sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Mensagem do Papa para o dia mundial das comunicações

 CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos a mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, divulgada hoje pelo Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, por ocasião da festa de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas católicos.
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Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital

Queridos irmãos e irmãs!
Por ocasião do XLV Dia Mundial das Comunicações Sociais, desejo partilhar algumas reflexões, motivadas por um fenómeno característico do nosso tempo: a difusão da comunicação através da rede internet. Vai-se tornando cada vez mais comum a convicção de que, tal como a revolução industrial produziu uma mudança profunda na sociedade através das novidades inseridas no ciclo de produção e na vida dos trabalhadores, também hoje a profunda transformação operada no campo das comunicações guia o fluxo de grandes mudanças culturais e sociais. As novas tecnologias estão a mudar não só o modo de comunicar, mas a própria comunicação em si mesma, podendo-se afirmar que estamos perante uma ampla transformação cultural. Com este modo de difundir informações e conhecimentos, está a nascer uma nova maneira de aprender e pensar, com oportunidades inéditas de estabelecer relações e de construir comunhão.
Aparecem em perspectiva metas até há pouco tempo impensáveis, que nos deixam maravilhados com as possibilidades oferecidas pelos novos meios e, ao mesmo tempo, impõem de modo cada vez mais premente uma reflexão séria acerca do sentido da comunicação na era digital. Isto é particularmente evidente quando nos confrontamos com as extraordinárias potencialidades da rede internet e a complexidade das suas aplicações. Como qualquer outro fruto do engenho humano, as novas tecnologias da comunicação pedem para ser postas ao serviço do bem integral da pessoa e da humanidade inteira. Usadas sabiamente, podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, verdade e unidade que permanece a aspiração mais profunda do ser humano.
No mundo digital, transmitir informações significa com frequência sempre maior inseri-las numa rede social, onde o conhecimento é partilhado no âmbito de intercâmbios pessoais. A distinção clara entre o produtor e o consumidor da informação aparece relativizada, pretendendo a comunicação ser não só uma troca de dados, mas também e cada vez mais uma partilha. Esta dinâmica contribuiu para uma renovada avaliação da comunicação, considerada primariamente como diálogo, intercâmbio, solidariedade e criação de relações positivas. Por outro lado, isto colide com alguns limites típicos da comunicação digital: a parcialidade da interacção, a tendência a comunicar só algumas partes do próprio mundo interior, o risco de cair numa espécie de construção da auto-imagem que pode favorecer o narcisismo.

Sobretudo os jovens estão a viver esta mudança da comunicação, com todas as ansiedades, as contradições e a criatividade própria de quantos se abrem com entusiasmo e curiosidade às novas experiências da vida. O envolvimento cada vez maior no público areópago digital dos chamados social network, leva a estabelecer novas formas de relação interpessoal, influi sobre a percepção de si próprio e por conseguinte, inevitavelmente, coloca a questão não só da justeza do próprio agir, mas também da autenticidade do próprio ser. A presença nestes espaços virtuais pode ser o sinal de uma busca autêntica de encontro pessoal com o outro, se se estiver atento para evitar os seus perigos, como refugiar-se numa espécie de mundo paralelo ou expor-se excessivamente ao mundo virtual. Na busca de partilha, de «amizades», confrontamo-nos com o desafio de ser autênticos, fiéis a si mesmos, sem ceder à ilusão de construir artificialmente o próprio «perfil» público.
As novas tecnologias permitem que as pessoas se encontrem para além dos confins do espaço e das próprias culturas, inaugurando deste modo todo um novo mundo de potenciais amizades. Esta é uma grande oportunidade, mas exige também uma maior atenção e uma tomada de consciência quanto aos possíveis riscos. Quem é o meu «próximo» neste novo mundo? Existe o perigo de estar menos presente a quantos encontramos na nossa vida diária? Existe o risco de estarmos mais distraídos, porque a nossa atenção é fragmentada e absorvida por um mundo «diferente» daquele onde vivemos? Temos tempo para reflectir criticamente sobre as nossas opções e alimentar relações humanas que sejam verdadeiramente profundas e duradouras? É importante nunca esquecer que o contacto virtual não pode nem deve substituir o contacto humano directo com as pessoas, em todos os níveis da nossa vida.
Também na era digital, cada um vê-se confrontado com a necessidade de ser pessoa autêntica e reflexiva. Aliás, as dinâmicas próprias dos social network mostram que uma pessoa acaba sempre envolvida naquilo que comunica. Quando as pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas esperanças, os seus ideais. Segue-se daqui que existe um estilo cristão de presença também no mundo digital: traduz-se numa forma de comunicação honesta e aberta, responsável e respeitadora do outro. Comunicar o Evangelho através dos novos midiasignifica não só inserir conteúdos declaradamente religiosos nas plataformas dos diversos meios, mas também testemunhar com coerência, no próprio perfil digital e no modo de comunicar, escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala explicitamente dele. Aliás, também no mundo digital, não pode haver anúncio de uma mensagem sem um testemunho coerente por parte de quem anuncia. Nos novos contextos e com as novas formas de expressão, o cristão é chamado de novo a dar resposta a todo aquele que lhe perguntar a razão da esperança que está nele (cf. 1 Pd 3, 15).
O compromisso por um testemunho do Evangelho na era digital exige que todos estejam particularmente atentos aos aspectos desta mensagem que possam desafiar algumas das lógicas típicas daweb. Antes de tudo, devemos estar cientes de que a verdade que procuramos partilhar não extrai o seu valor da sua «popularidade» ou da quantidade de atenção que lhe é dada. Devemos esforçar-nos mais em dá-la conhecer na sua integridade do que em torná-la aceitável, talvez «mitigando-a». Deve tornar-se alimento quotidiano e não atracção de um momento. A verdade do Evangelho não é algo que possa ser objecto de consumo ou de fruição superficial, mas dom que requer uma resposta livre. Mesmo se proclamada no espaço virtual da rede, aquela sempre exige ser encarnada no mundo real e dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária. Por isso permanecem fundamentais as relações humanas directas na transmissão da fé!

Em todo o caso, quero convidar os cristãos a unirem-se confiadamente e com criatividade consciente e responsável na rede de relações que a era digital tornou possível; e não simplesmente para satisfazer o desejo de estar presente, mas porque esta rede tornou-se parte integrante da vida humana. A web está a contribuir para o desenvolvimento de formas novas e mais complexas de consciência intelectual e espiritual, de certeza compartilhada. Somos chamados a anunciar, neste campo também, a nossa fé: que Cristo é Deus, o Salvador do homem e da história, Aquele em quem todas as coisas alcançam a sua perfeição (cf. Ef 1, 10). A proclamação do Evangelho requer uma forma respeitosa e discreta de comunicação, que estimula o coração e move a consciência; uma forma que recorda o estilo de Jesus ressuscitado quando Se fez companheiro no caminho dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35), que foram gradualmente conduzidos à compreensão do mistério mediante a sua companhia, o diálogo com eles, o fazer vir ao de cima com delicadeza o que havia no coração deles.
Em última análise, a verdade que é Cristo constitui a resposta plena e autêntica àquele desejo humano de relação, comunhão e sentido que sobressai inclusivamente na participação maciça nos váriossocial network. Os crentes, testemunhando as suas convicções mais profundas, prestam uma preciosa contribuição para que a web não se torne um instrumento que reduza as pessoas a categorias, que procure manipulá-las emotivamente ou que permita aos poderosos monopolizar a opinião alheia. Pelo contrário, os crentes encorajam todos a manterem vivas as eternas questões do homem, que testemunham o seu desejo de transcendência e o anseio por formas de vida autêntica, digna de ser vivida. Precisamente esta tensão espiritual própria do ser humano é que está por detrás da nossa sede de verdade e comunhão e nos estimula a comunicar com integridade e honestidade.
Convido sobretudo os jovens a fazerem bom uso da sua presença no areópago digital. Renovo-lhes o convite para o encontro comigo na próxima Jornada Mundial da Juventude em Madrid, cuja preparação muito deve às vantagens das novas tecnologias. Para os agentes da comunicação, invoco de Deus, por intercessão do Patrono São Francisco de Sales, a capacidade de sempre desempenharem o seu trabalho com grande consciência e escrupulosa profissionalidade, enquanto a todos envio a minha Bênção Apostólica.
Vaticano, Festa de São Francisco de Sales, 24 de Janeiro de 2011.

BENEDICTUS PP. XVI

Cristo não está dividido: Bento XVI no Angelus

CIDADE DO VATICANO, domingo, 23 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos as palavras que Bento XVI dirigiu hoje durante a oração do Angelus aos fiéis congregados na Praça de São Pedro. 
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Queridos irmãos e irmãs!
Nestes dias, de 18 a 25 de janeiro, realiza-se a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Este ano, tem por tema uma passagem do livro dos Atos dos Apóstolos, que resume em poucas palavras a vida da primeira comunidade cristã de Jerusalém: “Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações (At 2, 42). É muito significativo que este tema tenha sido proposto pelas Igrejas e comunidades cristãs de Jerusalém, reunidas em espírito ecumênico. Sabemos quantas provas devem enfrentar os irmãos e irmãs da Terra Santa e do Oriente Médio. Seu serviço é portanto ainda mais precioso, valorizado por um testemunho que, em certos casos, chegou até o sacrifício da vida. Por isso, enquanto acolhemos com alegria as inspirações para a reflexão oferecidas pelas comunidades que vivem em Jerusalém, unimo-nos em torno delas, e isso se converte para todos em um fator ulterior de comunhão.
Também hoje, para ser no mundo sinal e instrumento de união íntima com Deus e de unidade entre os homens, nós, cristãos, devemos fundar nossa vida nestes quatro “pilares”: a vida fundada na fé dos Apóstolos transmitida na viva Tradição da Igreja, a comunhão fraterna, a Eucaristia e a oração. Só desta forma, permanecendo firmemente unida a Cristo, a Igreja pode realizar eficazmente sua missão, apesar de todos os limites e das faltas de seus membros, apesar das divisões, que já o apóstolo Paulo teve de enfrentar na comunidade de Corinto, como recorda a segunda leitura bíblica deste domingo, onde diz: “Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento” (1, 10). O apóstolo, de fato, soubera que na comunidade cristã de Corinto houvera discórdias e divisões; por isso, com grande firmeza, acrescenta: “Então estaria Cristo dividido?” (1,13). Dizendo isso, ele afirma que toda divisão na Igreja é uma ofensa a Cristo; e, ao mesmo tempo, que é sempre n’Ele, única Cabeça e Senhor, onde podemos voltar a nos encontrar unidos, pela força inesgotável de sua graça.
Daí então o chamado sempre atual do Evangelho de hoje: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (Mt 4,17). O sério dever de conversão a Cristo é o caminho que conduz a Igreja, com os tempos que Deus dispõe, à plena unidade visível. Disso são um sinal os encontros ecumênicos que se multiplicam nestes dias em todo o mundo. Aqui em Roma, além de se encontrarem presentes delegações ecumênicas, começará amanhã uma sessão de encontro da Comissão do diálogo teológico entre a Igreja Católica e as Antigas Igrejas Orientais. E depois de amanhã concluiremos a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos com a solene celebração das Vésperas na festa da Conversão de São Paulo. Que nos acompanhe sempre, neste caminho, a Virgem Maria, Mãe da Igreja.
[Traduzido por ZENIT
©Libreria Editrice Vaticana] 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Catequese papal: A unidade da primeira comunidade cristã

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Sala Paulo VI para a audiência geral.
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Queridos irmãos e irmãs:
Estamos celebrando a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, na qual todos os crentes em Cristo são convidados a participar da oração para dar testemunho da profunda ligação entre eles e invocar o dom da plena comunhão. É providencial que, no caminho para construir a unidade, a oração seja colocada no centro: isso nos faz lembrar, mais uma vez, que a unidade não pode ser um mero produto da ação humana; é sobretudo um dom de Deus, que implica um crescimento em comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O Concílio Vaticano II diz: "Tais preces comuns são certamente um meio muito eficaz para impetrar a unidade. São uma genuína manifestação dos vínculos pelos quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados:  ‘Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles' (Mt 18,20)" (decreto Unitatis Redintegratio, 8). O caminho para a unidade visível entre todos os cristãos habita na oração, principalmente porque a unidade não é "construída" por nós, mas quem a "constrói" é Deus, vem d'Ele, do mistério da Santíssima Trindade, da unidade do Pai com o Filho, no diálogo de amor que é o Espírito Santo; e nosso esforço ecumênico deve se abrir à ação divina, deve ser invocação cotidiana da ajuda de Deus. A Igreja é d'Ele, não nossa.
O tema escolhido este ano para a Semana de Oração se refere à experiência da primeira comunidade cristã de Jerusalém, conforme descrita pelos Atos dos Apóstolos (ouvimos o texto): "Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações" (Atos 2,42). Devemos considerar que, já no momento de Pentecostes, o Espírito Santo desce sobre pessoas de diversa língua e cultura: isso significa que a Igreja abraça desde o começo as pessoas de diversas origens e, no entanto, justamente a partir dessas diferenças, o Espírito cria um único corpo. Pentecostes, como o início da Igreja, marca a expansão da Aliança de Deus a todas as criaturas, a todos os povos e a todas as épocas, para que toda a criação caminhe rumo ao seu verdadeiro objetivo: ser lugar de unidade e de amor.
Na passagem citada dos Atos dos Apóstolos, quatro características definem a primeira comunidade cristã de Jerusalém como um lugar de união e amor, e São Lucas não quer apenas descrever um acontecimento passado. Ele no-lo mostra como um modelo, como padrão para a Igreja do presente, porque estas quatro características devem constituir a vida da Igreja. A primeira característica é ser unida na escuta dos ensinamentos dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e na oração. Como mencionei, estes quatro elementos ainda são os pilares da vida de cada comunidade cristã e constituem um fundamento único e sólido sobre o qual a basear nossa busca da unidade visível da Igreja.
Antes de tudo, temos a escuta do ensinamento dos Apóstolos, ou seja, a escuta do testemunho que eles dão da missão, da vida, da morte e da ressurreição do Senhor Jesus. Isso é o que Paulo chama simplesmente de "Evangelho". Os primeiros cristãos recebiam o Evangelho diretamente dos Apóstolos, estavam unidos para sua escuta e sua proclamação, pois o Evangelho, como diz São Paulo, "é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê" (Rm 1, 16). Ainda hoje, a comunidade dos crentes reconhece, na referência ao ensinamento dos Apóstolos, a própria norma de fé: todos os esforços feitos para construir a unidade entre os cristãos passam pelo aprofundamento da fidelidade ao depositum fidei que recebemos dos Apóstolos. A firmeza na fé é a base da nossa comunhão, é o fundamento da unidade dos cristãos.
O segundo elemento é a comunhão fraterna. Na época da primeira comunidade cristã, bem como em nossos dias, esta é a expressão mais tangível, especialmente para o mundo exterior, da unidade entre os discípulos do Senhor. Lemos nos Atos dos Apóstolos - e o escutamos - que os primeiros cristãos tinham tudo em comum, e quem tinha bens e haveres, vendia-os para ajudar os necessitados (cf. At 2,44-45). Esta comunhão dos próprios bens encontrou, na história da Igreja, novas formas de expressão. Uma delas, em particular, é o relacionamento fraterno e de amizade construído entre cristãos de diferentes confissões. A história do movimento ecumênico é marcada por dificuldades e incertezas, mas é também uma história de fraternidade, de colaboração e de comunhão humana e espiritual, que alterou significativamente as relações entre os crentes no Senhor Jesus: todos nós estamos empenhados em continuar neste caminho. O segundo elemento é, portanto, a comunhão, que é acima de tudo comunhão com Deus através da fé, mas a comunhão com Deus cria a comunhão entre nós e se traduz necessariamente na comunhão concreta sobre a qual fala o livro dos Atos dos Apóstolos, ou seja, a comunhão plena. Ninguém na comunidade cristã deve passar fome, ninguém deve ser pobre: é uma obrigação fundamental. Comunhão com Deus, feita carne na comunhão fraterna, traduz-se em particular no esforço social, na caridade cristã, na justiça.

Terceiro elemento. Na vida da primeira comunidade de Jerusalém, também foi fundamental o momento da fração do pão, na qual o próprio Senhor está presente com o único sacrifício da cruz, em entrega completa pela vida dos seus amigos: "Este é o meu corpo entregue em sacrifício por vós... este é o cálice do meu Sangue... derramado por vós". "A Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma experiência diária de fé, mas contém em síntese o coração do mistério da Igreja "(encíclica Ecclesia de Eucharistia, 1). A comunhão no sacrifício de Cristo é o ponto culminante de nossa união com Deus e, portanto, também representa a plenitude da unidade dos discípulos de Cristo, a plena comunhão. Durante esta semana de oração pela unidade, está particularmente vivo o lamento pela impossibilidade de partilhar a mesma mesa eucarística, um sinal de que ainda estamos longe de alcançar a unidade pela qual Cristo orou. Esta experiência dolorosa, que confere uma dimensão penitencial à nossa oração, deve se tornar uma fonte de um esforço mais generoso ainda, por parte de todos, visando a eliminar todos os obstáculos à plena comunhão, para que chegue o dia em que seja possível reunir-se em torno da mesa do Senhor, partir juntos o Pão eucarístico e beber todos do mesmo cálice.
Finalmente, a oração - ou, como diz Lucas, "as orações" - é a quarta característica da Igreja primitiva de Jerusalém, descrita nos Atos dos Apóstolos. A oração é, desde sempre, uma atitude constante dos discípulos de Cristo, que acompanha sua vida diária em obediência à vontade de Deus, como testemunham também as palavras do apóstolo Paulo, escrevendo aos tessalonicenses, em sua primeira carta: "Estai sempre alegres. Orai sem cessar. Dai graças a Deus em todos os momentos: isso é o que Deus quer de todos vós, em Cristo Jesus" (1 Tes 5, 16-18; cf. Ef 6,18). A oração cristã, participação na oração de Jesus, é por excelência uma experiência filial, como testemunham as palavras do Pai Nosso, a oração da família - o "nós" dos Filhos de Deus, dos irmãos e irmãs - que fala a um Pai comum. Estar em oração implica, portanto, abrir-se à fraternidade. Só no "nós," podemos dizer "Pai Nosso". Abramo-nos à fraternidade que deriva de ser filhos de um Pai celeste e, portanto, a estar dispostos ao perdão e à reconciliação.
Queridos irmãos e irmãs, como discípulos do Senhor, temos uma responsabilidade comum para com o mundo, devemos fazer um serviço comum: como a primeira comunidade cristã de Jerusalém, partindo do que já compartilhamos, devemos oferecer um testemunho forte, espiritualmente baseado e apoiado pela razão, do único Deus que se revelou e que nos fala em Cristo, para ser portadores de uma mensagem que oriente e ilumine o caminho do homem da nossa época, frequentemente privado de pontos de referência claros e válidos. É importante, portanto, crescer diariamente no amor mútuo, empenhando-nos em superar essas barreiras que ainda existem entre os cristãos; sentir que há uma verdadeira unidade interior entre todos aqueles que seguem o Senhor; colaborar, tanto quanto possível, trabalhando em conjunto sobre questões ainda abertas; e, acima de tudo, estar cientes de que, neste itinerário, o Senhor deve nos ajudar, tem de ajudar-mos muito ainda, porque sem Ele, sozinhos, sem "permanecer n'Ele", nada podemos fazer (cf. Jo 15,5).
Queridos amigos, mais uma vez, é na oração que nos encontramos reunidos - especialmente nesta semana -, junto a todos aqueles que confessam sua fé em Jesus Cristo, Filho de Deus: perseveremos nela, sejamos pessoas de oração, implorando de Deus o dom da unidade, para que se cumpra no mundo inteiro seu desígnio de salvação e de reconciliação. Obrigado!
[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Queridos irmãos e irmãs:

Estamos celebrando a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, cujo tema, neste ano, refere-se à experiência da primeira comunidade cristã, descrita nos Atos dos Apóstolos: "Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações" (At 2, 42). Aqui encontramos quatro características que definem a primeira comunidade e que constituem uma sólida base para a construção da unidade visível da Igreja: "Escutar o ensinamento dos apóstolos", ou seja, o testemunho da missão, vida, morte e ressurreição do Senhor; "a comunhão fraterna", isto é, dividir os próprios bens, materiais e espirituais; "a fração do pão" - a eucaristia - o ápice da nossa união com Deus e que representa a plenitude da unidade; e, finalmente, "a oração", que deve ser a atitude constante dos discípulos de Cristo. Com efeito, o caminho para a construção da unidade entre os cristãos deve manter no centro a oração: isso nos lembra que a unidade não é um simples fruto da ação humana, mas é, acima de tudo, um dom de Deus.

Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo com grande afeto e alegria, exortando-vos a perseverar na oração, pedindo a Deus o dom da unidade, a fim de que se cumpra no mundo inteiro o seu desígnio de salvação! Ide em paz!
[Tradução: Aline Banchieri.
© Libreria Editrice Vaticana]

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Angelus, 2º Domingo Comum


CIDADE DO VATICANO, domingo, 16 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos as palavras que o Papa Bento XVI dirigiu hoje, ao rezar a oração mariana do Ângelus, aos peregrinos reunidos na Praça de São Pedro.
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Queridos irmãos e irmãs:
Neste domingo, comemoramos o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, que a cada ano nos convida a refletir sobre a experiência de muitos homens e mulheres, e muitas famílias que deixam seus países em busca de melhores condições de vida.  Esta migração é por vezes voluntária; outras vezes, infelizmente, é forçada pela guerra ou perseguição, e com frequência acontece, como sabemos, em circunstâncias dramáticas. Por esta razão, estabeleceu-se, sessenta anos atrás, o Alto Comissariado para os Refugiados.
Na festa da Sagrada Família, após o Natal, lembramos que os pais de Jesus também tiveram de fugir da própria terra e se refugiar no Egito para salvar a vida de seu filho: o Messias, o Filho de Deus, foi um refugiado. A Igreja, desde sempre, viveu em seu interior a experiência da migração. Às vezes, infelizmente, os cristãos são obrigados a deixar suas terras em meio ao sofrimento, empobrecendo assim os países onde viveram seus antepassados. Por outro lado, os traslados voluntários dos cristãos por diferentes razões, de uma cidade para outra, de um país para outro, de um continente para outro, são uma oportunidade para aumentar o dinamismo missionário da Palavra de Deus e permitem que o testemunho da fé circule mais no Corpo Místico de Cristo, atravessando os povos e as culturas e alcançando novas fronteiras, novos ambientes. 
"Uma só família humana": este é o tema da mensagem que enviei por ocasião deste dia. Uma questão que indica o fim, o objetivo da grande jornada da humanidade através dos séculos: formar uma única família, naturalmente com todas as diferenças que a enriquecem, mas sem barreiras, reconhecendo todos como irmãos. O Concílio Vaticano II diz: "Todos os povos formam uma comunidade, têm uma mesma origem, porque Deus fez todo o gênero humano habitar sobre a face da terra" (declaração Nostra aetate, 1).
A Igreja continua o Concílio, "é, em Cristo, como um sacramento, isto é, sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano" (constituição Lumen gentium, 1). Por esta razão, é essencial que os cristãos, embora estejam espalhados por todo o mundo e, portanto, tenham diferentes culturas e tradições, sejam uma só coisa, como o Senhor quer. Este é o objetivo da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que será realizada nos próximos dias, de 18 a 25 de janeiro. Neste ano, ela se inspira em uma passagem dos Atos dos Apóstolos: "Unidos na doutrina dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e na oração" (At 2,42). A oitava pela Unidade dos Cristãos é precedida, amanhã, pelo Dia do diálogo judaico-cristão: a coincidência de datas é muito significativa, pois aponta para a importância das raízes comuns que unem judeus e cristãos.
Ao nos dirigirmos a Nossa Senhora, rezando o Ângelus, confiamos à sua proteção todos os migrantes e aqueles que se dedicam ao trabalho pastoral entre eles. Que Maria, Mãe da Igreja, nos permita também avançar no caminho rumo à plena comunhão de todos os discípulos de Cristo.
[Depois de rezar o Ângelus, o Papa disse:]
Queridos irmãos e irmãs, como todos sabem, no dia 1º de maio terei a alegria de proclamar Bem-aventurado o Venerável João Paulo II, meu amado predecessor. A data escolhida é significativa: será, de fato, o II Domingo de Páscoa, que ele mesmo dedicou à Divina Misericórdia, e na véspera do qual encerrou a sua vida terrena. Aqueles que o conheceram, aqueles que o estimaram e amaram, não podem deixar de se alegrar com a Igreja por este evento. Estamos felizes!
Quero assegurar minha especial recordação na oração pelas populações da Austrália, Brasil, Filipinas e Sri Lanka, recentemente atingidas por enchentes devastadoras. Que o Senhor acolha as almas dos defuntos, dê força aos desabrigados e apoie o trabalho daqueles que estão ajudando a aliviar o sofrimento e o desconforto.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

João Paulo II será beatificado em 1º de maio


CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 14 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - O Papa João Paulo II será beatificado no dia 1º de maio, que neste ano coincide com a festa da Divina Misericórdia, no segundo domingo da Páscoa.
Quem fez o anúncio hoje foi o porta-voz do Vaticano, Pe. Federico Lombardi SJ, após a divulgação da aprovação do decreto sobre o milagre atribuído à intercessão de Karol Wojtyla.
Uma nota da Congregação para as Causas dos Santos, publicada hoje pela Sala de Imprensa da Santa Sé, detalha o Iter da causa de beatificação de João Paulo II.
A data da beatificação do Papa polonês foi divulgada depois que, em 11 de janeiro, os cardeais e bispos da Congregação consideraram "milagrosa" a cura da freira Marie Pierre Simon, por intercessão de João Paulo II.
A causa de beatificação de João Paulo II, "por Dispensa Pontifícia, começou antes do decorrer de cinco anos a partir da morte do Servo de Deus, exigidos pela regulamentação vigente", lembra o relatório publicado hoje.
"Este procedimento foi solicitado pela imponente fama de santidade" de João Paulo II, "em vida, em morte e depois da morte", continua o texto.
"No demais, foram observadas integralmente as disposições canônicas a respeito das causas de beatificação e canonização", esclarece a congregação.
A nota prossegue explicando o processo seguido para a beatificação do antecessor de Bento XVI: entre junho de 2005 e abril de 2007, houve uma investigação diocesana principal romana e as rogatórias em diversas dioceses sobre a vida, as virtudes, a fama de santidade e de milagres de João Paulo II.
"A validez jurídica dos processos canônicos foi reconhecida pela Congregação para as Causas dos Santos, com o Decreto de 4 de maio de 2007", diz a nota.
"Em junho de 2009, examinada a respectiva Positio, nove consultores teólogos do dicastério deram o seu parecer positivo sobre as virtudes heroicas do Servo de Deus", indica o texto.
"No seguinte mês de novembro, seguindo o procedimento habitual, a própria Positio foi então submetida ao parecer dos cardeais e bispos da Congregação para as Causas dos Santos, que se expressaram com sentença afirmativa."
"Em 19 de dezembro de 2009, o Sumo Pontífice Bento XVI autorizou a promulgação do Decreto sobre as virtudes heroicas", recorda a nota.
"Frente à beatificação do Venerável Servo de Deus, a Postulação da Causa apresentou ao exame da Congregação para as Causas dos Santos a cura do ‘Mal de Parkinson' da irmã Marie Simon Pierre Normand, religiosa do Institut des Petites Soeurs des Maternités Catholiques."
"Como de costume, as abundantes Atas da Investigação Canônica, regularmente instruída, junto aos detalhados exames médico-legais, foram submetidos ao exame científico da Comissão Médica da Congregação para as Causas dos Santos, em 21 de outubro de 2010."
"Seus especialistas, tendo estudado com o rigor habitual os testemunhos do processo e todos os documentos, expressaram-se a favor da natureza cientificamente inexplicável da cura."
"Os teólogos consultores, após examinarem as conclusões médicas, em 14 de dezembro de 2010 procederam à avaliação teológica do caso e, por unanimidade, reconheceram a singularidade, antecedência e coralidade da invocação dirigida ao Servo de Deus João Paulo II, cuja intercessão havia sido eficaz para os fins da prodigiosa cura."
"Finalmente, em 11 de janeiro de 2011, realizou-se a sessão ordinária dos cardeais e bispos da Congregação para as Causas dos Santos, que emitiram uma unânime sentença afirmativa."
Esta sentença, conclui a nota, considera "milagrosa a cura da Irmã Marie Pierre Simon, realizada por Deus de maneira cientificamente inexplicável, após a intercessão do Sumo Pontífice João Paulo II, invocado com confiança, tanto pela própria curada como por muitos outros fiéis".

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Formação sobre a Eucaristia para leigos - 1

Ontem tive a alegria de dar a primeira de uma série de três formações, para os leigos da minha comunidade, sobre a Eucaristia, formação que divido agora com vocês. É só clicar no link abaixo.

Formação sobre a Eucaristia 1.WAV

Catequese papal: Santa Catarina de Gênova


CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 12 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Sala Paulo VI para a audiência geral.

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Queridos irmãos e irmãs:
Hoje, eu gostaria de falar sobre outra santa que, como Catarina de Sena e Catarina de Bolonha, também tem o nome de Catarina: falo de Catarina de Gênova, que é particularmente notável por suas visões do purgatório.
O texto que nos conta sobre sua vida e pensamento foi publicado na cidade da Ligúria, em 1551, e é dividido em três partes: a Vita, propriamente dita, a Dimostratione et dechiaratione del purgatorio - mais conhecida como Trattato - e o Dialogo tra l'anima e il corpo. O compilador da obra de Catarina foi seu confessor, o Pe. Cattaneo Marabotto.
Catarina nasceu em Gênova, em 1447; última de cinco filhos, perdeu o pai, Giacomo Fieschi, em sua infância. A mãe, Francesca di Negro, educou seus filhos como cristãos, tanto é assim que a filha mais velha se tornou freira aos dezesseis anos. Catarina foi casada com Giuliano Adorno, um homem que, depois de anos de experiência na área do comércio e no mundo militar do Oriente Médio, voltou a Gênova para se casar. A vida conjugal não foi fácil, especialmente pelo temperamento do marido, que gostava de jogos de azar. A própria Catarina foi induzida, no começo, a levar um tipo de vida mundana, na qual não conseguiu encontrar a serenidade. Depois de dez anos, em seu coração havia um profundo sentimento de vazio e amargura.
Sua conversão começou em 20 de marco de 1473, graças a uma insólita experiência. Catarina foi à igreja de São Bento e ao Mosteiro de Nossa Senhora das Graças para confessar-se e, ajoelhando-se diante do sacerdote, "recebi - escreve ela - uma ferida no coração, do imenso amor de Deus"; e foi tão clara a visão de suas misérias e defeitos, e ainda, da bondade de Deus, que ela quase desmaiou. Foi ferida no coração com o conhecimento de si mesma, da vida que levava e da bondade de Deus. A partir dessa experiência, nasceu a decisão que orientou toda a sua vida e que, expressa em palavras, foi: "Não mais mundo, não mais pecado" (cf.Vita mirabile, 3rv). Catarina, então, interrompeu a confissão foi embora. Quando ela voltou para casa, foi ao quarto mais distante e refletiu por um longo tempo. Nesse momento, ela foi instruída interiormente sobre a oração e teve consciência do amor de Deus por ela, de que ela era pecadora, uma experiência espiritual que não conseguia expressar em palavras (cf.Vita mirabile, 4r). Foi nesse momento que Jesus lhe apareceu como sofredor, carregando a cruz, como muitas vezes foi representado na iconografia da santa. Poucos dias depois, ela voltou a buscar o sacerdote para realizar, finalmente, uma boa confissão. Começou aí a "vida de purificação" que, durante muito tempo, fez com que ela sofresse uma dor constante pelos pecados cometidos e a levou a impor-se sacrifícios e penitências para mostrar seu amor a Deus.
Nesse caminho, Catarina ia ficando cada vez mais perto do Senhor, até entrar no que é conhecido como "a via unitiva", ou seja, uma relação de profunda união com Deus. Na Vita, está escrito que sua alma era guiada e amestrada somente pelo doce amor de Deus, que lhe dava tudo de que ela precisava. Catarina se abandonou de tal forma nas mãos de Deus, que viveu, durante quase 25 anos, como ela escreveu, "sem qualquer criatura, instruída e governada apenas por Deus" (Vita, 117r-118r), nutrida principalmente pela oração constante e pela Santa Comunhão recebida todos os dias, algo incomum naquela época. Foi somente anos mais tarde que o Senhor deu-lhe um sacerdote para cuidar de sua alma.
Catarina sempre relutou em confiar e expressar a sua experiência de comunhão mística com Deus, sobretudo pela profunda humildade que sentia frente às graças do Senhor. Foi somente a partir da perspectiva de dar-lhe glória e poder ajudar os outros em seu caminho espiritual, que ela aceitou contar o que lhe tinha acontecido na época de sua conversão, que é sua experiência original e fundamental.
O lugar da sua ascensão mística aos cumes foi o hospital de Pammatone, o maior complexo hospitalar de Gênova, do qual foi diretora e promotora. Portanto, Catarina viveu uma existência totalmente ativa, apesar da profundidade de sua vida interior. Em Pammatone, formou-se ao seu redor um grupo de seguidores, discípulos e colaboradores, fascinados pela sua vida de fé e por sua caridade. Ela conseguiu que seu próprio marido, Giuliano Adorno, deixasse a vida dissipada, se tornasse terciário franciscano e se transferisse para o hospital para ajudar sua esposa. A participação de Catarina no cuidado dos doentes continuou até os últimos dias de sua jornada terrena, em 15 de setembro de 1510. De sua conversão até sua morte, não houve acontecimentos extraordinários, somente dois elementos caracterizaram sua vida inteira: por um lado, a experiência mística, ou seja, a união profunda com Deus, vivida como uma união esponsal; e, por outro, a assistência aos doentes, a organização do hospital, o serviço ao próximo, especialmente aos mais abandonados e necessitados. Esses dois polos - Deus e o próximo - preencheram toda sua vida, transcorrida praticamente dentro dos muros do hospital.
Queridos amigos, não devemos esquecer que, quanto mais amamos a Deus e somos constantes na oração, mais amaremos verdadeiramente quem está ao nosso redor, quem está perto de nós, porque seremos capazes de ver em cada pessoa o rosto do Senhor, que ama sem limites nem distinções. A mística não cria distâncias com relação ao outro, não cria uma vida abstrata, mas sim aproxima dos outros, porque se começa a ver e agir com os olhos, com o coração de Deus.
O pensamento de Catarina sobre o purgatório, pelo qual é particularmente conhecida, está condensado nas duas últimas partes do livro citado no início: o Tratado sobre o purgatório e o Diálogo entre a alma e o corpo. É importante notar que a Catarina, em sua experiência mística, nunca teve revelações específicas sobre o purgatório ou sobre as almas que estão sendo purificadas nele. No entanto, nos escritos inspirados por nossa santa, é um elemento central, e a maneira de descrever isso tem características originais com relação à sua época. O primeiro traço original diz respeito ao "lugar" da purificação das almas. Em sua época, representava-se o purgatório principalmente com o uso de imagens ligadas ao espaço: pensava-se em uma determinada área, onde se encontraria o purgatório. Em Catarina, no entanto, o purgatório não é apresentado como um elemento da paisagem das entranhas da terra: é um fogo interior, não exterior. Isso é o purgatório, um fogo interior. A santa fala do caminho de purificação da alma até a comunhão com Deus, partindo de sua própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em contraste com o amor infinito de Deus (cf. Vita mirabile, 171v).
Ouvimos sobre o momento da conversão, em que Catarina sente de repente a bondade de Deus, a distância infinita de sua própria vida dessa bondade e um fogo abrasador dentro dela. E este é o fogo que purifica, é o fogo interior do purgatório. Também aqui há uma característica original com relação ao pensamento da época. Não se parte, de fato, do Além para narrar os tormentos do purgatório - como era costume na época e talvez ainda hoje - e, em seguida, apontar o caminho para a purificação ou a conversão, mas a nossa santa parte da experiência interior e pessoal de sua vida no caminho rumo à eternidade. A alma - diz Catarina - é apresentada a Deus ainda vinculada aos desejos e dores decorrentes do pecado, e isso lhe torna impossível gozar da visão beatífica de Deus. Catarina afirma que Deus é tão puro e santo, que a alma, com as manchas do pecado, não pode se encontrar na presença da divina majestade (cf. Vita mirabile, 177r). E também nós percebemos quão afastados nos encontramos, como estamos cheios de muitas coisas, de modo que não podemos ver Deus. A alma é consciente do imenso amor e da perfeita justiça de Deus e, portanto, sofre por não ter respondido correta e perfeitamente a esse amor e, por isso, o próprio amor a Deus torna-se uma chama, o próprio amor a purifica das suas escórias de pecado.
Em Catarina se percebe a presença de fontes teológicas e místicas às quais era normal recorrer em sua época. Em particular, há uma imagem de Dionísio, o Areopagita, a do fio de ouro que une o coração humano com o próprio Deus. Quando Deus purifica o homem, Ele o ata com um fio finíssimo de ouro, que é o seu amor, e o atrai a si com um carinho tão forte, que o homem permanece como "superado, vencido e todo fora de si mesmo". Assim, o coração humano é invadido pelo amor de Deus, que se torna o único guia, o único motor da sua existência (cf. Vita mirabile, 246rv). Essa situação de elevação até Deus e de abandono à sua vontade, expressa na imagem do fio, é utilizada por Catarina para exprimir a ação da luz divina sobre as almas do purgatório, luz que as purifica e as eleva aos esplendores dos raios resplandecentes de Deus (cf.Vita mirabile, 179r).
Caros amigos, os santos, em sua experiência de união com Deus, chegaram a um "saber" tão profundo dos mistérios divinos, no qual o amor e o conhecimento se compenetram, que são de ajuda para os próprios teólogos na sua tarefa de estudo, de intelligentia fidei, de intelligentia dos mistérios da fé, do aprofundamento real nos mistérios, por exemplo, sobre o que é o purgatório.
Com sua vida, Catarina nos ensina que, quanto mais amamos a Deus e entramos em intimidade com Ele na oração, mais Ele se deixa conhecer e acende nosso coração com seu amor. Escrevendo sobre o purgatório, a santa nos recorda uma verdade fundamental da fé que se torna para nós um convite a rezar pelos defuntos, para que possam chegar à visão beatífica de Deus, na comunhão dos santos (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1032). O serviço humilde, fiel e generoso, que a santa prestou durante toda a sua vida no hospital de Pammatone, também é um brilhante exemplo de caridade para com todos e um incentivo especial para as mulheres que dão um contributo essencial para a sociedade e para Igreja com sua belíssima obra, enriquecida por sua sensibilidade e pela atenção aos mais pobres e necessitados. Obrigado.


[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]

Queridos irmãos e irmãs:
Os santos, na sua experiência de união com Deus, feita de amor e conhecimento, alcançam um saber tão profundo dos mistérios divinos, que servem de ajuda aos teólogos no seu esforço por entender os mistérios da fé. Um exemplo disso é Santa Catarina de Gênova, conhecida sobretudo pela sua explicação do Purgatório. Esta explicação nasce, não de visões ou comunicações especiais do Além, mas da experiência que ela viveu na sua conversão a Deus, cujo início teve lugar em 1473. Catarina fala dos tormentos do Purgatório como um sofrimento interior da alma que, ciente do amor imenso de Deus, sofre por não lhe ter correspondido de forma perfeita e é precisamente o amor divino que a purifica das manchas de pecado que ainda a impedem de viver na presença da majestade de Deus.
Amados peregrinos de língua portuguesa, de quem me apraz salientar a presença do grupo de juristas do Brasil: para todos vai a minha saudação amiga de boas-vindas, com o convite a aderirdes sempre mais a Jesus Cristo e a fazerdes do seu Evangelho o guia do vosso pensamento e da vossa vida. Então sereis, na sociedade, aquele fermento de vida nova que a humanidade precisa para construir um futuro mais justo e solidário, que sonhais e servis com a vossa atividade. Sobre vós e vossas famílias, desça a minha bênção apostólica.

 [Tradução: Aline Banchieri.
© Libreria Editrice Vaticana]

Quem me vê, vê o Pai


Do Tratado sobre as heresias, de Santo Irineu, bispo

Ninguém pode conhecer o Pai sem o Verbo de Deus, isto é, sem o Filho que o revela. Também não se conhece o Filho sem a vontade do pai. O Filho faz a vontade do Pai, pois o Pai o envia. O Filho é enviado e vem a nós. Assim o Pai, que é para nós invisível e incognoscível, torna-se conhecido por seu próprio Verbo. Ora, só o Pai conhece seu Verbo, como o manifestou o Senhor. Por isto o Filho nos leva ao conhecimento do Pai mediante a sua própria encarnação. Com efeito, a manifestação do Filho é o conhecimento do Pai. Na verdade, tudo nos é revelado pelo Verbo.
O Pai revelou o Filho para se dar a conhecer a todos por meio dele. Mais ainda: a fim de acolher, em toda justiça, para a ressurreição eterna, os que nele creem. Crer nele é viver segundo sua vontade.
De fato, o Verbo já revela o Deus criador pela própria criação; pelo mundo, o Senhor que o construiu; pela criatura plasmada, o artífice que a plasmou; e pelo Filho, o Pai que o gerou. Destas coisas todos falam do mesmo modo,mas não creem todos do mesmo modo. Pela lei e os profetas, o Verbo, igualmente, anunciava-se a si e ao Pai. Todo o povo do mesmo modo o ouviu, mas não creram todos do mesmo modo. Pelo Verbo, tornado visível e palpável, o Pai se revelou, embora nem todos cressem nele do mesmo modo. Todos, porém, viram o Pai no Filho. A realidade invisível que se manifestava no Filho era o Pai, e a realidade visível na qual o Pai se revelou era o Filho.
O Filho tudo perfaz do princípio ao fim para o Pai, e sem ele ninguém pode conhecer a Deus. O conhecimento do Pai é o Filho. O conhecimento do Filho pertence ao Pai e é revelado pelo Filho. Por este motivo, o Senhor dizia: Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai; nem o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho revelar. Revelar não se refere apenas ao futuro como se o Verbo só tivesse começado a revelar o Pai quando nasceu de Maria. De fato, o Verbo se encontra universalmente e em todo o tempo. No início, sendo o Filho presente à sua criatura, ele revela o Pai a todos a quem o Pai quer, quando quer e como quer. Em tudo e por tudo, há um só Deus, o Pai, e um só Verbo, o Filho, e um só Espírito e uma única salvação para todos os que nele creem.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Dom Murilo Krieger é o novo arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil


O papa Bento XVI nomeou nesta quarta-feira, 12, o arcebispo de Florianópolis (SC), dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, 67, novo arcebispo de Salvador (BA) e primaz do Brasil [título ao arcebispo de Salvador – por ser esta a primeira diocese criada no Brasil]. Ele sucede o cardeal dom Geraldo Majella Agnelo, 77, que teve sua renúncia aceita pelo pontífice por limite de idade (75 anos), conforme o Código de Direito Canônico, cânon 401.
Dom Murilo Krieger nasceu em Brusque (SC) em 19 de setembro de 1943. Foi ordenado presbítero em 1969 e sua nomeação episcopal aconteceu no dia 16 de fevereiro de 1985. Ele é arcebispo de Florianópolis desde fevereiro de 2002.
Nos estudos, o novo arcebispo de Salvador fez filosofia em Brusque, teologia no Instituto Teológico SCJ, em Taubaté (SP); especialização em espiritualidade em Roma [Itália] e letras, na Faculdade Anchieta de São Paulo (SP).
Como bispo, dom Murilo foi auxiliar de Florianópolis (1985 – 1991); bispo de Ponta Grossa (PR) (1991 – 1997); presidente do Regional Sul 2 (Paraná) em (1995 – 1999); e (1999 – 2002); arcebispo de Maringá (PR) (1997 – 2002); presidente do Regional Sul 4 (Santa Catariana) de (2007 – 2011).
Dez livros já foram publicados por dom Murilo, entre eles, Deixa meu povo ir (Paulus); O primeiro, o último, o único Natal ( Loyola); Com Maria, a mãe de Jesus (Paulinas).
Seu lema episcopal é “Deus é amor”.
A posse de dom Murilo está marcada para o dia 25 de março.

Fonte: http://www.cnbb.org.br/site/imprensa/alteracao-no-episcopado/5612-dom-murilo-krieger-e-nomeado-novo-arcebispo-de-salvador

Bento XVI ao Corpo diplomático no Vaticano


DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
AO CORPO DIPLOMÁTICO
ACREDITADO JUNTO DA SANTA SÉ
PARA A TROCA DE BONS VOTOS DE INÍCIO DE ANO
Sala Régia
Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2011


Excelências,
Senhoras e Senhores,

Com alegria, dou-vos as boas vindas a este encontro que, cada ano, vos reúne ao redor do Sucessor de Pedro a vós, ilustres Representantes de tão grande número de países. Este encontro reveste-se de alto significado, porque oferece uma imagem e, simultaneamente, um exemplo do papel da Igreja e da Santa Sé na comunidade internacional. A cada um de vós dirijo as minhas saudações e votos cordiais, em particular a quantos estão aqui pela primeira vez. Agradeço-vos pelo empenho e atenção com que, no exercício das vossas delicadas funções, seguis as minhas actividades, as da Cúria Romana e, assim de certa maneira, a vida da Igreja Católica em todo o mundo. O vosso Decano, Embaixador Alejandro Valladares Lanza, fez-se intérprete dos vossos sentimentos, e agradeço-lhe os votos que me exprimiu em nome de todos. Sabendo como é unida a vossa comunidade, tenho a certeza que hoje, no vosso pensamento, tendes presente a Embaixadora do Reino da Holanda, Baronesa van Lynden-Leijten, que regressou à casa do Pai há algumas semanas. Na oração, associo-me aos vossos sentimentos.
Quando começa um novo ano, ainda ressoa nos nossos corações e no mundo inteiro o eco daquele anúncio jubiloso que se manifestou, há vinte séculos, na noite de Belém, noite que simboliza a condição da humanidade em sua carência de luz, de amor e de paz. Aos homens de então como aos de hoje, os mensageiros celestes trouxeram a boa nova da chegada do Salvador: «O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para os que habitavam na terra da escuridão, uma luz começou a brilhar» (Is 9, 1). O mistério do Filho de Deus que Se torna Filho do homem supera seguramente toda a expectativa humana. Na sua gratuidade absoluta, este acontecimento de salvação é a resposta autêntica e completa ao desejo profundo do coração. A verdade, o bem, a felicidade, a vida em plenitude que cada homem busca, consciente ou inconscientemente, são-lhe concedidos por Deus. Cada pessoa, ao anelar por estes benefícios, está à procura do seu Criador, porque «só Deus responde à sede que está no coração de cada homem» (Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini, 23). A humanidade, em toda a sua história, através das suas crenças e dos seus ritos, manifesta uma busca incessante de Deus e «estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso» (Catecismo da Igreja Católica, 28). A dimensão religiosa é uma característica inegável e irrefreável do ser e do agir do homem, a medida da realização do seu destino e da construção da comunidade a que pertence. Por isso, quando o próprio indivíduo ou aqueles que o rodeiam negligenciam ou negam este aspecto fundamental, geram-se desequilíbrios e conflitos a todos os níveis, tanto no plano pessoal como no interpessoal.
Nesta verdade primária e basilar, encontra-se a razão por que indiquei a liberdade religiosa como o caminho fundamental para a construção da paz, na Mensagem para a Celebração do Dia Mundial da Paz deste ano. De facto, a paz constrói-se e conserva-se apenas na medida em que o homem possa livremente procurar e servir a Deus no seu coração, na sua vida e nas suas relações com os outros.  
Senhoras e Senhores Embaixadores, a vossa presença nesta circunstância solene é um convite a fazer uma viagem panorâmica sobre todos os países que representais e sobre o mundo inteiro. Não há porventura, neste panorama, numerosas situações onde, infelizmente, o direito à liberdade religiosa é lesado ou negado? Este direito do homem – que, na realidade, é o primeiro dos direitos, porque historicamente se afirmou em primeiro lugar e ainda porque tem como objecto a dimensão constitutiva do homem, isto é, a sua relação com o Criador – não é demasiadas vezes posto em discussão ou violado? Parece-me que a sociedade, os seus responsáveis e a opinião pública hoje se dão conta em medida maior, embora nem sempre de maneira exacta, desta grave ferida infligida à dignidade e à liberdade do homo religiosus, para a qual já várias vezes senti necessidade de chamar a atenção de todos.
Fi-lo durante as minhas viagens apostólicas do ano passado a Malta e a Portugal, a Chipre, à Grã-Bretanha e à Espanha. Independentemente das características destes países, de todos conservo uma recordação cheia de gratidão pelo acolhimento que me reservaram. A Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos, que decorreu no Vaticano durante o mês de Outubro, foi um período de oração e de reflexão, durante o qual o pensamento se dirigiu, insistentemente, para as comunidades cristãs daquela região do mundo, tão provadas por causa da sua adesão a Cristo e à Igreja.
Sim, olhando para o Oriente, os atentados que semearam morte, sofrimento e desconcerto entre os cristãos do Iraque, a ponto de os impelir a deixar a terra onde seus pais viveram ao longo dos séculos, contristaram-nos profundamente. Renovo às autoridades deste país e aos chefes religiosos muçulmanos o meu ansioso apelo a trabalharem para que os seus concidadãos cristãos possam viver em segurança e continuar a prestar a sua contribuição à sociedade de que são membros com pleno título. Também no Egipto, em Alexandria, o terrorismo feriu brutalmente fiéis em oração numa igreja. Esta sucessão de ataques é mais um sinal da urgente necessidade que há de os governos da região adoptarem, não obstante as dificuldades e as ameaças, medidas eficazes para a protecção das minorias religiosas. Será preciso dizê-lo uma vez mais? No Médio Oriente, «os cristãos são cidadãos originários e autênticos, leais à sua pátria e fiéis a todos os seus deveres nacionais. É natural que possam gozar de todos os direitos de cidadania, de liberdade de consciência e de culto, de liberdade no campo do ensino e da educação e no uso dos meios de comunicação» (Mensagem ao Povo de Deus da Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos, 10). A este respeito, aprecio a atenção pelos direitos dos mais débeis e a clarividência política de que deram prova alguns países da Europa nos últimos dias, pedindo uma resposta concertada da União Europeia a fim de que os cristãos sejam defendidos no Médio Oriente. Quero, enfim, recordar que a liberdade religiosa não é plenamente aplicada quando se garante apenas a liberdade de culto, demais a mais com limitações. Além disso, encorajo a acompanhar a plena tutela da liberdade religiosa e dos outros direitos humanos com programas que, desde a escola primária e no quadro do ensino religioso, eduquem para o respeito de todos os irmãos em humanidade. Além disso, pelo que diz respeito aos Estados da Península Arábica, onde vivem numerosos trabalhadores emigrantes cristãos, espero que a Igreja Católica possa dispor de adequadas estruturas pastorais.
Entre as normas que lesam o direito das pessoas à liberdade religiosa, uma menção particular deve ser feita da lei contra a blasfémia no Paquistão: de novo encorajo as autoridades deste país a realizarem os esforços necessários para a ab-rogar, tanto mais que é evidente que a mesma serve de pretexto para provocar injustiças e violências contra as minorias religiosas. O trágico assassinato do Governador do Punjab mostra como é urgente caminhar neste sentido: a veneração a Deus promove a fraternidade e o amor, não o ódio nem a divisão. Outras situações preocupantes, por vezes com actos de violência, podem ser mencionadas no Sul e Sudeste do continente asiático, em países que aliás têm uma tradição de relações sociais pacíficas. O peso particular de uma determinada religião numa nação não deveria jamais implicar que os cidadãos pertencentes a outra confissão fossem discriminados na vida social ou, pior ainda, que se tolerasse a violência contra eles. A este respeito, é importante que o diálogo inter-religioso favoreça um compromisso comum por reconhecer e promover a liberdade religiosa de cada pessoa e de cada comunidade. Enfim, como já recordei, a violência contra os cristãos não poupa a África. Os ataques contra lugares de culto na Nigéria, precisamente enquanto se celebrava o Natal de Cristo, são outro triste testemunho disso mesmo.
 Por outro lado, em diversos países, a Constituição reconhece uma certa liberdade religiosa, mas, de facto, a vida das comunidade religiosas torna-se difícil e por vezes até precária (cf. Conc. Vat. II, Decl. Dignitatis humanae, 15), porque o ordenamento jurídico ou social se inspira em sistemas filosóficos e políticos que postulam um estrito controle – para não dizer um monopólio – do Estado sobre a sociedade. É preciso que cessem tais ambiguidades, de maneira que os crentes não se vejam lacerados entre a fidelidade a Deus e a lealdade à sua pátria. De modo particular, peço que seja por todo o lado garantida às comunidades católicas a plena autonomia de organização e a liberdade de cumprir a sua missão, de acordo com as normas e padrões internacionais neste campo.
Neste momento, o meu pensamento volta-se de novo para a comunidade católica da China continental e os seus Pastores, que vivem um período de dificuldade e provação. Mudando de latitude, quero dirigir uma palavra de encorajamento às autoridades de Cuba – país que celebrou, em 2010, setenta e cinco anos de ininterruptas relações diplomáticas com a Santa Sé – para que o diálogo, que felizmente se instaurou com a Igreja, se reforce e amplie ainda mais.
Voltando o nosso olhar para o Ocidente, deparamos com outros tipos de ameaça contra o pleno exercício da liberdade religiosa. Penso, em primeiro lugar, em países onde se reconhece uma grande importância ao pluralismo e à tolerância, enquanto a religião sofre uma crescente marginalização. Tende-se a considerar a religião, toda a religião, como um factor sem importância, alheio à sociedade moderna ou mesmo desestabilizador e procura-se, com diversos meios, impedir toda e qualquer influência dela na vida social. Deste modo, chega-se a pretender que os cristãos ajam, no exercício da sua profissão, sem referimento às suas convicções religiosas e morais, e mesmo em contradição com elas, como, por exemplo, quando estão em vigor leis que limitam o direito à objecção de consciência dos profissionais da saúde ou de certos operadores do direito.
Neste contexto, não é possível deixar de alegrar-se com a adopção pelo Conselho da Europa, no passado mês de Outubro, de uma Resolução que protege o direito do pessoal médico à objecção de consciência face a certos actos que lesam gravemente o direito à vida, como o aborto. 
Outra manifestação da marginalização da religião, e particularmente do cristianismo, consiste em banir da vida pública festas e símbolos religiosos, em nome do respeito por quantos pertencem a outras religiões ou por aqueles que não acreditam. Agindo deste modo, não apenas se limita o direito dos crentes à expressão pública da sua fé, mas cortam-se também raízes culturais que alimentam a identidade profunda e a coesão social de numerosas nações. No ano passado, alguns países europeus associaram-se ao recurso apresentado pelo governo italiano na causa, bem conhecida, da exposição do crucifixo nos lugares públicos. Desejo exprimir a minha gratidão às autoridade destas nações e a quantos se empenharam neste sentido, episcopados, organizações e associações civis ou religiosas, particularmente ao Patriarcado de Moscovo e demais representantes da hierarquia ortodoxa, bem como a todas as pessoas – crentes, mas também não crentes – que sentiram necessidade de manifestar a sua adesão a este símbolo grávido de valores universais.
Reconhecer a liberdade religiosa significa, além disso, garantir que as comunidades religiosas possam agir livremente na sociedade, com iniciativas nos sectores social, caritativo ou educativo. Pode-se constatar por todo o lado, no mundo, a fecundidade das obras da Igreja Católica nestes âmbitos. Causa preocupação ver este serviço que as comunidades religiosas prestam a toda a sociedade, particularmente em favor da educação das jovens gerações, comprometido ou dificultado por projectos de lei que correm o risco de criar uma espécie de monopólio estatal em matéria escolástica, como se constata, por exemplo, em certos países da América Latina. Quando vários deles celebram o segundo centenário da sua independência, ocasião propícia para se recordar a contribuição da Igreja Católica para a formação da identidade nacional, exorto todos os governos a promoverem sistemas educativos que respeitem o direito primordial das famílias de decidir sobre a educação dos filhos e que se inspirem no princípio de subsidiariedade, fundamental para organizar uma sociedade justa.
 Continuando a minha reflexão, não posso passar sem referir outra ameaça à liberdade religiosa das famílias nalguns países europeus, onde é imposta a participação em cursos de educação sexual ou cívica que propagam concepções da pessoa e da vida pretensamente neutras mas que, na realidade, reflectem uma antropologia contrária à fé e à recta razão.
Senhoras e Senhores Embaixadores, nesta circunstância solene, permiti-me explicitar alguns princípios que inspiram a Santa Sé, com toda a Igreja Católica, na sua actividade junto das Organizações Internacionais intergovernamentais, a fim de promover o pleno respeito da liberdade religiosa para todos. Em primeiro lugar, aparece a convicção de que não se pode criar uma espécie de escala na gravidade da intolerância com as religiões. Infelizmente, é frequente uma tal atitude, sendo precisamente os actos discriminatórios contra os cristãos aqueles que se consideram menos graves, menos dignos de atenção por parte dos governos e da opinião pública. Ao mesmo tempo, há que rejeitar também o contraste perigoso que alguns querem instaurar entre o direito à liberdade religiosa e os outros direitos do homem, esquecendo ou negando assim o papel central do respeito da liberdade religiosa na defesa e protecção da alta dignidade do homem. Menos justificáveis ainda são as tentativas de contrapor ao direito da liberdade religiosa pretensos novos direitos, promovidos activamente por certos sectores da sociedade e inseridos nas legislações nacionais ou nas directrizes internacionais, mas que, na realidade, são apenas a expressão de desejos egoístas e não encontram o seu fundamento na natureza humana autêntica. Enfim, é preciso afirmar que não basta uma proclamação abstracta da liberdade religiosa: esta norma fundamental da vida social deve encontrar aplicação e respeito a todos os níveis e em todos os campos; caso contrário, não obstante justas afirmações de princípio, corre-se o risco de cometer profundas injustiças contra os cidadãos que desejam professar e praticar livremente a sua fé.
A promoção de uma plena liberdade religiosa das comunidades católicas é também a finalidade que visa a Santa Sé quando conclui Concordatas ou outros Acordos. Alegro-me por Estados de várias regiões do mundo e de diferentes tradições religiosas, culturais e jurídicas terem escolhido o meio das convenções internacionais para organizar as relações entre a comunidade política e a Igreja Católica, estabelecendo através do diálogo o quadro de uma colaboração no respeito das recíprocas competências. No ano passado, foi concluído e entrou em vigor um Acordo para a assistência religiosa aos fiéis católicos das Forças Armadas na Bósnia Herzegovina, e actualmente estão em curso negociações em diversos países. Delas esperamos uma saída positiva, capaz de assegurar soluções respeitosas da natureza e da liberdade da Igreja para o bem da sociedade inteira.
De igual modo está ao serviço da liberdade religiosa a actividade dos Representantes Pontifícios junto dos Estados e das Organizações Internacionais. Com satisfação desejo assinalar que as autoridades vietnamitas aceitaram que eu designe um Representante, que há-de com as suas visitas exprimir à querida comunidade católica deste país a solicitude do Sucessor de Pedro. Queria igualmente recordar que, durante o ano passado, a rede diplomática da Santa Sé se consolidou ainda mais em África, estando doravante assegurada uma presença estável em três países onde o Núncio não é residente. Ainda neste continente, irei visitar, se Deus quiser, o Benim no próximo mês de Novembro, para entregar a Exortação Apostólica que recolherá os frutos dos trabalhos da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos.
Diante deste ilustre auditório, quero por último reafirmar vigorosamente que a religião não constitui um problema para a sociedade, não é um factor de perturbação ou de conflito. Quero repetir que a Igreja não procura privilégios, nem deseja intervir em âmbitos alheios à sua missão, mas simplesmente exercer a mesma com liberdade. Convido cada um a reconhecer a grande lição da história: «Como se pode negar a contribuição das grandes religiões do mundo para o desenvolvimento da civilização? A busca sincera de Deus levou a um respeito maior da dignidade do homem. As comunidades cristãs, com o seu património de valores e princípios, contribuíram imenso para a tomada de consciência das pessoas e dos povos a respeito da sua própria identidade e dignidade, bem como para a conquista de instituições democráticas e para a afirmação dos direitos do homem e seus correlativos deveres. Também hoje, numa sociedade cada vez mais globalizada, os cristãos são chamados – não só através de um responsável empenhamento civil, económico e político, mas também com o testemunho da própria caridade e fé – a oferecer a sua preciosa contribuição para o árduo e exaltante compromisso em prol da justiça, do desenvolvimento humano integral e do recto ordenamento das realidades humanas» (Mensagem para a Celebração do Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2011, n. 7).
Emblemática a este respeito é a figura da Beata Madre Teresa de Calcutá: o centenário do seu nascimento foi celebrado tanto em Tirana, Skopje e Pristina como na Índia; foi-lhe prestada uma vibrante homenagem não só pela Igreja, mas também pelas autoridades civis, os líderes religiosos e pessoas sem conta de todas as confissões. Exemplos como o dela mostram ao mundo quão benéfico é para a sociedade inteira o compromisso que nasce da fé.
Que nenhuma sociedade humana se prive, voluntariamente, da contribuição fundamental que são as pessoas e as comunidades religiosas! Como recordava o Concílio Vaticano II, assegurando a todos plenamente a justa liberdade religiosa, a sociedade poderá «gozar dos bens da justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus e à sua santa vontade» (Decl. Dignitatis humanae, 6). 
Por isso, ao mesmo tempo que formulo votos de um novo ano rico de concórdia e de real progresso, exorto a todos, responsáveis políticos, líderes religiosos e pessoas de todas as categorias, a empreenderem com determinação o caminho para uma paz autêntica e duradoura, que passa pelo respeito do direito à liberdade religiosa em toda a sua extensão.
Sobre este compromisso, cuja actuação necessita do esforço da família humana inteira, invoco a Bênção de Deus Omnipotente, que realizou a nossa reconciliação com Ele e entre nós por meio do seu Filho Jesus Cristo, nossa paz (cf. Ef 2, 14).
Um Ano feliz para todos!

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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Angelus no dia do Batismo do Senhor

Eis a intervenção do Santo Padre durante o Angelus rezado no dia do Batismo do Senhor, na Praça de São Pedro.


Caros irmãos e irmãs!
Hoje a Igreja celebra o Batismo do Senhor, festa que conclui o tempo litúrgico do Natal. Este mistério da vida de Cristo mostra visivelmente que a sua vinda na carne é o ato sublime de amor das Três Pessoas divinas. Podemos dizer que, a partir deste solene evento, a ação criadora, redentora e santificadora da Santíssima Trindade será sempre mais manifesta na missão pública de Jesus, no seu ensinamento, nos seus milagres, na sua paixão, morte e ressurreição. De fato, lemos no Evangelho segundo São Mateus que “tendo sido batizado, Jesus saiu da água: e eis que os céus se abriram para ele e ele viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre ele. E uma voz veio do céu, dizendo: “Este é o meu Filho amado: nele eu pus meu agrado” (3,16-17). O Espírito Santo “habita” em seu Filho e testemunha a divindade, enquanto a voz do Pai, proveniente dos céus, exprime a comunhão de amor. “A conclusão da cena do batismo nos diz que Jesus recebeu esta verdadeira “Unção”, que Ele é o Ungido [o Cristo] esperado” [Jesus de Nazaré, São Paulo, 2007, p. 39], a confirmação da profecia de Isaías: “Eis o meu servo que eu sustento, o meu eleito em quem me comprazo” (Is 42,1). É realmente o Messias, o Filho do Altíssimo que, saindo das águas do Jordão, estabelece a regeneração no Espírito e abre, a quantos o desejarem, a possibilidade de se tornarem filhos de Deus. Não por acaso, de fato, cada batizado adquire o caráter de filho a partir do nome cristão, sinal inconfundível de que o Espírito Santo faz nascer “de novo” o homem no seio da Igreja. O Bem-Aventurado Antonio Rosmini afirmava que “o batizado sofre uma operação secreta mas poderosíssima, pela qual ele é gerado na ordem sobrenatural, colocado em comunicação com Deus (Do princípio supremo do método..., Turim, 1857, n. 331). Tudo isto se verificou novamente esta manhã, durante a celebração eucarística na Capela Sistina, onde conferi o sacramento do Batismo a 21 recém-nascidos.
Caros amigos, o Batismo é o começo da vida espiritual, que encontra sua plenitude por meio da Igreja. Na hora exata do Sacramento, enquanto a Comunidade eclesial reza e confia a Deus um novo filho, os pais e os padrinhos se empenham em acolher o recém-batizado sustentando-o na formação e na educação cristã. É esta uma grande responsabilidade, que deriva de um grande dom! Por isso, desejo encorajar todos os fiéis a redescobrir a beleza de ser batizado e pertencer, assim, à grande família de Deus, e a dar alegre testemunho da própria fé, a fim de que esta fé gere frutos de bem e de concórdia.
Pedimo-lo por intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Auxílio dos cristãos, à qual confiamos os pais que estão se preparando para o Batismo de seus filhos, bem como os catequistas. Toda a comunidade compartilha a alegria do renascimento pela e pelo Espírito Santo!

Fonte: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/angelus/2011/documents/hf_ben-xvi_ang_20110109_battesimo_it.html, tradução minha.