma água viva que murmura dentro de mim dizendo-me: Vem para o Pai. Não encontro mais prazer no alimento corruptível nem nas alegrias desta vida; o que desejo é o pão de Deus, este pão que é a carne de Jesus Cristo, o filho de Davi; e, como bebida, quero o seu sangue, que é o amor incorruptível”. Os historiadores podem tecer comentários sobre o sentido destas expressões. Quem lê a carta aos romanos aí encontra um dos testemunhos mais comoventes da fé, o grito do coração, que não pode enganar nem ser enganado, que comove porque diz a verdade.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Os Padres da Igreja - Santo Inácio de Antioquia - 1

Vida de Santo Inácio de Antioquia

Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman

O cristão de hoje, que lê no cânon da missa: “E a todos nós, pecadores, que confiamos na vossa imensa misericórdia, concedei, não por nossos méritos, mas por vossa bondade, o convívio dos apóstolos e mártires: João Batista e Estêvão, Matias e Barbabé, Inácio...”, saberá, por acaso, quem é este Inácio a quem se recorre? É bispo ou monge? De onde é? Em que época viveu? Que conhecemos a respeito dele?

A Antioquia cristã

Inácio é bispo de Antioquia, no começo do século II, no momento em que a Igreja tem cinquenta anos de existência. O peregrino ou o turista hoje procurariam em vão a cidade de Antioquia, situada no ponto de conjunção entre a Turquia e a atual Síria. Os turcos, que logo depois da Grande Guerra a reivindicaram e a obtiveram, zelam apenas por um nome. Da cidade primitiva não resta mais nada. Uma vista aérea é o bastante para se medir a superfície dessa cidade-encruzilhada, uma das três grandes metrópoles do império romano, elemento de ligação entre o Oriente e o Ocidente.

É de Antioquia que Paulo parte para plantar a cruz na Ásia Menor e na Grécia. O Apocalipse fornece-nos o nome de sete cidades que possuem, cada uma, um bispo; estão agrupadas na parte ocidental da Anatólia. Antioquia herda o patrimônio espiritual de Jerusalém, depois do saque desta cidade. Torna-se um dos pontos altos da fé e da vida cristãs. Sua liturgia vai impregnar e influenciar a igreja grega. Em Antioquia, João Crisóstomo exerce o ministério sacerdotal quando é chamado para governar a Igreja de Constantinopla.

Inácio é sem dúvida, juntamente com o papa Clemente de Roma, o primeiro escritor da Igreja, vindo do paganismo, preparado pelos filósofos gregos. De Paulo a Inácio existe a mesma distância que separa um missionário que se adapta aos costumes indígenas de um índio que se converte ao Evangelho e que repensa o cristianismo. Em uma época em que a primeira literatura cristã ainda permanece sob os moldes judaicos, as cartas de Inácio só conservam como herança os valores bíblicos e espirituais. Elas são as cartas de um grego, para quem o grego é a língua de sua alma e de sua sensibilidade, de sua cultura e de seu pensamento. Inácio adota a forma literária e as categorias filosóficas do helenismo.

Sua língua e suas imagens dão-lhe a possibilidade de traduzir suas aspirações místicas mediante fórmulas que um platônico jamais desaprovaria. Ao exprimir o amor mais puro de Cristo, a língua e o pensamento gregos recebem sua consagração suprema. Daí em diante, eles servem ao novo Senhor, que batizou com seu sangue o mundo dos gentios e todos os seus valores autênticos.

O bispo

A Igreja governada pelo jovem bispo é de origem estritamente helênica. Ela é um testemunho da primeira expansão da evangelização. Desde o fim do primeiro século, os cristãos não mais se contentam com a inserção em suas comunidades de pessoas de destaque; sabem colocá-las no leme. Assim, enriquecem-se com Inácio, dotado de uma personalidade de qualidades incomparáveis.

Este bispo, preocupado com seu rebanho e com seu martírio, não deixa de dar atenção às outras Igrejas, cujas dificuldades ele conhece. Não esperou que a colegialidade dos bispos fosse votada em concílio para pô-la em prática. Pelo contrário. Ele é uma das primeiras testemunhas desta colegialidade, muitas vezes citado nas sessões do Vaticano II.

Sob o imperador Trajano (85-117), Inácio foi preso, julgado e condenado às feras. Ele segue o caminho dos confessores da fé; será executado em Roma, que reserva para si as vítimas de maior prestígio. Seu desejo do martírio não o impede de estigmatizar a crueldade imperial, que lhe envia “dez leopardos” para vigiá-lo, a dureza do tratamento destes, que pagam com o mal a benevolência que ele lhes dispensa.

Conduzido da Síria a Roma, o bispo faz escala primeiro em Filadélfia e depois em Esmirna. Estamos no mês de agosto; o sol é causticante. Na cidade, abrigada no fundo de uma enseada, os curiosos vêem passar um grupo de prisioneiros, cercado por uma escolta militar. Os cristãos, dirigidos pelo jovem bispo Policarpo, sabem que o prisioneiro é o bispo da gloriosa cidade de Antioquia; acorrem sem demora e dão mostras, aos confessores da fé, de m respeito impregnado de veneração.

O prestígio de Inácio era tal, que as Igrejas das cidades da Ásia por onde ele não ia passar enviavam delegações “que se dispunham a esperá-lo de cidade em cidade”. Éfeso delegara seu bispo Onésimo, o diácono Burrhus e três outros irmãos. Magnésia, o bispo Basso, dois padres e um diácono.

Em Esmirna, o bispo prisioneiro escreve manifestando sua gratidão às diversas comunidades que o cumprimentam: Éfeso, Magnésia e Trales. Dali também redige sua carta mais bela, a mais cuidada, à cidade de Roma, “a igreja toda pura que preside à caridade”. Pede-lhe que não recorra a nenhum meio que possa vir a frustrar a alegria de seu martírio. “Sou o trigo de Deus. Sou triturado pelo dente das feras para me transformar no pão imaculado de Cristo”.

Depois, como Paulo, ele prossegue seu caminho até Trôade. Antes de embarcar desta cidade para Neápolis, atualmente Kavalla, ainda escreve aos cristãos de Filadélfia, de Esmirna, e a Policarpo, pedindo que enviem delegados à sua cidade episcopal, preocupação constante de seus pensamentos, a fim de felicitá-la por haver recuperado a paz. Isto denota a delicadeza de sua ternura pastoral.

domingo, 25 de outubro de 2009

Veni Creator Spiritus: 1 ano de vida!

Há exatamente um ano atrás, este blog foi criado. Sua intenção era a de ser mais um meio para a Evangelização, segundo o mandato de Nosso Senhor. Esta é a missão da Igreja: impregnar o mundo com a doçura do Evangelho, o bom odor de Cristo, a Santa Doutrina da Verdade.

A internet é um meio extraordinário para a Evangelização. Como todos os outros meios de comunicação, ela é uma ferramenta que em si não é nem boa nem má; ela se torna boa quando usada para coisas boas e má quando usada para coisas más. Quantos não são os sites que mostram imoralidades das mais diversas espécies ou que servem para a manipulação ideológica das pessoas, para a desinformação e engano, para promover a violência e o ódio, para espalhar o enxofre de Satanás pela vida de milhões, não, de bilhões de pessoas? E, embora haja já muitos que se dedicam a anunciar a Boa-Nova da libertação de Cristo no mundo, são poucos, insuficientes para atingir o mundo inteiro. Sim, nós que procuramos evangelizar pela rede mundial de computadores somos poucos, não somos tão lidos, acessados etc. Mas a nossa força não vem de nós, mas de Deus, de seu Santo Espírito que sopra aonde quer. Somos fracos, mas como diz o Apóstolo das Gentes, o grande anunciador do Evangelho de Jesus, “quando me sinto fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10).

Este blog é fraco e pouco acessado, mas é sim mais um canal para que a Seiva vivicante do Espírito Divino passe para as pessoas que acessam diariamente a rede. E é aqui que está a sua força. Saiba você que o lê neste momento, que todo o esforço empregado para mantê-lo no ar por um ano – Deus sabe a que custo de tempo e de lágrimas – terá valido a pena se por um momento ele levou você ou alguém a elevar o coração a Deus. Que o Senhor não permita que tenha sido em vão. Por isso, dirijo ao Senhor esta prece: “Completai em mim a obra começada; ó Senhor, vossa bondade é para sempre! Eu vos peço: não deixeis inacabada, esta obra que fizeram vossas mãos!” (Sl 137, 8).

Bendito seja Deus, que nos permitiu permanecer juntos neste ano! Sua misericórdia é para sempre! (Sl 117,1)