quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O repouso de Deus e a beleza da criação

Da encíclica Dies Domini, de João Paulo II, papa (n. 12)


Se, na primeira página do Gênesis, o trabalho de Deus é exemplo para o homem, é igualmente o seu “repouso”: “Deus repousou, no sétimo dia, do trabalho por Ele realizado” (Gn 2,2). Também aqui nos encontramos diante de um antropomorfismo, denso de uma mensagem significativa.

O “repouso” de Deus não pode ser interpretado de forma banal, como uma espécie de “inatividade” de Deus. Com efeito, o ato criador, que está na constituição do mundo, é permanente por sua própria natureza e Deus não cessa nunca de agir, como o próprio Jesus quis lembrar precisamente com referência ao preceito sabático: “Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho” (Jo 5,17). O repouso divino do sétimo dia não alude a um Deus inativo, mas sublinha a plenitude do que fora realizado, como que a exprimir que Deus descansou diante da obra “muito boa” (Gn 1,31) saída das suas mãos, para lançar sobre ela um olhar repleto de jubilosa complacência: um olhar “contemplativo”, que não visa a novas realizações, mas sobretudo a apreciar a beleza de quanto foi feito; um olhar laçado sobre todas as coisas, mas especialmente sobre o homem, ponto culminante da criação. É um olhar no qual já se pode, de certa forma, intuir a dinâmica “esponsal” da relação que Deus quer estabelecer com a criatura feita à sua imagem, chamando-a a comprometer-se num pacto de amor. É o que Ele realizará progressivamente, em vista da salvação oferecida à humanidade inteira, mediante a aliança salvífica estabelecida com Israel e culminada, depois, em Cristo: será precisamente o Verbo encarnado, através do dom escatológico do Espírito Santo e da constituição da Igreja como seu corpo e sua esposa, que estenderá a oferta de misericórdia e a proposta do amor do Pai a toda a humanidade.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Abri, ó portas, vossos frontões para que entre o Rei da glória

Eis a exortação que a Igreja faz aos seus filhos na Sagrada Liturgia da festa da Apresentação do Senhor:

Irmãos e irmãs, há quarenta dias celebrávamos com alegria o Natal do Senhor. E hoje chegou o dia em que Jesus foi apresentado ao templo por Maria e José. Conformava-se assim à lei do Antigo Testamento, mas na realidade vinha ao encontro do seu povo fiel. Impulsionados pelo Espírito Santo, o velho Simeão e a profetisa Ana foram também ao templo. Iluminados pelo mesmo Espírito, reconheceram o seu Senhor naquela criança e o anunciaram com júbilo. Também nós, reunidos pelo Espírito Santo, vamos nos dirigir à casa de Deus, ao encontro de Cristo. Nós o encontraremos e reconheceremos na fração do pão, enquanto esperamos a sua vinda na glória.

Apresentação do Senhor

A festa da Apresentação do Senhor, embora esteja fora do tempo do Natal, inclui-se em seu ciclo, ao celebrar a apresentação de Jesus no templo quarenta dias depois do seu nascimento. O mistério celebrado é grande, mistério que mistura transcendência e imanência: o Deus bendito, criador dos céus e da terra, invisível, onipotente, grande acima de tudo, penetra no templo que ele construiu pelas mãos dos homens para que Seu Nome fosse aí glorificado. Agora, não mais por figuras ou misteriosa presença Deus se encontra ali, mas em Espírito e em verdade, em carne e osso, corpo, alma e divindade. É a realização da promessa do Senhor por meio do profeta Malaquias: “Eis que envio o meu anjo, e ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu templo o Dominador, que tentais encontrar, e o anjo da aliança, que desejais” (Ml 3,1). Sim, a Palavra de Deus está ali, não mais dentro da Arca da Aliança, escrita sobre tábuas de pedra, mas de modo supereminente, pessoalmente: o Verbo de Deus adentra no templo, criança inocente, com apenas quarenta dias de vida, nem pode raciocinar ainda, e, no entanto, é o Deus perfeito que, no céu, sustenta todas as coisas. Ele completa, leva à perfeição a Lei antiga, ao cumpri-la plenamente; e, agora, a partir de Jesus, não há mais adoração naquele templo de pedra de Jerusalém, mas ele mesmo é o verdadeiro Templo, que será destruído pelos homens, mas que será reconstruído três dias depois.

A apresentação do menino Jesus no templo é acompanhada também da purificação da Virgem Maria. Neste fato manifesta-se a imperfeição, ou melhor, a provisoriedade da Lei de Moisés. Segundo a Lei, a parturiente ficaria impura até quarenta dias após o parto, depois do qual deveria ir ao templo para realizar as abluções prescritas e purificar-se (Lv 12,2-4). Mas, como pode estar impura aquela que é a Toda Pura, a Imaculada? O advento do Filho de Deus no mundo inaugura, pois, uma nova economia: a pureza não consiste em cumprir ritos da Lei, mas em ser totalmente aberto ao Senhor, totalmente amigo de Deus, totalmente santo: a justiça não vem da Lei, mas da fé confiante em Deus. E que fé pode-se encontrar maior do que a de Maria? “Eis aqui a Serva do Senhor: faça-se em mim segundo a Sua Palavra” (Lc 1,38). E, nesta fé, ela oferece o seu maior tesouro, o seu maior dom, a criançinha miraculosamente concebida em seu seio santíssimo. Mas, eis irmãos, que mistério!, esse oferecimento que a Virgem faz é prelúdio do oferecimento maior que o seu dileto Filho realizaria por ela e por todos os homens na cruz: “Uma espada te transpassará a alma”, diz à Maria o velho Simeão (Lc 2,35). Aqui, já se manifesta o mistério da Paixão do Senhor. E, da mesma forma, o oferecimento da Virgem Mãe de Deus é modelo e prenúncio do oferecimento que a Virgem Mãe Igreja faz de seu Divino Esposo, o Senhor Jesus, diariamente no altar da Eucaristia. Também nós, irmãos caríssimos, somos convidados por Deus a fazer de nossa vida inteira uma oblação agradável a Deus. Quando viesse o Anjo da Aliança, o Messias esperado, então os sacrifícios de Israel passariam a ser agradável ao Senhor, porque ele purificaria seus levitas para que oferecessem uma oblação justa. Assim, todos os cristãos, povo de sacerdotes e nação santa, são chamados a oferecerem as suas vidas como sacrifício puro e agradável a Deus, unindo-se ao Sumo Sacrifício de Cristo oferecido pelas mãos do sacerdote na Eucaristia.