quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Mais um bispo ortodoxo para a Igreja: Dom Francisco Falcão


O Santo Padre Bento XVI nomeou agora a pouco o padre José Francisco Falcão de Barros, da diocese de Palmeira dos Índios, bispo auxiliar do Ordinariado Militar do Brasil. Nós nos alegramos com a eleição de Padre Francisco, notável pela ortodoxia, santidade, oratória e retidão de caráter. Graças a Deus, estamos recebendo de Deus, cada vez mais, os bons bispos que o Brasil tanto necessita. Que venham mais! Deus abençoe a Dom Francisco Falcão na sua missão de Sucessor dos Apóstolos!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A identidade missionária do presbítero na Igreja - 1


CONGREGAÇÃO PARA O CLERO
A IDENTIDADE MISSIONÁRIA DO PRESBÍTERO NA IGREJA COMO DIMENSÃO INTRÍNSECA DO EXERCÍCIO DOS TRIA MUNERA
Carta Circular
 
Introdução

Ecclesia peregrinans natura sua missionaria est.

« A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na «missão» do Filho e do Espírito Santo ». [1]
O Concílio Ecumênico Vaticano II, no fluxo ininterrupto da Tra- dição, é bem explícito na afirmação da missionariedade intrínseca da Igreja. A Igreja não existe por si e para si mesma: sua origem está nas missões do Filho e do Espírito; a Igreja é chamada, por sua natureza, a sair de si mesma dirigindo-se ao mundo, para ser sinal do Emanuel, do Verbo que se fez carne, do Deus-conosco.
Do ponto de vista teológico, a missionariedade está inserida em cada uma das notas da Igreja, sendo particularmente representada pela catolicidade e pela apostolicidade. Como cumprir fielmente a tarefa de sermos apóstolos, testemunhas fiéis do Senhor, anunciadores da Pa- lavra e administradores humildes e seguros da graça, senão mediante a missão, entendida como verdadeiro e próprio fator constitutivo do ser Igreja?
Além disso, a missão da Igreja é a que ela recebeu de Jesus Cristo, por meio do dom do Espírito Santo. Tal missão é única e está confiada a todos os membros do povo de Deus, que se tornam participantes do sacerdócio de Cristo mediante os sacramentos da iniciação, com a finalidade de oferecer a Deus um sacrifício espiritual e testemunhar Cristo diante dos homens. Essa missão se estende a todos os homens, a todas as culturas, a todos os lugares e a todos os tempos. A uma única missão corresponde um único sacerdócio: o de Cristo, do qual participam todos os membros do povo de Deus, embora de maneira efetivamente diferente, e não apenas em grau diverso.
Nessa missão, certamente, os presbíteros, enquanto colaboradores mais preciosos dos Bispos, sucessores dos Apóstolos, têm um papel central e absolutamente insubstituível, que lhes é confiado pela providência de Deus.

1. Consciência eclesial da necessidade de um renovado empenho missionário

A missionariedade intrínseca da Igreja se baseia dinamicamente nas próprias missões trinitárias. A Igreja é chamada, por sua natureza, a anunciar a pessoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado, a dirigir-se à humanidade inteira, segundo o mandato recebido do próprio Se- nhor: « Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura » (Mc 16,15); « Como o Pai me enviou, também eu vos envio » (Jo 20,21). Na própria vocação de São Paulo, está presente um envio: « Vai, por- que é para os gentios, para longe, que eu quero enviar-te » (At 22,21).
Para realizar essa missão, a Igreja recebe o Espírito Santo, enviado pelo Pai e pelo Filho no dia de Pentecostes. O Espírito que desceu sobre os Apóstolos é o Espírito de Jesus: leva a reproduzir os gestos de Jesus, a anunciar a palavra de Jesus (cf. At 4,30), a repetir a oração de Jesus (cf. At 7,59s; Lc 23,34.46), a perpetuar, na fração do pão, o agradecimento e o sacrifício de Jesus e conserva a unidade entre os irmãos (cf. At 2,42; 4,32). O Espírito Santo confirma e manifesta a comunhão dos discípulos como nova criação, como comunidade de salvação escatológica, e envia em missão: « Sereis minhas testemunhas [...] até os confins da terra » (At 1,8). O Espírito Santo impele a Igreja nascente à missão no mundo inteiro, demonstrando, dessa forma, que ele é derramado sobre « toda carne » (cf. At 2,17).
Nos dias de hoje, vistas as condições novas da presença e atividade da Igreja no panorama mundial, renova-se a urgência missionária, não apenas ad gentes, mas dentro do próprio rebanho, já constituído, da Igreja.
Nas últimas décadas, o magistério petrino expressou com autoridade e tons cada vez mais fortes e decididos a urgência de um renova- do esforço missionário. Basta pensar na Evangelii nuntiandi, de Paulo VI, ou na Redemptoris missio e Novo millennio ineunte, de João Paulo II, [2] até chegar às numerosas intervenções de Bento XVI. [3]
Não é menor a preocupação do Papa Bento XVI pela missão ad gentes, como demonstra sua constante solicitude. É preciso destacar e encorajar cada vez mais a presença, nos dias de hoje, de um número muito grande de missionários enviados ad gentes. Obviamente, eles não são suficientes. E vem-se delineando, ainda, um fenômeno novo: missionários africanos e asiáticos que ajudam a Igreja, por exemplo, na Europa.
É preciso também que nos alegremos e agradeçamos a Deus por vários novos Movimentos e Comunidades Eclesiais, até mesmo de caráter leigo, que vivem a missionariedade, quer em sua região – entre os católicos que, por motivos diversos, não vivem a pertença à comunidade eclesial –, quer ad gentes.

A identidade missionária do presbítero na Igreja - 2


2. Aspectos teológico-espirituais da missionariedade dos presbíteros

Não podemos considerar o aspecto missionário da teologia e da espiritualidade sacerdotal sem explicitar a relação com o mistério de Cristo. Como já destacamos no no 1, a Igreja encontra seu fundamento nas missões de Cristo e do Espírito Santo: assim, toda «missão» e a dimensão missionária da própria Igreja, intrínseca a sua natureza, se baseiam na participação da missão divina. O Senhor Jesus é, por antonomásia, o enviado do Pai. Com intensidade maior ou menor, todos os escritos neotestamentários dão esse testemunho.
No Evangelho de Lucas, Jesus apresenta a si mesmo como aquele que, consagrado com a unção do Espírito, foi enviado a anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Lc 4,18; Is 61,1-2). Nos três Evangelhos sinóticos, Jesus identifica a si mesmo com o filho amado que, na parábola dos vinhateiros homicidas, é enviado pelo senhor da vinha por último, depois dos servos (cf. Mc 12,1-12; Mt 21,33-46; Lc 20,9- 19); fala ainda em outros momentos de sua condição de enviado (cf. Mt 15,24). Em Paulo também aparece a idéia da missão de Cristo como enviado de Deus Pai (cf. Gl 4,4; Rm 8,3).
Mas é sobretudo nos textos joaninos que aparece, com maior frequência, a « missão » divina de Jesus. [4] 4 Ser « o enviado do Pai » pertence certamente à identidade de Jesus: Ele é aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo, e esse fato é expressão de sua irrepetível filiação divina (cf. Jo 10,36-38). Jesus levou a termo a Obra Salvífica, sempre, como enviado do Pai e como aquele que realiza as obras de quem o enviou, em obediência a sua vontade. Somente no cumprimento dessa vontade Jesus exerceu seu ministério de sacerdote, profeta e rei. Ao mesmo tempo é como enviado do Pai que ele, por sua vez, envia os discípulos. A missão, em todos os seus vários aspectos, tem seu fundamento na missão do Filho no mundo e na missão do Espírito Santo. [5]
Jesus é o enviado que, por sua vez, envia (cf. Jo 17,18). A «missionariedade » é, antes de mais nada, uma dimensão da vida e do ministério de Jesus e, por conseguinte, o é também da Igreja e de cada indivíduo cristão, de acordo com as exigências de sua vocação pessoal. Vemos como Jesus exerceu seu ministério salvífico, para o bem dos homens, nas dimensões do ensino, da santificação e do governo, intimamente ligadas; ou, em outros termos, mais propriamente bíblicos, enquanto profeta e revelador do Pai, enquanto sacerdote e enquanto Senhor, rei, pastor.
Embora Jesus, em sua proclamação do Reino e em sua função de revelador do Pai, tenha-se sentido especialmente enviado ao povo de Israel (cf. Mt 15,24; 10,5), não faltam diversos episódios em sua vida nos quais se manifesta o horizonte de universalidade de sua mensagem: Jesus não exclui os gentios da salvação, louva a fé de alguns deles, por exemplo a do centurião, e anuncia que os pagãos virão dos confins do mundo, para se sentar à mesa com os patriarcas de Israel (cf. Mt 8,10-12; Lc 7,9); igualmente, diz à mulher cananéia: « Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como queres» (Mt 15,28; cf. Mc 7,29). Em continuidade com sua missão, Jesus ressuscitado envia seus discípulos a pregar o Evangelho a todas as nações, numa missão universal (cf. Jo 20,21-22; Mt 28,19-20; Mc 16,15; At 1,8). A revelação cristã se destina a todos os homens, sem distinções.
A revelação de Deus Pai, trazida por Jesus, baseia-se em sua união irrepetível com o Pai, em sua consciência filial; só a partir desta pode Jesus exercer sua função de revelador (cf. Mt 11,12-27; Lc 10,21-22; Jo 1,18; 14,6-9; 17,3.4.6). Dar a conhecer o Pai, com tudo o que esse conhecimento implica, é a finalidade última de todo o ensinamento de Jesus. Sua missão de revelador está tão arraigada no mistério de sua pessoa, que, mesmo na vida eterna, continuará sua revelação do Pai: «Eu lhes dei a conhecer o teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles» (Jo 17,26; cf. 17,24). Essa experiência da paternidade divina deve impelir os discípulos ao amor por todos, e nisso consistirá sua « perfeição » (cf. Mt 5,45-48; Lc 6,35-36).
O ministério sacerdotal de Jesus não pode ser entendido sem a perspectiva da universalidade. É clara, a partir dos textos neotestamentários, a consciência que Jesus tem de sua missão, que o leva a dar a vida por todos os homens (cf. Mc 10,45; Mt 20,28). Jesus, que não pecou, põe-se no lugar dos homens pecadores e, por eles, se oferece ao Pai. As palavras da instituição da Eucaristia testemunham a mesma consciência e a mesma atitude; Jesus oferece a própria vida no sacrifício da Nova Aliança em favor dos homens: « Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos» (Mc 14,24; cf. Mt 26,28; Lc 22,20; 1 Cor 11,24-25).
O sacerdócio de Cristo foi aprofundado, principalmente, na Carta aos Hebreus, em que é ressaltado que ele é o sacerdote eterno, que possui um sacerdócio que não tem ocaso (cf. Hb 7,24), é o sacerdote perfeito (cf. Hb 7,28). Diante da multiplicidade de sacerdotes e de sacrifícios antigos, Cristo ofereceu a si mesmo, uma só vez e de uma vez para sempre, mediante o sacrifício perfeito (cf. Hb 7,27; 9,12.28; 10,10; 1 Pd 3,18). Essa unicidade de sua pessoa e de seu sacrifício confere ao sacerdócio de Cristo o seu caráter único e universal; toda a sua pessoa e, concretamente, o sacrifício redentor que tem um valor para a eternidade, traz o signo do que não passa e é insuperável. Cristo, sumo e eterno sacerdote, continua ainda, em sua condição de glorificado, a interceder por nós junto do Pai (cf. Jo 14,16; Rm 8,32; Hb 7,25; 9,24; 10,12; 1 Jo 2,1).
Jesus, enviado pelo Pai, aparece também como Senhor no Novo Testamento (cf. At 2,36). É o evento da ressurreição que leva os cristãos a reconhecerem o domínio de Cristo. Nas primeiras confissões de fé, aparece esse título fundamental relacionado com a ressurreição (cf. Rm 10,9). Não falta a referência a Deus Pai em muitos dos textos que nos falam de Jesus como Senhor (cf. Fl 2,11). Por outro lado, Jesus, que anunciou o reino de Deus, especialmente ligado a sua pessoa, é rei, como ele mesmo indica no Evangelho de João (cf. Jo 18,33-37). E, no fim dos tempos, irá « entregar a realeza a seu Deus e Pai, depois de destruir todo Principado e toda Autoridade e poder » (1 Cor 15,24).
Naturalmente, o domínio de Cristo tem pouco a ver com o dos grandes da terra (cf. Lc 22,25-27; Mt 20,25-27; Mc 10,42-45), pois, como ele mesmo indica, seu reino não é deste mundo (cf. Jo 18,36). Por isso, o domínio de Cristo é o do bom pastor, que conhece todas as ovelhas, que oferece a vida por elas e quer reuni-las todas num só rebanho (cf. Jo 10,14-16). A parábola da ovelha perdida também fala, indiretamente, de Jesus bom pastor (cf. Mt 18,12-14; Lc 15,4-7). Jesus é, ainda, o « Supremo Pastor » (1 Pd 5,4).
Em Jesus se realiza, de modo eminente, o que a tradição veterotestamentária tinha dito sobre Deus pastor do povo de Israel: « Eu as apascentarei em viçosas pastagens, e no alto monte de Israel estará o seu curral. [...] Eu mesmo apascentarei minhas ovelhas e as farei repousar — oráculo do Senhor Deus. Procurarei a ovelha perdida, reconduzirei a desgarrada, enfaixarei a quebrada, fortalecerei a doente e vigiarei a ovelha gorda e forte. Vou apascentá-las conforme o direi- to » (Ez 34,14-16). E mais adiante acrescenta: « Estabelecerei sobre elas um único pastor, o meu servo Davi. Ele as apascentará e lhes servirá de pastor. Eu, o Senhor, serei o seu Deus... » (Ez 34,23-24; cf. Jr 23,1-4; Zc 11,15-17; Sl 23,1-6). [6]
Só a partir de Cristo tem sentido a reflexão tradicional sobre os tria munera que configuram o sagrado ministério dos Sacerdotes. Não podemos esquecer que Jesus se considera presente em seus enviados: «Quem recebe aquele que eu enviar, a mim recebe e quem me recebe, recebe aquele que me enviou» (Jo 13,20; cf. também Mt 10,40; Lc 10,16). Existe uma corrente de « missões », que tem sua origem no próprio mistério do Deus Uno e Trino, que deseja que todos os homens participem da sua vida. O enraizamento trinitário, cristológico [7] e eclesiológico do ministério dos Sacerdotes é o fundamento da identidade missionária. A vontade salvífica universal de Deus, a unicidade e a necessidade da mediação de Cristo (cf. 1 Tm 2,4-7; 4,10) não permitem traçar limites na obra de evangelização e santificação da Igreja. Toda a economia da salvação tem sua origem no desígnio do Pai de recapitular tudo em Cristo (cf. Ef 1,3-10) e na realização desse desígnio, que se realizará completamente na vinda do Senhor na glória.
O Concílio Vaticano II alude claramente ao exercício dos tria munera de Cristo, por parte dos presbíteros, como colaboradores da ordem episcopal: «Participantes, segundo o grau do seu ministério, da função de Cristo único mediador (1 Tm, 2,5), anunciam a todos a palavra de Deus. Mas é no culto eucarístico ou sinaxe que exercem principalmente o seu múnus sagrado; nela, atuando em nome de Cristo e proclamando o seu mistério, unem as preces dos fiéis ao sacrifício da cabeça e, no sacrifício da missa, fazem presente e aplicam, até à vinda do Senhor (cf. 1 Cor 11,26), o único sacrifício do Novo Testamento, ou seja, Cristo oferecendo-se, uma vez por todas, ao Pai, como hóstia imaculada (cf. Hb 9, 11-28). [...] Desempenhando, segundo a medida da autoridade que possuem, o múnus de Cristo pastor e cabeça, reúnem a família de Deus em fraternidade animada por um mesmo espírito e, por Cristo e no Espírito Santo, conduzem-na a Deus Pai. No meio do próprio rebanho adoram-nO em espírito e verdade (cf. Jo 4,24) ». [8]
Em virtude do sacramento da Ordem, que confere um caráter espiritual indelével, [9] 9 os presbíteros são consagrados, ou seja, tirados «do mundo» e entregues «ao Deus vivo», tomados «como sua propriedade, a fim de que, a partir d’Ele, possam desempenhar o serviço sacerdotal pelo mundo », para pregar o Evangelho, ser os pastores dos fiéis e celebrar o culto divino, como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento (cf. Hb 5,1). [10]
O Sumo Pontífice Bento XVI, na alocução que dirigiu aos participantes da Assembléia Plenária da Congregação para o Clero, afirmou que « a dimensão missionária do presbítero nasce da sua configuração sacramental com Cristo Cabeça: de consequência, ela comporta uma adesão cordial e total àquela que a tradição eclesial reconheceu como a apostólica vivendi forma. Esta consiste na participação numa «vida nova» espiritualmente falando, naquele «novo estilo de vida» que foi inaugurado pelo Senhor Jesus e assumido pelos Apóstolos. Pela imposição das mãos do Bispo e a oração consecratória da Igreja, os candidatos tornam-se homens novos, tornam-se « presbíteros ». Sob esta luz, vê-se claramente como os tria munera são, primeiro, um dom e, só depois, um ofício; primeiro, a participação numa vida, e por isso uma potestas ». [11]
O Decreto Presbyterorum ordinis, sobre o ministério e a vida sacerdotal, explica essa verdade quando se refere aos presbíteros como ministros da palavra de Deus, ministros da santificação por meio dos sacramentos e da eucaristia, guias e educadores do povo de Deus. A identidade missionária do presbítero, embora não apareça explicitamente muito desenvolvida, está claramente presente nesses textos. Neles é sublinhado expressamente o dever de anunciar a todos o Evangelho de Deus, correspondendo ao mandato do Senhor por meio da proclamação da mensagem evangélica, com uma referência expressa aos não crentes e uma chamada à fé e aos sacramentos. O sacerdote, « enviado », que participa da missão de Cristo enviado pelo Pai, encontra-se envolvido numa dinâmica missionária, sem a qual não pode realmente viver sua identidade. [12]
Também na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis é afirmado que, mesmo inserido numa Igreja particular, o presbítero, em virtude de sua ordenação, recebeu um dom espiritual que o prepara para uma missão universal, até os confins da terra, pois «todo mi- nistério sacerdotal participa da mesma amplitude universal da missão confiada por Cristo aos apóstolos ». [13] Por isso, a vida espiritual do sacerdote deve ser caracterizada pelo impulso e dinamismo missionário: na esteira do Concílio Vaticano II, é indicado que os sacerdotes devem formar a comunidade que lhes foi confiada, para fazer dela uma comunidade autenticamente missionária. [14] A função de pastor exige que o impulso missionário seja vivido e comunicado, pois toda a Igreja é essencialmente missionária. Dessa dimensão da Igreja deriva de modo decisivo a identidade missionária do presbítero.
Quando se fala de missão, é preciso levar em consideração, necessariamente, que o enviado – o presbítero, nesse caso – encontra-se em relação tanto com quem o envia como com aqueles aos quais é enviado. Examinando sua relação com Cristo, o primeiro enviado do Pai, é preciso sublinhar o fato de que, conforme os textos do Novo Testamento, é o próprio Cristo que envia e constitui os ministros de sua Igreja, mediante o dom do Espírito Santo concedido na ordenação sacramental; eles não podem ser considerados simplesmente eleitos ou delegados da comunidade ou do povo sacerdotal. O envio vem de Cristo; os ministros da Igreja são instrumentos vivos de Cristo único mediador. « O presbítero encontra a verdade plena da sua identidade no fato de ser uma derivação, uma participação específica e uma continuação do próprio Cristo, sumo e único Sacerdote da nova e eterna Aliança: ele é uma imagem viva e transparente de Cristo Sacerdote ». [16]
Tomando como ponto de partida essa referência cristológica, aparece claramente a dimensão missionária da vida do sacerdote: Jesus morreu e ressuscitou por todos os homens que quer reunir num só rebanho; ele tinha de morrer para reunir todos os filhos de Deus que estavam dispersos (cf. Jo 11,52). Se todos morrem em Adão, em Jesus todos retornam à vida (cf. 1 Cor 15,20-22); em Jesus, Deus reconcilia o mundo consigo (cf. 2 Cor 5,19); assim, Jesus ordenou aos apóstolos que pregassem o Evangelho a todos os povos. Todo o Novo Testa- mento é atravessado pela idéia da universalidade da ação salvífica de Cristo e de sua única mediação. O presbítero, configurado a Cristo profeta, sacerdote e rei, não pode deixar de ter o coração aberto a todos os homens e – concretamente e sobretudo – àqueles que não conhecem Jesus e não receberam ainda a luz de sua Boa Nova.
No que diz respeito aos homens, a quem a Igreja deve anunciar o Evangelho, [17] e a quem, por conseguinte, o presbítero é enviado, é preciso evidenciar como o Concílio Vaticano II, repetidamente, falou da unidade da família humana, baseada na criação de todos à imagem e semelhança de Deus e na comunhão de destino em Cristo: « Os homens constituem todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a terra o inteiro gênero humano; têm também todos um só fim último, Deus, que a todos estende a sua providência, seus testemunhos de bondade e seus desígnios de salvação». [18] Essa unidade é chamada a alcançar seu ápice na recapitulação universal em Cristo (cf. Ef 1,10). [19]
A essa recapitulação final de tudo em Cristo, que constitui a salvação dos homens, dirige-se toda a ação pastoral da Igreja. Sendo todos os homens chamados à unidade em Cristo, ninguém pode ser excluído da solicitude do presbítero a Ele configurado. Todos esperam, mesmo que inconscientemente (cf. At 17,23-28), a salvação que só pode vir d’Ele: a salvação que é a inserção no Mistério Trinitário, na participação de sua filiação divina. Não podem ser feitas discriminações entre os homens, que têm todos a mesma origem e compartilham o mesmo destino e a única vocação em Cristo. Estabelecer limites à «caridade pastoral» do presbítero seria totalmente contraditório com a sua vocação, marcada pela peculiar configuração a Cristo, cabeça e pastor da Igreja e de todos os homens.
Os tria munera, exercidos pelos sacerdotes em seu ministério, não podem ser concebidos sem sua essencial relação com a pessoa de Cristo e com o dom do Espírito. O presbítero se configura a Cristo mediante o dom do Espírito recebido na ordenação. Uma vez que os tria munera, em Cristo, mostram-se essencialmente entrelaçados, não podendo assim ser separados de modo algum, e os três recebem luz da identidade filial de Jesus, o enviado do Pai, da mesma forma não podemos separar o exercício dessas três funções nos sacerdotes. [20]
O presbítero vive uma relação com a pessoa de Cristo, e não somente com suas funções, que brotam e adquirem pleno sentido da própria pessoa do Senhor. Isso significa que o sacerdote encontra a especificidade de sua vida e de sua vocação vivendo sua configuração pessoal a Cristo; é sempre um alter Christus. Na consciência de ser enviado por Cristo, como Cristo é enviado pelo Pai, para a salus animarum, o sacerdote experimentará a dimensão universal, e portanto missionária, de sua identidade mais profunda.

A identidade missionária do presbítero na Igreja - 3


3. Uma renovada práxis missionária dos presbíteros

A urgência missionária de nossos dias exige uma renovada práxis pastoral. As novas condições culturais e religiosas do mundo, com toda a sua diversidade, segundo as várias regiões geográficas e os diferentes ambientes sócio-culturais, indicam a necessidade de abrir novos caminhos para a práxis missionária. Bento XVI, no já citado discurso aos bispos alemães, disse: « Todos juntos devemos procurar descobrir no- vos modos de apresentar o Evangelho ao mundo contemporâneo ». [21]
Pelo que diz respeito à participação dos presbíteros nessa missão, há que recordar a essência missionária da própria identidade presbiteral, de todos e cada um dos presbíteros, e a história da Igreja, que mostra o papel insubstituível dos presbíteros na atividade missionária. Quando se trata da evangelização missionária dentro da Igreja já estabelecida, dirigindo-se aos batizados «que se afastaram» e a todos aqueles que, nas paróquias e nas dioceses, pouco ou nada conhecem de Jesus Cristo, esse papel insubstituível dos presbíteros aparece de modo ainda mais evidente.
Nas comunidades particulares, nas paróquias, o ministério dos presbíteros manifesta a Igreja como acontecimento transformador e redentor, que se realiza no cotidiano da sociedade. É aí que os presbíteros pregam a Palavra de Deus, evangelizam, catequizam, expondo integral e fielmente a sagrada doutrina, ajudam os fiéis a ler e a entender a Bíblia, reúnem o povo de Deus para celebrar a Eucaristia e os outros sacramentos, promovem outras formas de oração comunitária e devocional, recebem quem vem em busca de apoio, de consolação, de luz, de fé, de reconciliação e aproximação de Deus, convocam e presidem encontros da comunidade para estudar, elaborar e pôr em prática os planos pastorais, orientam e estimulam a comunidade no exercício da caridade para com os pobres – pobres em espírito e economicamente falando –, na promoção da justiça social, dos direitos humanos, da igual dignidade de todos os homens, da autêntica liberdade, da colaboração fraterna e da paz, segundo os princípios da doutrina social da Igreja. São os presbíteros, enquanto colaboradores dos Bispos, que têm a responsabilidade pastoral imediata.

3.1. O missionário deve ser discípulo

O próprio Evangelho mostra como ser missionário exige ser discípulo. O texto de Marcos afirma: « Jesus subiu a montanha e chamou os que ele quis; e foram a ele. Ele constituiu então doze, para que ficassem com ele e para que os enviasse a anunciar a Boa Nova, com o poder de expulsar os demônios» (Mc 3,13-15). «Chamou a si os que ele quis» e «para que ficassem com ele»: eis o discipulado! Esses discípulos serão enviados a pregar e a expulsar os demônios: eis os missionários!
No Evangelho de João, encontramos o chamado (« Vinde e vede »: Jo 1,39) dos primeiros discípulos, o seu encontro com Jesus e seu primeiro impulso missionário quando vão e chamam outros, anunciam- lhes o Messias encontrado e identificado e os conduzem a Jesus que chama ainda a tornar-se seus discípulos (cf. Jo 1,35-51).
No itinerário do discipulado, tudo começa com o chamado do Senhor. A iniciativa é sempre d’Ele. Isso indica que o chamado é uma graça, que deve ser livre e humildemente acolhida e guardada, com a ajuda do Espírito Santo. Deus amou-nos primeiro. É o primado da graça. Ao chamado segue-se o encontro com Jesus para ouvir sua palavra e experimentar seu amor por cada um e pela humanidade inteira. Ele ama-nos e revela-nos o verdadeiro Deus, Uno e Trino, que é amor. No Evangelho, vê-se como, neste encontro, o Espírito de Jesus transforma aquele que possui o coração disponível.
Com efeito, quem encontra Jesus experimenta uma profunda identificação com sua pessoa e sua missão no mundo, crê n’Ele, experimenta o seu amor, adere a Ele, decide segui-lo incondicionalmente para onde quer que o leve, investe n’Ele toda a sua vida e, se necessário, aceita morrer por Ele. Sai do encontro com o coração feliz e entusiasmado, fascinado pelo mistério de Jesus e lança-se a anunciá-lo a todos. Assim o discípulo torna-se semelhante ao Mestre, enviado por Ele e sustentado pelo Espírito Santo.
O pedido que hoje fazemos é o mesmo feito por alguns gregos, presentes em Jerusalém quando Jesus fez sua entrada messiânica na cidade. Eles pediam: «Queremos ver Jesus!» (Jo 12,21) Nós também fazemos esse pedido hoje. Onde e como podemos encontrar Jesus, depois de seu retorno ao Pai, hoje, no tempo da Igreja?
Papa João Paulo II de v. m. desenvolveu amplamente a necessidade do encontro com Jesus para todos os cristãos, a fim de que possam outra vez partir dele para anunciá-lo à humanidade atual. Ao mesmo tempo, indicou alguns lugares privilegiados em que é possível encontrar Jesus hoje. O primeiro lugar, dizia o Papa, é «a Sagrada Escritura, lida à luz da Tradição, dos Padres e do Magistério, e aprofundada através da meditação e da oração», [22] ou seja, a chamada lectio divina, leitura orante da Bíblia. Um segundo lugar, dizia o Papa, é a Liturgia, são os Sacramentos, e de modo muito especial a Eucaristia. No relato da aparição do Ressuscitado aos discípulos de Emaús, encontramos intimamente ligadas a Sagrada Escritura e a Eucaristia, como lugares de encontro com Cristo. Um terceiro lugar nos é indicado pelo texto evangélico de São Mateus sobre o juízo final, em que Jesus se identifica com os pobres (cf. Mt 25,31-46).
Uma outra fundamental e preciosa maneira de encontrar Jesus Cristo é a oração, tanto pessoal como comunitária, sobretudo diante do Santíssimo Sacramento, como também na oração fiel da Liturgia das Horas. A própria contemplação da criação pode se tornar um lugar de encontro com Deus.
Todo cristão deve ser conduzido a Jesus Cristo para ter, e em seguida sempre renovar e aprofundar, um encontro forte, pessoal e comunitário com o Senhor. Desse encontro, nasce e renasce o discípulo. Do discípulo, nasce o missionário. Se isso vale para todo cristão, muito mais para o presbítero. [23]
O discípulo e missionário, por outro lado, é sempre membro de uma comunidade de discípulos e missionários, que é a Igreja. Jesus veio ao mundo e deu sua vida na cruz « para reunir os filhos de Deus dispersos » (Jo 11,52). O Concílio Vaticano II ensina que « aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente ». [24] Jesus, com seu grupo de discípulos, de modo especial os Doze, dá início a essa comunidade nova, que reúne os filhos de Deus dispersos, ou seja, a Igreja. Depois de seu retorno ao Pai, os primeiros cristãos vivem em comunidade, sob a condução dos Apóstolos, e todo discípulo participa da vida comunitária e do encontro com os irmãos, em primeiro lugar partindo o pão eucarístico. É na Igreja, e a partir da efetiva comunhão com a própria Igreja, que vivemos e nos realizamos como discípulos e missionários.

3.2. A missão ad gentes

A Igreja inteira, por natureza, é missionária. Esse ensinamento do Concílio Vaticano II se reflete também na identidade e na vida dos presbíteros: « O dom espiritual, recebido pelos presbíteros na ordenação, não os prepara para uma missão limitada e determinada, mas sim para a missão imensa e universal da salvação, ‘até aos confins da terra’ (At 1,8) [...]. Lembrem-se, por isso, os presbíteros que devem tomar a peito a solicitude por todas as igrejas ». [25]
De muitas e diferentes formas, os presbíteros podem participar na missão ad gentes, mesmo sem ir às terras de missão. Também a eles, porém, Cristo pode conceder a graça especial de serem chamados por Ele e enviados por seus Bispos ou Superiores maiores à missão em regiões do mundo em que Ele ainda não foi anunciado e a Igreja ainda não se estabeleceu, ou seja, ad gentes, ou enviados para onde há escassez de clero. No âmbito do clero diocesano, pensemos, por exemplo, nos sacerdotes Fidei Donum.
Os horizontes da missão ad gentes se ampliam e exigem um renovado impulso na atividade missionária. Os presbíteros são enviados a perceber o sopro do Espírito, verdadeiro protagonista da missão, e a compartilhar essa solicitude da Igreja universal. [26]

3.3. A evangelização missionária

Na primeira parte deste texto, já identificamos a necessidade e a urgência de uma nova evangelização missionária no próprio rebanho da Igreja, ou seja, entre os já batizados.
De fato, grande parte de nossos católicos batizados não participa com regularidade, ou às vezes não participa nunca, da vida de nossas comunidades eclesiais. Isso acontece não só porque outros modelos se apresentam a eles como mais atraentes, ou então porque decidem conscientemente rejeitar a fé, mas também e cada vez mais porque não foram suficientemente evangelizados. Ou melhor: não encontraram ninguém que testemunhasse a eles a beleza da vida cristã autêntica. Ninguém os levou a um encontro forte e pessoal e, depois, comunitário com o Senhor. Um encontro que marcasse sua vida e a transformasse, um encontro em que começassem a ser verdadeiros discípulos de Cristo.
Isso indica a necessidade da missão: é preciso ir à procura dos nossos batizados, e também de todos os não ainda batizados, anunciar-lhes, de novo ou pela primeira vez, o querigma, ou seja, o primeiro anúncio da pessoa de Jesus Cristo, morto na cruz e ressuscitado para a nossa salvação, e de seu Reino, e assim conduzi-los a um encontro pessoal com Cristo.
Alguém talvez se pergunte se o homem e a mulher da cultura pós-moderna, das sociedades mais avançadas, ainda saberão abrir-se ao querigma cristão. A resposta deve ser positiva. O querigma pode ser compreendido e acolhido por qualquer ser humano, em qualquer tempo ou cultura. Mesmo os ambientes mais intelectuais ou mais simples podem ser evangelizados. Devemos, até, crer que também os chamados pós-cristãos possam, de novo, ser tocados pela pessoa de Jesus Cristo.
O futuro da Igreja depende, também, de nossa docilidade a sermos concretamente missionários em meio a nossos batizados. [27] Afinal, do evento salvífico do batismo derivam o direito e o dever dos sagrados pastores de evangelizar os batizados, como ato devido por justiça. [28]
Certamente, cada Igreja particular de cada continente e de cada nação deve encontrar o caminho para chegar, num esforço decidido e eficaz de missão evangelizadora, até seus católicos que, por diferentes motivos, não vivem sua pertença à comunidade eclesial. Nessa obra de evangelização missionária, os presbíteros detêm um papel insubstituível e precioso, em primeiro lugar no que diz respeito à missão no rebanho da paróquia que lhes foi confiada. Na paróquia, os presbíteros precisarão de convocar os membros da comunidade, consagrados e leigos, para prepará-los adequadamente e enviá-los em missão evangelizadora a cada pessoa, a cada família, até mesmo mediante visitas domiciliares, e a todos os ambientes sociais nos próprios territórios. O pároco, em primeira pessoa, deve participar na missão paroquial.
Na esteira do ensinamento conciliar e conscientes da advertência do Senhor « que todos sejam um [...] a fim de que o mundo creia que tu me enviaste » (Jo 17,21), é de primária importância, para uma renovada práxis missionária, que os presbíteros reavivem em si a consciência de ser colaboradores dos Bispos. Eles, de fato, são enviados por seu Bispo a servir a comunidade cristã. Por isso, a unidade com o Bispo, que por sua vez deverá estar efetiva e afetivamente unido com o Sumo Pontífice, constitui a primeira garantia de toda ação missionária.
Podemos procurar algumas indicações concretas para uma renovada prática missionária dos presbíteros no âmbito dos tria munera.

No âmbito do munus docendi:

1. Em primeiro lugar, para ser um verdadeiro missionário dentro do próprio rebanho da Igreja, segundo as exigências atuais, é essencial e indispensável que o presbítero se decida, com viva consciência e determinação, não apenas a acolher e evangelizar aqueles que o pro- curam, tanto na paróquia como em outros lugares, mas a «levantar- se e ir » em busca, primeiro, dos batizados que por motivos diversos não vivem sua pertença à comunidade eclesial, e também daqueles que pouco ou nada conhecem a Jesus Cristo.
Os presbíteros que exercem seu ministério nas paróquias devem- se sentir chamados em primeiro lugar a ir até o povo que vive no território paroquial, valorizando sabiamente também as tradicionais formas de encontro, como as bênçãos às famílias, que tantos frutos já trouxeram. Os presbíteros que são chamados à missão ad gentes devem ver nisso uma graça muito especial do Senhor, e partir alegres e sem temor. O Senhor sempre os acompanhará.
2. Para uma evangelização missionária dentro do próprio rebanho católico, em primeiro lugar nas paróquias, é preciso convidar, formar e enviar também os fiéis leigos e os religiosos da comunidade. Os presbíteros na paróquia, obviamente, são os primeiros missionários e devem ir em busca das pessoas nas casas e em qualquer lugar e ambiente social; todavia, os leigos e os religiosos também são chamados pelo Senhor, mediante seu Batismo e sua Crisma, a participar da mis- são, sob a condução do pastor local.
Culturalmente falando, é necessário tomar consciência do fato de que o exercício da « caridade pastoral » [29] para com os fiéis impõe não deixá-los indefesos (ou seja, privados de capacidade crítica) diante da doutrinação que muitas vezes lhes vem de espaços como a escola, a televisão, a imprensa, a internet e, às vezes, até das cátedras universitárias e do mundo do espetáculo.
Os sacerdotes, por sua vez, devem ser encorajados e sustentados por seus Bispos nessa delicada obra pastoral, sem nunca delegar totalmente a outros a catequese direta, de modo que todo o povo cristão seja orientado, no atual momento multicultural, por critérios autenticamente cristãos. É preciso distinguir entre doutrina autêntica e interpretações teológicas, e depois entre estas e aquelas que correspondem ao Magistério perene da Igreja.
3. O anúncio especificamente missionário do Evangelho exige que seja dada uma importância central ao querigma. Esse primeiro e renovado anúncio querigmático de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e de seu Reino tem, sem dúvida, um vigor e uma unção especial do Espírito Santo, que não podem ser minimizados ou negligenciados no esforço missionário. [30]
Portanto, é preciso retomar, opportune et importune, com muita constância, convicção e alegria evangelizadora, esse primeiro anúncio, quer nas homilias, durante as santas Missas ou outros eventos evangeliza- dores, quer nas catequeses, ou, ainda, nas visitas domiciliárias, nas praças, nos meios de comunicação social, nos encontros pessoais com os batizados que não participam na vida das comunidades eclesiais; enfim, onde quer que o Espírito nos impulsione e ofereça uma oportunidade, que não devemos desperdiçar. O querigma alegre e corajoso distingue uma pregação missionária, que quer levar o ouvinte a um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, início do caminho de um verdadeiro discípulo.
4. É necessário explicar o fato de que a Igreja vive da Eucaristia, que é o centro. Na celebração eucarística se manifesta plenamente na sua identidade. Na vida e na atuação da Igreja, tudo leva à Eucaristia e tudo recomeça da Eucaristia. Por isso, a evangelização missionária, a pregação do querigma e todo o exercício do munus docendi devem tender também para a Eucaristia e levar o ouvinte, no fim das contas, à mesa eucarística. A própria missão deve sempre partir da Eucaristia e sair para o mundo. « A Eucaristia é fonte e ápice não só da vida da Igreja, mas também da sua missão: uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja missionária ». [31]
5. A evangelização dos pobres é prioritária, em todas as for- mas, como disse o próprio Jesus: « O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres » (Lc 4,18). No texto evangélico de Mateus sobre o juízo final, constatamos que Jesus quer ser reconhecido, de modo especial, no pobre (cf. Mt 25,31-46). A Igreja sempre se inspirou nesses textos. [32]
6. A Igreja nunca impõe sua fé, mas sempre a propõe com amor, com unção e coragem, no respeito da autêntica liberdade religiosa, a qual pede também para si mesma, e da liberdade de consciência do ouvinte. Além disso, o método do verdadeiro diálogo é cada vez mais indispensável: um diálogo que não deve excluir o anúncio, mas antes supô-lo e ser, definitivamente, um caminho pelo qual evangelizar.33
7. É necessária a preparação do missionário mediante a formação de uma sólida espiritualidade e uma autêntica vida de oração, além de uma escuta constante da Palavra de Deus, de modo especial pela leitura dos Evangelhos. O método da lectio divina, da leitura orante da Bíblia, pode ser de grande ajuda. De qualquer modo, o pregador deve ser inflamado por um fogo novo, que se acende e mantém aceso no contato pessoal com o Senhor e vivendo em estado de graça, como podemos reconhecer nos Evangelhos. A essa escuta da Palavra deve juntar-se um estudo constante e aprofundado da doutrina católica autêntica, tal como se encontra principalmente no Catecismo da Igreja Católica e na sã teologia. A fraternidade sacerdotal é parte integrante da espiritualidade missionária, e a sustenta.

No âmbito do munus sanctificandi:

1. O exercício do munus sanctificandi está também ligado à capacidade de transmitir um sentido vivo do sobrenatural e do sagrado, que fascine e conduza a uma real experiência de Deus, existencialmente significativa.
Faz parte de toda celebração sacramental a proclamação da Palavra de Deus, dado que o sacramento exige a fé de quem o recebe. Esse fato é já uma primeira indicação de como o ministério presbiteral, na administração dos sacramentos e de modo especial na celebração da Eucaristia, possui uma dimensão missionária intrínseca, que pode ser desenvolvida como anúncio do Senhor Jesus e de seu Reino àqueles que pouco ou, até agora, nada foram evangelizados.
2. É preciso, ainda, sublinhar que a Eucaristia é o ponto de chega- da da missão. O missionário deve ir em busca das pessoas e dos povos para levá-los à mesa do Senhor, prenúncio escatológico do banquete de vida eterna com Deus, no céu, que será a realização plena da salvação, segundo o desígnio redentor de Deus. Será preciso, portanto, uma grande, calorosa e fraterna acolhida daqueles que vêm pela primeira vez à Eucaristia, ou a esta voltam, depois de terem sido instruídos pelos missionários.
Além disso, a Eucaristia tem uma dimensão de envio missionário. Cada Santa Missa, ao seu final, envia todos os participantes a atuar missionariamente na sociedade. A Eucaristia, como memorial da Páscoa do Senhor, torna presente, sempre de novo, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, que, por amor ao Pai e a nós, deu a vida por nossa redenção, amando-nos até o fim. Esse sacrifício de Cristo é a ação suprema de amor de Deus pelos homens.
A comunidade cristã, ao celebrar a Eucaristia e ao receber dignamente o sacramento do Corpo e do Sangue de Jesus, fica profundamente unida ao Senhor e cumulada de seu amor desmedido. Ao mesmo tempo, todas as vezes recebe de novo o mandamento de Jesus: «Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei», e se sente impelida pelo Espírito de Cristo a ir e anunciar a todas as criaturas a Boa Nova do amor de Deus e da esperança, certa de sua misericórdia salvadora. No Decreto Presbyterorum ordinis, o Concílio Vaticano II diz: « A Eucaristia é a fonte e o ápice de toda a evangelização» (no 5). Portanto, é fundamental que os sacerdotes tenham o cuidado de celebrar cotidianamente a Eucaristia, mesmo na ausência do povo.
3. Os outros sacramentos também recebem sua força santificante da morte e ressurreição de Cristo e, assim, proclamam a misericórdia indefectível de Deus. A própria celebração dos sacramentos, bela, condigna e devota, respeitando todas as normas litúrgicas, transforma-se numa evangelização muito especial para os fiéis presentes. Deus é Beleza, e a beleza da celebração litúrgica é um dos caminho que nos conduz a seu mistério.
4. Devemos rogar ao Senhor que desperte a vocação missionária da comunidade eclesial, de seus pastores e membros. Jesus disse: «A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos! Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie trabalhadores para sua colheita!» (Mt 9,37-38). A oração tem uma enorme força diante de Deus. Jesus nos assegura dessa força: «Pedi e vos será dado» (Mt 7,7); «Tudo o que, na oração, pedirdes com fé, vós o recebereis!» (Mt 21,22); «o que pedirdes em meu nome, eu o farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes algo em meu nome, eu o farei» (Jo 14,13-14).
5. É oportuno recordar que o sacramento da Reconciliação, na forma da confissão individual, possui uma profunda e intrínseca missionariedade. O sacerdote é chamado, para a fecundidade da missão que lhe está confiada e para sua santificação, a ser solícito, em primeiro lugar em seu próprio benefício, na celebração regular e freqüente desse sacramento e, ao mesmo tempo, a ser seu fiel e generoso ministro.
6. O ministério pastoral do presbítero está a serviço da unidade da comunidade cristã. A regeneração do povo cristão e o cuidado com a dimensão comunitária da experiência cristã são, por isso, a primeira tarefa missionária do presbítero.
7. Concluindo, o presbítero deverá entender melhor a natureza da sede que atormenta, às vezes até inconscientemente, os homens e as mulheres de nosso tempo: sede de Deus, de uma experiência e doutrina de verdadeira salvação, de um anúncio da verdade sobre o destino último, pessoal e comunitário, de uma religião cristã que seja capaz de permear toda a organização da vida e dia a dia a transforme cada vez mais. [34] Uma sede que só o Senhor Jesus poderá, em última instância, satisfazer, tendo sempre presente que «a caridade pastoral constitui o princípio interior e dinâmico capaz de unificar as múltiplas e diversas atividades pastorais do presbítero ». [35]

No âmbito do munus regendi:

1. São indispensáveis a preparação e a organização da missão nas comunidades eclesiais, nas paróquias. Uma boa preparação e uma organização clara da missão já constituem um penhor de êxito frutuoso. Obviamente, o primado da graça não pode ser esquecido, deve ser evidenciado. O Espírito Santo é o primeiro operador missionário. Por isso, é preciso invocá-lo insistentemente e com muita confiança. Será ele que acenderá aquele fogo novo, aquela paixão missionária que é necessária nos corações dos membros da comunidade. Mas é necessário o concurso da liberdade humana. Os pastores da comunidade devem pensar, também do ponto de vista organizacional, nas formas mais incisivas e oportunas de missão.
2. É preciso buscar a execução de uma boa metodologia missionária. A Igreja tem disso uma experiência bimilenar. Todavia, cada época histórica traz consigo novas circunstâncias, que devem ser levadas em consideração ao estabelecer como praticar a missão. Há muitas metodologias já elaboradas e comprovadas na práxis das Igrejas particulares. As Conferências Episcopais e as dioceses poderiam oferecer oportunas indicações sobre esse ponto.
3. É preciso que nos dirijamos, em primeiro lugar, aos pobres das periferias urbanas e das zonas rurais. São eles os destinatários prediletos do Evangelho. Isso significa que o anúncio deve ser acompanhado por uma ação eficaz e amorosa de promoção humana integral. Jesus Cristo deve ser proclamado como uma boa notícia para os pobres. Estes devem-se sentir contentes e cheios de segura esperança em virtude desse anúncio. [36]
4. Seria oportuno que a missão na paróquia e na diocese não se reduzisse a um período determinado. A Igreja é, por sua própria natureza, missionária. Assim, a missão deve fazer parte das dimensões permanentes do ser e do agir da Igreja. Por conseguinte, a missão deve ser permanente. É claro que podem existir períodos mais intensos, mas a missão não deveria jamais ser dada por concluída ou interrompida. Antes, a missionariedade deve ser firme e amplamente integrada na própria estrutura da atividade pastoral e da vida da Igreja particular e de suas comunidades.
Isso poderia levar a uma autêntica renovação, e viria a constituir um elemento muito válido para revigorar e rejuvenescer a Igreja nos dias de hoje. É permanente, também, a missionariedade dos próprios presbíteros, os quais, independentemente do ofício exercido e da idade cronológica, são chamados à missão sempre até o último dia de sua existência terrena, porque a missão está indissoluvelmente ligada à ordenação que receberam.

A identidade missionária do presbítero na Igreja - 4


3.4. A formação missionária dos presbíteros

Todos os presbíteros devem receber uma formação missionária específica e cuidadosa, dado que a Igreja quer empenhar-se, com renovado ardor e urgência, na missão ad gentes e numa evangelização missionária, dirigida a seus batizados, de modo particular àqueles que se afastaram da participação na vida e atividade da comunidade eclesial. Essa formação deveria ter início já no seminário, sobretudo mediante a direção espiritual e um estudo cuidadoso e aprofundado do sacra- mento da Ordem, a fim de salientar como a dinâmica missionária é intrínseca ao sacramento.
Aos presbíteros já ordenados muito beneficiará, e pode-se até tornar necessária, a formação missionária, integrada no programa de formação permanente. A consciência, por um lado, da urgência da missão e, por outro, da formação e espiritualidade missionárias talvez insuficientes do presbitério há de indicar, a cada Bispo ou Superior Maior, as medidas que devem ser tomadas para dar início a uma renovada preparação para a missão e a uma mais profunda e estimulante espiritualidade missionária nos presbíteros.
Parece-nos útil destacar que um dos principais aspectos da missão é a tomada de consciência de sua urgência, que inclui o aspecto da formação dos candidatos ao ministério presbiteral, com sua específica vertente missionária.
Se o número de vocações vem crescendo globalmente no mundo, embora ainda modestamente (isso, enquanto sobretudo o Ocidente desperta algumas apreensões), o aspecto absolutamente determinante para o futuro da Igreja é a formação: um sacerdote com uma identidade clara e específica, com uma sólida formação humana, intelectual, espiritual e pastoral, gerará mais facilmente novas vocações, pois viverá a consagração como missão e, contente e seguro do amor que o Senhor tem por sua existência sacerdotal, saberá difundir o «bom perfume de Cristo » ao seu redor e viver cada instante de seu ministério como uma oportunidade missionária.
Mostra-se cada vez mais urgente, então, criar um «círculo virtuoso» entre o tempo da formação no seminário e o do ministério ini- cial e da formação permanente. [37] 37 Esses momentos devem permanecer firmemente unidos e absolutamente harmônicos, para que também nessa obra o clero possa tornar-se cada vez mais plenamente o que é: uma pérola preciosa e indispensável, oferecida por Cristo à Igreja e à humanidade inteira.

Conclusão

Se a missionariedade é um elemento constitutivo da identidade eclesial, devemos ser gratos ao Senhor, que renova, também por intermédio do Magistério pontifício recente, essa clara consciência em toda a sua Igreja, e em particular nos presbíteros.
A urgência missionária no mundo é verdadeiramente grande e exige uma renovação da pastoral, no sentido de que a comunidade cristã deveria conceber-se em «missão permanente», tanto ad gentes como onde a Igreja já está estabelecida, ou seja, indo em busca daqueles que batizamos e têm o direito de ser evangelizados por nós.
As melhores energias da Igreja e dos presbíteros sempre foram empregadas no anúncio do querigma, que é a essência da missão que nos foi dada pelo Senhor. Essa « tensão missionária » permanente não poderá deixar de ser útil também à identidade do presbítero, que, precisamente no exercício missionário dos tria munera, encontra o principal caminho para sua santificação pessoal e, portanto, também para sua plena realização humana.
Além disso, o envolvimento real e efetivo de todos os membros do Corpo eclesial (bispos, presbíteros, diáconos, religiosos, religiosas e leigos) na missão favorecerá a experiência de unidade visível, tão essencial à eficácia de todo e qualquer testemunho cristão.
A identidade missionária do presbítero, para se manter, deve olhar incessantemente para a Bem-Aventurada Virgem Maria, que, cheia de graça, foi levar e apresentar o Senhor ao mundo e que continua, sem- pre, a visitar os homens de todos os tempos, ainda peregrinos neste mundo, para mostrar-lhes o rosto de Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, e para introduzi-los na comunhão eterna com Deus.

Vaticano, 29 de junho de 2010

Solenidade de São Pedro e São Paulo



[1] CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Ad gentes, 2; cf. também 5-6; 9-10; Const. dogm. Lumen gentium, 8; 13; 17; 23; Decr. Christus Dominus, 6.
[2] Cf. PAULO VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de dezembro de 1975), 2; 4-5; 14; JOÃO PAULO II, Cart. enc. Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990), 1; ID., Cart. ap. Novo millennio ineunte (6 de janeiro de 2001), 1; 40; 58.
[3] BENTO XVI, falando aos bispos alemães durante a Jornada Mundial da Juventude (2005), disse: «Sabemos que o secularismo e a descristianização estão a alastrar-se, que o relativismo cresce e que a influência da ética e da moral católicas diminui cada vez mais. Não poucas pessoas abandonam a Igreja ou então, se nela permanecem, somente aceitam uma parte do ensinamento católico, escolhendo apenas determinados aspectos do cristianismo. Permanece preocupante a situação religiosa no Leste, onde sabemos que a maioria da população ainda não recebeu o batismo, não mantém qualquer contato com a Igreja e muitas vezes não tem nenhum conhecimento acerca de Cristo e da Igreja. [...] Diletos Irmãos, vós mesmos afirmastes [...]: ‘Nós tornamo-nos terra de missão’. [...] Deveríamos refletir seriamente sobre o modo como hoje podemos realizar uma verdadeira evangelização [...]. As pessoas não conhecem a Deus, não conhecem a Cristo. Existe um novo paganismo e não é suficiente que procuremos manter o rebanho já existente, embora isso seja muito importante; mas impõe-se esta grande interrogação: o que é realmente a vida? Penso que todos juntos devemos procurar descobrir novos modos de apresentar o Evangelho ao mundo contemporâneo, anunciar de novo Cristo e estabelecer a fé » (Disc. no Seminário de Colônia, 21 de agosto de 2005). Ao Clero de Roma, Bento XVI, no início do pontificado, sublinhou a importância da Missão na Cidade, já em andamento (cf. Discurso ao Clero de Roma [13 de maio de 2005]). Em sua viagem ao Brasil, em maio de 2007, para abrir a 5a Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, cujo tema era « Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n’Ele os nossos povos tenham vida », o Papa encorajou os Bispos brasileiros a uma verdadeira «missão», voltada àqueles que, mesmo tendo sido batizados por nós, por diversas circunstâncias históricas não foram suficientemente evangelizados (cf. Discurso aos Bispos do Brasil na Catedral da Sé, em São Paulo [11 de maio de 2007]).
[4] Entre os textos da missão encontramos Jo 3,14; 4,34; 5,23-24.30.37; 6,39.44.57; 7,16.18.28; 8,18.26.29.42; 9,4; 11,42; 14,24; 17,3.18; 1 Jo 4,9.14.
[5] Cf. Catecismo da Igreja Católica, 690.
[6] Cf. também JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 22.
7 Ibid., 12: «A referência a Cristo é, então, a chave absolutamente necessária para a compreensão das realidades sacerdotais ».
[8] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 28.
[9] Cf. Catecismo da Igreja Católica, 1582.
[10] Cf. BENTO XVI, Homilia para a Santa Missa Crismal (9 de abril de 2009); JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 12; 16. 
[11] BENTO XVI, Discurso aos participantes da Plenária da Congregação para o Clero (16 de março de 2009). É, sem dúvida, o batismo que torna todos os fiéis « homens no- vos ». O sacramento da Ordem, portanto, se por um lado especifica e atualiza o que os presbíteros têm em comum com todos os batizados, por outro revela qual é a natureza própria do sacerdócio ordenado: permanecer em tudo orientado para Cristo, cabeça e pastor da Igreja, servir à nova criação que nasce do banho batismal: Vobis enim sum episcopus – afirma Agostinho – vobiscum sum christianus.
[12] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, 4-6. Sobre os tria munera debruça-se também longamente João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 26.
[13] JOÃO PAULO II, ibid., 32.
[14] Cf. ibid., 26; JOÃO PAULO II, Cart. enc. Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990), 67.
[15] Cf. A. VANHOYE, Prêtres anciens, prêtre nouveau selon le Nouveau Testament, Paris 1980, 346.
[16]  JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 12.
[17] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Ad gentes, 1.
[18] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Declar. Nostra aetate, 1; Const. past. Gaudium et spes, 24; cf. ibid., 29; 22; 92.
[19] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. Gaudium et spes, 45.
[20] JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores gregis (16 de outubro de 2003), 9: « Trata-se efetivamente de funções intimamente ligadas entre si, que reciprocamen- te se explicam, condicionam e iluminam. Por isso mesmo, o Bispo, quando ensina, ao mesmo tempo santifica e governa o Povo de Deus; enquanto santifica, também ensina e governa; quando governa, também ensina e santifica. Santo Agostinho define a totalidade deste ministério episcopal como amoris officium ». O que é dito aqui dos bispos pode também ser aplicado, com as devidas distinções, aos presbíteros.
[21] Disc. no Seminário de Colônia (21 de agosto de 2005).
[22] Cf. JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in America (22 de janeiro de 1999), 12.
[23] Na alocução para a apresentação dos votos de Natal à Cúria Romana, em 21 de dezembro de 2007, Bento XVI disse: « Nunca se pode conhecer Cristo apenas teori- camente. Com grande doutrina pode-se conhecer tudo sobre as Sagradas Escrituras, sem nunca O ter encontrado. É parte integrante do facto de O conhecer, caminhar juntamente com Ele, entrar nos seus sentimentos, como diz a Carta aos Filipenses (2, 5). [...] O encontro com Jesus Cristo exige escuta, exige a resposta na oração e em praticar o que Ele nos diz. Com o conhecimento de Cristo chegamos ao conhecimento de Deus, e só a partir de Deus compreendemos o homem e o mundo, um mundo que de outra forma permanece uma pergunta sem sentido. Tornar-se discípulos de Cristo é portanto um caminho de educação para o nosso verdadeiro ser, para o justo ser homens ».
[24] CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 9.
[25] CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Presbyterorum ordinis, 10.
[26] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 28; Decr. Ad gentes, 39; PAULO VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de dezembro de 1975), 68; JOÃO PAULO II, Cart. enc. Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990), 67.
[27] O Papa Bento XVI, estimulando os Bispos brasileiros a « encaminhar a atividade apostólica como uma verdadeira missão dentro do rebanho que constitui a Igre- ja Católica », acrescentou que « trata-se efetivamente de não poupar esforços na busca dos católicos afastados e daqueles que pouco ou nada conhecem sobre Jesus Cristo. [...] Uma missão evangelizadora que convoque todas as forças vivas deste imenso rebanho. Meu pensamento dirige-se, portanto, aos sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que se prodigalizam, muitas vezes com imensas dificuldades, para a difusão da verdade evangélica. [...] Neste esforço evangelizador, a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo às casas das periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos ou religiosos. [...] O povo pobre das periferias urbanas ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro de suas necessidades mais urgentes, seja na defesa de seus direitos e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho, e um Bispo, modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento a oferecer o divino bálsamo da fé, sem descuidar do ‘pão material’. Como pude evidenciar na Encíclica Deus caritas est, ‘a Igreja não pode descurar o serviço da caridade, tal como não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra’ » (Discurso aos Bispos do Brasil na Catedral da Sé, em São Paulo [11 de maio de 2007]).
[28] Cf. Código de Direito Canônico, cân. 229-§1 e 757.
[29] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Presbyterorum ordinis, 14.
[30] Cf. JOÃO PAULO II, Cart. enc. Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990), 44.
[31] BENTO XVI, Exort. ap. Sacramentum caritatis, 84.
[32] Cf. BENTO XVI, Discurso aos Bispos do Brasil na Catedral da Sé, em São Paulo (11 de maio de 2007), 3.
[33] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Declaração Dominus Iesus (6 de agosto de 2000), 4.
[34] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 35.
[35] CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Diretório para o ministério e a vida dos presbí- teros Tota Ecclesia (31 de janeiro de 1994), 43.
[36] Cf. BENTO XVI, Cart. enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), 22; ID., Discurso aos Bispos do Brasil na Catedral da Sé, em São Paulo (11 de maio de 2007), 3.
[37] Cf. JOÃO PAULO II, Cart. enc. Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990), p83.

A história das aparições da Virgem de Lourdes


Em 1858 a Virgem apareceu 18 vezes a Bernardette Soubirous em Lourdes, um pequeno povoado nos Pirineus franceses. Ali, a Virgem Maria recordou a importância da oração, do rosário, da penitência e da humildade. Recordou também a misericórdia de Deus com os pecadores e a importância de cuidar bem dos enfermos.
As aparições tiveram lugar na gruta de “Massabielle”, de onde imediatamente se começou a construir um santuário.
Antonie Marie Izoard, diretor da Agência I. Media (França): “É um lugar que a Virgem escolheu para falar aos pastorinhos, aos pequenos, aos débeis, às pessoas simples... ela deixou uma mensagem para o mundo inteiro, e isso os Papas sabem”.
Foram declaradas autênticas em 18 de janeiro de 1862, quatro anos depois de acontecerem.
Lourdes é hoje uma dos lugares de peregrinação mais importantes do mundo. A cada ano, visitam o santuário 6 milhões de pessoas. Muitos consideram que sua água é milagrosa porque curou enfermos.
Os médicos do santuário reconheceram 67 curas milagrosas dos mais de 8 mil casos registrados. Problemas tão graves como uma paralisia ou enfermidades cardíacas foram curados sem uma explicação científica.
A festa de Nossa Senhora de Lourdes se celebra no dia de sua primeira aparição, em 11 de fevereiro.
Dois Papas visitaram o santuário: João Paulo II e Bento XVI. O primeiro, duas vezes, em 1983 e outra em 2004, um ano antes de morrer. Bento XVI viajou a Lourdes em setembro de 2008, no aniversário de 150 anos das aparições da Virgem à jovem Bernardette.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Bento XVI nas vésperas solenes da Festa da Apresentação do Senhor


HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
Basílica Vaticana
Terça-feira, 2 de Fevereiro de 2011

Prezados irmãos e irmãs!
Na festa hodierna contemplamos o Senhor Jesus que Maria e José apresentam no templo «para O oferecer ao Senhor» (Lc 2, 22). Nesta cena evangélica revela-se o mistério do Filho da Virgem, o consagrado do Pai, que veio ao mundo para cumprir fielmente a sua vontade (cf. Hb 10, 5-7). Simeão indica-o como «luz para iluminar as nações» (Lc 2, 32) e anuncia com palavra profética a sua oferta suprema a Deus e a sua vitória final (cf. Lc 2, 32-35). É o encontro dos dois Testamentos, Antigo e Novo. Jesus entra no antigo templo, Ele que é o novo Templo de Deus: vem visitar o seu povo, obedecendo à Lei e inaugurando os tempos últimos da salvação.
É interessante observar de perto este ingresso do Menino Jesus na solenidade do templo, num grande «vaivém» de muitas pessoas, ocupadas com os seus afazeres: os sacerdotes e os levitas com os seus turnos de serviço, os numerosos devotos e peregrinos, desejosos de se encontrar com o Deus santo de Israel. Porém, nenhum deles se dá conta de nada. Jesus é um menino como os outros, filho primogénito de dois pais muito simples. Até os sacerdotes são incapazes de captar os sinais da nova e especial presença do Messias e Salvador. Só dois anciãos, Simeão e Ana, descobrem a grande novidade. Guiados pelo Espírito Santo, eles encontram nesse Menino o cumprimento da sua longa espera e vigilância. Ambos contemplam a luz de Deus, que vem iluminar o mundo, e o seu olhar profético abre-se ao futuro, como anúncio do Messias: «Lumen ad revelationem gentium!» (Lc 2, 32). Na atitude profética dos dois anciãos está toda a Antiga Aliança que exprime a alegria do encontro com o Redentor. Ao virem o Menino, Simeão e Ana intuem que Ele é precisamente o Esperado.
A Apresentação de Jesus no templo constitui um ícone eloquente da doação total da própria vida por quantos, homens e mulheres, são chamados a reproduzir na Igreja e no mundo, mediante os conselhos evangélicos, «os traços característicos de Jesus casto, pobre e obediente» (Vita consecrata, 1). Por isso, a Festa hodierna foi escolhida pelo Venerável João Paulo II para celebrar o anual Dia da Vida Consagrada. Neste contexto, dirijo uma saudação cordial e reconhecida a D. João Braz de Aviz, que há pouco nomeei Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica, com o Secretário e os colaboradores. Saúdo com afecto os Superiores-Gerais presentes e todas as pessoas consagradas.
Gostaria de propor três breves pensamentos para a reflexão nesta Festa. O primeiro: o ícone evangélico da Apresentação de Jesus no templo contém o símbolo fundamental da luz que, partindo de Cristo, se irradia sobre Maria e José, sobre Simeão e Ana e, através deles, sobre todos. Os Padres da Igreja uniram esta irradiação ao caminho espiritual. A vida consagrada exprime este caminho de modo especial como «filocalia», amor pela beleza divina, reflexo da bondade de Deus (cf. ibid., 19). No rosto de Cristo resplandece a luz de tal beleza. «A Igreja contempla o rosto transfigurado de Cristo, para se confirmar na fé e não correr o risco de perder ao ver o seu rosto desfigurado na Cruz... ela é a Esposa na presença do Esposo, que participa do seu mistério, envolvida pela sua luz, [que] atinge todos os seus filhos... Mas uma singular experiência dessa luz que dimana do Verbo encarnado é feita, sem dúvida, pelos que são chamados à vida consagrada. Na verdade, a profissão dos conselhos evangélicos coloca-os como sinal e profecia para a comunidade dos irmãos e para o mundo» (Ibid., 15).
Em segundo lugar, o ícone evangélico manifesta a profecia, dom do Espírito Santo. Contemplando o Menino Jesus, Simeão e Ana vislumbram o seu destino de morte e ressurreição para a salvação de todos os povos e anunciam tal mistério como salvação universal. A vida consagrada é chamada a tal testemunho profético, ligado à sua dupla atitude contemplativa e activa. De facto, aos consagrados e consagradas é dado manifestar o primado de Deus, a paixão pelo Evangelho praticado como forma de vida e anunciado aos pobres e aos últimos da terra. «Em virtude desta primazia, nada pode ser preferido ao amor pessoal por Cristo e pelos pobres, nos quais Ele vive. A verdadeira profecia nasce de Deus, da amizade com Ele, da escuta diligente da sua Palavra nas diversas circunstâncias da história» (Ibid., 84). Deste modo a vida consagrada, na sua vivência diária pelos caminhos da humanidade, manifesta o Evangelho e o Reino já presente e concreto.
Em terceiro lugar, o ícone evangélico da Apresentação de Jesus no templo expressa a sabedoria de Simeão e Ana, a sabedoria de uma vida dedicada totalmente à busca do rosto de Deus, dos seus sinais, da sua vontade; uma vida dedicada à escuta e ao anúncio da sua Palavra. «“Faciem tuam, Domine, requiram”: busco a vossa face, ó Senhor (Sl 26, 8)... A vida consagrada é no mundo e na Igreja sinal visível desta busca do rosto do Senhor e dos caminhos que a Ele conduzem (cf. Jo 14, 8)... A pessoa consagrada testemunha portanto o empenho alegre e diligente da busca assídua e sábia da vontade divina» (cf. Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica, Instrução O serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam Domine requiram [2008], 1).
Caros irmãos e irmãs, sede ouvintes assíduos da Palavra, porque toda a sabedoria de vida nasce da Palavra do Senhor! Sede perscrutadores da Palavra através da lectio divina, porque a vida consagrada «nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe o Evangelho como sua norma de vida». Deste modo, viver no seguimento de Cristo casto, pobre e obediente é uma “exegese” viva da Palavra de Deus. O Espírito Santo, por cuja virtude foi escrita a Bíblia, é o mesmo que ilumina a Palavra de Deus, com nova luz, para os fundadores e fundadoras. Dela brotou cada um dos carismas e dela cada regra quer ser expressão, dando origem a itinerários de vida cristã marcados pela radicalidade evangélica» (Verbum Domini, 83).
Hoje vivemos, sobretudo nas sociedades mais avançadas, uma condição muitas vezes marcada por uma pluralidade radical, por uma marginalização progressiva da religião da esfera pública, de um relativismo que atinge os valores fundamentais. Isto exige que o nosso testemunho cristão seja luminoso e coerente, e que o nosso esforço educativo seja cada vez mais atento e generoso. A vossa obra apostólica, em particular, dilectos irmãos e irmãs, se torne empenho de vida que acede com paixão perseverante à Sabedoria como verdade e beleza, «esplendor da verdade». Sabei orientar com a sabedoria da vossa vida, e com a confiança nas possibilidades inesgotáveis da verdadeira educação, a inteligência e o coração dos homens e das mulheres do nosso tempo em relação à «vida boa do Evangelho».
Neste momento, dirijo o meu pensamento com carinho especial a todos os consagrados e consagradas, em todas as partes da terra, enquanto vos confio à Bem-Aventurada Virgem Maria:
Ó Maria, Mãe da Igreja,
confio-te toda a vida consacrada,
para que lhe obtenhas a plenitude da luz divina:
viva na escuta da Palavra de Deus,
na humildade da sequela de Jesus, teu Filho e nosso Senhor,
no acolhimento da visita do Espírito Santo,
na alegria diária do magnificat,
a fim de que a Igreja seja edificada pela santidade de vida
destes teus filhos e filhas,
no mandamento do amor. Amém!

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Menino brasileiro corre para cumprimentar o Papa

Só podia ser brasileiro, o menino!

Santa Teresa de Ávila, doutora da Igreja: catequese papal


AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2011

Santa Teresa de Ávila [de Jesus]
Prezados irmãos e irmãs!
Durante as Catequeses que eu quis dedicar aos Padres da Igreja e a grandes figuras de teólogos e de mulheres da Idade Média tive a oportunidade de meditar também sobre alguns Santos e Santas que foram proclamados Doutores da Igreja pela sua doutrina eminente. Hoje gostaria de começar uma breve série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja. E começo com uma santa que representa um dos vértices da espiritualidade cristã de todos os tempos: santa Teresa de Ávila [de Jesus].
Nasce em Ávila, na Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Na autobiografia ela menciona alguns pormenores da sua infância: o nascimento de «pais virtuosos e tementes a Deus», numa família numerosa, com nove irmãos e três irmãs. Ainda menina, com menos de 9 anos, tem a ocasião de ler as vidas de alguns mártires que lhe inspiram o desejo do martírio, a tal ponto que improvisa uma breve fuga de casa para morrer mártir e subir ao Céu (cf. Vida 1, 4); «Quero ver Deus», diz a pequena aos pais. Alguns anos depois, Teresa falará da suas leituras da infância e afirmará que nelas descobriu a verdade, que resume com dois princípios fundamentais: por um lado, «o facto de que tudo o que pertence ao mundo daqui, passa»; por outro, que só Deus é «para sempre», tema que retorna na celebérrima poesia «Nada te turbe / nada te espante; / tudo passa. Deus não muda; / a paciência obtém tudo; / quem possui Deus / nada lhe falta / só Deus basta!». Tendo ficado órfã de mãe com doze anos, pede à Virgem Santissima que lhe seja mãe (cf. Vida 1, 7).
Se na adolescência a leitura de livros profanos a tinha levado às distracções de uma vida mundana, a experiência como aluna das monjas agostinianas de Santa Maria das Graças de Ávila e a leitura de livros espirituais, sobretudo clássicos de espiritualidade franciscana, ensinam-lhe o recolhimento e a oração. Com vinte anos entra no mosteiro carmelita da Encarnação, ainda em Ávila; na vida religiosa assume o nome de Teresa de Jesus. Três anos depois adoece gravemente, a ponto de ficar 4 dias de coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Até na luta contra as próprias doenças a santa vê o combate contra as fraquezas e as resistências à chamada de Deus: «Eu desejava viver — escreve — porque entendia bem que não estava a viver, mas sim a lutar com uma sombra de morte, e não tinha alguém que me desse vida, e nem eu a podia tomar, e Aquele que ma podia dar tinha razão de não me socorrer, dado que muitas vezes me dirigira para Ele, e eu O tinha abandonado» (Vida 8, 2). Em 1543 perde a proximidade dos familiares: o pai falece e todos os seus irmãos emigram, um após o outro, para a América. Na Quaresma de 1554, com 39 anos, Teresa chega ao ápice da luta contra as próprias debilidades. A descoberta da imagem de «um Cristo muito chagado» marca profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que nesse período encontra profunda consonância com o santo Agostinho das Confissões, assim descreve o dia decisivo da sua experiência mística: «Acontece... que de repente tive a sensação da presença de Deus, que de nenhum modo eu podia duvidar que estava dentro de mim, e que eu estava totalmente absorvida nele» (Vida 10, 1).
Paralelamente ao amadurecimento da sua interioridade, a santa começa a desenvolver de modo concreto o ideal de reforma da Ordem carmelita: em 1562 funda em Ávila, com o apoio do Bispo da cidade, D. Alvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e pouco depois recebe também a aprovação do Superior-Geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi. Nos anos seguintes continua as fundações de novos Carmelos, 17 no total. É fundamental o encontro com são João da Cruz com quem, em 1568, constitui em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento de Carmelitas descalços. Em 1580 obtém de Roma a erecção a Província autónoma para os seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem religiosa dos Carmelitas descalços. Teresa termina a sua vida terrena precisamente enquanto está empenhada na tarefa de fundação. Com efeito em 1582, depois de ter constituído o Carmelo de Burgos e enquanto voltava para Ávila, falece na noite de 15 de Outubro em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas expressões: «No fim, morro como filha da Igreja» e «Meu Esposo, chegou a hora de nos vermos». Uma existência consumida na Espanha, mas despendida pela Igreja inteira. Beatificata pelo Papa Paulo V em 1614 e canonizada em 1622 por Gregório XV, é proclamada «Doutora da Igreja» pelo Servo de Deus Paulo VI em 1970.
Teresa de Jesus não tinha uma formação académica, mas sempre valorizou os ensinamentos de teólogos, letrados e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve àquilo que pessoalmente vivera ou vira na experiência do próximo (cf. Prólogo ao Caminho de Perfeição), isto é, a partir da experiência. Teresa consegue manter relações de amizade espiritual com muitos santos, em especial com são João da Cruz. Ao mesmo tempo, alimenta-se com a leitura dos Padres da Igreja, são Jerónimo, são Gregório Magno e santo Agostinho. Entre as suas principais obras deve-se recordar sobretudo a autobiografia, intitulada Livro da vida, ao qual ela chama Livro das Misericórdias do Senhor. Composta no Carmelo de Ávila em 1565, discorre sobre o percurso biográfico e espiritual, escrito como afirma a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do «Mestre dos espirituais», são João de Ávila. A finalidade é evidenciar a presença e a acção de Deus misericordioso na sua vida: por isso, a obra cita com frequência o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura que fascina, porque a santa não só narra, mas mostra que revive a profunda experiência da sua relação com Deus. Em 1566, Teresa escreve o Caminho de Perfeição, por ela chamado Admoestações e conselhos que Teresa dá de Jesus às suas monjas. Destinatárias são as doze noviças do Carmelo de são José em Ávila. Teresa propõe-lhes um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais preciosos, o comentário ao Pai-Nosso, modelo de oração. A obra mística mais famosa de santa Teresa é o Castelo interior, escrito em 1577, em plena maturidade. Trata-se de uma releitura do próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, de uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a acção do Espírito Santo. Teresa inspira-se na estrutura de um castelo com sete quartos, como imagem da interioridade do homem, introduzindo ao mesmo tempo o símbolo do bicho da seda que renasce como borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa inspira-se na Sagrada Escritura, em particular no Cântico dos Cânticos, para o símbolo final dos «dois Esposos», que lhe permite descrever no sétimo quarto o ápice da vida cristã nos seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. À sua obra de fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o Livro das fundações, escrito de 1573 a 1582, em que fala da vida do grupo religioso nascente. Como na autobiografia, a narração visa frisar sobretudo a acção de Deus na obra de fundação dos novos mosteiros.
Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e minuciosa espiritualidade teresiana. Gostaria de mencionar alguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, santa Teresa propõe as virtudes evangélicas como base de toda a vida cristã e humana: em especial, o desapego dos bens, ou pobreza evangélica, e isto diz respeito a todos nós; o amor mútuo como elemento básico da vida comunitária e social; a humildade como amor à verdade; a determinação como fruto da audácia cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem esquecer as virtudes humanas: a afabilidade, veracidade, modéstia, cortesia, alegria e cultura. Em segundo lugar, santa Teresa propõe uma profunda sintonia com as grandes figuras bíblicas e a escuta viva da Palavra de Deus. Ela sente-se em sintonia sobretudo com a esposa do Cântico dos Cânticos e com o apóstolo Paulo, mas também com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico.
 Depois, a santa realça como a oração é essencial; orar, diz, «significa frequentar com amizade, porque frequentamos face a face Aquele que sabemos que nos ama» (Vida 8, 5). A ideia de santa Teresa coincide com a definição que s. Tomás de Aquino dá da caridade teologal, como «amicitia quaedam hominis ad Deum», um tipo de amizade do homem com Deus, que foi o primeiro a oferecer a sua amizade ao homem; a iniciativa vem de Deus (cf. Summa Theologiae II-II, 23, 1). A oração é vida e desenvolve-se gradualmente com o crescimento da vida cristã: começa com a prece vocal, passa pela interiorização mediante a meditação e o recolhimento, até chegar à união de amor com Cristo e a Santíssima Trindade. Obviamente, não se trata de um desenvolvimento em que subir os degraus mais altos quer dizer deixar o precedente tipo di oração, mas é antes um aprofundar-se gradual da relação com Deus que envolve toda a vida. Mais do que uma pedagogia da oração, a de Teresa é uma verdadeira «mistagogia»: ao leitor das suas obras ensina a rezar, orando ela mesma com ele; com efeito, frequentemente interrompe a narração ou a exposição para irromper em oração.
Outro tema amado pela santa é a centralidade da humanidade de Cristo. Com efeito, para Teresa a vida cristã é relação pessoal com Jesus, que culmina na união com Ele pela graça, amor e imitação. Daqui a importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como presença de Cristo na Igreja, pela vida de cada crente e como centro da liturgia. Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja: manifesta um «sensus Ecclesiae» vivo diante dos episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a Ordem carmelita com a intenção de melhor servir e defender a «Santa Igreja Católica Romana», disposta a dar a vida por ela (cf. Vida 33, 5).
 Um último aspecto essencial da doutrina teresiana, que gostaria de frisar, é a perfeição, como aspiração de toda a vida cristã e sua meta final. A santa tem uma ideia muito clara da «plenitude» de Cristo, revivida pelo cristão. No final do percurso do Castelo interior, no último «quarto», Teresa descreve tal plenitude realizada na morada da Trindade, na união a Cristo através do mistério da sua humanidade.
Caros irmãos e irmãs, santa Teresa de Jesus é verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade, muitas vezes carente de valores espirituais, santa Teresa ensina-nos a ser testemunhas indefessas de Deus, da sua presença e acção, ensina-nos a sentir realmente esta sede de Deus que existe na profundidade do nosso coração, este desejo de ver Deus, de O procurar, de dialogar com Ele e de ser seu amigo. Esta é a amizade necessária para todos nós e que devemos buscar de novo, dia após dia. O exemplo desta santa, profundamente contemplativa e eficaz nas suas obras, leve-nos também a nós a dedicar cada dia o justo tempo à oração, a esta abertura a Deus, a este caminho para procurar Deus, para O ver, para encontrar a sua amizade e assim a vida verdadeira; porque realmente muitos de nós deveriam dizer: «Não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a essência da minha vida». Por isso, o tempo da oração não é perdido, é tempo em que se abre o caminho da vida, para aprender de Deus um amor ardente a Ele, à sua Igreja, e uma caridade concreta para com os nossos irmãos. Obrigado!

Saudação
Dou as boas vindas a todos os peregrinos de língua portuguesa, presentes nesta Audiência! Que o exemplo e a intercessão de Santa Teresa de Jesus vos ajudem a ser, através da oração e da caridade aos irmãos, testemunhas incansáveis de Deus em uma sociedade carente de valores espirituais. Com estes votos, de bom grado, a todos abençôo.

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