sábado, 28 de fevereiro de 2009

Cristo por nós foi tentado - I Domingo da Quaresma

Ao Senhor pertence a terra e o que ela encerra, o mundo inteiro com os seres que o povoam. (Sl 23 (24),1). Deus no seu infinito amor cria a terra e tudo o que existe. Ele cria o homem a fim de que ele participe de Sua vida bem-aventurada e com toda a sua força ame a seu Criador. Porém, nossos primeiros pais pecaram por desobediência e por isso foram privados da amizade com Deus e, consequentemente, dessa vida bem-aventurada. E com eles todo gênero humano. “Pelo pecado é desfeita a unidade gênero humano”. (Catecismo da Igreja Católica, n. 56). Mas, Deus não cessa de estabelecer alianças a fim de salvar o homem fraco e decaído pelo pecado. Dessa forma, Deus escolhe a Noé, um homem justo, e estabelece Sua aliança com ele, na expectativa de que Cristo “congregue na unidade todos os filhos dispersos”. (Jo 11,52). Assim, a aliança estabelecida com Noé é a prefiguração da nova e eterna aliança em Cristo. “E do mesmo modo que aquela minoria de pessoas foi salva por meio da água do dilúvio, nós, hoje, somos salvos pelo batismo.” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1219). E pelo batismo somos libertados do pecado e regenerados como filhos de Deus. Tornamo-nos filhos de Deus e membros de Cristo. Por isso, somos cristãos, e sê-lo consiste numa identificação total com próprio Cristo, inclusive com sua morte e morte de cruz. O apóstolo afirma: “pelo batismo nós fomos sepultados com Ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova.” (Rm 6,4). Assumindo a identidade de Cristãos no batismo pela efusão do Espírito Santo que dá a vida de verdade, nos sujeitamos também à mordedura das tentações, pois Cristo também as experimentou.
Hoje Deus, na sua condição humana, é tentado e sofre a mordedura da tentação! Que grande mistério!
“Com efeito, nossa vida, enquanto somos peregrinos neste mundo, não pode estar livres de tentações, pois é através delas que se realiza nosso progresso e ninguém pode conhecer-se a si mesmo sem ter sido tentado. Ninguém pode vencer sem ter combatido, nem pode combater se não tiver inimigo nem tentações. Aquele que clama dos confins da terra está angustiado, mas não está abandonado. Porque foi a nós mesmos, que somos o seu corpo, que o Senhor quis prefigurar em seu próprio corpo, no qual já morreu, ressuscitou e subiu ao céu, para que os membros tenham a certeza de chegar também aonde a cabeça os precedeu. Portanto, o Senhor nos representou em sua pessoa quando quis ser tentado por satanás. Líamos há pouco no Evangelho que nosso Senhor Jesus Cristo foi tentado pelo demônio no deserto. De fato, Cristo foi tentado pelo demônio no deserto. Mas em Cristo também tu eras tentado, porque Ele assumiu a tua condição humana, para te dar a sua salvação; assumiu a tua morte, para te dar a sua vida; assumiu os teus ultrajes, para dar a sua glória; por conseguinte, assumiu as tuas tentações, para e dar sua vitória. Se Nele fomos tentados, Nele vencemos o demônio. Considera que Cristo foi tentado. Consideras que Cristo foi tentado e não consideras que Ele venceu? Reconhece-te Nele em sua tentação, reconhece-te Nele em sua em sua vitória. O Senhor poderia impedir o demônio de aproximar-se Dele; mas, se não fosse tentado, não te daria o exemplo de como vencer a tentação.” (Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho).
Coloquemo-nos, pois, diante de Deus de coração contrito. E nesse tempo quaresmal, peçamos que Ele nos auxilie com Seu Espírito Santo, Paráclito e Consolador, nas horas difíceis das tentações. Que Ele nos ajude na prática da abstinência e da penitência, que consistem na sobriedade de nossas palavras, atos e ações e no exercício contínuo da oração, jejum e amor ao próximo.
Afinal, irmãos, não fomos criados para este mundo, mas para eternidade. Portanto, nosso fim último é a eternidade. E esta só nos é concedida por graça, pela vida no Espírito Santo de Deus e como fruto de nossos esforços e orações.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Eu Vi a Cidade - II

João 15, 1-6
Efésios 2, 1-19
A Igreja é a humanidade inteira, regenerada e unificada em Cristo.
É Jesus Cristo estendido, comunicado. O Cristo plenificado. O Redentor realizado.
Tudo de Cristo a Igreja tem – o mesmo organismo, o mesmo ser, a mesma vida, a mesma função; a mesma dúplice natureza; toda a grandeza da divindade; toda a fraqueza da humanidade; toda a virtude redentora, toda a capacidade de imolar-se e de, novamente, gloriar-se; o poder de entregar a vida e de outra vez retomá-la; o destino de ser perseguida, jamais porém derrotada.
A Igreja tudo tem de Cristo – a unidade, a universalidade, a santidade, a invencibilidade.
Cristo e a Igreja são termos conversíveis. A Igreja é o próprio Cristo.
O Cristo na Igreja e a Igreja no Cristo é um mistério só. O mistério do amor.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Convertei-vos e mudai a vossa vida - Quarta-feira de Cinzas


“Convertei-vos e mudai a vossa vida.
Renovai-vos de espírito e coração!”

Hoje, a Igreja inicia um novo Tempo Litúrgico na sua vida: a Quaresma! Esse Tempo lembra os 40 anos que o Povo de Israel caminhou pelo deserto. Lembra os 40 dias que o Senhor Jesus passou em jejum e oração. A cor litúrgica passa a ser o roxo, convidando-nos à penitência. Para a vida da Igreja no Brasil, a Quarta-Feira de Cinzas marca o início de outro acontecimento importante: a Campanha da Fraternidade (tema: Fraternidade e Segurança Pública; e lema: “A Paz é Fruto da Justiça” (Is 32,17)).
Na Celebração de hoje, a Palavra de Deus nos convida a iniciar um caminho de conversão, de mudança radical de vida e atitudes.
No Evangelho (Mt 6,1-6.16-18), que tem como temas a esmola, a oração e o jejum, o Senhor recomenda aos seus discípulos com estas palavras: “Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles” (Mt 6,1). Jesus quer dizer que o que verdadeiramente importa é aquilo que fazemos por amor a Deus e não para que as pessoas vejam simplesmente. A piedade que agrada a Deus é aquela que brota do mais profundo do nosso ser, que nos transforma em homens novos e melhores. As práticas espirituais que agradam a Deus não são aquelas que nos escravizam, mas aquelas que nos libertam e geram vida para os outros. No livro do profeta Isaías, o próprio Deus diz: “Por acaso não consiste nisso o jejum que escolhi: em romper os grilhões da iniqüidade, em soltar as ataduras do jugo e pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar todo o jugo? Não consiste em repartir o teu pão com o faminto, em recolheres em tua casa os pobres desabrigados, em vestires aquele que vês nu e em não te esconderes daquele que é tua carne?” (58, 6-7). Por isso, todo o nosso esforço espiritual feito no Tempo da Quaresma nos leva a se comprometer com o sofrimento do próximo. O cristão se torna solidário com aqueles que nada têm para comer, com os marginalizados, com os oprimidos. O cristão é chamado a levar vida nova para essas pessoas.
A Quaresma é um momento propício para conversão, para recomeçar a vida espiritual, para retomar o caminho que leva a Deus. Caminho de libertação, de revolução interior, de transformação total. A Palavra de Deus que está no livro do profeta Isaías nos diz: “Abandone o ímpio seu caminho, e o homem mau seus pensamentos, e volte ao Senhor, pois terá compaixão dele, ao nosso Deus, porque é rico em perdão” (55,7). A alegria de Deus é nos ver libertos do pecado, libertos desta vida miserável e sem sentido. Por isso, mesmo que o homem desista de Deus, Deus nunca desistirá do ser humano. A Palavra do nosso Deus é insistente: “Certamente não tenho prazer na morte do ímpio; mas antes, na sua conversão, em que ele se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos” (Ez 33,11).Por fim, a Celebração da Quarta-Feira de Cinzas nos recorda a nossa condição humana, que necessita constantemente da bondade e da graça de Deus. Traçando uma cruz em nossa fronte, o sacerdote nos diz: “Lembra-te, homem, de que és pó e em pó te hás de tornar”. É o que nos diz o livro do Eclesiastes com certo pessimismo: “Tudo caminha para um mesmo lugar: tudo vem do pó e tudo volta ao pó” (3,20). Ou também: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Atendamos, portanto, o apelo que o nosso Deus nos faz, num convite à penitência: “Rasgai os vossos corações, e não as vossas roupas, retornai ao Senhor, vosso Deus, porque ele é bondoso e misericordioso, lento para a ira e cheio de amor, e se compadece da desgraça” (Jl 2,13). Assim, com a Oração de Coleta da Missa de hoje, rezemos com a nossa Santa Mãe Igreja: “Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, iniciar com este dia de jejum o tempo da Quaresma, para que a penitência nos fortaleça no combate contra o espírito do mal. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.” Amém!

O cristão e a angústia - III


Se na Nova Aliança se impõe ao cristão a obrigação rigorosa de não ter medo, nem diante de Deus, nem diante do mundo, nem diante de qualquer outro poder que não seja o de Cristo, podemos concluir que também os “fatos” apresentados no que respeita à importância da angústia pela filosofia e a psicologia modernas, caem sob a alçada deste mandamento. É uma afirmação que, à primeira vista, poderá parecer grotesca, e o homem moderno dirá que com uma proibição não se exclui o fato de que a angústia existe.
O cristão pode responder que os “fatos” não anulam a proibição da sua existência. Se é verdade que o medo de estar no mundo, o sentimento de “estar perdido” nele, a angústia do mundo em si, com todos os seus aspectos abissais, reais ou presumidos, o medo da morte e a angústia da culpabilidade talvez obrigatória, estão na raiz da consciência moderna, e que esta angústia é a causa das neuroses modernas; se é verdade que uma moderna filosofia existencialista presume de superar a angústia aceitando-a, mergulhando nela e sofrendo-a resolutamente até o fim – é igualmente verdade, porém, que o Cristianismo não pode senão opor a tudo isto com um “não” radical, categórico. Ao cristão é simplesmente proibido ter medo, ter ligações com ele.
Se não obstante isto, ele é neurótico e existencialista, quer dizer que lhe falta autenticidade cristã, que a sua fé está doente ou é fraca. Porque esta angústia foi proibida por Cristo, o cristão não tem qualquer pretexto para ser tímidos com os tímidos, ainda que com a intenção de se tornar mais semelhante a eles, para melhor os compreender, para os poder aconselhar e remir. “Irmãos, nós somos devedores, mas não da carne, para vivermos segundo a carne” (Rm 8,12); e como poderia alguém com o tornar-se carnal e mundano, ajudar outros a vencer carne e mundo e a superá-los no Espírito? Ainda que a doença da angústia em todos os seus matizes tenha atingido hoje a humanidade, ela pode compreender-se bem, embora não a tenha experimentado em si próprio (o que é proibido), indagando, seja sobre as suas causas, seja sobre os efeitos e sobre as atitudes que delas derivam. Para curar esta doença não é preciso contraí-la, tal como o melhor remédio para um doente é o aspecto e o exemplo de uma pessoa sã. Assim foi nos primeiros tempos do Cristianismo quando os jovens cristãos penetravam, sem se contagiarem, entre os existencialistas da antiguidade em decadência, e davam aos fracos exemplo de uma vida vigorosa, que ia buscar a sua linfa em fontes e reservas completamente diferentes. Isto é válido também para os tempos modernos. E se é verdade que na atual “hora cósmica” é mais difícil aos homens manterem-se livres da angústia e da neurose, só se poderá deduzir daí que a esta geração se exige mais do que às outras e que por isso, provavelmente, há menos cristãos autênticos do que noutras épocas. Menos homens que, com a coragem objetiva da fé e fortalecidos por ela, afrontem a vida, tendo compreendido o que Deus lhes reserva: esta vocação, esta missão cristã, esse atrevimento (sem o qual o homem não alcançará nenhuma meta nobre), esta responsabilidade, esta pureza. É contra tudo isto que se opõe atualmente a angústia neurótica, arruinando tantas vocações cristãs – que exigem sempre um intrépido sim à graça divina – e daí termos de lamentar na Cristandade de hoje a sua morna e insípida mediocridade. Quelle chrétienté rampante: – exclamava o velho Bernanos – le monde regorge d’humilité, sous ses airs d’orgueil, mais d’une humilité pervertie, dégradée, qui n’est plus qu’une forme de lâcheté d’esprit et de coeur (Aquela Cristandade rasteira: o mundo transborda de humildade, sob seus ares de orgulho, mas de uma humildade pervertida, degradada, que não é mais que uma forma de covardia do espírito e do coração). Só um cristão que não se deixe contagiar pela angústia neurótica da humanidade moderna – ainda que esta, tentando transfigurar-se, se considere e se proclame o coração, isto é a parte mais preciosa da existência, e aqueles que não adoram este animal sejam excluídos do comércio entre os iniciados neste medo (Ap 13,7) – tem alguma esperança de poder exercer uma influência cristã sobre o seu tempo. Ele não se desviará orgulhosamente da angústia dos outros homens e dos outros cristãos, mas indicará os caminhos para se livrarem de estéreis tumores e saírem corajosamente para o ar livre da fé. Jamais descerá, porém, a compromissos, nem em teoria nem na prática. Ele será cônscio de que “preocupação” está entre as coisas proibidas pelo Senhor (Mt 6,25), que para o cristão não existe uma fatalidade de culpa, e que a morte perdeu o seu aguilhão por obra de Cristo (1Cor 15,55).

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Quaresma: tempo de voltar ao primeiro amor!


Eis mais uma vez o Santo Tempo da Quaresma! Com esse dia de jejum e abstinência de carne, denominado liturgicamente Quarta-Feira de Cinzas, a Igreja inicia um período de quarenta dias em preparação à celebração do Tríduo Pascal do Senhor Morto e Ressuscitado.
E o que a Igreja faz nesse tempo? Para respondermos à essa pergunta tomemos como base a carta dirigida à Igreja de Éfeso (cf. Ap 2,1-7), uma das sete igrejas que aparecem no livro do Apocalipse. O remetente dessas cartas é o próprio Cristo. A comunidade de Éfeso é uma igreja de lutas e perseverança, que não suporta os malvados e que sabe sofrer por causa do nome de Jesus (cf. Ap 2,2s). É uma igreja fiel à vida nova recebida no batismo. No entanto, Cristo lhe dirige uma reprovação: Éfeso abandonou o seu primeiro amor, aquele ânimo do começo da caminhada cristã. É preciso, então, reconhecer onde caiu, onde começou a esmorecer, converter-se e retomar a conduta de outrora.
Éfeso torna-se paradigma da Igreja nesse tempo quaresmal. A Igreja sempre será indefectivelmente santa porque recebe a santificação permanente do Espírito de Cristo, por meio da Palavra e dos Sacramentos, principalmente da Eucaristia. Porém, os filhos da Igreja, na sua fragilidade humana, muitas vezes esquecem o entusiasmo do primeiro amor. Nossas debilidades, nossos vícios e más inclinações nos fazem capitular no fervor apaixonado por Jesus Cristo. É preciso, então, parar e refletir o que nos fez deixar a nossa conduta cristã inicial.
É justamente essa a finalidade da quaresma: introduz-nos em um grande retiro de quarenta dias, nos quais pela prática mais fervorosa da oração, da caridade (o amor ao próximo) e do jejum (ascese corporal), encontramo-nos diante de Deus, e, na sua luz, percebemos onde caímos e encontramos forças para retomar o nosso amor inicial.
Ainda na carta dirigida à igreja de Éfeso, o Espírito de Cristo dirá: Ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da árvore da vida que está no paraíso de Deus (Ap 2, 7). Todo aquele que perseverar no bom combate durante a quaresma, voltando-se ao primeiro amor, ser-lhe-á permitido saborear da árvore da vida. Essa árvore da vida é a própria cruz do Senhor, sinal de ressurreição e de nossa vitória.
Durante essa quaresma peçamos com as palavras do salmista: Convertei-nos, ó Senhor Deus do universo, e sobre nós iluminai a vossa face! (Sl 79, 8a). E assim possamos gozar as alegrias pascais.
A todos os nossos leitores desejamos uma santa e frutuosa Quaresma!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Caríssimos leitores,
neste período de carnaval vamos ter uma breve interrupção nos artigos do blog, já que seus colaboradores participam de Exercícios Espírituais. Por isso antecipamos a publicação de alguns artigos.
Para os que também participarão de Exercícios Espirituais, desejamos um bom retiro e que seja de grande proveito.

Santos Doutores do Oriente

O Filho do homem tem poder para perdoar os pecados - VII Domingo do Tempo Comum


As maravilhosas leituras deste Santo Domingo que celebramos na Assembléia Eucarística nos falam da grandiosa misericórdia divina. Deus criou o homem para viver em comunhão perfeita consigo; e, como penhor dessa comunhão, como maior expressão de seu amor criativo, deu-nos o livre-arbítrio, isto é, a capacidade de corresponder ou não ao seu amor. Mas os nossos primeiros pais caíram, enganados pela serpente, e se esconderam de Deus (cf. Gn 3,8). Foi assim que o pecado entrou no mundo. No entanto, Deus em sua misericórdia, que dura para sempre (cf. Sl 117(118), 1), não deixou o homem abandonado a si mesmo. Apesar do histórico de queda e de esquecimento de Deus por parte de seu povo, o Senhor sem voltava atrás e o perdoava, como atesta o salmo 105(106): “Quantas vezes o Senhor os libertou! Eles, porém, por malvadez o provocavam, e afundavam sempre mais em seu pecado. Mas o Senhor tinha piedade do seu povo, quando ouvia o seu grito na aflição” (vv. 43-44). É neste sentido a queixa do Senhor: “Tu, Jacó, não me invocaste, e tu Israel, de mim te fatigaste. Com teus pecados, trataste-me como servo, cansando-me com tuas maldades” (Is 43,22.24). Mas logo em seguida, o Senhor promete o perdão: “Sou eu, eu mesmo, que cancelo tuas culpas por minha causa e já não me lembrarei de teus pecados” (Is 43,25).
Pois bem, a misericórdia de Deus prometida por toda a Antiga Aliança, cumpre-se, realiza-se, encarna-se em Jesus. “Com efeito, é nele que todas as promessas de Deus têm o seu ‘sim’ garantido. Por isso também, é por ele que dizemos ‘amém’ a Deus, para a sua glória” (2Cor 1,20). É isto que vemos no Evangelho de hoje. Primeiro, Jesus é o cumprimento da Palavra de Deus – Ele mesmo é a Palavra (cf. Jo 1,1.14). É por essa Palavra que as tantas pessoas que se reuniram em sua casa em Cafarnaum anseiam. A sede dessa Palavra é tanta que não há espaço para todos. E aqui vemos uma das páginas mais belas dos Evangelhos: aqueles quatro amigos, que tinham uma fé tão grande em Jesus que nos faz envergonhar a nós, cristão de hoje, chegam ao cúmulo, quase à loucura, de destelhar a casa para fazer seu amigo paralítico ficar perto de Jesus. E como isso o comove! “Quando viu a fé daqueles homens, Jesus disse ao paralítico: ‘Filho, os teus pecados estão perdoados’” (Mc 2,5). Eis aqui: por causa da fé de uns, vem a cura para outros. Este fato nos mostra a irrecusável realidade da intercessão dos santos – sejam eles peregrinos ou já na glória – e ligação espiritual que os membros de Cristo possuem entre si – eles possuem o Espírito derramado nos corações (cf. 2Cor 1,22) e, por isso, formam um só corpo (cf. 1Cor 12,12.27).
Um outro fato de significado extremamente importante que é mostrado pelo ato de Jesus é que o pecado é o pior mal de que o homem pode sofrer, infinitamente mais do que qualquer moléstia física. É por isso que, diante da fé daqueles quatro amigos – e a fé aqui é um elemento preponderante, como o foi na cura do servo do centurião (cf. Mt 8,5-13) – o Senhor, emocionado perdoa os pecados ao paralítico. Isto é o mais importante. Somente por causa da incredulidade dos mestres da lei a respeito da autoridade de Jesus de perdoar pecados – o que é um atributo divino – é que o Senhor faz o paralítico andar. Assim, Jesus mostra a verdadeira face de Deus: por palavras, ou melhor, por Palavra, e por atos, prefigurando, desta forma, a dupla ação que Cristo continua realizando através de sua Igreja, o anúncio da Palavra e o agir pelos Sacramentos, o Senhor materializa para quem quiser ver as promessas feitas por seu Deus e Pai, que é adorado com o Filho na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém.

O cristão e a angústia - II


De uma ponta à outra da Nova Aliança, desde a “grande luz” que surge no Evangelho, até à vitória final do Logos no Apocalipse, fala-se desta submissão, deste debelar de todas as potências do mundo por obra do Filho de Deus, eleito, ab aeterno, como seu rei. E uma vez que o Senhor foi já entronizado e o Vencedor “não espera senão que seus inimigos lhe sejam postos como escabelo sob seus pés” (Hb 10,13), também a angústia é afastada e superada de uma vez para sempre. E isto não só juridicamente ou de jure, mas, para aquele que pertence a Cristo, substancialmente. Ele pode, se vive na fé, não ter medo. A sua má consciência, que o faz tremer, é nele superada pela “paz de Deus que supera toda a inteligência” (Fl 4,7). Pedro, no dia de Páscoa, já não pode ter medo diante d’Aquele que renegou três vezes. Ele foi libertado do temor e foi-lhe dado, em lugar do temor, o amor confiante. Profundamente sabe João: “se o nosso coração nos acusa, Deus é maior do que o nosso coração e sabe tudo” (1Jo 3,20); Ele sabe daquele amor que infundiu, por obra do Espírito Santo, no coração defectível e contra o qual não pode prevalecer a auto-acusação do pecador: “tu sabes tudo, Senhor, tu bem sabes que te amo” (Jo 21,17). O pecador rende-se, não tem esperança alguma de poder opor a esta superabundante esperança, que lhe foi concedida, algo de próprio ou de diverso.
Assim em Paulo e em João, as maiores testemunhas da vida cristã depois da Paixão, toda e qualquer terrena e obscura praia é inundada pela luz de Deus, em quem – ao contrário do que acontece para o Deus da Antiga Aliança – não mais existe treva (1Jo 1,5). Esta luz é tão delicada e doce em João, tão triunfal e fulminante em Paulo, que pode mudar até o último medo, o medo do “terrível dia do Senhor”, em luminosa confiança: “A perfeita caridade de Deus em nós exige que tenhamos confiança no dia do julgamento, porque, tal como em Cristo, nós estamos neste mundo. O temor não fica bem junto da caridade; ao contrário, a caridade perfeita expulsa todo o temor, porque o temor supõe castigo, e aquele que teme não é perfeito na caridade” (1Jo 4,16-18).
“Jesus Cristo (...) não foi “sim” e “não”; o que há nele é “sim”. De fato, todas as promessas de Deus, têm nele o seu “sim” (2Cor 1,19-20); por Ele “temos a confiança de nos aproximarmos (de Deus) confiadamente, mediante a fé na sua pessoa” (Ef 3,12), “é que Deus não nos reservou para a ira mas para a posse da salvação, por Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual morreu por nós” (1Ts 5,9). Mas se o crente não deve ter medo de Deus Juiz, muito menos deverá temer as potências, quaisquer que sejam, a Ele subordinadas: nem a potência do pecado, que juntamente com a morte dominava no mundo antes da Redenção (Rm 5,12-14); nem todas as outras formas de “tribulação” que ao crente podem provir, devem provir e provêm do mundo. O sermão da montanha (Mt 5-7), as instruções aos Apóstolos (Mt 10), contém o mandamento rigoroso de Cristo aos seus de não temerem em nenhuma tribulação, por maior que ela seja. Não lhes será arrancado um cabelo. Eles não terão o cheiro de queimado quando saírem da fornalha ardente (Dn 3,27). E o “não temais” que o Senhor intercala como um refrão nas profecias de perseguição (Mt 10,19.26.28.31), atinge o auge no jubiloso cântico de louvores que se erguerá do meio da fornalha: “Felizes sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem contra vós toda a espécie de mal. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos céus a vossa recompensa. Assim perseguiram, de fato, os profetas que vos precederam” (Mt 5,11-12). Ser feliz no meio das contrariedades, nos exteriores e objetivos “apertos” (a angústia deriva-se de angere – apertar) é não só possível, mas exigido. É a felicidade de Paulo: “Gloriamo-nos igualmente nas tribulações” (Rm 5,3); “estou a transbordar de alegria no meio de todas as nossas tribulações” (2Cor 7,4); é a felicidade de todos os mártires que afrontam a morte cantando.

Eu Vi a Cidade - I


A série de reflexões que vamos apresentar aqui é tirada do capítulo “Eu Vi a Cidade”, do livro Era Eu que Estava Nu, de Estêvão da Rocha Lima. Partindo sempre de textos bíblicos, ele faz belíssimas reflexões sobre a Igreja. Confiram!!!
O autor dispensa qualquer apresentação. Atualmente, é professor de Latim e Grego no Seminário Provincial de Maceió, no qual já lecionou várias disciplinas. Tem também outras publicações na área de Literatura.


Mateus 22, 1-10
João 10, 11-16

A Igreja é um mistério.
É uma realidade profunda, sublime, grandiosa, escondida em humildes aparências. Algo divino, vestido nas condições humanas.
A Igreja é o reino dos céus. O rebanho de Jesus Cristo. A família de Deus na terra.
Os homens todos são convidados para o grande banquete do rei. O pastor a nenhuma das ovelhas permite ficar fora do rebanho.
A Igreja é o novo Israel – alargado, engrandecido, universal. O povo de Deus, agora, são todos os povos da terra.
A Igreja é um mistério de unidade e de universalidade.
O convite para as bodas implica a adoção à casa do rei. Agregar-se ao rebanho, ter parte na intimidade com o pastor.
A Igreja é uma reunião dos homens que, reconciliados com Deus em Cristo, são chamados a viver como filhos de Deus e herdeiros do reino.
A Igreja é um mistério de santidade.
Como diz a parábola que nas bodas se encontravam bons e maus?
A santidade da Igreja não deriva dos cristãos, mas sim do próprio Cristo. Não é conquista dos homens, porém comunicação de Deus.
A Igreja não é má, porque nela se encontram pecadores.
Ao contrário, é ainda melhor, porque tem a missão de converter os maus; mais bela, porque tem o poder de reformar os feios; mais pura, porque tem o poder de limpar os sujos; mais forte, porque tem o poder de levantar os fracos; mais santa, porque tem o poder de animar os mortos; eternamente viva, porque tem de Deus a vida em si mesma.
As fraquezas e fealdades que padecemos nós, membros da Igreja, não são motivo de minguar a fé ou falecer o amor; antes, porém, de se avivar e crescerem.
Nós temos aliança com Deus. Nós somos um mistério de amor.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Pedro, Príncipe dos Apóstolos

O texto seguinte, de Santo Epifânio, bispo de Salamina dos séculos IV e V, apresenta Pedro como príncipe dos apóstolos e pedra sólida da Igreja. O ministério petrino permanece na Igreja no sucessor de Pedro, atualmente, o papa Bento XVI. Que o Senhor fortaleça sempre o nosso Santo Padre, e, uma vez fortalecido, ele fortaleça os seus irmãos.

Mesmo os que se acovardam na perseguição, se fizerem penitência perfeita diante do Senhor, chorando em vestes de saco e sobre cinzas, poderão obter de Deus misericórdia. Nada sobra do mal quando há penitência. O Senhor dá acolhida aos que se convertem, como deu a Manassés, filho de Ezequias, e também a Pedro, príncipe dos apóstolos, que antes o renegara. Pedro, na verdade, ficou para nós como a pedra sólida sobre a qual se apóia a fé e sobre a qual está edificada a Igreja. Tendo confessado ser Cristo o Filho do Deus vivo, foi-lhe dado ouvir: “Sobre esta pedra – a da sólida fé – edificarei a minha Igreja” (Mt 16,18). Ele o confessara explicitamente como filho verdadeiro, ao dizê-lo Filho do Deus vivo. E é o que também repetimos nós ao refutar as heresias.
O mesmo Pedro nos instruiu, igualmente, a respeito do Espírito Santo, quando disse a Ananias: “Como te tentou Satanás a ponto de mentires ao Espírito Santo? Não foi a homens que mentiste, mas a Deus!” (At 5,3s). Com isso ensinava que o Espírito procede de Deus e não lhe é estranho.
Tornou-se enfim Pedro o alicerce firmíssimo e fundamento da Casa de Deus, quando, após negar a Cristo e cair em si, foi buscado pelo Senhor e por ele honrado com as palavras: “apascenta as minhas ovelhas, apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,15s). Dizendo isto, o Senhor nos estimulou à conversão, e também a que de novo se edificasse solidamente sobre Pedro aquela fé, a de que ninguém perde a vida e a salvação, neste mundo, quando faz penitência sincera e se corrige de seus pecados.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Encontro com o Silêncio do Deserto

Texto de Dom Fernando Iório Rodrigues,
Bispo Emérito da Diocese de Palmeira dos Índios/AL.

Como é difícil para o homem de hoje retirar-se para saborear o silêncio. O silêncio... é a região das fontes. Poucos saboreiam o delicioso gosto do silêncio. É no deserto do silêncio, onde ouvimos a sinfonia das coisas, o sussurrar profundo do nosso eu e o encanto misterioso da voz de Deus. Somente o silêncio do deserto abre os poros do nosso ser para o segredo das coisas, para o sentido dos rios se espreguiçando nos leitos, das árvores dançando nas folhas dos ramos, do mar correndo no ritmo das ondas, dos pássaros multifacetando gorjeios no ar... Só o silêncio nos mostra Deus falando nas coisas. Deus nos fala das coisas mais simples, fortifica-nos do quase-nada, quando nos cercamos do silêncio.
Quanto mais temos de viver num mudo envolvido pelos ruídos dos carros, das buzinas e dos instrumentos de percussão, tanto mais precisamos da fonte do silêncio que purifica e renova.
Sei que há silêncios infecundos e desumanos: o silêncio que leva à solidão... Sei desses silêncios de solidão infecundos. Mas falo aqui daquele silêncio espontâneo, feliz, jubiloso, em que se encontra Aquele que explica o mistério de todos os homens.
O exemplo do Deus que opera no silêncio do deserto é o profeta Elias. Lá estava um homem desanimado; desanimado porque estava esgotado, quase vencido; desanimado porque o povo rejeitava sua pregação; desanimado porque se achava miserável perante Deus. Adentra-se pelo deserto sem alimento, deita-se sob um junípero e, no silêncio, espera que o Senhor resolva a sua vida. Não são poucas as vezes que nos sentimos em situação semelhante. É quando Deus faz chegar a Elias o pão cozido, por sob a cinza, e um odre de água. Alimento, qualitativamente ridículo, humanamente desproporcional. Mas, fortificado por esse quase-nada, Elias caminhará quarenta dias até a montanha do Senhor.
Tal alimento não nos faltará também, mas só o encontraremos, mais eficazmente, no deserto do silêncio quando nos apresentamos, diante de Deus, como Elias, conscientes de nossa fraqueza, desejosos de ir além de nossos meios de conhecer, e dos nossos instrumentos de agir... No mundo atual, quem quiser caminhar, no equilíbrio, tem de estar com o povo, no bulício das ruas e dos campos, e com Deus, no deserto criativo do silêncio.
Foi assim que agiu Francisco de Assis. Mais do que qualquer outro poeta do mundo, soube falar às coisas, aos animais e aos homens. E como o alcançou? Fazendo silêncio nas horas oportunas e inoportunas da vida... e começou a enriquecer para sempre, não só a sua vida ou a daqueles que despiam as vestes do mundo, em todos os séculos, para o seguirem, mas a quantos amam o silêncio e nele encontram a região das fontes ou a chave de todos os segredos.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O cristão e a angústia - I

Caríssimos, apresentamos uma série de belíssimas meditações sobre a angústia de acordo com a visão bíblica e cristã feitas pelo grande teólogo católico suúço Hans Urs von Balthasar. Que sejam de imenso proveito para a nossa vida espiritual.

Na passagem da Antiga para a Nova Aliança, deram-se duas mudanças; primeira: o fenômeno da angústia intensificou-se e definiu-se até ao limite das suas possibilidades e, por conseguinte, também até ao limite das suas antíteses intrínsecas; a segunda, a angústia representativa de Cristo na Paixão domou, redimiu toda a angústia humana, deu-lhe um sentido. Quando, a seguir, falarmos das relações do cristão com a angústia, deveremos partir destas premissas, contidas na palavra de Deus, e nunca as perder de vista.
A primeira afirmação a fazer-se em alta voz, triunfalmente, é a de que a cruz debelou, completamente e de uma vez para sempre, a angústia humana. A angústia pertence ao conjunto das potências, das forças, das potestades sobre as quais o Senhor triunfou na cruz e, Ele, a partir daí, arrasta consigo, quais prisioneiros em cadeias, para deles se servir como quiser. Também na Antiga Aliança ressoara poderoso, o preceito: “Não temais!”. Mas, a este preceito opuseram-se, no decurso da própria Revelação, não só a exigüidade da zona iluminada pela graça, mas também o caráter de esperança da graça a conceder, a incompreensível ameaça suspensa sobre a zona de luz por parte das trevas avassaladoras e, enfim, a queda sempre repetida do homem no pecado. Cristo aboliu tanto a finitude como o caráter de esperança da graça, ao derrubar, com sua encarnação, a barreira existente entre o céu e a terra e, com a sua Paixão redentora e descida aos “infernos”, a que se erguia entre a terra e o mundo subterrâneo, e a que se encontrava entre o Povo eleito e os Gentios, com a fundação da Igreja, e foi constituído pelo Pai em Luz de todo o mundo e rei dos três reinos (Fl 2,10-11). Donde se conclui que, para o redimido, não existem mais motivos de angústia: contra o cristão, nada pode o “mundo”, ou seja, o reino das trevas que, à vinda de Cristo, se inteiriçou contra Ele, mas que foi por Ele “vencido” (Jo 16,33); nem podem ser-lhe motivo de embaraço ou de temor aqueles “elementos do mundo”, “forças primitivas”, “potentados”, “dominações” e semelhantes, como Paulo chama os príncipes conhecidos e desconhecidos do cosmos criado, seja qual for a dimensão em que se encontrem e qualquer que seja a relação entre eles e Cristo, seu dominador. Desta vitória não é excluído nem, “o ultimo inimigo a ser destruído”, ou seja, a morte (1Cor 15,26), nem, finalmente, o próprio demônio que “agora”, diante do tribunal da Cruz, “é lançado fora” (Jo 12,31); isto é: aquela potência única e dupla, que até agora mantinha o pecador ligado com cadeias indestrutíveis de que só podia ter medo.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Eu quero: fica curado! - VI Domingo do Tempo Comum


As leituras bíblicas da liturgia da palavra desse domingo apresentam-nos o mistério do pecado simbolizado pelo mal da lepra. De fato, assim como o pecado, a lepra corrói o homem por inteiro, não somente no corpo, mas na sua dignidade. O leproso deveria andar caracterizado como tal e gritar pelas ruas que se tratava de um impuro, e, assim, as pessoas se manteriam distantes, como nos relata o livro do Levítico (cf. 13,45). Quem era acometido do mal da lepra deveria permanecer fora do acampamento, estava à margem da vida do povo de Deus (cf. Lv 13,46). Assim é o pecado: destrói o ser humano por inteiro, desfigura nele a imagem de Deus e o coloca na alienação da vida divina.
Mas, do mesmo modo como as leituras desse domingo apresentam-nos o pecado significado pela lepra, apontam-nos também o remédio no evangelho que narra a cura do leproso: “Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele [no leproso], e disse: ‘Eu quero: fica curado!’ " (Mc 1,41). Jesus é a manifestação da graça de Deus , é a mão estendida do Pai para nos curar da feridas do pecado, gerando em nós uma vida nova no seu Espírito Santo. O toque de Deus em nós por Jesus é cheio de piedade e compaixão.
Tal compaixão levou Jesus a ocupar o lugar do leproso, dos pecadores. Isso é descrito no evangelho quando s. Marcos diz que, devido à divulgação da cura do leproso, Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade, permanecendo fora, em lugares desertos (cf. Mc 1,46). Jesus assume o lugar do leproso previsto pela lei. Eis o nosso Deus e sua graça por cada um de nós: enviou-nos seu Filho para que, assumindo o lugar reservado aos pecadores, fizesse deles homens novos.
Na certeza de sermos curados em Cristo, sejamos imitadores Dele, como o fez S. Paulo (cf. 1Cor 11,1), fazendo tudo para a glória de Deus (cf. 1Cor 10,31), para que o mundo reconheça o único Salvador e a cura dos nossos males: Jesus Cristo, nosso Senhor, Deus bendito pelos séculos!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sobre a Santíssima Trindade


De Santo Epifânio, bispo de Salamina, séculos IV e V


Sobre a Santíssima Trindade e a identidade essencial do Pai, do Filho e do Espírito Santo, nós, débeis e rudes, sem usarmos de cavilações e não para simplesmente nos opormos a argumentos humanos, mas com testemunhos extraídos da Escritura e acessíveis a todos, já dissertamos, ao menos parcialmente, de maneira inteligível aos fiéis e apta para refutar os infiéis e levianos É grande a força da fé que, no Espírito Santo, está contida em todas as Sagradas Escrituras, embora diversamente. Mas como o fundamento de nossa salvação está posto na confissão certa da encarnação de nosso Senhor, da natureza por ele assumida, e na esperança segundo a qual nos é oferecida a ressurreição dos mortos e o começo de um novo nascimento, prosseguiremos, para proveito dos que os lerem com atenção.
Como sabemos, nosso Senhor preceituou aos discípulos, no evangelho: “Ide, batizai todos os povos, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observarem tudo o que vos ordenei” (Mc 28, 19s). Isto foi dito pelo Verbo sacrossanto e subsistente de Deus, o qual procede do Pai e pelo qual foram produzidos os tempos e os momentos, não tendo havido momentos ou tempos anteriores a ele, o Filho. Se tivesse havido um tempo antes do Filho, seria maior que o Filho. Como então seria verdade que “por ele foram feitas todas as coisa e nada foi feito sem ele”? (Jo 1,3). O que foi feito, foi por ele produzido, sendo ele incriado e eterno, como também o Pai e o Espírito Santo, que existiram desde toda a eternidade. Se tivesse havido algum tempo antecedente ao Filho, poder-se-ia perguntar por quem tal tempo, superior ao Filho, foi produzido. E assim uma enorme estupidez desviaria nossas mentes para absurdos pareceres humanos; ou antes, levá-las-ia ao adultério das impuras cogitações. Portanto, antes do Filho não houve tempo algum; e assim, não o Filho foi obre dos tempos, mas os tempos, os anjos e todas as coisas foram pelo Filho produzidas. Jamais houve tempo em que não existisse o Filho, jamais houve tempo em que não existisse o Espírito Santo.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

VI - A Amizade entre Mulheres


A literatura oferece exemplos preciosos de amizades entre mulheres. Já entres os gregos, Plutarco é um dos escritores que mais se destaca pelos seus louvores às amizades femininas. As grandes mulheres da literatura mundial também tiveram amigas ao seu lado. A amizade entre mulheres se reveste de maior sensibilidade e delicadeza.
As mulheres precisam de amizades com outras mulheres. Por meio da amizade, elas se identificam e se descobrem e crescem juntas. Assim como acontece com os homens, as mulheres possuem aquelas coisas que somente elas entendem. São assuntos do mundo feminino. Elas precisam de alguém que as escute, compreenda e ajude. Esse alguém só pode ser outra mulher. Anselm Grün reflete isso muito bem no seu livro Eu lhe Desejo um Amigo: "As mulheres dão às outras abrigo e segurança. Têm a coragem de mostrar à amiga suas fraquezas e expressar todas as emoções que vêm à tona. Dessa maneira crescem na amizade, conhecem-se sempre melhor e aprendem a aceitar-se incondicionalmente, sem julgar a si mesmas nem as amigas".
Além do relacionamento de namoro ou amizade, a mulher necessita também da amizade com outras mulheres. Isso é indispensável, irrenunciável! Nessa amizade, a mulher crescerá como pessoa e como mulher. A amizade com outra mulher não representa nem deve representar uma ameaça para o relacionamento amoroso. Antes, fortalece-o, enriquece--o, convida-o para a liberdade que o amor oferece. Essas mulheres experimentam em suas vidas aquilo que Anselm Grün diz no seu já citado livro: "Com sua amiga pode trocar idéias e experiências... Pode falar sobre seus sentimentos ambivalentes, sem necessidade de se justificar. Pode contar a sua experiência e aprender da experiência da amiga. E o que é mais importante: a amizade entre mulheres fortalece o sentimento de autovalor e auto-estima".
Dessa forma, tanto a mulher solteira quanto a casada precisam da amizade com outras mulheres. Que as mulheres, aquelas que valorizam esse sentimento tão grandioso em suas vidas, possam dizer como a escritora alemã Anne Luise Karsch: "Minhas amigas são a dádiva mais preciosa de minha felicidade. Não as troco por riqueza nenhuma".

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

É preciso ser como crianças



É notória no Evangelho a predileção de Jesus pelas crianças (cf. Mc 10,13-16; Mt 19,13-15; Lc 18, 15-17). Ele as recebe, as abençoa e manda seus discípulos serem semelhantes a elas. No entanto, essa preferência de Jesus não se trata de uma atitude de bom moço, nem de alguém politicamente correto. Sim, porque é politicamente correto gostar de crianças. Só alguém de coração muito duro não se comove diante delas.
Mas, assim como outra categoria bíblica, o pobre, criança no evangelho não aponta para o ser criança, mas orienta para a situação do ser criança.
No salmo 130, 2 o salmista diz que fez a sua alma sossegar e calar como uma criança bem tranqüila e amamentada no regaço acolhedor de sua mãe. E, nesse contexto, o salmista convida Israel a confiar no Senhor. Não se trata de um comportamento regressivo, infantil; isso seria imbecilidade. Trata-se de confiar. Assim como a situação da criança, cuja fragilidade e dependência, leva confiar e encontrar paz no colo de sua mãe, assim deve ser a atitude de Israel: encontra em Deus o seu repouso, entregando-se confiantemente Nele.
É nesse contexto bíblico que Cristo fala a respeito das crianças. Somente entende a radicalidade de sua mensagem quem se fizer como elas, na sua situação concreta; quem recebê-lo na atitude da criança no regaço acolhedor de sua mãe.
Observe-se ainda que não se trata de se fazer como crianças, porque as crianças são boazinhas ou puras. As crianças não são imaculadas, elas já trazem as marcas do pecado. Basta olhar para o desenvolvimento humano delas, e já se vê a presença da inveja, do ciúme, da mentira. Trata-se de fazer a experiência da confiança filial das crianças na vida espiritual.
As categorias bíblicas são sempre categorias concretas. A Escritura desconhece o viés abstrato da filosofia, assim como desconhece qualquer viés ideológico nas suas categorias. Quando fala do pobre e da criança, por exemplo, não quer dizer que serão melhores no acolhimento e na vivência de sua Palavra quem for miserável economicamente e quem regredir para ser como criança.
Pobre e criança são situações que colocam o homem numa situação mais dócil e de dependência em relação aos outros. É assim que o Pai espera que seus filhos recebam e acolham o reino que se manifesta no seu Filho Jesus: com docilidade e em atitude de humilde confiança e dependência. E ninguém simboliza melhor isso do que as crianças. Um cristão adulto, orgulhoso e auto-suficiente, não imita o Senhor Jesus, que se humilhou e confiou no Pai até a morte, e morte de cruz.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Ai de mim se não pregar o Evangeho - V Domingo do Tempo Comum

Hoje a sagrada Liturgia nos interpela, mediante a palavra de Deus que muitas vezes nos enche de vida, mas também nos inquieta pelo fato de contradizer nossos pensamentos e palavras, a olharmos para nós mesmos nos colocando diante de Deus à luz do Santo Evangelho e, assim, percebermos nosso modo de ser cristãos no que diz respeito ao anúncio do Evangelho de Cristo. E Ele disse: “ide por todo o mundo e anunciai a Boa Nova”. Que é nossa missão evangelizar, já o sabemos.
E o apóstolo disse: “anunciar o Evangelho não é um título de glória para mim; é, antes, necessidade que se me impõe” (1Cor 9,16). Eis, caríssimos, o primeiro passo para sabermos se estamos anunciando o que se deve: reconhecer que a boa nova não é nossa, mas de Cristo. Do contrário, se não tivermos consciência disso, agiremos como verdadeiros mercenários. E assim, a última coisa que iremos fazer é anunciar Cristo, ao passo que, anunciaremos a nós mesmos cheios de palavras e atos vazios, sem dar testemunho de verdade mergulhando-nos cada vez mais num vazio e, assim, cultivando ilusões em nossos corações. Puras ilusões. Por isso, é necessário que tenhamos consciência, irmãos, de que a glória não deve ser nossa, mas de Cristo que se entregou por nossos pecados. Não mudemos o Evangelho de Cristo. Não procuremos agradar aos homens a fim de nos beneficiar, mas a Deus para chegarmos, um dia, ao convívio dos eleitos na eternidade. Não foi de homens que recebemos a Boa Nova, mas de Cristo por revelação.
Levar a boa nova aos outros é, antes de tudo, Tê-la conosco. Não podemos oferecer o que não temos. Nesse sentido, ter a Boa Nova é experimentá-lo no próprio Cristo pela fé, amor e animados pela Esperança de que por Ele fomos salvos. Todo anúncio de Cristo deve ser fruto de uma experiência profunda com Ele e do esvaziamento de nós mesmos, para que Ele seja em nós e nós sejamos um com Ele. Dessa forma, estaremos certos de não haver em nós lacunas que possam ser preenchidas por alguma espécie de doutrina estranha ou ideologia de pessoas isoladas.
Irmãos, entreguemo-nos à causa do Santo Evangelho. Demos, a exemplo dos Santos mártires, testemunho do Verbo de Deus. Glorifiquemos ao Senhor com nossas vidas a fim de nos levar e, também, a todos quantos nos odeiam. A exemplo do apóstolo Paulo, pela causa do Evangelho, façamo-nos fracos para ganharmos os fracos. Tornemo-nos tudo para todos a fim de salvarmos alguns a todo custo (cf. Cor 9,22).

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O justo viverá pela fé (Hab 2,4a)


O ato de crer, com freqüência, passou a ser compreendido como um decisão de âmbito privado. Um ato sinônimo de pensamento mágico, pensamento positivo. Também se convencionou considerá-lo como crença individual em um mito. Conseqüentemente, o conhecimento adquirido pela fé é conhecimento mítico, desprovido de qualquer valor racional.
No entanto, o ato de crer é muito mais do que uma simples projeção daquelas qualidades heróicas aneladas pelo homem. Não é um alívio para as questões da existência cujas respostas não foram encontradas, depositado em um deus feito à imagem e semelhança humanas. Tão pouco é pensar que tudo será melhor e assim acontecer.
Crer é primeiramente a experiência com um Outro, é uma atitude relacional. Não se trata aqui de um diálogo interno com a própria consciência, pois isso é denominado superego. Crer é uma relação com um Outro para além do próprio homem. Esse Outro vem ao encontro do ser humano, entra em sua vida, mostra-lhe quem é, e espera dele uma resposta. Crer é dizer sim a Deus que se revela.
Esse Deus é totalmente diferente do homem. Por isso é uma relação de fé. Caso se tratasse de uma projeção humana, ocorreria o movimento contrário: era Deus quem daria uma resposta aos caprichos humanos. Não haveria conflito: deus estaria sempre pronto a acolher o homem e preenchê-lo, sem que esse diálogo gerasse uma transformação radical.
Em modo contrário, caminhar na fé é dizer sim e assumir os conflitos e desafios que virão. É apostar em Deus, abandonando-se Nele. A fé, nas palavras da Carta aos Hebreus, “é a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se vêem” (Hb 11,1). Crer é experimentar Deus e suas maravilhas realizadas em Jesus, na esperança de sua plenitude. Essa experiência é tecida no dia a dia, entre desânimos e certezas, vitórias e derrotas, principalmente quando Deus e seus desígnios parecem distantes dos projetos humanos apequenados diante de um Deus imenso. Essa experiência de conflito e desafio forja um homem novo, renascido em Deus, cujo protótipo é o Cristo ressuscitado.
Para o homem novo renascido na fé, crer se torna um modo de viver. “O meu justo viverá pela fé” (Hab 2,4a). O justo, o crente, vive na fé e pela fé porque o conhecimento nascido da relação com Deus é algo vivo que ilumina a sua existência: seus afetos, sua inteligência, sua vontade. Justamente por prover de fora, por ser revelado, tal conhecimento é algo novo, inaudito, renovando no homem sua maneira de ler os acontecimentos da sua vida.
O justo vive pela fé porque sabe: embora já goze aqui da presença de Deus, ele caminha em busca da posse plena dos bens do céu, os quais somente na eternidade serão possuídos na sua totalidade.
O crente, enfim, corre com perseverança o certame que lhe é proposto, com os olhos fixos em Jesus, o iniciador e consumador da fé, o maior bem que Deus nos concedeu (cf. Hb 12, 1b-2a).

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Paulo: a vida na Igreja

Eis a última das quatro catequeses feitas por Bento XVI sobre São Paulo no ano de 2006.
Completamos hoje os nossos encontros com o apóstolo Paulo, dedicando-lhe uma última reflexão. De fato, não podemos despedir-nos dele, sem considerar uma das componentes decisivas da sua atividade e um dos temas mais importantes do seu pensamento: a realidade da Igreja. Devemos antes de tudo constatar que o seu primeiro contacto com a pessoa de Jesus se realiza através do testemunho da comunidade cristã de Jerusalém. Foi um contacto conturbado. Tendo conhecido o novo grupo de crentes, ele tornou-se imediatamente um seu orgulhoso perseguidor. Ele mesmo o reconhece nas suas três Cartas: "Persegui a Igreja de Deus", escreve (1 Cor 15, 9; Gl 1, 13; Fl 3, 6), quase como a apresentar este seu comportamento como o pior dos crimes.
A história mostra-nos que se alcança normalmente Jesus através da Igreja! Num certo sentido, isto verificou-se, dizíamos, também para Paulo, o qual encontrou a Igreja antes de encontrar Jesus.
Mas este contacto, no seu caso, foi contraproducente, não causou a adesão, mas uma violenta repulsa. Para Paulo, a adesão à Igreja foi propiciada por uma intervenção direta de Cristo, o qual, tendo-se-lhe revelado no caminho de Damasco, se identificou com a Igreja e lhe fez compreender que perseguir a Igreja era perseguir o Senhor. De fato, o Ressuscitado disse a Paulo, o perseguidor da Igreja: "Saulo, Saulo, porque me persegues?" (At 9, 4). Perseguindo a Igreja, perseguia Cristo. Então Paulo converteu-se, ao mesmo tempo, a Cristo e à Igreja. Disto compreende-se depois porque a Igreja tenha estado tão presente nos pensamentos, no coração e na atividade de Paulo. Em primeiro lugar, porque ele fundou literalmente muitas Igrejas nas várias cidades onde foi para evangelizar. Quando fala da sua "solicitude por todas as Igrejas" (2 Cor 11, 28), ele pensa nas várias comunidades cristãs suscitadas de cada vez na Galácia, na Iônia, na Macedônia e na Acaia. Algumas daquelas Igrejas também lhe deram preocupações e desgostos, como aconteceu, por exemplo, nas Igrejas da Galácia, que ele viu seguir "outro Evangelho" (Gl 1, 6), ao que se opôs com firme determinação. Contudo ele sentia-se ligado às Comunidades por ele fundadas de maneira não fria nem burocrática, mas intensa e apaixonada. Assim, por exemplo, define os Filipenses "meus caríssimos e saudosos irmãos, minha coroa e alegria" (4, 1). Outras vezes compara as várias Comunidades com uma carta de apresentação única no seu gênero: "A nossa carta sois vós, uma carta escrita nos nossos corações, conhecida e lida por todos os homens" (2 Cor 3, 2). Outras vezes ainda mostra em relação a eles um verdadeiro sentimento não só de paternidade mas até de maternidade, como quando se dirige aos seus destinatários interpelando-os como "Meus filhos, por quem sinto outra vez as dores de parto, até que Cristo se forme entre vós!" (Gl 4, 19; cf. também 1 Cor 4, 14-15; 1 Ts 2, 7-8).
Nas suas Cartas Paulo ilustra-nos a sua doutrina sobre a Igreja como tal. Portanto, é muito conhecida a sua original definição da Igreja como "corpo de Cristo", que não encontramos noutros autores cristãos do I século (cf. 1 Cor 12, 27: Ef 4, 12; 5, 30; Cl 1, 24). A raiz mais profunda desta surpreendente designação da Igreja encontramo-la no Sacramento do corpo de Cristo. Diz São Paulo: "Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo" (1 Cor 10, 17). Na mesma Eucaristia Cristo dá-nos o seu Corpo e faz-nos seu Corpo. Neste sentido São Paulo diz aos Gálatas: "todos sois um em Cristo" (Gl 3, 28). Com tudo isto Paulo faz-nos compreender que existe não só uma pertença da Igreja a Cristo, mas também uma certa forma de equiparação e de identificação da Igreja com o próprio Cristo. Portanto, é daqui que deriva a grandeza e a nobreza da Igreja, ou seja, de todos nós que a ela pertencemos por sermos membros de Cristo, quase uma extensão da sua presença pessoal no mundo. E daqui se origina, naturalmente, o nosso dever de viver realmente em conformidade com Cristo. Daqui derivam também as exortações de Paulo a propósito dos vários carismas que animam e estruturam a comunidade cristã. Todos eles reconduzem a uma única fonte, que é o Espírito do Pai e do Filho, sabendo bem que na Igreja ninguém está desprovido dele, porque, como escreve o Apóstolo, "a cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum" (1 Cor 12, 7). Mas é importante que todos os carismas cooperem juntos na edificação da comunidade e não se tornem ao contrário motivo de dilaceração. A este propósito, Paulo pergunta retoricamente: "Estará Cristo dividido?" (1 Cor 1, 13). Ele sabe bem e ensina-nos que é necessário "manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança" (Ef 4, 3-4).
Sem dúvida, realçar a exigência da unidade não significa afirmar que se deva uniformizar ou nivelar a vida eclesial segundo um único modo de agir. Noutro texto Paulo ensina a "não apagar o Espírito" (1 Ts 5, 19), isto é, a dar generosamente espaço ao dinamismo imprevisível das manifestações carismáticas do Espírito, o qual é fonte de energia e de vitalidade sempre nova. Mas se há um critério do qual Paulo não prescinde é a mútua edificação: "que tudo se faça de modo a edificar" (1 Cor 14, 26). Tudo deve concorrer para construir ordenadamente o tecido eclesial, não só sem estagnação, mas também sem fugas ou exceções. Depois, há outra Carta paulina que chega a apresentar a Igreja como esposa de Cristo (cf. Ef 5, 21-33). Com isto retoma-se uma antiga metáfora profética, que fazia do povo de Israel a esposa do Deus da aliança (cf. Os 2, 4.21; Is 54, 5-8): com isto pretende-se dizer quanto sejam íntimas as relações entre Cristo e a sua Igreja, quer no sentido de que ela é objeto do amor mais terno da parte do seu Senhor, quer também no sentido de que o amor deve ser recíproco e que, por conseguinte também nós, como membros da Igreja, devemos demonstrar fidelidade apaixonada em relação a Ele.
Definitivamente, está em jogo a relação de comunhão: a vertical entre Jesus Cristo e todos nós, e também a horizontal entre todos os que se distinguem no mundo pelo fato de "invocar o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Cor 1, 2). Esta é a nossa definição: nós pertencemos àqueles que invocam o nome do Senhor Jesus Cristo. Portanto compreende-se bem quanto seja desejável que se realize o que o próprio Paulo deseja ao escrever aos Coríntios: "Mas se todos começarem a profetizar e entrar ali um descrente qualquer ou simples ouvinte, há-de sentir-se tocado por todos, julgado por todos; os segredos do seu coração serão desvendados e, prostrando-se com o rosto por terra, adorará a Deus, proclamando que Deus está realmente no meio de vós" (1 Cor 24-25). Assim deveriam ser os nossos encontros litúrgicos. Um não cristão que entra numa assembléia nossa, no final deveria poder dizer: "Verdadeiramente Deus está convosco". Peçamos ao Senhor que sejamos assim, em comunhão com Cristo e em comunhão entre nós.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Festa da Apresentação do Senhor

Hoje, 2 de fevereiro, a Igreja celebra um grande mistério: quarenta dias depois do nascimento do Menino Jesus, a Virgem Maria e José, seus pais, vão apresentá-lo ao Senhor no Templo de Jerusalém como manda a Lei de Moisés. Está lá, no livro do Êxodo: “Consagra-me todo primogênito, todo o que abre o útero materno, entre os israelitas. Homem ou animal, será meu” (Ex 13,2). O primogênito dos animais devia ser oferecido em sacrifício (cf. Nm 18,17); o dos homens deveria ser resgatado (cf. Nm 18,15), com uma rês de gado miúdo ou, se os pais não o pudessem, com duas rolas ou dois pombinhos (cf. Lv 5,7; 12,8). É essa última oferta, a dos pobres, que a família de Nazaré oferece. No entanto, mais do que isso, oferece, como a pobre viúva do Evangelho (cf. Lc 21,1-4) tudo o que tinha, o seu mais precioso dom: o Menino que lhes veio miraculosamente.
Apresentação, oferta: eis o primeiro ato cultual que o Filho de Deus toma parte em sua vida humana e que é prelúdio e antecipação de toda a Sua vida entre os homens e, sobretudo de sua entrega ao Pai na Cruz. Sim, toda a vida de Jesus é entrega; ao Pai em primeiro lugar e aos homens, seus irmãos, em conseqüência.
Hoje se cumpre a profecia do profeta Malaquias (3,1): “Então, de repente, entrará em seu Templo o Senhor que vós procurais; o Anjo da Aliança, que vós desejais, eis que ele vem, disse o Senhor dos Exércitos”. E vem para estabelecer uma aliança nova: não mais serão oferecidos sacrifícios impuros a Deus, mas ele renovará o sacerdócio de forma que os sacrifícios passem a ser agradáveis ao Senhor (cf. Ml 3,3-4).
Hoje o verdadeiro Templo entra no Templo; o Templo espiritual encontra o Templo de pedra. O Templo de Jerusalém, que era o lugar da presença de Deus, agora contempla verdadeiramente, em carne e osso, o Senhor que descia na nebulosidade da nuvem, sobre a Arca da Aliança. Este Templo de pedra logo cederá o lugar ao Templo verdadeiro, que é o Corpo, ou seja, a Pessoa de Cristo, conforme o Este próprio disse à Samaritana: “vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. (...)Vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4,21.23) e aos judeus: “’Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei’ (...) Ele, porém, falava do Templo do seu Corpo” (Jo 2,19.21).
Também a nós, hoje, é dado adorar ao Pai em espírito e em verdade. Recebendo em nós o Corpo do Senhor na Eucaristia, podemos adorar no Espírito e na Verdade que é o próprio Jesus. Assim, a nossa comunhão é completa com o Deus Uno e Trino. Deixemo-nos oferecer em oblação ao Senhor, como o próprio Senhor se deixou oferecer em oblação pela salvação do mundo, indo ao monte do Templo de Jerusalém hoje e, ao mesmo tempo, ao monte Calvário para a oblação perfeita e definitiva e que é tornada presente nesta Eucaristia.

A esperança cristã é o segredo e o sentido do verdadeiro ascetismo


Capítulo VII do livro "Na Liberdade da Solidão" de Thomas Merton

Um Cristão é alguém que vive inteiramente fora de si mesmo e em Cristo - vive na fé de sua Redenção, no amor a seu Redentor que nos amou e por nós morreu. Vive, acima de tudo, na esperança do mundo vindouro.
A esperança é o segredo do verdadeiro ascetismo. Nega nossos juízos próprios e nossos desejos e rejeita o mundo no seu estado atual, não porque nós ou o mundo somos maus, mas porque não estamos em condições de utilizar do melhor modo nossa própria bondade ou a do mundo. Mas nos alegramos na esperança. Gozamos das coisas criadas, na esperança. Saboreamo-las, não como são em si mesmas, mas como são em Cristo – cheias de promessas. Pois a bondade das coisas é um testemunho da bondade de Deus, e a bondade dele é a garantia de sua fidelidade às suas promessas. Prometeu-nos um novo céu e uma nova terra, uma vida ressuscitada em Cristo. Toda renúncia que não se prende e essa promessa está abaixo do nível de cristão.
Meu Senhor, não tenho esperança senão em tua cruz. Tu, por tua humildade, sofrimentos e morte me libertaste de toda esperança vã. Mataste a vaidade da vida presente – em tua pessoa – e deste-me tudo que é eterno, ressuscitando dos mortos.
Por que hei de querer ser rico, quando tu foste pobre? Por que hei de desejar ser célebre e possuir o poder para ser visto pelos homens, quando os filhos dos que exaltaram os falsos profetas e lapidaram os verdadeiros te rejeitaram e te pregaram numa cruz? Por que hei de acariciar em meu coração uma esperança que me devora – a esperança de uma felicidade perfeita nesta vida – quando essa esperança, fadada à frustração, nada mais é do que desespero?
Minha esperança está no que os olhos nunca viram. Portanto, não me deixes confiar nas recompensas visíveis. Minha esperança está naquilo que o coração não pode sentir. Não permitais, portanto, que eu confie nos sentimentos do meu coração. Minha esperança está naquilo em que a mão do homem jamais tocou. Não permitais que eu confie no que posso segurar entre os dedos. A morte há de abrir-me a mão e minha vã esperança escapará.
Deixa que minha confiança se apóie eu Tua misericórdia, e não em mim. Deixa-me colocar minha esperança em Teu amor, não na fortaleza ou na saúde ou na habilidade ou nos recursos humanos.
Se confiar em ti, tudo o mais se tornará para mim fortaleza, saúde, apoio. Tudo me conduzirá ao céu. Se eu não confiar em ti, tudo concorrerá para minha destruição.