quarta-feira, 27 de abril de 2011

A celebração da Páscoa tem a sua perfeita realização em Cristo

Da Homilia sobre a Páscoa, de Melitão de Sardes, bispo (séc. II)

Prestai atenção, caríssimos: o mistério pascal é ao mesmo tempo novo e antigo, eterno e transitório, corruptível e incorruptível, mortal e imortal.
É mistério antigo segundo a Lei, novo segundo a Palavra que se fez carne; transitório pela figura, eterno pela graça; corruptível pela imolação do cordeiro, incorruptível pela vida do Senhor; mortal pela sua sepultura na terra, incorruptível pela vida do Senhor; mortal pela sua sepultura na terra, imortal pela sua ressurreição dentre os mortos.
A Lei, na verdade, é antiga, mas a Palavra é nova; a figura é transitória, mas a graça é eterna; o cordeiro é corruptível, mas o Senhor é incorruptível, ele que, imolado como cordeiro, ressuscitou como Deus.
Na verdade, era como ovelha levada ao matadouro, e contudo não era ovelha; era como cordeiro silencioso (Is 53,7), e no entanto não era cordeiro. Porque a figura passou e apareceu a realidade perfeita: em lugar de um cordeiro, Deus; em vez de uma ovelha, o homem, no homem, porém, apareceu Cristo que tudo contém.
Por conseguinte, a imolação da ovelha, a celebração da páscoa e a escritura da Lei tiveram a sua perfeita realização em Jesus Cristo; pois tudo o que acontecia na antiga Lei se referia a ele, e mais ainda na nova ordem, tudo converge para ele.
Com efeito, a Lei fez-se Palavra e, de antiga, tornou-se nova (ambas oriundas de Sião e de Jerusalém); o preceito deu lugar à graça, a figura transformou-se em realidade, o cordeiro em Filho, a ovelha em homem e o homem em Deus.
O Senhor, sendo Deus, fez-se homem e sofreu por aquele que sofria; foi encarcerado em lugar do prisioneiro, condenado em vez do criminoso e sepultado em vez do que jazia no sepulcro; ressuscitou dentre os mortos e clamou com voz poderosa: “Quem me condena? Que de mim se aproxime (Is 50,8). Eu libertei o condenado, dei vida ao morto, ressuscitei o que estava sepultado. Quem pode me contradizer? Eu sou Cristo, diz ele, que destruí a morte, triunfei do inimigo, calquei aos pés o inferno, prendi o violento e arrebatei o homem para as alturas dos céus. Eu, diz ele, sou Cristo.
Vinde, pois, todas as nações da terra oprimidas pelo pecado e recebei o perdão. Eu sou o vosso perdão, vossa páscoa da salvação, o cordeiro por vós imolado, a água que vos purifica, a vossa vida, a vossa ressurreição, a vossa luz, a vossa salvação, o vosso rei. Eu vos conduzirei para as alturas, vos ressuscitarei e vos mostrarei o Pai que está nos céus; eu vos levantarei com a minha mão direita”.

terça-feira, 26 de abril de 2011

A descida do Senhor à mansão dos mortos


De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo, séc. II

Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.
Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos.
O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu,  exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com o teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará.
Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí’; e aos que jaziam nas trevas: ‘Vinde para a luz!’; e aos entorpecidos: ‘Levantai-vos!’
Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.
Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.
Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida.
Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendestes levianamente as tuas mãos para a árvore do paraíso.
Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti.
Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus.
Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade”.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Pausa para a Semana Santa

Estando para começar a Semana Santa, resolvi cessar o uso da internet - que tantas vezes nos dissipa! - para  dedicar mais tempo à preparação para a Semana Santa, coisa que recomendo à todos os leitores. Assim, este será o último post até a Páscoa. Para os que nos visitam, recomendo os posts dos anos anteriores com os comentários à liturgia dos dias do Tríduo Pascal:
Daqui a pouco chegaremos ao número expressivo de 500 posts. Há muitos e muitos textos excelentes para a sua edificação neste blog. Dê uma olhada!
Para todos vocês, uma abençoada Semana Santa e uma feliz Páscoa!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Meditação da Liturgia de hoje: quinta-feira da quinta semana da Quaresma

Quem tu pretendes ser? (Jo 8,53) Eu sou (8,59). O clímax da discussão de Jesus com os fariseus é atingido com a autorevelação divina de Jesus: Ele é Deus. Pura e simplesmente, Ele é o Filho de Deus enviado como Cristo, como Messias para salvação dos homens. Filho participante da natureza do Pai: Deus como Deus, Homem como os homens, as duas naturezas, divina e humana, juntas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação (Concílio de Calcedônia, 451). Tudo foi feito por meio d’Ele e sem Ele nada foi feito (Jo 1,3). Ele é o Deus que, no Antigo Testamento, chamou Abraão de sua terra e lhe prometeu descendência abundante como as areias do mar, fazendo com ele uma aliança eterna, para que eu seja teu Deus e o Deus de teus descendentes (Gn 17,7); Ele é o Deus livrou o povo da escravidão do Egito, que conduziu o povo para Terra Prometida, que o instalou na terra, que estabeleceu uma aliança com Davi e a sua descendência; foi Ele quem enviou os profetas para pregarem a conversão do povo. Ele, enfim, na plenitude dos tempos, por nós homens e para a nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e se fez homem. Por isso, aqueles que ouvem e guardam a Sua Palavra, que é Palavra de vida, não verão a morte (cf. Jo 8,51). Aqueles, porém, que não a ouvem e não a guardam, andam nas trevas e cairão no buraco escuro do vazio, da agonia e da morte. Pode acaso viver quem não quer aceita a Vida? Condenam-se à morte eterna. Creiamos, irmãos, no Senhor e guardemos a Sua Palavra: que ela seja para nós luz para iluminar os nossos pés, luz para o nosso caminho (Sl 118(119),105), sentido para as nossas vidas vazias, alimento para a nossa fome de plenitude, água para a nossa sede de vida. 

Cristo: nosso Sacerdote, nossa Cabeça, nosso Deus


Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo

Deus não poderia conceder dom maior aos homens do que dar-lhes como Cabeça a sua Palavra, pela qual criou todas as coisas, e a ela uni-los como membros, para que o Filho de Deus fosse também filho do homem, um só Deus com o pai, um só homem com os homens. Por conseguinte, quando dirigimos a Deus nossas súplicas, não separemos d’Ele o Filho; e, quando o Corpo do Filho orar, não separe de si sua Cabeça. Deste modo, o único Salvador de Seu Corpo, nosso Senhor Jesus Cristo, é o mesmo que ora por nós, ora em nós e recebe a nossa oração.
Ele ora por nós como nosso sacerdote; ora em nós como nossa cabeça e recebe a nossa oração como nosso Deus.
Reconheçamos n’Ele a nossa voz, e em nós a sua voz. E quando se disser sobre o Senhor Jesus, sobretudo nos profetas, algo referente àquela humilhação aparentemente indigna de Deus, não hesitemos em Lhe atribuir, já que Ele não hesitou em fazer-se um de nós. É a Ele que toda a criação serve, porque todo o universo é obra de Suas mãos.
Por isso, contemplamos sua divindade e majestade, quando ouvimos: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. No princípio estava ela com Deus. Tudo foi feito por Ela e sem Ela nada se fez (Jo 1,1-3). Mas se nesta passagem contemplamos a divindade do Filho de Deus que supera as mais excelsas criaturas, ouvimos também em outras passagens da Escritura o mesmo Filho de Deus que geme, ora e louva.
Hesitamos então em atribuir-Lhe tais palavras, porque nosso pensamento reluta em passar da contemplação de Sua divindade à Sua humilhação, como se fosse uma injúria reconhecer como homem Aquele a quem orávamos como a Deus; por isso, o nosso pensamento fica muitas vezes perplexo, e esforça-se por alterar o sentido das palavras. Porém, não encontramos na Escritura recurso algum para aplicar tais palavras senão ao Filho de Deus, sem jamais separá-las d’Ele.
Despertemos, pois, e estejamos vigilantes na fé. Consideremos Aquele que assumiu a condição de servo, a quem há pouco contemplávamos na condição de Deus; tornando-se semelhante aos homens e sendo visto como homem, humilhou-se a Si mesmo, fazendo-Se obediente até à morte (cf. Fl 2,7-8). E quis tornar Suas as palavras do salmo, ao dizer, pregado na cruz: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,1).
Ele ora na sua condição de servo, e recebe a nossa oração na sua condição de Deus; ali é Criatura, aqui o Criador; sem sofrer mudança, assumiu a condição mutável da criatura, fazendo de nós, juntamente com Ele, um só Homem, Cabeça e Corpo. Nossa oração, pois, se dirige a Ele, por Ele e n’Ele; oramos juntamente com Ele e Ele ora juntamente conosco.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Meditação da Liturgia de hoje: quarta-feira da quinta semana da Quaresma


Jesus continua sua discussão com os fariseus. Alguns acreditam nele. E todos os que creem em Jesus, que aceitam a verdade de Sua doutrina e da Sua Pessoa, tornam-se livres, porque Jesus é a Verdade e a Verdade liberta. Quem anda na Verdade anda na luz: não tem porque temer a realidade porque a aceita tal como ela é. Não se engana, não anda nas trevas. Não precisa maquiar as coisas. Abandona a falsidade do pecado, que é o auto-engano de se fazer deus, ditando para si mesmo o que é o bem e o mal. Eis: a Verdade liberta e a Liberdade é andar na Verdade.
Mas atenção, muita atenção: a Verdade não é uma coisa abstrata, etérea; a Verdade é uma Pessoa, é Jesus: Eu Sou o caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6). A Verdade é exigente e não admite compromissos. Seja o vosso 'sim', sim, o vosso 'não', não, dizia Jesus (Mt 5,37).
Mas como é difícil para eles, os fariseus! E como é difícil par nós, também! Significa renunciar ao nosso modo de pensar para acolher a Verdade de Deus, do mundo, da pessoa não como queremos que seja, fabricando as nossas ilusões a respeito da realidade, os nossos planos de transformação do mundo; não, só pode seguir Jesus aquele que renega a si mesmo, o seu modo de pensar, o seu modo sentir, o seu modo de raciocinar, o seu modo de viver e adota o modo de pensar de Cristo, o modo de sentir de Cristo, o modo de raciocinar de Cristo, o modo de viver de Cristo; aceita, em última análise, a estrutura da realidade como ela realmente é. É preciso muita coragem para isso! Coragem porque uma atitude dessas é ir na contra-mão do mundo: o que este quer é que cada um pense com a sua cabeça, tenha a sua própria criatividade, não seja um papagaio qualquer; que invente planos e soluções para um mundo melhor, para acabar com os problemas do mundo, para moldar o mundo segundo a nossa imagem... doce ilusão: esses projetos de construir um mundo novo se esfacelam diante da realidade – e quando eu digo a realidade, quero dizer a realidade inteira, material e, sobretudo, espiritual, porque somente quem reconhece Deus, conhece a realidade e pode corresponder-lhe de modo adequado e realmente humano. (...) Deus é a realidade instituinte, dizia Bento XVI na abertura da Conferência de Aparecida. Daí vemos que tudo se origina em Deus e tudo volta para Deus, fim último de todas as coisas.
Tenhamos, pois, amados irmãos, a coragem de dizer sim ao Senhor, de crer nele, de crer na Verdade e realidade de Sua Pessoa e missão para que ele nos transforme em novas criaturas, não mais escravas do pecado e do mundo, mas inteiramente livres para amar a Deus e aos irmãos.

Angelus do 3º Domingo da Quaresma


PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 27 de Março de 2011


Prezados irmãos e irmãs
Este 3º Domingo de Quaresma é caracterizado pelo célebre diálogo de Jesus com a mulher samaritana, narrado pelo evangelista João. A mulher ia todos os dias tirar água de um antigo poço, que remontava ao patriarca Jacob, e naquele dia encontrou ali Jesus, sentado, «cansado da viagem» (Jo 4, 6). Santo Agostinho comenta: «Não é sem motivo que Jesus se cansa... A força de Cristo criou-te, a debilidade de Cristo voltou a criar-te... Com a sua força criou-nos, com a sua debilidade veio à nossa procura» (In Ioh. Ev., 15, 2). A fadiga de Jesus, sinal da sua verdadeira humanidade, pode ser vista como um prelúdio da paixão, com a qual Ele completou a obra da nossa redenção. Sobretudo, no encontro com a Samaritana no poço, sobressai o tema da «sede» de Cristo, que culmina com o seu brado na cruz: «Tenho sede» (Jo 19, 28). Esta sede, como o cansaço, tem uma base física. Mas Jesus, como diz ainda Agostinho, «tinha sede da fé daquela mulher» (In Ioh. Ev. 15, 11), assim como da fé de todos nós. Deus Pai enviou-o para saciar a nossa sede de vida eterna, concedendo-nos o seu amor, mas para nos oferecer esta dádiva, Jesus pede-nos a nossa fé. A omnipotência do Amor respeita sempre a liberdade do homem; bate à porta do seu coração e aguarda com paciência a sua resposta.
No encontro com a Samaritana ressalta-se em primeiro plano o símbolo da água, que alude claramente ao sacramento do Baptismo, nascente de vida nova para a fé na Graça de Deus. Com efeito, este Evangelho — como recordei na Catequese de Quarta-Feira de Cinzas — faz parte do antigo itinerário de preparação dos catecúmenos para a iniciação cristã, que ocorria na grande Vigília da noite de Páscoa. «Aquele que beber da água que eu lhe der — diz Jesus — jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der tornar-se-á nele a fonte de água, que há-de jorrar para a vida eterna» (Jo 4, 14). Esta água representa o Espírito Santo, o «dom» por excelência que Jesus veio trazer da parte de Deus Pai. Quem renasce da água e do Espírito Santo, ou seja, no Baptismo, entra numa relação real com Deus, uma relação filial, e pode adorá-lo «em espírito e verdade» (Jo 4, 23.24), como revela de novo Jesus à mulher samaritana. Graças ao encontro com Jesus Cristo e ao dom do Espírito Santo, a fé do homem alcança o seu cumprimento, como resposta à plenitude da revelação de Deus.
Cada um de nós pode identificar-se com a mulher samaritana: Jesus espera-nos, especialmente neste tempo de Quaresma, para falar ao nosso, ao meu coração. Permaneçamos um momento em silêncio, no nosso quarto, ou numa igreja, ou num lugar afastado. Ouçamos a sua voz que nos diz: «Se conhecesses o dom de Deus...». A Virgem Maria nos ajude a não faltar a este encontro, do qual depende a nossa verdadeira felicidade.

Depois do Angelus
Perante as notícias, cada vez mais dramáticas, que chegam da Líbia, aumenta a minha trepidação pela incolumidade e a segurança da população civil e a minha apreensão pelo desenvolvimento da situação, actualmente marcada pelo recurso às armas. Nos momentos de maior tensão, faz-se mais urgente a necessidade de recorrer a todos os meios de que a iniciativa diplomática dispõe, e de fomentar até o mais ténue sinal de abertura e de vontade de reconciliação entre todas as Partes interessadas, na busca de soluções pacíficas e duradouras.
Nesta perspectiva, enquanto elevo ao Senhor a minha prece pelo retorno à concórdia na Líbia e a toda a Região do Norte da África, dirijo um apelo urgente aos organismos internacionais e a quantos têm responsabilidades políticas e militares, para o início imediato de um diálogo, que suspenda o uso das armas
Por fim, dirijo o meu pensamento às Autoridades e aos cidadãos do Médio Oriente, onde nos dias passados se verificaram diversos episódios de violência, para que também ali seja privilegiado o caminho do diálogo e da reconciliação, na busca de uma convivência justa e fraterna.
Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, em particular a comunidade romana dos fiéis brasileiros, que está realizando a sua peregrinação quaresmal, e os alunos e professores do Colégio de S. Tomás em Lisboa, que recordam a minha Visita a Portugal no ano passado. Agradecido pela vossa presença e união na oração, desejo a todos a água viva que Jesus ofereceu à Samaritana, dizendo-lhe que a mesma se torna uma fonte que jorra para a vida eterna. Que Deus vos guarde e abençoe!
 
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terça-feira, 12 de abril de 2011

Meditação da Liturgia de hoje: terça da quinta semana da Quaresma



Nesta semana, começamos a ouvir o capítulo oitavo do Evangelista João, que mostra o grave confronto entre Jesus e os fariseus acerca da Pessoa de Cristo e da sua missão. Ele é a luz do mundo; aquele que o segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida (cf. Jo 8,12). Quem se põe no caminho de Jesus – e Ele é o Caminho (cf. Jo 14,6) – caminha na luz e pode ver o caminho. Quem caminha de dia não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas quem anda de noite tropeça, porque lhe falta a luz (Jo 11,9-10). Mas os fariseus se recusam a seguir Jesus. Assim, eles se assemelham ao povo de Israel, rebelde e de dura cerviz: como o povo da Antiga Aliança, peregrinando no deserto rumo à Terra Prometida, frequentemente se impacientava e murmurava contra Deus e contra Moisés, o seu Ungido, assim os fariseus recusam-se a crer no Filho de Deus, Cristo, o Ungido. Da mesma forma, não foram suficientes os milagres que os antigos hebreus viram Deus realizar ao libertá-los do Egito e ao guiá-los no deserto: sempre se esqueciam do Senhor, voltando-se para si mesmos e não para Deus; também os fariseus recusam-se a reconhecer os sinais miraculosos que Jesus emprega para dar testemunho de sua missão divina. Desse modo, caminham nas trevas e na mentira, trevas que não receberam o Verbo (cf. Jo 1,10), mentira que se recusa a crer na Verdade: Eu sou a Verdade (Jo 14,6). Morrerão, assim, em seu pecado (Jo 8,21)
Se os fariseus não creem em Jesus pelos sinais que Ele realiza, como poderão crer no grande sinal? Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna (Jo 3,14-15). Quando tiverdes levantado o Filho do Homem, então conhecereis que Eu Sou (Jo 8,28). Aqui estão dois mistérios estupendos: primeiro, o grande sinal é a Cruz de Jesus: o Senhor elevado da terra dará a vida eterna para todo o que n’Ele crer, como a serpente de bronze no deserto foi colocada para, à sua vista, salvar os que estavam doentes por causa das serpentes. Depois, nessa elevação, o Senhor mostra sua identidade: Eu Sou: o Seu Nome é o Nome do Deus que se revelou a Moisés. Aquele que é, o Ser subsistente, Deus: este é Jesus. Quem me vê, vê o Pai (Jo 14,9). Jesus identifica-se totalmente com o Pai, que Ele conhece e que testemunha junto com Ele que Jesus é o Seu Enviado. É isto que Jesus anuncia com Suas palavras e seus sinais: que Ele é o Deus descido do céu, de junto do Pai, para salvar os homens.
Jesus também anuncia aos fariseus, como anunciará aos discípulos, sua ida para junto do Pai. Tantos uns como os outros não entenderam as palavras de Jesus. Aqui, os fariseus se perguntam: para onde Ele vai? Na Ceia, Pedro pergunta: Senhor, para onde vais? (Jo 13,36) O Senhor responde: Na casa de meu Pai há muitas moradas. Vou preparar-vos um lugar, e quando for e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também (Jo 14,2-3). Assim, para a casa do Pai nós somos convidados a seguir Jesus, para entrarmos no repouso de Deus se, como os discípulos e ao contrário dos fariseus, crermos no Senhor, abraçarmos a fé. Que o Senhor nos conceda a graça de ter a fé n’Ele aumentada e que possamos, um dia, entrar em seu repouso.

Angelus do 2º Domingo da Quaresma


ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 20 de Março de 2011


Queridos irmãs e irmãs!
Dou graças ao Senhor que me concedeu viver nos dias passados os Exercícios Espirituais, e estou grato também a quantos estiveram próximos de mim com a oração. O domingo hodierno, o segundo de Quaresma, é chamado da Transfiguração, porque o Evangelho narra este mistério da vida de Cristo. Ele, depois de ter prenunciado aos discípulos a sua paixão, «tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os em particular, a um alto monte. Transfigurou-Se diante deles: o Seu rosto resplandeceu como o Sol, e as Suas vestes tornaram-se brancas como a luz» (Mt 17, 1-2). Segundo os sentidos, a luz do sol é a mais intensa que se conhece na natureza, mas segundo o espírito, os discípulos viram, por pouco tempo, um esplendor ainda mais intenso, o da glória divina de Jesus, que ilumina toda a história da salvação. São Máximo, o Confessor, afirma que «as vestes que se tornaram brancas tinham o símbolo das palavras da Sagrada Escritura, que se tornam claras, transparentes e luminosas» (Ambiguum, 10: pg 91, 1128 b).
O Evangelho diz que, ao lado de Jesus transfigurado, «apareceram Moisés e Elias a conversar com Ele» (Mt 17, 3); Moisés e Elias, figuras da Lei e dos Profetas. Foi então que Pedro, extasiado, exclamou: «Senhor, é bom estarmos aqui. Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias» (Mt 17, 4). Mas santo Agostinho comenta, dizendo que nós dispomos de uma única morada: Cristo; Ele «é a Palavra de Deus, Palavra de Deus na Lei, Palavra de Deus nos Profetas» (Sermo De Verbis Ev. 78, 3: PL 38, 491). Com efeito, o próprio Pai proclama: «Eis o meu Filho muito amado, em quem pus todo o meu enlevo; escutai-O!» (Mt 17, 5). A Transfiguração não é uma transformação de Jesus, mas sim a revelação da sua divindade, «a íntima compenetração do seu ser com Deus, que se torna pura luz. No seu ser um só com o Pai, o próprio Jesus é Luz da Luz» (Jesus de Nazaré, 2007, pág. 357). Contemplando a divindade do Senhor, Pedro, Tiago e João são preparados para enfrentar o escândalo da cruz, como se entoa num antigo hino: «Sobre o mundo, Te transfiguraste, e os Teus discípulos, na medida que lhes era possível, contemplaram a Tua glória a fim de que, vendo-Te crucificado, compreendessem que a Tua paixão era voluntária e anunciassem ao mundo que Tu és verdadeiramente o esplendor do Pai» (Κοντάκιον είς τήν Μεταμóρφωσιν, in: Μηναια, t. 6, Roma 1901, pág. 341).
Caros amigos, também nós participamos desta visão e desta dádiva sobrenatural, reservando espaço à oração e à escuta da Palavra de Deus. Além disso, especialmente neste período da Quaresma exorto, como escreve o Servo de Deus Paulo VI, «a responder ao preceito divino da penitência, com algumas obras voluntárias, para além das renúncias impostas pelo peso da vida quotidiana» (Const. Apost. Pænitemini, 17 de Fevereiro de 1966, III, c: AAS 58 [1966], 182). Invoquemos a Virgem Maria, a fim de que nos ajude a ouvir e seguir sempre o Senhor Jesus, até à paixão e à cruz, para participar também da sua glória.

Apelo
Nos dias passados as preocupantes notícias que chegavam da Líbia suscitaram também em mim profunda trepidação e receios. Dirigi especiais orações ao Senhor por ela durante a semana dos Exercícios Espirituais.
Sigo agora os últimos acontecimentos com grande apreensão, rezo por quantos estão envolvidos na dramática situação daquele país e dirijo um urgente apelo a quantos têm responsabilidades políticas e militares, para que tenham como preocupação, antes de tudo, a incolumidade e a segurança dos cidadãos e garantam o acesso aos socorros humanitários. Desejo garantir à população a minha comovida proximidade, enquanto peço a Deus que surja o mais depressa possível sobre a Líbia e sobre toda a região norte-africana um horizonte de paz e de concórdia.
 
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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Catequese papal: São Lourenço de Bríndisi


Tentando colocar os discursos papais em dia... esta audiência foi do dia 23 de março passado.

São Lourenço de Bríndisi
Amados irmãos e irmãs!
Ainda recordo com alegria o caloroso acolhimento que me foi reservado em 2008 em Bríndisi, a cidade onde em 1559 nasceu um insigne Doutor da Igreja, são Lourenço de Bríndisi, nome que Giulio Cesare Rossi escolheu ao entrar na Ordem dos Capuchinhos. Desde a infância ele foi atraído pela família de são Francisco de Assis. Com efeito, órfão de pai com sete anos, foi confiado pela mãe aos cuidados dos frades conventuais da sua cidade. Porém, alguns anos mais tarde transferiu-se com a mãe para Veneza, e precisamente no Véneto conheceu os Capuchinhos, que naquele período se tinham posto generosamente ao serviço da Igreja inteira, para incrementar a grande reforma espiritual promovida pelo Concílio de Trento. Em 1575 Lourenço, com a profissão religiosa, tornou-se frade capuchinho e, em 1582, foi ordenado sacerdote. Já durante os estudos eclesiásticos mostrou as eminentes qualidades intelectuais de que era dotado. Aprendeu facilmente as línguas antigas, como o grego, o hebraico e o siríaco, e as modernas, como o francês e o alemão, que se acrescentavam ao conhecimento das línguas italiana e latina, outrora fluentemente falada por todos os eclesiásticos e pelos homens de cultura.
Graças ao conhecimento de tantos idiomas, Lourenço conseguiu desempenhar um apostolado intenso junto a diversas categorias de pessoas. Pregador eficaz, conhecia de modo tão profundo não só a Bíblia, mas também a literatura rabínica, que os próprios rabinos permaneciam maravilhados e admirados, manifestando-lhe estima e respeito. Teólogo versado na Sagrada Escritura e nos Padres da Igreja, era capaz de explicar de modo exemplar a doutrina católica até aos cristãos que, principalmente na Alemanha, tinham aderido à Reforma. Com a sua exposição clarividente e pacata, ele demonstrava o fundamento bíblico e patrístico de todos os artigos de fé postos em discussão por Martinho Lutero. Entre eles, o primado de são Pedro e dos seus sucessores, a origem divina do Episcopado, a justificação como transformação interior do homem, a necessidade das boas obras para a salvação. O sucesso de que Lourenço gozava ajuda-nos a compreender que até hoje, ao promover com tanta esperança o diálogo ecuménico, o confronto com a Sagrada Escritura, lida na Tradição da Igreja, constitui um elemento irrenunciável e de importância fundamental, como eu quis recordar na Exortação Apostólica Verbum Domini (cf. n. 46).
Até os fiéis mais simples, não dotados de uma grande cultura, beneficiaram da palavra convincente de Lourenço, que se dirigia às pessoas humildes para exortar todos à coerência da própria vida com a fé professada. Este foi um grande mérito dos Capuchinhos e de outras Ordens religiosas que, nos séculos XVI e XVII, contribuíram para a renovação da vida cristã, penetrando em profundidade na sociedade com o seu testemunho de vida e o seu ensinamento. Inclusive hoje, a nova evangelização tem necessidade de apóstolos bem preparados, zelosos e intrépidos, para que a luz e a beleza do Evangelho prevaleçam sobre as orientações culturais do relativismo ético e da indiferença religiosa, e transformem os vários modos de pensar e de agir num autêntico humanismo cristão. É surpreendente que são Lourenço de Bríndisi tenha podido realizar, ininterruptamente, esta actividade de pregador apreciado e incansável em muitas cidades da Itália e em diversos países, não obstante desempenhasse também outros cargos delicados e de grande responsabilidade. Efectivamente, no interior da Ordem dos Capuchinhos, ele foi professor de teologia, mestre dos noviços, várias vezes ministro provincial e definidor-geral e, finalmente, de 1602 a 1605, ministro-geral.
No meio de tantos trabalhos, Lourenço cultivou uma vida espiritual de fervor extraordinário, dedicando muito tempo à oração e de maneira especial à celebração da Santa Missa, que prolongava frequentemente durante horas, arrebatado e comovido no memorial da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. Na escola dos santos, cada presbítero, como muitas vezes foi sublinhado durante o recente Ano sacerdotal, só pode evitar o perigo do activismo, ou seja, de agir esquecendo-se das profundas motivações do ministério, se cuidar da própria vida interior. Falando aos sacerdotes e aos seminaristas na catedral de Bríndisi, cidade natal de são Lourenço, recordei que «o momento da oração é o mais importante na vida do sacerdote, aquele em que a graça divina age com maior eficácia, dando fecundidade ao seu ministério. Rezar é o primeiro serviço a prestar à comunidade. Por isso, os momentos de oração devem ter na nossa vida uma verdadeira prioridade... Se não estivermos interiormente em comunhão com Deus, nada poderemos dar também aos outros. Por isso, Deus é a primeira prioridade. Devemos reservar sempre o tempo necessário para estar em comunhão de oração com nosso Senhor». De resto, com o fervor inconfundível do seu estilo, Lourenço exorta todos, e não apenas os sacerdotes, a cultivar a vida de oração, porque é através dela que nós falamos a Deus e Deus nos fala: «Oh, se considerássemos esta realidade! — exclama — ou seja, que Deus está verdadeiramente presente em nós, quando lhe falamos na oração; que Ele realmente ouve a nossa prece, mesmo que oremos simplesmente com o coração e com a mente. E que não só está presente e nos ouve, mas pode e deseja condescender de bom grado e com o máximo prazer às nossas exigências».
Outro aspecto que caracteriza a obra deste filho de são Francisco é a sua obra a favor da paz. Tanto os Sumos Pontífices, como os príncipes católicos lhe confiaram reiteradamente importantes missões diplomáticas para resolver controvérsias e favorecer a concórdia entre os Estados europeus, naquela época ameaçados pelo Império otomano. A autoridade moral, de que gozava, fazia dele um conselheiro procurado e ouvido. Hoje, assim como na época de são Lourenço, o mundo tem muita necessidade de paz, precisa de homens e mulheres pacíficos e pacificadores. Todos aqueles que acreditam em Deus devem ser sempre nascentes e construtores de paz. Foi precisamente por ocasião de uma destas missões diplomáticas que Lourenço concluiu a sua vida terrena em 1619 em Lisboa, aonde tinha ido para se encontrar com o rei da Espanha, Filipe III, para perorar a causa dos súbditos napolitanos oprimidos pelas autoridades locais.
Foi canonizado em 1881 e, devido à sua actividade vigorosa e intensa, à sua ciência vasta e harmoniosa, mereceu o título de Doctor apostolicus, «Doutor apostólico», conferido pelo Beato Papa João XXIII em 1959, por ocasião do quarto centenário do seu nascimento. Tal reconhecimento foi conferido a Lourenço de Bríndisi, também porque ele foi o autor de numerosas obras de exegese bíblica, de teologia e de escritos destinados à pregação. Nelas ele oferece uma apresentação orgânica da história da salvação, centrada no mistério da Encarnação, a maior manifestação do amor divino pelos homens. Além disso, dado que era um mariólogo de grande valor, autor de uma colectânea de sermões sobre Nossa Senhora, intitulada «Mariale», pôs em evidência o papel singular da Virgem Maria, da qual afirma com clarividência a Imaculada Conceição e a cooperação para a obra da redenção, realizada por Cristo.
Com uma requintada sensibilidade teológica, Lourenço de Bríndisi salientou inclusive a obra do Espírito Santo na existência do fiel. Ele recorda-nos que, com os seus dons, a terceira Pessoa da Santíssima Trindade ilumina e contribui para o nosso compromisso a viver jubilosamente a mensagem do Evangelho. «O Espírito Santo — escreve são Lourenço — torna dócil o jugo da lei divina e leve o seu peso, a fim de que observemos os mandamentos de Deus com enorme facilidade, e até com amabilidade».
Gostaria de completar esta breve apresentação da vida e da doutrina de são Lourenço de Bríndisi, frisando que toda a sua obra foi inspirada por um grande amor pela Sagrada Escritura, que ele conhecia amplamente e de cor, e pela convicção de que a escuta e o acolhimento da Palavra de Deus produz uma transformação interior que nos conduz à santidade. «A Palavra do Senhor — afirma ele — é luz para o intelecto e fogo para a vontade, a fim de que o homem possa conhecer e amar a Deus. Para o homem interior, que por meio da graça vive do Espírito de Deus, é pão e água, mas pão mais doce que o mel, e água melhor que o vinho e o leite... É um martelo contra um coração duramente obstinado nos vícios. É uma espada contra a carne, o mundo e o demónio, para destruir todo o pecado». São Lourenço de Bríndisi ensina-nos a amar a Sagrada Escritura, a crescer na familiaridade com ela, a cultivar quotidianamente a relação de amizade com o Senhor na oração, para que todas as nossas obras, cada uma das nossas actividades tenham nele o seu início e o seu cumprimento. Esta é a fonte na qual beber, a fim de que o nosso testemunho cristão seja luminoso e capaz de conduzir os homens do nosso tempo rumo a Deus.

Saudação
Amados peregrinos de língua portuguesa, a todos saúdo e dou as boas-vindas a esta Audiência! São Lourenço de Bríndisi nos ensina como a familiaridade com a Bíblia e a oração são essenciais para que todas as nossas ações tenham o seu início e cumprimento em Deus. Possa este ser o fundamento do vosso testemunho cristão no mundo de hoje. Que Deus vos abençoe!

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Meditação da Liturgia de hoje: segunda da quinta semana da Quaresma



Não quero a morte do pecador, diz o Senhor, mas que ele volte e tenha a vida. (Ez 33,11) Nesta última semana da Quaresma que precede da Semana Santa, o Senhor mais uma vez nos exorta à conversão e ao arrependimento dos nossos pecados.
Hoje em dia, a mentalidade moderna presente em muitos membros da Igreja, às vezes até entre os pastores, quer fazer-nos pensar que a bondade de Deus é tanta que Ele, no fim, salvará a todos sem distinção: basta que sejamos sinceros. Dessa forma, ser um muçulmano sincero, um judeu sincero, um protestante sincero, um espírita sincero, um ateu sincero, bastaria para se alcançar a salvação. Para tanto, usam esta palavra de Jesus aos fariseus: Os publicanos e as meretrizes vos precederão no Reino de Deus (Mt 21,31); e também: Eu quero a misericórdia e não o sacrifício. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores (Mt 9,13). Usam também estes versículos e outros para justificar a situação pecaminosa de alguns cristãos que se encarquilham no pecado mas não querem saber de converter-se. Mas este é um pensamento vão; mais: é um pensamento mundano e anti-evangélico. De fato, o Senhor veio para salvar os pecadores, mas somente os pecadores arrependidos. Ao mesmo tempo em que revela a bondade e misericórdia de Deus para com os pecadores – que afinal somos todos nós: Quem afirma que não tem pecado é mentiroso, nos adverte São João (cf. 1Jo 1,8.10) –, Eu também não te condeno; revela um Deus exigente: de agora em diante, não peques mais (Jo 8,11). Da mesma forma, diz ao enfermo curado: Eis que ficaste são; já não peques, para não te acontecer coisa pior (Jo 5,14). Assim, vemos esta dupla face de Deus: ao mesmo tempo misericordioso e justo. Pai e Juiz. Deus é Juiz, e Ele julga com justiça, mas é um Deus que ameaça cada dia. Se para Ele o coração não converterem, preparará a sua espada e o seu arco, e contra eles voltará as suas armas. (Sl 7,12-13). Mas, nestes tempos, facilmente nos enganamos a respeito deste aspecto da justiça divina. “Da imagem de Deus e de Jesus, no fim de contas, admitimos apenas o aspecto terno e amável, enquanto tranqüilamente cancelamos o aspecto do juízo?” (Cardeal Ratzinger, Via-Sacra no Coliseu, 2005, Oitava Estação).
Convertamo-nos, portanto, sabendo que se reconhecemos os nossos pecados, Deus aí está, fiel e justo, para nos perdoar os pecados e para nos purificar de toda iniqüidade (1Jo 1,9). Ele nos oferece a mesma misericórdia que usou para com a pecadora, contanto que não abusemos de seu amor misericordioso, nos colocando como aqueles que cospem, batem e humilham Jesus com seus pecados. Dessa forma, nós mesmo nos condenamos. Mas escutemos hoje a voz do nosso Deus (cf. Sl 94), abandonemos as nossas más obras e voltemos para o nosso Pai como fez o filho pródigo (cf. Lc 15).

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, XIV estação


DÉCIMA QUARTA ESTAÇÃO
Jesus é depositado no sepulcro   

V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Do evangelho segundo São Mateus 27, 59-61

MEDITAÇÃO
Jesus, desonrado e ultrajado, é deposto com todas as honras num túmulo novo. Nicodemos traz uma mistura de mirra e aloés de cem libras destinada a emanar um perfume precioso. Agora na oferta do Filho revela-se, como sucedera já na unção de Betânia, um excesso que nos recorda o amor generoso de Deus, a «superabundância» do seu amor. Deus faz generosamente oferta de Si próprio. Se a medida de Deus é superabundante, também para nós nada deveria ser demasiado para Deus. Foi o que o próprio Jesus nos ensinou no discurso da Montanha (Mt 5, 20). Mas é preciso lembrar também as palavras de S. Paulo a propósito de Deus, que «por nosso meio faz sentir em todos os lugares o odor do seu conhecimento. Somos, para Deus, o bom odor de Cristo» (2 Cor 2, 14-15). Na putrefação das ideologias, a nossa fé deveria ser de novo o perfume que reconduz às pegadas da vida. No momento da deposição, começa a realizar-se a palavra de Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jo 12, 24). Jesus é o grão de trigo que morre. Do grão de trigo morto começa a grande multiplicação do pão que dura até ao fim do mundo: Ele é o pão de vida capaz de saciar em medida superabundante a humanidade inteira e dar-lhe o alimento vital: o Verbo eterno de Deus, que Se fez carne e também pão, para nós, através da cruz e da ressurreição. Sobre a sepultura de Jesus resplandece o mistério da Eucaristia.

ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, na sepultura fizestes vossa a morte do grão de trigo, tornastes-Vos o grão de trigo morto que produz fruto ao longo de todos os tempos até à eternidade. Do sepulcro brilha em cada tempo a promessa do grão de trigo, do qual provém o verdadeiro maná, o pão de vida em que Vós mesmo Vos ofereceis a nós. A Palavra eterna, através da encarnação e da morte, tornou-Se a Palavra próxima: Colocais-Vos nas nossas mãos e nos nossos corações para que a vossa Palavra cresça em nós e produza fruto. Dais-Vos a Vós próprio através da morte do grão de trigo, para que nós tenhamos a coragem de perder a nossa vida para encontrá-la; para que também nós nos fiemos da promessa do grão de trigo. Ajudai-nos a amar cada vez mais o vosso mistério eucarístico e a venerá-lo – a viver verdadeiramente de Vós, Pão do Céu. Ajudai-nos a tornarmo-nos o vosso «odor», a tornar palpáveis os vestígios da vossa vida neste mundo. Do mesmo modo que o grão de trigo se eleva da terra como caule e espiga, assim também Vós não podeis ficar no sepulcro: o sepulcro está vazio porque Ele – o Pai – não Vos «abandonou na habitação dos mortos nem permitiu que a vossa carne conhecesse a decomposição» (cf. At 2, 31; Sal 16, 10 LXX). Não, Vós não experimentastes a corrupção. Ressuscitastes e destes espaço à carne transformada no coração de Deus. Fazei com que possamos alegrar-nos com esta esperança e possamos levá-la jubilosamente pelo mundo; fazei que nos tornemos testemunhas da vossa ressurreição.
Pater noster...

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, XIII estação


DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO
Jesus é entregue à sua Mãe


V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.


Do evangelho segundo São Mateus 27, 54-55

MEDITAÇÃO
Jesus morreu, o seu coração é trespassado pela lança do soldado romano e dele brotam sangue e água: misteriosa imagem do rio dos sacramentos, do Batismo e da Eucaristia, dos quais, em virtude do coração trespassado do Senhor, renasce incessantemente a Igreja. E não Lhe são quebradas as pernas, como aos outros dois crucificados; deste modo Ele aparece como o verdadeiro cordeiro pascal, ao qual nenhum osso deve ser quebrado (cf. Ex 12, 46). E agora que tudo suportou, vemos que Ele, apesar de toda a confusão dos corações, apesar do poder do ódio e da covardia, não ficou sozinho. Os fiéis existem. Junto da cruz, estavam Maria, sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, Maria de Magdala e o discípulo que Ele amava. Agora chega também um homem rico, José de Arimatéia: o rico encontra modo de passar pela buraco de uma agulha, porque Deus lhe dá a graça. Sepulta Jesus no seu túmulo ainda intacto, num jardim: o cemitério onde fica sepultado Jesus transforma-se em jardim, no jardim donde fora expulso Adão quando se separara da plenitude da vida, do seu Criador. O túmulo no jardim faz-nos saber que o domínio da morte está para terminar. E chega também um membro do Sinédrio, Nicodemos, a quem Jesus tinha anunciado o mistério do renascimento pela água e pelo Espírito. Até no Sinédrio, que tinha decidido a sua morte, há alguém que acredita, que conhece e reconhece Jesus após a sua morte. Sobre a hora do grande luto, da grande escuridão e do desespero, aparece misteriosamente a luz da esperança. O Deus escondido permanece em todo o caso o Deus vivo e próximo. O Senhor morto permanece em todo o caso o Senhor e nosso Salvador, mesmo na noite da morte. A Igreja de Jesus Cristo, a sua nova família, começa a formar-se.

ORAÇÃO
Senhor, descestes à escuridão da morte. Mas o vosso corpo é recolhido por mãos bondosas e envolvido num cândido lençol (Mt 27, 59). A fé não está completamente morta, não se pôs totalmente o sol. Quantas vezes parece que Vós estais a dormir. Como é fácil a nós, homens, afastar-nos dizendo para nós mesmos:  Deus morreu. Fazei com que, na hora da escuridão, reconheçamos que em todo o caso Vós estais lá. Não nos deixeis sozinhos quando tendemos a desanimar. Ajudai-nos a não deixar-Vos sozinho. Dai-nos uma fidelidade que resista no desânimo e um amor que Vos acolha no momento mais extremo da vossa necessidade, como a vossa Mãe, que Vos abraçou de novo no seu regaço. Ajudai-nos, ajudai os pobres e os ricos, os simples e os sábios, a ver através dos seus medos e preconceitos e a oferecer-Vos a nossa capacidade, o nosso coração, o nosso tempo, preparando assim o jardim no qual possa dar-se a ressurreição.
Pater noster...

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, XII estação


DÉCIMA SEGUNDA ESTAÇÃO
Jesus morre na Cruz


V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.



Do evangelho segundo São Mateus 27, 45-50.54


MEDITAÇÃO
No cimo da cruz de Jesus – nas duas línguas do mundo de então, o grego e o latim, e na língua do povo eleito, o hebraico – está escrito quem é: o Rei dos Judeus, o Filho prometido a Davi. Pilatos, o juiz injusto, tornou-se profeta sem querer. Perante a opinião pública mundial é proclamada a realeza de Jesus. O próprio Jesus não tinha aceito o título de Messias, enquanto poderia induzir a uma idéia errada, humana, de poder e de salvação. Mas, agora, o título pode estar escrito ali publicamente sobre o Crucificado. Ele, assim, é verdadeiramente o rei do mundo. Agora foi verdadeiramente «elevado». Na sua descida, Ele subiu. Agora cumpriu radicalmente o mandamento do amor, cumpriu a oferta de Si próprio, e precisamente deste modo Ele é agora a manifestação do verdadeiro Deus, daquele Deus que é amor. Agora sabemos quem é Deus. Agora sabemos como é a verdadeira realeza. Jesus reza o Salmo 21, que começa por estas palavras: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Sal 22/21, 2). Assume em Si mesmo todo o Israel, a humanidade inteira, que sofre o drama da escuridão de Deus, e faz com que Deus Se manifeste precisamente onde parece estar definitivamente derrotado e ausente. A cruz de Cristo é um acontecimento cósmico. O mundo fica na escuridão, quando o Filho de Deus sofre a morte. A terra treme. E junto da cruz tem início a Igreja dos pagãos. O centurião romano reconhece, compreende que Jesus é o Filho de Deus. Da cruz, Ele triunfa sem cessar.


ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, na hora da vossa morte, o sol escureceu. Sois pregado na cruz sem cessar. Precisamente nesta hora da história, vivemos na escuridão de Deus. Pelo sofrimento sem medida e pela maldade dos homens o rosto de Deus, o vosso rosto, aparece obscurecido, irreconhecível. Mas foi precisamente na cruz que Vos fizestes reconhecer. Precisamente enquanto sois Aquele que sofre e que ama, sois aquele que é elevado. Foi precisamente lá que triunfastes. Ajudai-nos a reconhecer, nesta hora de escuridão e confusão, o vosso rosto. Ajudai-nos a crer em Vós e a seguir-Vos precisamente na hora da escuridão e da privação. Mostrai-Vos novamente ao mundo nesta hora. Fazei com que a vossa salvação se manifeste.
Pater noster...

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, XI estação


DÉCIMA PRIMEIRA ESTAÇÃO
Jesus é crucificado


V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.



Do evangelho segundo São Mateus 27, 37-42


MEDITAÇÃO
Jesus é pregado na cruz. O sudário de Turim permite formar uma idéia da crueldade incrível deste processo. Jesus não toma a bebida anestesiante que Lhe fora oferecida: conscientemente assume todo o sofrimento da crucifixão. Todo o seu corpo é martirizado; cumpriram-se as palavras do Salmo: «Eu, porém, sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e a abjeção da plebe» (Sal 22/21, 7). «Como um homem (…) diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desestimado. Na verdade Ele tomou sobre Si as nossas doenças, carregou as nossas dores» (Is 53, 3-4). Detenhamo-nos diante desta imagem de sofrimento, diante do Filho de Deus sofredor. Olhemos para Ele nos momentos de presunção e de prazer, para aprendermos a respeitar os limites e a ver a superficialidade de todos os bens puramente materiais. Olhemos para Ele nos momentos de calamidade e de angústia, para reconhecermos que precisamente assim estamos perto de Deus. Procuremos reconhecer o seu rosto naqueles que tendemos a desprezar. Diante do Senhor condenado, que não quer usar o seu poder para descer da cruz, mas antes suportou o sofrimentos da cruz até ao fim, pode assomar ainda outro pensamento. Inácio de Antioquia, ele mesmo preso com cadeias pela sua fé no Senhor, elogiou os cristãos de Esmirna pela sua fé inabalável: afirma que estavam, por assim dizer, pregados com a carne e o sangue à cruz do Senhor Jesus Cristo (1, 1). Deixemo-nos pregar a Ele, sem ceder a qualquer tentação de nos separarmos nem ceder às zombarias que pretendem levar-nos a fazê-lo.


ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, fizestes-Vos pregar na cruz, aceitando a crueldade terrível deste tormento, a destruição do vosso corpo e da vossa dignidade. Fizestes-Vos pregar, sofrestes sem evasões nem descontos. Ajudai-nos a não fugir perante o que somos chamados a realizar. Ajudai-nos a fazermo-nos ligar estreitamente a Vós. Ajudai-nos a desmascarar a falsa liberdade que nos quer afastar de Vós. Ajudai-nos a aceitar a vossa liberdade «ligada» e a encontrar nesta estreita ligação convosco a verdadeira liberdade.

Pater noster...

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, X estação


DÉCIMA ESTAÇÃO
Jesus é despojado de suas vestes


V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.



Do evangelho segundo São Mateus 27, 33-36


MEDITAÇÃO
Jesus é despojado das suas vestes. A roupa confere ao homem a sua posição social; dá-lhe o seu lugar na sociedade, fá-lo sentir alguém. Ser despojado em público significa que Jesus já não é ninguém, nada mais é que um marginalizado, desprezado por todos. O momento do despojamento recorda-nos também a expulsão do paraíso: ficou sem o esplendor de Deus o homem, que agora está, ali, nu e exposto, desnudado e envergonha-se. Deste modo, Jesus assume mais uma vez a situação do homem caído. Jesus despojado recorda-nos o fato de que todos nós perdemos a «primeira veste», isto é, o esplendor de Deus. Junto da cruz, os soldados lançam sortes para repartirem entre si os seus míseros haveres, as suas vestes. Os evangelistas narram isto com palavras tiradas do Salmo 22, 19 e assim afirmam-nos o mesmo que Jesus há-de dizer aos discípulos de Emaús: tudo aconteceu «conforme as Escrituras». Não se trata aqui de pura coincidência, tudo o que acontece está contido na Palavra de Deus e assente no seu desígnio divino. O Senhor experimenta todos os estádios e degraus da perdição dos homens, e cada um destes degraus é, com toda a sua amargura, um passo da redenção: é precisamente assim que Ele traz de volta para casa a ovelha perdida. Recordemos ainda que, segundo diz S. João, o objeto do sorteio era a túnica de Jesus, a qual, «toda tecida de alto a baixo, não tinha costura» (Jo 19, 23). Podemos considerar isto como uma alusão à veste do sumo sacerdote, que era «tecida como um todo», sem costura (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, III, 161). Ele, o Crucificado, é realmente o verdadeiro sumo sacerdote.
 ORAÇÃO
Senhor Jesus, fostes despojado das vossas vestes, exposto à desonra, expulso da sociedade. Assumistes sobre Vós a desonra de Adão, sanando-a. Assumistes os sofrimentos e as necessidades dos pobres, daqueles que são expulsos do mundo. Deste modo é que realizais a palavra dos profetas. É precisamente assim que dais significado àquilo que não tem significado. Assim mesmo nos dais a conhecer que nas mãos do vosso Pai estais Vós, nós e o mundo.  Concedei-nos um respeito profundo pelo homem em todas as fases da sua existência e em todas as situações onde o encontrarmos. Dai-nos a veste luminosa da vossa graça.
Pater noster...

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, IX estação


NONA ESTAÇÃO
Jesus cai pela terceira vez 


V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.



Do livro das Lamentações 3, 27-32


MEDITAÇÃO
E que dizer da terceira queda de Jesus sob o peso da cruz? Pode talvez fazer-nos pensar na queda do homem em geral, no afastamento de muitos de Cristo, caminhando à deriva para um secularismo sem Deus. Mas não deveríamos pensar também em tudo quanto Cristo tem sofrido na sua própria Igreja? Quantas vezes se abusa do Santíssimo Sacramento da sua presença, freqüentemente como está vazio e ruim o coração onde Ele entra! Tantas vezes celebramos apenas nós próprios, sem nos darmos conta sequer d’Ele! Quantas vezes se contorce e abusa da sua Palavra! Quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Respeitamos tão pouco o sacramento da reconciliação, onde Ele está à nossa espera para nos levantar das nossas quedas! Tudo isto está presente na sua paixão. A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25).
ORAÇÃO
Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos. Tende piedade da vossa Igreja: também dentro dela, Adão continua a cair. Com a nossa queda, deitamo-Vos ao chão, e Satanás a rir-se porque espera que não mais conseguireis levantar-Vos daquela queda; espera que Vós, tendo sido arrastado na queda da vossa Igreja, ficareis por terra derrotado. Mas, Vós erguer-Vos-eis. Vós levantastes-Vos, ressuscitastes e podeis levantar-nos também a nós. Salvai e santificai a vossa Igreja. Salvai e santificai a todos nós.
 Pater noster...

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, VIII estação


OITAVA ESTAÇÃO
Jesus encontra as mulheres de Jerusalém que choram por Ele


V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.



Do evangelho segundo São Lucas 23, 28-31


MEDITAÇÃO
As palavras com que Jesus adverte as mulheres de Jerusalém que O seguem e choram por Ele, fazem-nos refletir. Como entendê-las? Não se trata porventura de uma advertência contra uma piedade puramente sentimental, que não se torna conversão e fé vivida? De nada serve lamentar, por palavras e sentimentalmente, os sofrimentos deste mundo, se a nossa vida continua sempre igual. Por isso, o Senhor nos adverte do perigo em que nós próprios nos encontramos. Mostra-nos a seriedade do pecado e a seriedade do juízo. Apesar de todas as nossas palavras de horror à vista do mal e dos sofrimentos dos inocentes, não somos nós porventura demasiado inclinados a banalizar o mistério do mal? Da imagem de Deus e de Jesus, no fim de contas, admitimos apenas o aspecto terno e amável, enquanto tranqüilamente cancelamos o aspecto do juízo? Como poderia Deus fazer-Se um drama com a nossa fragilidade – pensamos cá conosco –, não passamos de simples homens?! Mas, fixando os sofrimentos do Filho, vemos toda a seriedade do pecado, vemos como tem de ser expiado até ao fim para poder ser superado. Não se pode continuar a banalizar o mal, quando vemos a imagem do Senhor que sofre. Também a nós, diz Ele: Não choreis por Mim, chorai por vós próprios... porque se tratam assim o madeiro verde, que será do madeiro seco?
ORAÇÃO
Senhor, às mulheres que choravam, falastes de penitência, do dia do Juízo, quando nos encontrarmos diante da vossa face, a face do Juiz do mundo. Chamai-nos a sair da banalização do mal que nos deixa tranqüilos para podermos continuar a nossa vida de sempre. Mostrai-nos a seriedade da nossa responsabilidade, o perigo de sermos encontrados, no Juízo, culpados e estéreis. Fazei com que não nos limitemos a caminhar ao vosso lado, oferecendo apenas palavras de compaixão. Convertei-nos e dai-nos uma vida nova; não permitais que acabemos por ficar como um madeiro seco, mas fazei que nos tornemos ramos vivos em Vós, a videira verdadeira, e produzamos fruto para a vida eterna (cf. Jo 15, 1-10).
Pater noster...

Ratzinger: Via-sacra do Coliseu 2005, VII estação


SÉTIMA ESTAÇÃO
Jesus cai pela segunda vez   


V/. Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi.
R/. Quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.



Do livro das Lamentações 3, 1-2.9.16


MEDITAÇÃO
A tradição da tríplice queda de Jesus sob o peso da cruz recorda a queda de Adão – o ser humano caído que somos nós – e o mistério da associação de Jesus à nossa queda. Na história, a queda do homem assume sempre novas formas. Na sua primeira carta, S. João fala duma tríplice queda do homem: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Assim interpreta ele a queda do homem e da humanidade, no horizonte dos vícios do seu tempo com todos os seus excessos e depravações. Mas, olhando a história mais recente, podemos também pensar como a cristandade, cansada da fé, abandonou o Senhor: as grandes ideologias, com a banalização do homem que já não crê em nada e se deixa simplesmente ir à deriva, construíram um novo paganismo, um paganismo pior que o antigo, o qual, desejoso de marginalizar definitivamente Deus, acabou por perder o homem. Eis o homem que jaz no pó. O Senhor carrega este peso e cai... cai, para poder chegar até nós; Ele olha-nos para que em nós volte a palpitar o coração; cai para nos levantar.
ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, carregastes o nosso peso e continuais a carregar-nos. É o nosso peso que Vos faz cair. Mas sois Vós a levantar-nos, porque, sozinhos, não conseguimos levantar-nos do pó. Livrai-nos do poder da concupiscência. Em vez do coração de pedra, dai-nos novamente um coração de carne, um coração capaz de ver. Destruí o poder das ideologias, para os homens poderem reconhecer que estão permeadas de mentiras. Não permitais que o muro do materialismo se torne intransponível. Fazei que Vos ouçamos de novo. Tornai-nos sóbrios e vigilantes para podermos resistir às forças do mal, e ajudai-nos a reconhecer as necessidades interiores e exteriores dos outros, e a socorrê-las. Erguei-nos, para podermos levantar os outros. Concedei-nos esperança no meio de toda esta escuridão, para podermos ser portadores de esperança no mundo.
Pater noster...