terça-feira, 29 de março de 2011

Uma pequena reflexão sobre o tema da Campanha da Fraternidade


A Campanha da Fraternidade fala este ano sobre a Ecologia. Mas, longe dos sociologismos próprios, queria propor-vos esta reflexão do Papa Bento XVI no primeiro volume do seu livro Jesus de Nazaré. Diz ele:

“No seu curto relato da tentação (cf. 1,13), S. Marcos pôs em evidência os paralelos com Adão, o intenso sofrimento do drama humano enquanto tal: Jesus ‘vivia entre as feras e os anjos o serviam’. O deserto – o oposto do Jardim – torna-se o lugar da reconciliação e da salvação; os animais selvagens, que representam a forma concreta da ameaça ao homem através da rebelião da criação e do poder da morte, tornam-se amigos como no paraíso. É assim restaurada aquela paz que Isaías anuncia para os tempos do Messias: ‘Então o lobo habita com o cordeiro, a pantera com o cabrito...’ (Is 11,6). Onde o pecado é vencido, onde a harmonia do homem com Deus é restaurada, segue-se a reconciliação da natureza, a criação dilacerada transforma-se em lugar de paz, como S. Paulo diz, quando fala do suspiro da criação, que ‘espera ansiosamente pela manifestação dos filhos de Deus’ (Rm 8,19).” (Bento XVI, Jesus de Nazaré, São Paulo, p. 41, grifo nosso).

Que fique para nós esta lição: a melhor maneira de cuidar da criação (o meio-ambiente, a “mãe-terra”) é nos convertendo: quando eu me torno melhor, vencendo o pecado que há em mim, eu me torno “paz” e a irradio ao meu redor. Assim, ao invés da Campanha da Fraternidade iluminar a nossa Quaresma, é a nossa Quaresma que ilumina a Campanha da Fraternidade.

As duas faces do amor: eros e ágape - Pe. Raniero Cantalamessa


Com muito gosto, divido com os leitores do Veni Creator Spiritus esta inspiradíssima pregação do Padre Raniero Cantalamessa, pregador do Santo Padre, dita na presença deste e da Cúria Romana. Veio do portal Zenit.com, que presta um serviço impagável à Igreja.

Pe. Raniero Cantalamessa
Primeira prédica de Quaresma
AS DUAS FACES DO AMOR: EROS E ÁGAPE

1. As duas faces do amor

Com as prédicas desta Quaresma, eu gostaria de continuar o esforço, iniciado no Advento, de trazer uma pequena contribuição à reevangelização do Ocidente secularizado, que constitui nesta hora a preocupação principal de toda a Igreja e, em particular, do Santo Padre Bento XVI.
Há um âmbito em que a secularização age de maneira especialmente difusa e nefasta, e é o âmbito do amor. A secularização do amor consiste em separar o amor humano de Deus, em todas as formas desse amor, reduzindo-o a algo meramente “profano”, onde Deus sobra e até incomoda.
Mas o amor não é um assunto importante apenas para a evangelização, ou seja, para as relações com o mundo. Ele importa, antes de todo o mais, para a própria vida interna da Igreja, para a santificação dos seus membros. É nesta perspectiva que se situa a encíclica Deus caritas est, do Papa Bento XVI, e é nela que nós também nos colocamos para estas reflexões.
O amor sofre de uma separação nefasta não só na mentalidade do mundo secularizado, mas também, do lado oposto, entre os crentes e, em particular, entre as almas consagradas. Poderíamos formular a situação, simplificando ao máximo, assim: temos no mundo um eros sem ágape; e entre os crentes, temos frequentemente um ágape sem eros.
O eros sem ágape é um amor romântico, mas comumente passional, até violento. Um amor de conquista, que reduz fatalmente o outro a objeto do próprio prazer e ignora toda dimensão de sacrifício, de fidelidade e de doação de si. Não é preciso insistir na descrição desse amor, porque se trata de uma realidade que temos todo dia diante dos nossos olhos, propagandeada com estrondo pelos romances, filmes, novelas, internet, revistas. É o que a linguagem comum entende, hoje, com a palavra “amor”.
Para nós é mais útil entender o que significa ágape sem eros. Na música, existe uma diferenciação que pode nos ajudar a ter uma ideia: a diferença entre o jazz quente e o jazz frio. Eu li certa vez essa caracterização dos dois gêneros, mas sei que não é a única possível. O jazz quente (hot) é o jazz apaixonado, ardente, expressivo, feito de ímpetos, de sentimentos e, portanto, de improvisações originais. O jazz frio (cool) é o profissional: os sentimentos se tornam repetitivos, o estro é substituído pela técnica, a espontaneidade pelo virtuosismo.
Com base nessa distinção, o ágape sem eros é um “amor frio”, um amar parcial, sem a participação do ser inteiro, mais por imposição da vontade do que por ímpeto íntimo do coração. Um entrar num cenário predefinido, em vez de criar um próprio, realmente irrepetível, como irrepetível é cada ser humano perante Deus. Os atos de amor voltados para Deus parecem aqueles de namorados desinspirados, que escrevem à amada cartas copiadas de modelos prontos.
Se o amor mundano é um corpo sem alma, o amor religioso praticado assim é uma alma sem corpo. O ser humano não é um anjo, um espírito puro; é alma e corpo substancialmente unidos: tudo o que ele faz, amar inclusive, tem que refletir essa estrutura. Se o componente humano ligado ao tempo e à corporeidade é sistematicamente negado ou reprimido, a saída será dúplice: ou seguir adiante aos arrastos, por senso de dever, por defesa da própria imagem, ou ir atrás de compensações mais ou menos lícitas, chegando até os dolorosíssimos casos que estão afligindo atualmente a Igreja. No fundo de muitos desvios morais de almas consagradas, não é possível ignorá-lo: há uma concepção distorcida e retorcida do amor.
Temos, então, um duplo motivo e uma dupla urgência de redescobrir o amor na sua unidade original. O amor verdadeiro e integral é uma pérola encerrada entre duas conchas que são o eros e o ágape. Não podem ser separadas, essas duas dimensões do amor, sem destruí-lo, como o hidrogênio e o oxigênio não podem ser separados sem se privarem da água.

2. A tese da incompatibilidade entre os dois amores

A reconciliação mais importante entre as duas dimensões do amor é prática. É aquela que acontece na vida das pessoas, mas, para ser possível, ela precisa começar pela reconciliação entre o eros e o ágape inclusive teoricamente, na doutrina. Isto nos permitirá conhecer finalmente o que é que se entende por estes dois termos tão comumente usados e subentendidos.
A importância da questão nasce do fato de existir uma obra que popularizou em todo o mundo cristão a tese oposta da inconciliabilidade das duas formas de amor. É o livro do teólogo luterano sueco Anders Nygren, intitulado Eros e Ágape. Podemos resumir o pensamento dele nestes termos: eros e ágape designam dois movimentos opostos. O primeiro indica ascensão e subida do homem para Deus e para o divino como próprio bem e própria origem; o outro, o ágape, indica a descida de Deus até o homem com a encarnação e a cruz de Cristo, e, portanto, a salvação oferecida ao homem sem mérito nem resposta de sua parte, a não ser a fé e somente a fé. O Novo Testamento fez uma escolha precisa, usando, para exprimir o amor, o termo ágape, e refutando sistematicamente o termo eros.
Foi São Paulo quem recolheu e formulou com mais pureza essa doutrina do amor. Depois dele, ainda segundo a tese de Nygren, essa antítese radical se perdeu para dar lugar a tentativas de síntese. Assim que o cristianismo entra em contato cultural com o mundo grego e a visão platônica, já com Orígenes, há uma reavaliação do eros, como movimento ascensional da alma rumo ao bem e ao divino, como atração universal exercitada pela beleza e pelo divino. Nesta linha, o Pseudo Dionísio Areopagita escreverá que “Deus é eros” [1], substituindo com este termo o ágape da célebre frase de João (I Jo, 4,10).
No ocidente, uma síntese análoga foi feita por Agostinho com a doutrina da caritas, entendida como doutrina do amor descendente e gratuito de Deus pelo homem (ninguém falou da “graça” com mais força do que ele), mas também como anseio do homem pelo bem e por Deus. É dele a afirmação: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e inquieto está o nosso coração até descansar em ti” [2]. Também é dele a imagem do amor como um peso que atrai a alma, como por força de gravidade, para Deus, como ao lugar do próprio repouso e prazer [3]. Tudo isso, para Nygren, insere um elemento do amor de si, do próprio bem, e, portanto, de egoísmo, que destrói a pura gratuidade da graça; é uma recaída na ilusão pagã de fazer a salvação consistir numa ascensão a Deus, em vez de na gratuita e imotivada descida de Deus até nós.
Prisioneiros desta impossível síntese entre eros e ágape, entre amor de Deus e amor de si, são, para Nygren, São Bernardo, quando define o grau supremo do amor de Deus como um “amar a Deus por si mesmo” e um “amar a si mesmo por Deus” [4]; São Boaventura, com seu ascensional Itinerário da mente para Deus; e São Tomás de Aquino, que define o amor de Deus infuso no coração do batizado (cf. Rom, 5,5) como “o amor com que Deus nos ama e nos faz amá-lo” (amor quo ipse nos diligit et quo ipse nos dilectores sui facit) [5]. Isto viria a significar que o homem, amado por Deus, pode, por sua vez, amar a Deus, dar-lhe algo de seu, o que destruiria a absoluta gratuidade do amor de Deus. No plano existencial, ainda de acordo com Nygren, o mesmo desvio acontece na mística católica. O amor dos místicos, com a sua fortíssima carga de eros, nada é, para ele, senão amor sensual sublimado, uma tentativa de estabelecer com Deus uma relação de presunçosa reciprocidade em amor.
Quem rompeu a ambiguidade e devolveu à luz a pura antítese paulina, segundo o autor, foi Lutero. Fundamentando a justificação apenas na fé, ele não excluiu a caridade do momento-base da vida cristã, como o acusa a teologia católica; antes, libertou a caridade, o ágape, do elemento espúrio do eros. À fórmula do “somente a fé”, com exclusão das obras, corresponderia, em Lutero, a fórmula do “somente o ágape”, com exclusão do eros.
Não me cabe estabelecer se o autor interpretou corretamente neste ponto o pensamento de Lutero, que, deve-se dizer, nunca pôs o problema em termos de contraste entre eros e ágape como fez com fé e obras. É significativo, no entanto, que Karl Barth, num capítulo da sua Dogmática Eclesial, também chegue ao mesmo resultado que Nygren de um contraste insanável entre eros e ágape. “Onde entra em cena o amor cristão”, escreve ele, “começa de súbito o conflito com o outro amor, e este conflito não tem mais fim” [6]. Eu digo que se isto não é luteranismo, é sem dúvida teologia dialética, teologia do “aut-aut”, da antítese, não da síntese.
O contragolpe desta operação é a radical mundanização e secularização do eros. Enquanto certa teologia retirava o eros do ágape, a cultura secular era bem feliz, por sua vez, ao retirar o ágape do eros, ou seja, ao retirar do amor humano toda referência a Deus e à graça. Freud apresentou para isto uma justificativa teórica, reduzindo o amor a eros e o eros a libido, uma mera pulsão sexual que luta contra toda repressão e inibição. É o estágio a que se reduz hoje o amor em muitas manifestações da vida e da cultura, principalmente no mundo do espetáculo.
Dois anos atrás eu estava em Madri. Os jornais só faziam falar de uma certa mostra de arte na cidade, intitulada As lágrimas do eros. Era uma mostra de obras artísticas de cunho erótico – quadros, desenhos, esculturas – que pretendiam pôr em foco o inseparável vínculo que existe, na experiência do homem moderno, entre eros e thanatos, entre amor e morte. À mesma constatação se chega quando se lê a coletânea de poesias As flores do mal, de Baudelaire, ou Uma temporada no inferno, de Rimbaud. O amor que por natureza deveria levar à vida acaba ao invés levando à morte.

3. Retorno à síntese

Se não podemos mudar de uma vez a ideia de amor que o mundo possui, podemos, sim, corrigir a visão teológica, que, sem querer, a favorece e legitima. É o que fez de maneira exemplar o papa Bento XVI com a encíclica Deus caritas est. Ele reafirma a síntese católica tradicional expressando-a com os termos modernos. “Eros e ágape”, lemos ali, “amor ascendente e amor descendente, não se deixam jamais separar de todo um do outro [...]. A fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo contraposto ao original fenômeno humano que é o amor, mas aceita o homem todo, intervindo na sua procura pelo amor para purificá-la, destruindo, em paralelo, novas dimensões suas” (7-8). Eros e ágape estão unidos à própria fonte do amor, que é Deus: “Ele ama”, segue o texto da encíclica, “e este seu amor pode ser qualificado certamente como eros, que, no entanto, é também e totalmente ágape” (9).
Entende-se o acolhimento insolitamente favorável que este documento pontifício encontrou mesmo nos ambientes leigos mais abertos e responsáveis. Dá esperança ao mundo. Corrige a imagem de uma fé que toca o mundo em tangente, sem penetrá-lo, com a imagem evangélica da levedura que faz a massa fermentar; substitui a ideia de um reino de Deus que veio julgar o mundo pela de um reino de Deus que veio salvar o mundo, começando pelo eros que é a sua força dominante.
À visão tradicional, própria tanto da teologia católica como da ortodoxa, pode-se dar, creio eu, uma confirmação também do ponto de vista da exegese. Quem sustenta a tese da incompatibilidade entre eros e ágape se baseia no fato de o Novo Testamento evitar com esmero – e, ao parecer, propositalmente – o termo eros, usando em seu lugar sempre e somente ágape (a não ser por algum raro emprego do termo philia, que indica um amor de amizade).
O fato é verdadeiro, mas não são verdadeiras as conclusões que dele se tiram. Supõe-se que os autores do NT estivessem a par tanto do sentido que o termo eros tinha na linguagem comum (o eros assim chamado “vulgar”) como do sentido elevado e filosófico que tinha, por exemplo, em Platão, o chamado eros “nobre”. Na aceitação popular, eros indicava mais ou menos o que indica hoje quando se fala de erotismo ou de filmes eróticos: a satisfação do instinto sexual, um degradar-se mais do que elevar-se. Na aceitação nobre, indicava um amor pela beleza, a força que mantém o mundo e que impulsiona todos os seres à unidade, aquele movimento de ascensão rumo ao divino que os teólogos dialéticos reputam incompatível com o movimento de descida do divino até o homem.
É difícil defender que os autores do NT, dirigindo-se a pessoas simples e de nenhuma cultura, pretendessem lhes falar do eros de Platão. Eles evitaram o termo eros pelo mesmo motivo que o pregador de hoje evita o termo erótico, ou, se o emprega, é somente em sentido negativo. O motivo é que, tanto naquele tempo como agora, a palavra evoca o amor na sua expressão mais egoísta e sensual [7]. A desconfiança dos primeiros cristãos quanto ao eros se agravava ainda pelo papel que ele desempenhava nos desenfreados cultos dionisíacos.
Tão logo o cristianismo entra em contato e diálogo com a cultura grega daquele tempo, cai por terra de imediato, como já vimos, toda preclusão quanto ao eros. Ele é usado com frequência, nos autores gregos, como sinônimo de ágape, e empregado para indicar o amor de Deus pelo homem, como também o amor do homem por Deus, o amor pelas virtudes e por tudo o que é belo. Basta, para nos convencermos disso, uma simples olhada no Léxico Patrístico Grego, de Lampe [8]. O sistema de Nygren e Barth, portanto, foi construído sobre uma falsa aplicação do assim chamado argumento “ex silentio”.

4. Um eros para os consagrados

O resgate do eros ajuda acima de tudo os enamorados humanos e os esposos cristãos, mostrando a beleza e a dignidade do amor que os une. Ajuda os jovens a experimentar o fascínio do outro sexo não como coisa turva, a ser vivida às costas de Deus, mas, ao contrário, como um dom do Criador para a sua alegria, desde que vivido na ordem querida por Ele. Na sua encíclica, o papa acena ainda para esta função positiva do eros sobre o amor humano quando fala do caminho de purificação do eros, que leva da atração momentânea ao “para sempre” do matrimônio (4-5).
Mas o resgate do eros deve ajudar também a nós, consagrados, homens e mulheres. Eu acenei no início ao perigo que as almas religiosas correm de um amor frio, que não desce da mente para o coração. Um sol de inverno, que ilumina, mas não aquece. Se eros significa ímpeto, desejo, atração, não devemos ter medo dos sentimentos, nem muito menos desprezá-los e reprimi-los. Quando se trata do amor de Deus, escreveu Guilherme de Saint Thierry, o sentimento de afeto (affectio) é também graça; a natureza não pode infundir um sentimento assim [9].
Os salmos estão cheios desse anseio do coração por Deus: “A ti, Senhor, eu elevo a minh’alma...”. “A minh’alma tem sede de Deus, do Deus vivente”. “Preste atenção”, diz o autor da Nuvem do não conhecimento, “a este maravilhoso trabalho da graça na tua alma. Ele não é senão impulso imprevisto, que surge sem aviso e aponta diretamente para Deus, como uma centelha que se desencarcera do fogo... Golpeie essa nuvem do não conhecimento com a flecha afiada do desejo de amor e não esmoreça, ocorra o que ocorrer” [10]. É suficiente, para tanto, um pensamento, um movimento do coração, uma jaculatória.
Mas tudo isso não nos é bastante e Deus o sabe melhor que nós. Somos criaturas, vivemos no tempo e num corpo; precisamos de uma tela na qual projetar o nosso amor que não seja apenas “a nuvem do não conhecimento”, o véu de escuridão por trás do qual se oculta o Deus que ninguém nunca viu e que habita numa luz inacessível...
A resposta que se dá a esta interrogação nós conhecemos bem: por isso mesmo Deus nos deu o próximo para amarmos. “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor se torna perfeito em nós. Quem não ama o próprio irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4, 12-20). Mas devemos ficar atentos para não saltar uma fase decisiva: antes do irmão que vemos, há outro que também vemos e tocamos: o Deus feito carne, Jesus Cristo! Entre Deus e o próximo existe o Verbo feito carne, que reuniu os dois extremos numa só pessoa. É nele que o próprio amor ao próximo encontra o seu fundamento: “Foi a mim que o fizestes”.
O que significa tudo isto pelo amor de Deus? Que o objeto primário no nosso eros, da nossa busca, desejo, atração, paixão, deve ser o Cristo. “Ao Salvador é pré-ordenado o amor humano desde o princípio, como ao seu modelo e fim, como uma urna tão grande e tão ampla que pudesse acolher a Deus [...] O desejo da alma é unicamente de Cristo. Aqui é o lugar do seu repouso, porque só Ele é o bem, a verdade e tudo quanto inspira amor”. Não quer dizer restringir o horizonte do amor cristão de Deus a Cristo; quer dizer amar a Deus do jeito que Ele quer ser amado. “O Pai vos ama porque vós me amais” (Jo 16, 27). Não se trata de um amor mediato, quase por procuração, por meio do qual quem ama Jesus “é como se” amasse o Pai. Não. Jesus é um mediador imediato; amando a Ele, amamos, ipso facto, o Pai. “Quem me vê, vê o Pai”; quem me ama, ama o Pai.
É verdade que nem mesmo a Cristo se vê, mas ele existe. Ressuscitou, vive, está conosco, de modo mais real do que o mais apaixonado esposo está com a esposa. Eis o ponto crucial: pensar em Cristo não como uma pessoa do passado, mas como o Senhor ressuscitado e vivente, com quem eu posso falar, a quem eu posso beijar se quiser, certo de que o meu beijo não termina na estampa ou no lenho de um crucifixo, mas num rosto e em lábios de carne viva (ainda que espiritualizada), felizes de receber o meu beijo.
A beleza e a plenitude da vida consagrada depende da qualidade do nosso amor por Cristo. É só o que pode nos defender dos altos e baixos do coração. Jesus é o homem perfeito; nele se encontram, em grau infinitamente superior, todas aquelas qualidades e atenções que um homem procura numa mulher e uma mulher no homem. O amor dele não nos elimina necessariamente a sedução das criaturas e, em particular, a atração do outro sexo (ela faz parte da nossa natureza, que Ele criou e não quer destruir). Mas nos dá a força para vencer essas atrações com uma atração mais forte. “Casto”, escreve São João Clímaco, “é quem afasta o eros com o Eros” [11].
Será que tudo isso destrói a gratuidade do ágape, pretendendo dar a Deus alguma coisa em troca do seu coração? Anula a graça? De jeito nenhum. Antes, a exalta. O que, afinal, neste mundo, damos a Deus se não o que recebemos dele? “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19). O amor que damos a Cristo é o seu próprio amor por nós, que devolvemos a Ele, como o eco nos devolve a nossa voz.
Onde está então a novidade e a beleza deste amor que chamamos eros? O eco reenvia para Deus o seu próprio amor, mas enriquecido, colorido e perfumado com a nossa liberdade. E é tudo o que Ele quer. A nossa liberdade lhe paga tudo. E não só isto, mas, coisa inaudita, escreve Cabasilas, “recebendo de nós o dom do amor em troca de tudo o que Ele nos deu, Ele ainda se reputa nosso devedor” [12]. A tese que contrapõe eros e ágape se baseia em outra conhecida contraposição: a contraposição entre graça e liberdade, e, mais ainda, na negação da liberdade no homem decaído.
Eu procurei imaginar, Veneráveis padres e irmãos, o que diria Cristo ressuscitado se, como fazia na vida terrena, quando entrava aos sábados numa sinagoga, viesse agora sentar-se aqui, no meu lugar, e nos explicasse em pessoa qual é o amor que Ele deseja de nós. Quero compartilhar com vocês, com simplicidade, o que eu penso que Ele diria. Pode nos servir para o nosso exame de consciência sobre o amor:
O amor ardente:
É me colocares sempre em primeiro lugar.
É procurares me alegrar em todo momento.
É confrontares teus desejos com o meu desejo.
É viveres como meu amigo, confidente, esposo, e seres feliz assim.
É te inquietares ao pensamento de ficar um pouco longe de mim.
É seres repleto de felicidade quando estou contigo.
É estares disposto a grandes sacrifícios para nunca me perder.
É preferires viver pobre e desconhecido comigo a rico e famoso sem mim.
É falares comigo como ao amigo mais amado em todo momento possível.
É te confiares a mim olhando para o teu futuro.
É desejares perder-te em mim como meta do teu existir.
Se vocês acharem, como eu acho, que estamos muito longe dessa situação, não nos desencorajemos. Temos alguém que pode nos ajudar a chegar lá se pedirmos sua ajuda. Repitamos com fé ao Espírito Santo: Veni, Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium et tui amoris in eis ignem accende: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.

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Notas: 
1 Pseudo Dionísio Areopagita, Os nomes divinos, IV,12 (PG, 3, 709 em diante.)
2 S. Agostinho, Confissões I, 1.
3 Comentário ao evangelho de João, 26, 4-5.
4 Cf. S. Bernardo, De diligendo Deo, IX,26 –X,27.
5 S. Tomás de Aquino, Comentário à Carta aos Romanos, cap. V, liç.1, n. 392-293; cf. S. Agostinho, Comentário à Primeira Carta de João, 9, 9.
6 K. Barth, Dogmática eclesial, IV, 2, 832-852. 
7 O sentido que os primeiros cristãos davam à palavra eros se deduz do famoso texto de S. Inácio de Antioquia,  Carta aos Romanos, 7,2: “O meu amor (eros) foi crucificado e não há em mim fogo de paixão…não me atraem o nutrir corrupção e os prazeres desta vida”. “O meu eros” não indica aqui Jesus crucificado, mas “o amor de mim mesmo” , o apego aos prazeres terrenos, na linha do paulino “Fui crucificado com Cristo, não sou mais eu que vivo” (Gal 2, 19 s.). 
8 Cf. G.W.H. Lampe,  A Patristic Greek Lexicon, Oxford 1961, pp.550.
9 Guilherme de St. Thierry, Meditações, XII, 29 (SCh  324, p. 210).
10 Anônimo, A nuvem do nao conhecimento, trad. Italiana, Ed. Áncora, Milão, 1981, pp. 136.140. 
11 S. João Clímaco, A escada do paraíso, XV,98 (PG 88,880).
12 N. Cabasilas, Vida em Cristo, VI, 4 .

[Traduzido do original em italiano por ZENIT]

sexta-feira, 25 de março de 2011

O Verbo se fez carne e habitou entre nós


Das cartas de São Leão Magno, papa

A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela imortalidade. Para saldar a dívida de nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à natureza passível. Deste modo, como convinha à nossa recuperação, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, podia submeter-se à morte através de sua natureza humana e permanecer imune em sua natureza divina.
Por conseguinte, numa natureza perfeita e integral de verdadeiro homem, nasceu o verdadeiro Deus, perfeito na sua divindade, perfeito na nossa humanidade. Por “nossa humanidade” queremos significar a natureza que o Criador desde o início formou em nós, e que assumiu para renová-la. Mas daquelas coisas que o Senhor trouxe, e o homem enganado aceitou, não há nenhum vestígio no Salvador; nem pelo fato de se ter irmanado na comunhão da fragilidade humana, tornou-se participante dos nossos delitos.
Assumiu a condição de escravo, sem mancha de pecado, engrandecendo o humano, sem diminuir o divino. Porque o aniquilamento, pelo qual o invisível se tornou visível, e o Criador de tudo quis ser um dos mortais, foi uma condescendência da sua misericórdia, não uma falha de seu poder. Por conseguinte, aquele que, na sua condição divina se fez homem, assumindo a condição de escravo, se fez homem.
Entrou, portanto, o Filho de Deus neste mundo tão pequeno, descendo do trono celeste, mas sem deixar a glória do Pai; é gerado e nasce de modo totalmente novo. De modo novo porque, sendo invisível em si mesmo, torna-se visível como nós; incompreensível, quis ser compreendido; existindo antes dos tempos, começou a existir no tempo. O Senhor do universo assume a condição de escravo, envolvendo em sombra a imensidão de sua majestade; o Deus impassível não recusou ser homem passível, o imortal submeteu-se às leis da morte.
Aquele que é verdadeiro Deus, é também verdadeiro homem; e nesta unidade nada há de falso, porque nele é perfeita respectivamente tanto a humanidade do homem como a grandeza de Deus.
Nem Deus sofre mudança com esta condescendência da sua misericórdia nem o homem é destruído com sua elevação a tão alta dignidade. Cada natureza realiza, em comunhão com a outra, aquilo que lhe é próprio: o Verbo realiza o que é próprio de Verbo, e a carne realiza o que é próprio da carne.
A natureza divina resplandece nos milagres, a humana sucumbe aos sofrimentos. E como o Verbo não renuncia à igualdade da glória do Pai, também a carne não deixa a natureza de nossa raça.
É um só e o mesmo – não nos cansaremos de repetir – verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro Filho do homem. É Deus porque no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus: e o Verbo era Deus. É homem porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,1.4).

Hoje o Verbo Divino, gerado do Pai
já bem antes dos tempos,
humilhou-se a si mesmo
e por nós se fez homem.



O Tempo da Quaresma


O TEMPO DA QUARESMA

Henrique Nogueira de Albuquerque

Assim como o Advento é o tempo de preparação para o Natal do Senhor, o tempo da Quaresma é o tempo de preparação para a Páscoa. Desta forma, os quarentas dias de penitência e busca de conversão que caracterizam este tempo quaresmal estão em função da celebração solene da Páscoa do Senhor.

O mistério Pascal – A Páscoa é o mistério por excelência do cristianismo e sua celebração é o ponto alto da vida da Igreja. A Páscoa celebra a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. No Antigo Testamento, a Páscoa era a festa judaica que fazia memória da libertação do povo hebreu do Egito (Ex 12,1-14). Foi no contexto de uma Ceia Pascal judaica que o Senhor Jesus instituiu a Eucaristia, antecipando sacramentalmente a sua entrega na Cruz (Lc 22,7-20). Assim, Jesus revela-se como o verdadeiro Cordeiro Pascal: é ele “que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), oferecendo-se no altar da Cruz e cujo sangue servirá para salvar o povo de Deus (cf. Hb 9,12). O sacrifício pascal de Cristo, realizado sacramentalmente na ceia pascal, é vivido cruentamente por Jesus no dia seguinte, no Calvário. Mas, no terceiro dia, o Pai O ressuscitará, enviando o seu Espírito divino para glorificar a humanidade de Jesus e derramando sobre nós, por meio do Filho, este mesmo Espírito que nos salva e diviniza (Jo 20,1-23).

A única salvação dos homens é o Cristo: Ele é o único Mediador entre Deus e os homens, o nosso Pontífice. E para entrar nessa mediação, para passarmos por esta Ponte até Deus, para sermos salvos, é preciso receber o Espírito de Cristo, o Espírito do Filho: é este Espírito que nos faz filhos no Filho e nos dá vida divina (cf. Rm 8,14-17). É pelo batismo que recebemos este Espírito, já que quando mergulhamos na água deixamos lá o homem velho, para que se erga o homem novo, vivificado, tornado à imagem do Filho (cf. Rm 6,3-4).

A Quaresma ontem e hoje – O tempo quaresmal surgiu, na Antiguidade, como o tempo em que os catecúmenos se preparavam com mais fervor para o batismo que iriam receber durante a solene Vigília Pascal. Ainda hoje, para os adultos que se preparam para o batismo, é no tempo da Quaresma que se executam gestos concretos para se preparar para receber o Sacramento batismal: há escrutínios, exorcismos e diversos outros ritos que o ajudam a tomar consciência daquilo que vai se realizar em breve em sua vida. Também as leituras do Evangelho durante os domingos da Quaresma ajudam muito os catecúmenos para a compreensão dos mistérios fundamentais de Cristo.

Acontece que também para os batizados a Quaresma é momento oportuno para a conversão e reavivamento da graça batismal recebida com vistas à solene renovação das promessas batismais durante a Vigília Pascal. Então, para a maioria dos cristãos, a Quaresma é um tempo de conversão e penitência através do qual o cristão pode se preparar dignamente para celebrar os santos mistérios pascais.

Tempo de conversão e combate aos inimigos da alma – A natureza humana decaída, marcada pelo pecado, é frágil e facilmente se inclina para o mal, que é o afastamento de Deus. Assim, o homem, mesmo batizado, tem de lutar continuamente para voltar para Deus, do qual se afasta pelo pecado. E como todos temos pecado, todos mais ou menos nos afastamos de Deus, temos necessidade de nos empenharmos nesta luta.

A Quaresma, tempo de conversão, é, portanto, tempo de luta, de combate espiritual (cf. Rm 13,11-14; Ef  6,10-18). Combate contra os três inimigos da alma: o diabo, o mundo e a carne.

O diabo. Segundo a Tradição cristã, o diabo (ou Satã, Satanás, Demônio) era o mais perfeito dos anjos criados por Deus. Por causa de seu orgulho de querer ser como Deus, afastou-se de seu Criador e levou consigo uma parte dos anjos. Ele vive no mundo espiritual tentando influenciar o homem para que este faça o mal, distanciando-se de Deus. Foi ele que tentou os primeiros seres humanos (cf. Gn 3,1-24) e fez com que estes pecassem; mas Jesus, que também se deixou ser tentado por ele, venceu-o e abriu o caminho para a vitória do homem sobre ele (cf. Mt 4,1-11).

O mundo. Na Escritura, especialmente em São João, o termo “mundo” possui três acepções: primeiro, o mundo como criação de Deus (cf. Jo 17,5), que é boa (cf. Gn 1,31). Depois, o mundo como a parte da humanidade que espera a conversão pela pregação dos apóstolos (cf. Jo 17,21). Finalmente, o mundo em oposição ao Cristo e à Igreja (cf. Jo 17,9), no mesmo sentido de “Anticristo”. É nesse sentido que o mundo é inimigo da alma, sobretudo a “opinião” do mundo quando é oposta à fé, como frequentemente acontece com a dita “opinião pública” tantas vezes guiada pelo “politicamente correto”.

A carne. O terceiro inimigo da alma é a carne, significando a fraqueza da condição humana, suas paixões, vícios, más inclinações. É a tendência interior para o afastamento de Deus, consequência do pecado original.

As armas espirituais – Para o combate espiritual quaresmal, a Igreja propõe os remédios evangélicos do jejum, da esmola e da oração (cf. Mt 6,1-18).

O jejum. O primeiro significado do jejum é religioso: ao abster-se de parte de seu alimento cotidiano, a pessoa que jejua sente em seu próprio corpo a fragilidade que é própria do homem e o faz compreender sua situação precária de criatura, dando a Deus a primazia de Criador e Sustentador de todas as coisas. Além disso, o jejum espontâneo nos faz solidários com os pobres que fazem o jejum obrigatório, pois não têm o que comer. Na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa, o jejum de alimento é obrigatório; nos demais dias da Quaresma, é recomendado (especialmente nas sextas-feiras). O jejum pode ser não só de alimentos, mas dos sentidos: jejum de conversas, jejum de músicas, da televisão etc; sobretudo, jejum do pecado.

A esmola. Antes de tudo, a esmola é uma atitude espiritual, pois ao dar daquilo que é nosso (e não apenas do supérfluo) exercitamos nossa generosidade e combatemos a avareza dos bens materiais. Dar esmola não significa apenas dar dinheiro, mas deve ser entendida como caridade fraterna: dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, vestir o nu, visitar o doente e o prisioneiro (cf. Mt 25,31-46), consolar aquele que sofre, aconselhar quem vai no mau caminho... enfim, qualquer gesto de caridade para com o próximo, tendo em mente a asserção do Apóstolo São Pedro: “O amor cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4,8)

A oração. O melhor meio de se aproximar de Deus é através da oração. Não pode se converter, ou seja, voltar para Deus, aquele que não estabelece com Ele uma relação pessoal, amorosa e íntima, e isso só é possível no diálogo da oração. E a oração, antes de mais nada, consiste na escuta atenta da voz de Deus que ressoa em Sua Palavra. Daí a necessidade de uma oração feita com a Escritura nas mãos (que a Tradição chama de Lectio Divina, a leitura orante da Escritura), brotando de um encontro com o Senhor na Sua Palavra. Deveríamos ficar atentos nos Evangelhos dos Domingos da Quaresma e meditá-los profundamente; também a leitura do livro do Êxodo, ou de um dos quatro Evangelhos pode nos ajudar neste itinerário.

Esses três remédios devem ser usados juntos, jamais separados; assim nos diz São Pedro Crisólogo: “O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia [esmola] recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente”.

Além dessas armas, também são úteis duas outras práticas: a leitura espiritual de algum livro que ajude a orar. Há diversos livros de espiritualidade existentes nas livrarias católicas. Devemos escolher aqueles que são mais tradicionais e reconhecidos pela Igreja, e que nos movam realmente ao recolhimento interior e à oração: nada especulativo nem social demais; mas também nada piegas demais.

Também devemos concentrar o combate quaresmal em um dos vários vícios que temos: escolher um de nossos “pecados de estimação”, aqueles nos quais sempre caímos, para combater durante este tempo. A tradição nos dá uma lista deles, os mais graves e que originam outros, por isso chamados de capitais (do latim caput, cabeça): gula, luxúria, avareza, ira, tristeza, preguiça, vaidade. Estes pecados nos afastam de Deus e devemos combatê-los para buscar a salvação.

sábado, 19 de março de 2011

Trecho do novo livro do Papa




CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 11 de março de 2011 (ZENIT.org) - O livro do Papa “Jesus de Nazaré, Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição” foi lançado nessa quinta-feira [Em Portugal]. Apresentamos a passagem “A data da Última Ceia”, do quarto capítulo do volume, divulgada por Agência Ecclesia e a Principia Editora (Portugal).


* * *

A data da Última Ceia

O problema da datação da Última Ceia de Jesus assenta no contraste, a este respeito, entre os Evangelhos sinópticos, de um lado, e o Evangelho de João, do outro. Marcos, que Mateus e Lucas seguem no essencial, oferece a este propósito uma datação precisa. «No primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava a Páscoa, os discípulos perguntaram-Lhe: “Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?” [...] Chegada a noite, Jesus foi com os Doze» (Mc 14, 12.17). A tarde do primeiro dia dos Ázimos, quando no templo se imolavam os cordeiros pascais, é a vigília da Páscoa. Segundo a cronologia dos sinópticos trata-se de uma quinta-feira.
Depois do ocaso, começava a Páscoa, e foi então consumida a ceia pascal por Jesus com os seus discípulos, bem como por todos os peregrinos idos a Jerusalém. Na noite de quinta para sexta-feira – sempre segundo a cronologia sinóptica –, Jesus foi preso e apresentado ao tribunal, na manhã de sexta-feira foi condenado à morte por Pila- tos e sucessivamente, «pela hora tércia» (cerca das nove da manhã), foi crucificado. A morte de Jesus deu-se à hora nona (cerca das três horas da tarde). «Ao cair da tarde, visto ser a Preparação, isto é, véspera do sábado, José de Arimateia [...] foi corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus» (Mc 15, 42-43). A sepultura devia fazer-se ainda antes do ocaso porque depois começava o sábado. O sábado é o dia do repouso sepulcral de Jesus. A ressurreição tem lugar na ma- nhã do «primeiro dia da semana», no domingo.
Esta cronologia vê-se comprometida pelo seguinte problema: o processo e a crucifixão de Jesus teriam acontecido na festa da Páscoa, que naquele ano calhava na sexta-feira. É verdade que muitos estudiosos procuraram demonstrar que o processo e a crucifixão eram compatíveis com as prescrições da Páscoa. Mas, não obstante toda a erudição, resta problemático que, naquela festa muito importante para os judeus, fossem admissíveis e possíveis o processo diante de Pilatos e a crucifixão. Aliás, esta hipótese vê-se obstaculizada também por uma informação fornecida por Marcos. Afirma ele que, dois dias antes da festa dos Ázimos, os sumos sacerdotes e os escribas procuravam maneira de se apoderarem de Jesus à má-fé para O matarem, mas a propósito declaravam: «Durante a festa não, para que o povo não se revolte» (14, 2; cf. v. 1). Segundo a cronologia sinóptica, porém, a execução capital de Jesus terá de facto tido lugar precisamente no dia da festa.
Vejamos agora a cronologia joanina. João tem o cuidado de não apresentar a Última Ceia como ceia pascal. Pelo contrário, as autoridades judaicas, que levam Jesus ao tribunal de Pilatos, evitam entrar no pretório «para não se contaminarem e poderem celebrar a Páscoa» (18, 28). A Páscoa começa apenas ao entardecer; durante o processo, ainda se está a pensar na ceia pascal; processo e crucifixão têm lugar no dia antes da Páscoa, na parasceve, a «preparação», e não na própria festa. Naquele ano, portanto, a Páscoa estende-se do ocaso de sexta-feira até ao ocaso de sábado, e não do entardecer de quinta-feira até ao entardecer de sexta-feira.
Quanto ao resto, o desenrolar dos acontecimentos permanece o mesmo. Na tarde de quinta-feira, a Última Ceia de Jesus com os discípulos, que não é porém uma ceia pascal; na sexta-feira, a vigília da festa, e não a própria festa, o processo e a execução capital; no sábado, o repouso no sepulcro; no domingo, a ressurreição. Com esta cronologia, Jesus morre na hora em que são imolados no templo os cordeiros pascais. Morre como o verdadeiro Cordeiro, que estava apenas preanunciado nos cordeiros.
Esta coincidência, teologicamente importante, de Jesus morrer contemporaneamente com a imolação dos cordeiros pascais tem levado muitos estudiosos a desmerecerem a versão joanina como cronologia teológica. João teria mudado a cronologia para construir esta coincidência teológica, que todavia no Evangelho não é explicitamente afirmada. Mas, hoje, vai-se vendo de maneira cada vez mais clara que a cronologia joanina é historicamente mais provável do que a sinóptica, visto que – como se disse – processo e execução capital no dia da festa parecem pouco concebíveis. Por outro lado, a Última Ceia de Jesus aparece tão estreitamente ligada à tradição da Páscoa que a negação do seu carácter pascal redunda problemática.
Por isso desde há muito que se fazem tentativas para conciliar as duas cronologias. A mais importante e, em vários dos seus pormenores, fascinante de chegar a uma compatibilidade entre as duas tradições provém da estudiosa francesa Annie Jaubert, que desde 1953 tem vindo a desenvolver a sua tese numa série de publicações. Dado que aqui não devemos entrar nos detalhes da sua proposta, limitamo-nos ao essencial.
A senhora Jaubert baseia-se principalmente em dois textos antigos que parecem apontar para uma solução do problema. O primeiro é a indicação de um calendário sacerdotal antigo, presente no Livro dos Jubileus, que foi redigido em língua hebraica na segunda metade do século II antes de Cristo. Este calendário não toma em consideração a translação da Lua, prevendo um ano de 364 dias, dividido em quatro estações de três meses, dois dos quais têm 30 dias e o outro 31. Cada trimestre, sempre com 91 dias, contém exactamente 13 semanas, e cada ano 52 semanas. Consequentemente, as festas litúrgicas de cada ano seriam sempre no mesmo dia da semana. Isto significa que, no caso da Páscoa, o 15 de Nisan seria sempre à quarta-feira, sendo a ceia pascal consumada depois do ocaso na noite de terça-feira. Jaubert defende que Jesus terá celebrado a Páscoa segundo este calendário, isto é, na terça-feira à noite, e sido preso nessa noite que dá para quarta-feira.
Deste modo, a estudiosa vê resolvidos dois problemas: por um lado, Jesus terá celebrado uma verdadeira ceia pascal, como referem os sinópticos; por outro, João tem razão em que as autoridades judaicas, atendo-se ao seu próprio calendário, celebraram a Páscoa só depois do processo de Jesus; e, por conseguinte, Jesus terá sido justiçado na vigília da verdadeira Páscoa e não no próprio dia da festa. Assim a tradição sinóptica e a joanina apresentam-se igualmente certas com base na diferença que há entre dois calendários diversos. A segunda vantagem sublinhada por Annie Jaubert mostra, simultaneamente, o ponto fraco desta tentativa de encontrar uma solução.
Observa a estudiosa francesa que as cronologias referidas (nos sinópticos e em João) têm de conjugar uma série de acontecimentos no reduzido espaço de poucas horas: o interrogatório na presença do Sinédrio, a transferência para Pilatos, o sonho da mulher de Pilatos, o envio a Herodes, o regresso a Pilatos, a flagelação, a condenação à morte, a via crucis e a crucifixão. Colocar tudo isto num arco de poucas horas parece – segundo Jaubert – quase impossível. A este propósito, a sua solução proporciona um espaço temporal que vai da noite entre terça-feira e quarta-feira até à manhã de sexta-feira.
Neste contexto, a estudiosa mostra que, em Marcos, nos dias de «Domingo de Ramos», segunda-feira, terça-feira e quarta-feira, existe uma sequência concreta dos acontecimentos, mas depois se salta di- rectamente para a ceia pascal. Por conseguinte, segundo a datação referida, ficariam dois dias sobre os quais nada se refere. Por fim, re- corda Jaubert que, deste modo, teria podido funcionar o projecto das autoridades judaicas de matar Jesus ainda antes da festa. Mas Pilatos, com a sua titubeação, teria depois adiado a crucifixão até sexta-feira.
No entanto, contra a mudança da data da Última Ceia de quinta para terça-feira fala a antiga tradição da quinta-feira, que em todo o caso encontramos claramente já no século II. A isto objecta a senhora Jaubert citando o segundo texto sobre o qual assenta a sua tese: trata-se da chamada Didascália dos Apóstolos, um escrito do início do século III que fixa a data da Ceia de Jesus na terça-feira. A estudiosa procura demonstrar que este livro terá recolhido uma tradição antiga, cujos vestígios poderão ser encontrados também noutros textos.
A isto, porém, é preciso responder que os vestígios da tradição encontrados são demasiado frágeis para poderem convencer. A outra dificuldade consiste no facto de ser pouco verosímil o uso, por parte de Jesus, de um calendário difundido principalmente em Qumrân. Nas grandes festas, Jesus frequentava o templo. E, embora tenha predito o seu fim confirmando-o com um acto simbólico dramático, Ele seguiu o calendário judaico das festividades, como mostra sobretudo o Evangelho de João. Poder-se-á, sem dúvida, admitir com a estudiosa francesa que o Calendário dos Jubileus não estava estritamente confinado a Qumrân e aos Essénios. Mas isto não basta para poder fazê-lo valer para a Páscoa de Jesus. Assim se explica que a tese, à primeira vista fascinante, de Annie Jaubert seja rejeitada pela maioria dos exegetas.
Ilustrei esta tese de maneira particularmente detalhada porque ela permite imaginar algo da multiplicidade e da complexidade do mundo judaico no tempo de Jesus: um mundo que, não obstante o considerável aumento dos nossos conhecimentos das fontes, podemos reconstituir apenas de modo insuficiente. Portanto, não negaria a esta tese qual- quer probabilidade, mas, tendo em consideração os seus problemas, penso que não é pura e simplesmente possível acolhê-la.
Que dizer então? A avaliação mais cuidada de todas as soluções tentadas até agora, encontrei-a no livro sobre Jesus de John P. Meier, que, no final do seu primeiro volume, expôs um amplo estudo sobre a cronologia da vida de Jesus. E chega à conclusão de que é preciso escolher entre a cronologia sinóptica e a joanina, demonstrando, com base no conjunto das fontes, que a decisão deve ser favorável a João.
João tem razão quando afirma que, no momento do processo de Jesus diante de Pilatos, as autoridades judaicas ainda não tinham comi- do a Páscoa e por isso deviam conservar-se cultualmente puras. Tem razão ao dizer que a crucifixão não teve lugar no dia da festa, mas na sua vigília. Isto significa que Jesus morreu na altura em que se imola- vam no templo os cordeiros pascais. Que depois os cristãos tivessem visto nisso mais do que um puro acaso, que tivessem reconhecido Je- sus como o autêntico Cordeiro, que precisamente assim tivessem encontrado o rito dos cordeiros elevado ao seu verdadeiro significado – tudo isso é simplesmente normal.
Resta a pergunta: mas, então, porque é que os sinópticos falam de uma ceia pascal? Em que se baseia esta linha da tradição? Uma resposta verdadeiramente convincente a esta pergunta, nem Meier a pôde dar. Todavia, faz a tentativa, como aliás muitos outros exegetas, através da crítica redaccional e literária; procura demonstrar que os textos de Mc 14, 1a e 14, 12-16 – os únicos lugares onde se fala da Páscoa em Marcos – terão sido inseridos posteriormente. Na narrativa verdadeira e própria da Última Ceia, não seria mencionada a Páscoa.
Esta operação, apesar dos numerosos nomes importantes que a sustentam, é artificial. Mas é justa a indicação de Meier segundo a qual, na narrativa da própria Ceia feita pelos sinópticos, o ritual pascal aparece tão pouco como em João. Assim, poder-se-á, embora com alguma reserva, subscrever a afirmação de que «toda a tradição joanina [...] concorda plenamente com a tradição original dos sinópticos relativamente ao carácter da Ceia como não pertencente à Páscoa» (A Marginal Jew, I, p. 398).
Mas então o que foi, verdadeiramente, a Última Ceia de Jesus? E como se chegou à concepção, seguramente muito antiga, do seu carácter pascal? A resposta de Meier é surpreendentemente simples e, sob muitos aspectos, convincente. Jesus estava consciente da sua mor- te iminente; sabia que não mais iria poder comer a Páscoa. Nesta clara certeza, convidou os seus para uma Última Ceia de carácter muito particular, uma Ceia que não pertencia a nenhum rito judaico determinado, mas era a sua despedida, na qual Ele deu algo novo, isto é, Se deu a Si mesmo como o verdadeiro Cordeiro, instituindo assim a sua Páscoa.
Em todos os Evangelhos sinópticos fazem parte desta Ceia as profecias de Jesus sobre a sua morte e sobre a sua ressurreição. Em Lucas, elas assumem uma forma particularmente solene e misteriosa: «Tenho ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco, antes de padecer, pois digo-vos que já não a voltarei a comer até ela ter pleno cumprimento no Reino de Deus» (22, 15-16). A frase permanece equívoca: pode significar que Jesus come, pela última vez, a Páscoa habitual com os seus; mas pode significar também que já não a come mais, encaminhando-se para a nova Páscoa.
Um dado é evidente em toda a tradição: o essencial desta Ceia de despedida não foi a Páscoa antiga, mas a novidade que Jesus realizou neste contexto. Mesmo se esta refeição de Jesus com os Doze não foi uma ceia pascal segundo as prescrições rituais do judaísmo, num olhar retrospectivo tornou-se evidente, com a morte e a ressurreição de Jesus, o significado intrínseco do todo: era a Páscoa de Jesus. E, neste sentido, Ele celebrou a Páscoa e não a celebrou. Os ritos antigos não podiam ser praticados; quando chegou o momento, Jesus já estava morto. Mas Ele entregara-Se a Si mesmo e assim tinha celebrado com eles verdadeiramente a Páscoa. Desta forma, o antigo não tinha sido negado, mas – e só assim poderia ser – levado ao seu sentido pleno.
O primeiro testemunho desta visão unificadora do novo e do antigo que é operada pela nova interpretação da Ceia de Jesus em relação com a Páscoa no contexto das suas morte e ressurreição encontra-se em Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios 5, 7: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos. Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (cf. Meier, A Marginal Jew, I, p. 429 s.). Como em Marcos 14, 1, também aqui se sucedem o primeiro dia dos Ázimos e a Páscoa, mas o sentido ritual de então é transformado num significado cristológico e existencial. Agora, os «ázimos» devem ser os próprios cristãos, libertados do fermento do pecado. E o Cordeiro imolado é Cristo. Nisto, Paulo concorda perfeitamente com a descrição joanina dos acontecimentos. Assim, para ele, morte e ressurreição de Cristo tornaram-se a Páscoa que permanece.
Com base nisto, pode-se compreender como a Última Ceia de Je- sus – que não era só um prenúncio, mas nos dons eucarísticos compreendia também uma antecipação de cruz e ressurreição – bem depressa acabou por ser considerada como Páscoa, como a sua Páscoa. E era-o verdadeiramente.

Vaticano: com crucifixo, Tribunal Europeu apoia liberdade religiosa



CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 18 de março de 2011 (ZENIT.org) - A sentença emitida hoje pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, a favor da exposição do crucifixo nas escolas na Itália, recebeu o elogio da Santa Sé, que a considera uma decisão que "faz história" no reconhecimento da liberdade religiosa.
O Pe. Federico Lombardi SJ, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, publicou uma declaração para expressar a "satisfação" do Vaticano ao ter lido esta "sentença sumamente comprometedora".

Um caso histórico

Os países que apoiaram oficialmente a Itália foram: Armênia, Bulgária, Chipre, Grécia, Lituânia, Malta, Mônaco, Romênia, Rússia e San Marino.
O caso havia sido apresentado ao Tribunal de Estrasburgo por Soile Lautsi, uma cidadã italiana de origem finlandesa, que em 2002 pediu à escola pública "Vittorino da Feltre", em Abano Terme (Pádua), na qual estudavam seus dois filhos, que retirasse os crucifixos das salas de aula. A direção da escola recusou-se, por considerar que o crucifixo é parte do patrimônio cultural italiano e, posteriormente, os tribunais italianos deram razão a este argumento.
No entanto, uma sentença de primeira instância do Tribunal de Estrasburgo decidiu, por unanimidade, impor a retirada de crucifixos nas escolas italianas e ordenou que o governo italiano pagasse à mulher uma indenização de € 5.000 por danos morais, considerando que a presença de crucifixos nas escolas é "uma violação dos direitos dos pais de educar seus filhos segundo suas convicções" e da "liberdade dos alunos".
Diante do recurso interposto pelo Estado italiano, o Tribunal Europeu se contrapôs radicalmente àquela primeira sentença, estabelecendo, por 15 votos a favor e 2 contra, que a presença de crucifixos nas salas de aula não é "uma violação dos direitos dos pais de educar seus filhos segundo suas convicções" e da "liberdade de religião dos alunos", já que "não existem elementos que possam provar que o crucifixo afeta eventualmente os alunos".

Os direitos não estão contra a liberdade de religião

O Pe. Lombardi explicou, em seu comunicado, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos "reconhece, em um nível sumamente autorizado e internacional, que a cultura dos direitos humanos não deve se opor aos fundamentos religiosos da civilização europeia, aos quais o cristianismo ofereceu uma contribuição essencial".
"Também se reconhece, segundo o princípio da subsidiariedade, que é um dever garantir a cada país uma margem de apreciação do valor de símbolos religiosos em sua própria história cultural e na identidade nacional e local de sua exposição", acrescenta.
"A nova sentença do Tribunal Europeu é bem-vinda também porque contribui efetivamente para restabelecer a confiança no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por parte de muitos europeus, convictos e cientes do papel determinante dos valores cristãos em sua própria história, mas também na construção da unidade europeia e na sua cultura de direito e liberdade", concluiu o comunicado vaticano. 

sexta-feira, 18 de março de 2011

Primeira Via-Sacra Quaresmal - 4

XII ESTAÇÃO
Jesus morre na cruz

V. Adorámos te, Christe, et benedícimus tibi:
R. Quia per sanctam Crucem tuam redemísti mundum.

Consideremos um Deus de toda a santidade a morrer numa Cruz, entre dois celerados, por amor de Suas criaturas, tirando do peito, não palavras de maldição e injúria, mas prece divina de amor e perdão: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”. “Tudo está consumado”. E, dizendo isto, expirou!

Momento de silêncio.

Feri-me de amor, Vos suplico, Jesus, feri-me de amor, porque mareio e perco a vista perante tão estranho espetáculo: um Deus morto por mim! E, pois, Vós ides, Senhor, e nos deixas sós e abandonados num mundo de miséria e dor? Não, bem sei! Tudo está consumado. Imitando Vossos exemplos e seguindo Vossos conselhos, havemos de por cobro à multidão de nossos pecados para alcançarmos um dia a felicidade do Céu.

Pai nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
Senhor, tende piedade de nós.

XIII ESTAÇÃO
Jesus é descido da Cruz e posto nos braços de Sua Mãe

V. Adorámos te, Christe, et benedícimus tibi:
R. Quia per sanctam Crucem tuam redemísti mundum.

Consideremos a extrema dor desta Mãe, ao ver em seus braços o Seu amado Filho, chagado, lívido, com as pálpebras cerradas no frio sono da morte. Contempla os estragos feitos nas mãos e pés pelos duros cravos, o lado aberto pela cruel lança, a cabeça ensangüentada e ferida pela coroa de espinhos e lastima-se de haver gente tão sem coração que tal fizeram ao Filho do Seu amor.

Momento de silêncio.

Ó Maria, somos nós a causa da vossa dor! Por vossa misericórdia, dignai-vos aceitar-nos como filhos arrependidos, para adorarmos em vossos braços o Amor Crucificado.

Pai nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
Senhor, tende piedade de nós.

XIV ESTAÇÃO
Jesus é colocado no sepulcro

V. Adorámos te, Christe, et benedícimus tibi:
R. Quia per sanctam Crucem tuam redemísti mundum.

Eis, Senhor, onde colocaram o Vosso Corpo adorável, inestimável penhor de nossa Redenção: deixai-me sepultar conVosco, e morrer ao mundo, para viver em Vossa companhia no Céu. Sepultai todas as minhas iniquidades e paixões, todas as coisas vis de que estou cheio e ressuscitai em mim o homem novo que possa contemplar-Vos um dia na glória inestimável do Céu.

Momento de silêncio.

Pai nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
Senhor, tende piedade de nós.

Oremos:
Olhai propício, Senhor, esta Vossa família, pela qual Nosso Senhor Jesus Cristo não hesitou entregar-se às mãos dos malfeitores e padecer os sofrimentos da Cruz. Por Cristo, Nosso Senhor.

Primeira Via-Sacra Quaresmal - 3

VIII ESTAÇÃO
Jesus consola as filhas de Israel

V. Adorámos te, Christe, et benedícimus tibi:
R. Quia per sanctam Crucem tuam redemísti mundum.

Admiremos aqui a generosidade incomparável de Jesus: esquece-se por momentos de Seus próprios sofrimentos, para abrir os seios de Sua entranhável caridade às filhas de Israel, e consolá-las de Sua dor. “Não choreis sobre Mim, mas antes sobre vós mesmas e sobre vossos filhos”, é a frase de Jesus.

Momento de silêncio.

Amável Senhor, consolador dos aflitos, fazei que sigamos sempre em companhia conVosco, rumo ao Calvário, para lograrmos Vossas palavras de vida eterna.

Pai nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
Senhor, tende piedade de nós.

IX ESTAÇÃO
Jesus cai pela terceira vez

V. Adorámos te, Christe, et benedícimus tibi:
R. Quia per sanctam Crucem tuam redemísti mundum.

Consideremos o nosso bom Jesus ao ver o Calvário. É ali, no cimo do monte, que um altar se vai erguer à Justiça ultrajada de Deus. Mas o Coração de Jesus padece grande angústia. Não teme os horrores de morte tão cruel, mas pensa antes na inutilidade de Seu sangue para tantos pecadores. Este triste pensamento constrange-O, aflige-O, e, súbito, o corpo cai e golpe no chão.

Momento de silêncio.

Jesus, vítima de amor, por misericórdia, erguei-Vos, consumai o Sacrifício, para não ficarmos privados de Vossa herança eterna.

Pai nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
Senhor, tende piedade de nós.

X ESTAÇÃO
Jesus é despojado de suas vestes

V. Adorámos te, Christe, et benedícimus tibi:
R. Quia per sanctam Crucem tuam redemísti mundum.

Consideremos quão grande foi a confusão de Jesus ao ver-se reduzido e tão completa nudez, desabrigado dos olhares daquela turba encarniçada e perversa.

Momento de silêncio.

Jesus, Divino Cordeiro, eis-Vos chegado ao lugar do suplício, sem um lamento nem um queixume. Despem-Vos e sofreis tal afronta para satisfazer pelos meus pecados de indecência e imodéstia. Jesus, bom Jesus, vesti-me com o manto da Vossa graça, pois não quero fazer-Vos sofrer mais.

Pai nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
Senhor, tende piedade de nós.

XI ESTAÇÃO
Jesus é pregado na cruz

V. Adorámos te, Christe, et benedícimus tibi:
R. Quia per sanctam Crucem tuam redemísti mundum.

Consideremos os atrozes sofrimentos de nosso Salvador ao ser pregado, com grossos cravos, ao madeiro, e olhemos com piedoso amor para o estandarte da nossa Redenção arvorado no cimo do Calvário, Vítima de Dor, todo o Corpo de Jesus sofre, e o sangue corre e inunda a terra!

Momento de silêncio.

Pecado, maldito pecado, causa deste mar de amargura e dor! Cristãos, aprestemo-nos a beber do sangue que fortalece e dá vida, e abramos em nossos olhos duas fontes de lágrimas para chorar nossos pecados.

Pai nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
Senhor, tende piedade de nós.