sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O cristão e a angústia - II


De uma ponta à outra da Nova Aliança, desde a “grande luz” que surge no Evangelho, até à vitória final do Logos no Apocalipse, fala-se desta submissão, deste debelar de todas as potências do mundo por obra do Filho de Deus, eleito, ab aeterno, como seu rei. E uma vez que o Senhor foi já entronizado e o Vencedor “não espera senão que seus inimigos lhe sejam postos como escabelo sob seus pés” (Hb 10,13), também a angústia é afastada e superada de uma vez para sempre. E isto não só juridicamente ou de jure, mas, para aquele que pertence a Cristo, substancialmente. Ele pode, se vive na fé, não ter medo. A sua má consciência, que o faz tremer, é nele superada pela “paz de Deus que supera toda a inteligência” (Fl 4,7). Pedro, no dia de Páscoa, já não pode ter medo diante d’Aquele que renegou três vezes. Ele foi libertado do temor e foi-lhe dado, em lugar do temor, o amor confiante. Profundamente sabe João: “se o nosso coração nos acusa, Deus é maior do que o nosso coração e sabe tudo” (1Jo 3,20); Ele sabe daquele amor que infundiu, por obra do Espírito Santo, no coração defectível e contra o qual não pode prevalecer a auto-acusação do pecador: “tu sabes tudo, Senhor, tu bem sabes que te amo” (Jo 21,17). O pecador rende-se, não tem esperança alguma de poder opor a esta superabundante esperança, que lhe foi concedida, algo de próprio ou de diverso.
Assim em Paulo e em João, as maiores testemunhas da vida cristã depois da Paixão, toda e qualquer terrena e obscura praia é inundada pela luz de Deus, em quem – ao contrário do que acontece para o Deus da Antiga Aliança – não mais existe treva (1Jo 1,5). Esta luz é tão delicada e doce em João, tão triunfal e fulminante em Paulo, que pode mudar até o último medo, o medo do “terrível dia do Senhor”, em luminosa confiança: “A perfeita caridade de Deus em nós exige que tenhamos confiança no dia do julgamento, porque, tal como em Cristo, nós estamos neste mundo. O temor não fica bem junto da caridade; ao contrário, a caridade perfeita expulsa todo o temor, porque o temor supõe castigo, e aquele que teme não é perfeito na caridade” (1Jo 4,16-18).
“Jesus Cristo (...) não foi “sim” e “não”; o que há nele é “sim”. De fato, todas as promessas de Deus, têm nele o seu “sim” (2Cor 1,19-20); por Ele “temos a confiança de nos aproximarmos (de Deus) confiadamente, mediante a fé na sua pessoa” (Ef 3,12), “é que Deus não nos reservou para a ira mas para a posse da salvação, por Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual morreu por nós” (1Ts 5,9). Mas se o crente não deve ter medo de Deus Juiz, muito menos deverá temer as potências, quaisquer que sejam, a Ele subordinadas: nem a potência do pecado, que juntamente com a morte dominava no mundo antes da Redenção (Rm 5,12-14); nem todas as outras formas de “tribulação” que ao crente podem provir, devem provir e provêm do mundo. O sermão da montanha (Mt 5-7), as instruções aos Apóstolos (Mt 10), contém o mandamento rigoroso de Cristo aos seus de não temerem em nenhuma tribulação, por maior que ela seja. Não lhes será arrancado um cabelo. Eles não terão o cheiro de queimado quando saírem da fornalha ardente (Dn 3,27). E o “não temais” que o Senhor intercala como um refrão nas profecias de perseguição (Mt 10,19.26.28.31), atinge o auge no jubiloso cântico de louvores que se erguerá do meio da fornalha: “Felizes sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem contra vós toda a espécie de mal. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos céus a vossa recompensa. Assim perseguiram, de fato, os profetas que vos precederam” (Mt 5,11-12). Ser feliz no meio das contrariedades, nos exteriores e objetivos “apertos” (a angústia deriva-se de angere – apertar) é não só possível, mas exigido. É a felicidade de Paulo: “Gloriamo-nos igualmente nas tribulações” (Rm 5,3); “estou a transbordar de alegria no meio de todas as nossas tribulações” (2Cor 7,4); é a felicidade de todos os mártires que afrontam a morte cantando.

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