quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Deus enviou Seu Filho, nascido de Mulher - Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, Oitava do Natal


Hoje, 1º de janeiro, Oitava do Natal do Senhor, a Igreja celebra a solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Nesse dia, olhamos o presépio e encontramos o Menino de Belém com sua Santa Mãe (cf. Lc 2,16). Esse Menino tem a condição de Deus, e assim permanece, mesmo assumindo a nossa natureza humana de Maria Virgem. Em Jesus, Verbo Eterno do Pai, divindade e humanidade se unem, sem confusão, divisão ou mistura. Por isso, pasmados, dizemos: Maria, tu és verdadeiramente Mãe de Deus. Não porque geraste em ti a divindade, mas porque em ti a divindade tomou a nossa humanidade.
Esse título dado à Virgem é dos mais antigos e gerou controvérsias na Igreja dos primeiros séculos. Muitos cristãos só aceitavam invocar Maria como Mãe de Cristo. Isso porque diziam que Maria era mãe somente da humanidade de Jesus. E isso é um erro, uma heresia. Como dissemos acima, em Jesus, divindade e humanidade se unem, não há separação. Não há como separar Jesus - homem de Jesus - Deus. Foi o Concílio de Éfeso, em 431, quem definiu: Jesus, a única pessoa do Verbo, é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Por isso, podemos e devemos chamar a Virgem de Mãe de Deus.
A Escritura, nos textos da liturgia da palavra, nos apresenta essa realidade. S. Paulo, na Carta aos Gálatas, nos diz que, quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de Mulher (cf. Gl 4,4). A encarnação do Verbo é uma realidade concreta. Deus tomou a natureza humana de Maria. Naquele ventre, a humanidade começou a ser assumida e redimida. Naquele ventre, Deus começou a experimentar o que é ser homem. Maria, portanto, não é um mero instrumento passivo nas mãos de Deus. Ela não foi simplesmente a incubadora do Verbo. A forma humana de Jesus é a forma de Maria.
Todas essas coisas, todas essas maravilhas operadas por Deus, a Virgem Maria guardava e meditava em seu coração (cf. Lc 2,19). Refletia tudo aquilo que Deus realizara em sua vida e na vida da humanidade, por meio de Jesus. E essa meditação fazia com que Ela contemplasse todos os acontecimentos à luz da fé, com o olhar dos pobres. Aprendamos com a Toda Santa Mãe de Deus a guardar e a meditar a ação de Deus em nosso coração.
Hoje, recordamos também a imposição do nome de Jesus. Como afirma o Evangelho, oito dias depois do nascimento de Menino, dia de sua circuncisão, deram-lhe o nome de Jesus, conforme o Anjo Gabriel chamara-o. O nome Jesus significa Deus salva. Em Seu nome temos a salvação. Diante desse nome, nascido de Maria Virgem, todo joelho se dobra, seja no céu, na terra ou nos abismos (cf. Fl 2,10). Maria, Mãe de Deus que vem nos salvar, rogai por nós! Amém!

O ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo


Iesus Christus heri et hodie idem, et in saecula!
Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre! (Hb 13,8)


Trezentos e sessenta e seis dias (já que este ano é bissexto) passaram e o Ano do Senhor de 2008 se foi. Neste tempo muita coisa aconteceu no mundo, na Igreja e na vida de cada um de nós. Vivemos momentos alegres e tristes; pessoas se foram e outras entraram em nossas vidas; vivemos sustos e surpresas, lágrimas e risos, perdas e ganhos, destruições e construções: eis o ano de 2008. Para aqueles que viram muitos anos, este pode ter sido apenas mais um dentre tantos, piores ou melhores. Para todos mais um ano se aproxima, cheio de perspectivas, grandes ou pequenas, ano decisivo ou apenas mais um da caminhada rumo a uma meta estabelecida. Para alguns, o último ano, para outros o primeiro.
Para nós que cremos 2008 foi realmente mais um ano da graça do Senhor. Porventura tudo não é graça, tudo não é dom de Deus? Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, diz o Apóstolo (Rm 8,28). Assim, mesmo que tenha sido um ano difícil, um ano de provações e tentações, um ano de penúria ou de sofrimento, para aquele que crê nada foi sem sentido: tudo foi vivido em união com o Senhor Jesus, Aquele que sendo Deus, mergulhou na nossa vida humana e, sem ser tocado pela mancha do pecado, veio sofrer conosco a indigência do homem corrompido pelo pecado.
Por tudo o que vivemos neste ano que passou, demos graças a Deus e peçamos a Ele que se digne abençoar-nos abundantemente, muito mais do que pedimos ou concebemos (cf. Ef 3,20). Sobretudo, que Ele nos dê a graça de perseverar em Seu santo serviço, para que nós possamos passar incólumes pelas intempéries que se apresentarem em nossos caminhos neste ano, guardando a fé e combatendo o bom combate (cf. 1Tm 6,12; 2Tm 4,7).
Nós que fazemos este blog, desejamos a todos um feliz e abençoado ano de 2009.


Ao Rei dos Séculos
Imortal e Invisível
Honra e glória
Pelos séculos dos séculos.
Amém.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A Noite Escura de São João da Cruz


As reflexões que se seguem sobre o poema "A Noite Escura" de São João da Cruz é de autoria do Pe. Thiago Henrique, sacerdote incardinado na Igreja de Palmeira dos Índios, Província Eclesiástica de Maceió. Apresentaremos primeiramente o poema. Em seguida, em duas partes, apresentaremos as meditações.

“Em uma noite escura
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! Ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Estando já minha casa sossegada.

Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! Ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Estando já minha casa sossegada.

Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa alguma,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em lugar onde ninguém aparecia.

Oh! noite, que me guiaste,
Oh! noite, amável mais do que a alvorada
Oh! noite, que juntaste
Amado com amada,
Amada no amado transformada!

Em meu peito florido
Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.”

De todos os poemas de São João da Cruz, este me é o mais caro. Cada vez que o leio, descubro novas coisas; cada vez que o leio, sinto uma santa inveja de amor tão ardente por Cristo Jesus. Não pretendo, nestas considerações, esgotar todas as leituras possíveis. Nem isto seria possível.
Na tradição cristã, Cristo é apresentado como o Amado, viril e forte, que corteja a sua amada (a Igreja fundada sobre Pedro, por quem Ele se entregou; e, assim, cada fiel por Ele conquistado), dando a Sua vida por ela. A Cruz é vista como o “leito nupcial”, onde estes amantes se encontram, e no qual o Amado gera, na Amada, uma vida nova. Neste sentido vemos, no final do poema, que o primeiro a adormecer (a morrer na Cruz) é o Amado (quedou-se adormecido), para, somente depois, adormecer também a amada (com o significativo gesto de inclinar a cabeça de Jo 19,30), sobre o peito do amado.
Assim, a mística católica aponta a Cruz como sendo o caminho mais curto e seguro para o homem encontrar o criador. O cristão que não carrega sua cruz, que não a aceita, não se encontra com Cristo, não entra numa relação de amor com Ele, e não tem gerada, dentro de si, a nova vida que nos conduz ao céu.
Neste poema, a Cruz é substituída pela expressão "noite escura". Todos nós já tivemos "noites escuras" em nossas vidas. São aqueles momentos de agudo sofrimento, nos quais nossas seguranças mesquinhas (dinheiro, prazeres, comodidade, afetividade, etc.) nada nos dizem... nos quais nossas forças e nossa inteligência nada podem... Noites tenebrosas, de lágrimas e de desespero. Noites em que clamamos e nas quais o Senhor se mantém em silêncio...
Para o mundo, para os não-cristãos, estas "noites escuras" são a mais solene prova de que Deus não existe. Ou, se existe, de que não os ama. Por isto, todos fogem dela. Preferem dormir a enfrentá-la (Estando já minha casa sossegada), pois, dormindo, têm a ilusão de que a mesma passará mais rapidamente.
O Cristão, no entanto, pode enfrentá-la. Se todas as luzes do mundo se apagaram, se todas as nossas seguranças e todas as nossas forças nada podem, é o momento propício para que nos abandonemos em Deus. O cristão, ainda que com medo, vai ao encontro desta noite (saí sem ser notada; na escuridão segura; na escuridão velada), pois sabe que é através desta noite escura que brilhará a luz de Deus. Sobe, ainda que dolorosamente, nas cruzes que surgem em suas vidas. A escada secreta de que nos fala o poema é símbolo da Cruz. É a escada de Jacó, que liga o céu e a terra, e pela qual todos devemos subir se quisermos entrar no paraíso.

domingo, 28 de dezembro de 2008

As bem-aventuranças – XI


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Devemos introduzir aqui ainda uma indicação: para S. Mateus, seus leitores e seus ouvintes, a palavra sobre os perseguidos por causa da justiça tinha um sentido profético. Era para eles uma pré-advertência do Senhor acerca da situação da Igreja por eles vivida. A Igreja tornou-se a Igreja perseguida, perseguida por causa da justiça. Justiça é, na linguagem do Antigo Testamento, a expressão para a fidelidade à Tora, a fidelidade à palavra de Deus, como sempre foi advertido pelos profetas. É manter-se no caminho reto indicado por Deus, cujo centro são os Dez mandamentos. No Novo Testamento, o que corresponde ao conceito de justiça do Velho Testamento é a : o crente é o justo, que segue no caminho de Deus (Sl 1; Jr 17,5-8). De fato, a fé é um caminhar com Cristo, no qual a lei encontra o seu pleno cumprimento, ela nos une com a justiça de Cristo.
Os homens perseguidos por causa da justiça são aqueles que vivem da justiça de Deus – que vivem da fé. Porque o esforço do homem visa sempre emancipar-se da vontade de Deus e seguir-se apenas a si mesmo, por isso mesmo é que a fé aparece sempre como oposição ao “mundo” – aos respectivos poderes dominadores –, e por isso em todos os períodos da história há perseguição por causa da justiça. À Igreja perseguida de todos os tempos foi prometida esta palavra de consolação. Na sua fraqueza e no seu sofrimento, ela sabe que se encontra na direção para alcançar o Reino de Deus.

* * *

Se nós podemos encontrar de novo aqui, tal como nas anteriores bem-aventuranças, na promessa uma dimensão eclesiológica, uma interpretação da essência da Igreja, então encontramos igualmente também o fundamento cristológico destas palavras: Cristo crucificado é o justo perseguido, do qual falam as proféticas palavras da Antiga Aliança, especialmente os cânticos do Servo de Deus, mas de que também Platão tinha tido um pressentimento (Politeia II, 361e-362). E assim Ele é em si mesmo a chegada do Reino de Deus. A bem-aventurança é um convite para o seguimento do crucificado, – dirigido a cada um e a toda a Igreja.
A bem-aventurança dos perseguidos conserva na frase conclusiva dos Macarismos uma variante que nos promete ver algo de novo. Jesus promete alegria, júbilo, grande recompensa àqueles que por minha causa forem insultados e perseguidos e de todos os modos possíveis difamados (Mt 5,11). Agora o seu Eu e a fidelidade à sua pessoa tornam-se critério de justiça e salvação. Se nas outras bem-aventuranças a cristologia está lá, por assim dizer, oculta, aqui a mensagem sobre Ele é claramente colocada em evidência como ponto central da história. Jesus atribui ao seu Eu uma qualidade de critério que nenhum mestre de Israel nem mestre algum da Igreja pode pretender para si. Quem assim fala já não é um profeta no sentido tradicional, mensageiro ou procurador para outros; Ele mesmo é o ponto de relação da vida correta, Ele mesmo é fim e meio.

sábado, 27 de dezembro de 2008

O Verbo de Deus era-lhes submisso - Festa da Sagrada Família, Jesus, Maria, José


A Igreja nos apresenta hoje, na segunda grande festa do Tempo do Natal, o Mistério da Sagrada Família, Mistério que ilumina a instituição família, a qual é ao mesmo tempo humana e divina e constitui, por si, também um mistério. Este só se compreende à luz desta solenidade: o Filho de Deus nasceu e fez-se inteiramente homem vivendo numa família como qualquer um de nós. A Sagrada Família, família humana tendo Deus por membro, é imagem da Sacratíssima Família Trinitária: Pai, Filho e Espírito Santo, e, ambas, servem de modelo para todas as famílias. Mas, poder-se-ia perguntar: Uma Família é Divina; a outra tem, simplesmente, o Deus-Menino, a Virgem Santíssima e José, o Justo. Como imitar Famílias assim?
Uma pista nos dá S. Paulo na segunda leitura da Missa de Hoje: Revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai vós também. Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição (Cl 3,12-14). Sim, é possível, porque temos a assistência do Espírito Santo para vivermos na família, como o temos para viver como cristãos na Igreja. Afinal, não é a família a primeira igreja, a igreja doméstica? Além disso, para tornar isso possível, Deus cumulou os esposos unidos pelo Sacramento do Matrimônio com a graça especial do Espírito Santo que os une à semelhança da união entre Cristo e a Igreja. Desse modo, não só é possível, como imperativo o dizer do Apóstolo! Nós somos amados por Deus, somos seus santos eleitos (cf. Cl 3,12), e por isso, tornados capazes de construir a família segundo o sonho de Deus.
Tanto a primeira quanto a segunda leitura de hoje nos apresentam conselhos dos autores sagrados para filhos e para pais. Para os filhos: Quem honra o seu pai, alcança o perdão dos pecados; evita cometê-los e será ouvido na oração cotidiana. Quem respeita a sua mãe é como alguém que ajunta tesouros. Quem honra o seu pai, terá alegria com seus próprios filhos; e, no dia em que orar, será atendido. Quem respeita o seu pai, terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da sua mãe. Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive. Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para com ele; não o humilhes, em nenhum dos dias de sua vida: a caridade feita ao teu pai não será esquecida, mas servirá para reparar os teus pecados e, na justiça, será para tua edificação (Eclo 3, 4-7.14-17a). E aos pais: Esposas, sede solícitas para com vossos maridos, como convém, no Senhor. Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros com elas. (...) Pais, não intimideis os vossos filhos, para que eles não desanimem (Cl 3, 18-19.21).
Eis os conselhos Divinos que, com toda certeza, foram vividos no cotidiano da Família de Nazaré. Na vida pequena, pobre, monótona, o Filho de Deus, para espanto das inteligências, viveu em tudo o seu rebaixamento, a sua kénosis à carne humana, vivendo a nossa vida familiar. Demos graças à Deus por sua grandiosa bondade, seu terno afeto por nós, e retribuamos, quanto pudermos, esforçando-nos para viver uma vida digna de uma família cristã e defendendo com unhas e dentes a família dos ataques insidiosos dos inimigos de Deus e da fé.

Aquilo que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos - Festa de São João, Apóstolo e Evangelista


Hoje, dentro da Oitava de Natal, celebramos a festa de S. João, Apóstolo e Evangelista. A João é atribuída a autoria do quarto evangelho, considerado o mais teológico e profundo, de três cartas e do Apocalipse.
Nada mais oportuno que fazer memória daquele que é identificado com o discípulo amado nessa Oitava de Natal. No entanto, para compreendermos bem o sentido da mensagem da festa de hoje é necessário recordar: o mistério do Natal é apenas o início de todo o processo que culminará na noite da Páscoa. O menino de Belém, o Verbo que se fez carne, segundo João (cf. Jo 1,14) é Aquele que irá sofrer a paixão, morrer e ressuscitar para nos dá o dom do Espírito. Tendo presente essa idéia, dois pontos emergem dos textos da liturgia da Palavra.
Primeiramente, João, o discípulo amado de Jesus, é imagem de todo discípulo que vê e acredita. No Evangelho, que narra o dia da ressurreição, após ter esperado, Simão chegar, João entra no túmulo, e ali, vê e acredita (cf. Jo 20,8). E O que viu? As faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte (Jo 20,6b-7). Nós não vimos o sepulcro vazio, nem as faixas. Mas vimos e escutamos o testemunho de nossos antepassados. Vimos o martírio de muitos e escutamos a palavra da Boa-Nova pregada por muitos. E ainda: vimos e escutamos o Senhor em cada Eucaristia, na Sua Palavra e no Pão partilhado.
Mas não basta somente vê e acreditar. João, na sua Primeira Carta, nos diz que aquilo visto com os nossos olhos, ouvido e tocado da palavra da vida, desde a noite do Natal até o dia em que o Senhor ascendeu aos céus, tudo isso devemos anunciar (cf. 1Jo 1,1-3a). E anunciar para quê? Para que o mundo esteja em comunhão conosco porque a nossa comunhão é com o Pai e com Seu Filho, Jesus Cristo (cf. 1Jo 1,3b). João não é imagem somente do discípulo, mas também do apóstolo, testemunha viva do Senhor.
Ser cristão, ser discípulo amado, portanto, não é uma teoria, é experimentar o Senhor, é reclinar a cabeça sobre o Seu peito, como o fez João na última ceia (cf. Jo13,25). E ali penetrar nos pensamentos de paz de Jesus e comunicá-los ao mundo, testemunhando-o.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

II - Amizade e Amor: são Diferentes?


O cuidado e o interesse pela vida e história do outro, a alegria do encontro e o prazer da companhia, a segurança e a proteção, a saudade, o carinho e a delicadeza, o compromisso com a felicidade do outro, a doação, o contato com o corpo e a sexualidade da pessoa são características presentes tanto na amizade quanto no amor. Porém, amizade e amor são, essencialmente, diferentes.
A amizade procura dar sem nada esperar em troca. Não apresenta condições, nem exige provas, nem explicações. É pura gratuidade. "A amizade ama ar fresco e livre. Não será murada em redutos estreitos", segundo palavras de William Penn, escritor inglês. Contrariamente, o amor dá para receber. Às vezes, é ciumento e egoísta e possessivo. Na amizade, vemos a pessoa na sua essência, como ela é realmente. Por isso Santo Agostinho, bispo do século V, afirma com muita razão: "Só através da amizade pode-se conhecer alguém de verdade". No amor, entretanto, vemos a pessoa amada somente naquilo que ela tem de lindo e bom e maravilhoso. Projetamos na pessoa aquilo que queremos que ela seja. Somos sempre acompanhados pela paixão. Escreveu um autor desconhecido certa vez: "O amor quer constantemente adquirir; a amizade deseja apenas manter o que tem". Já Sêneca, filósofo romano, diz com uma profundidade ainda maior: "A amizade é sempre proveitosa, o amor às vezes é". Além disso, enquanto a amizade é construída sobre um fundamento espiritual, o amor tem como base a paixão corporal, que busca a posse total da outra pessoa.
Nos relacionamentos de namoro e casamento, o amor e a amizade caminham juntos. Sozinho, ninguém é capaz de fazer feliz um ser humano. É tedioso e sufocante viver exclusivamente para uma pessoa. Somos seres de relações. Por isso, para serem fortes e livres, esses relacionamentos precisam da amizade. No casamento, a amizade é ainda mais importante. O casal não somente necessita de amigos, mas também precisa ser amigo um do outro. Sem a amizade entre marido e mulher, o matrimônio logo morrerá ou sobreviverá de aparências. Isso afirmou muito bem o alemão Anselm Grün, no seu belíssimo livro Eu lhe Desejo um Amigo: "A relação de amor que conduz ao casamento só pode durar se tiver também a qualidade da amizade". Por sua vez, Ella Wheeler Wilcox, escritora americana, chegou a dizer também: "Todo amor que não tem a amizade como base é como a mansão construída sobre a areia". Portanto, é indiscutível a importância da amizade para o namoro e, principalmente, para o casamento.
Por fim, a amizade e o amor se comprometem com a felicidade do outro e conduzem para a liberdade. "A amizade e o amor são capazes de libertar a pessoa de sua solidão e dar à sua vida um sentido novo e mais profundo", diz Anselm Grün no seu livro Eu lhe Desejo um Amigo. O amor, no sentido que estamos falando aqui, somente é possível entre homem e mulher; já a amizade, por ser uma experiência superior, dá-se entre homens, entre mulheres, e entre homens e mulheres.

O primeiro a dar testemuho do Menino com seu próprio sangue - Festa de Sto. Estêvão


Dia 26 de dezembro, dentro da Oitava do Natal, a Igreja celebra a Festa de Santo Estêvão, o primeiro mártir do Cristianismo.
Caridade, Martírio e Testemunho são temas centrais da Liturgia da Palavra de hoje. Na primeira leitura, a Palavra de Deus nos apresenta Estêvão repleto do Espírito Santo, realizando milagres em nome de Cristo e falando com sabedoria divina. Muito interessante é a posição de Jesus: Ele não está sentado, está de pé, como se fosse uma testemunha do martírio sofrido pelo santo diácono. A morte de Estêvão é semelhante àquela de seu Mestre e Senhor.
O mártir é alguém que dá testemunho de Jesus Cristo com a própria vida. Testemunho de fé e de amor ao Reino de Deus. A Igreja dos primeiros séculos era, sobretudo, uma Igreja de mártires. Por essa razão, o Cristianismo foi tão bem aceito pelas pessoas daquela época. A fé cristã cumpria aquilo que pregava, era autêntica. Escritor dos primeiro tempos do Cristianismo, Tertuliano afirmava: "O sangue dos mártires é semente de novos cristãos". Esses cristãos não morriam por uma idéia, morriam por uma pessoa: Jesus Cristo!!! Santo Estêvão testemunhou muito bem essa verdade perante os homens daquele tempo.
No Evangelho, Jesus fala de todas as dificuldades pelas quais os seus discípulos haverão de passar: perseguição, ódio, calúnia... mas o próprio Senhor os acompanhará e os assistirá em todas as situações da vida. E garante: "Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo" (Mt 10,22).
Nos dias de hoje, os discípulos de Jesus continuam sofrendo perseguições. A Igreja continua sendo martirizada, caluniada, ridicularizada. Mas ela continua fiel na missão recebida do seu Senhor: dando testemunho da verdadeira fé, falando a verdade para os que vivem na mentira, sendo luz para aqueles que vivem nas trevas, anunciando o Reino de Deus, propondo o caminho da salvação.
Na celebração de hoje somos, portanto, convidados a direcionar o nosso olhar para Jesus Cristo, Deus conosco, e imitarmos o exemplo de Santo Estêvão, que foi fiel ao chamado do Pai. Somos convidados a fortalecer a nossa fé, a nossa caridade. Precisamos dar testemunho de Cristo diante deste mundo descrente.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A Palavra se fez carne - Comentário às leituras da Missa do Dia de Natal

Gruta da Anunciação em Nazaré: Aqui o Verbo se fez carne
Como canta o salmo da liturgia da Missa desse dia de Natal, os confins do universo contemplaram a salvação do nosso Deus (cf. Sl 97, 3c.3d). Ontem à noite, junto com Maria, José e os anjos, vimos, reclinado no presépio, a salvação que vem de nosso Deus; o Emanuel, desejado e invocado pelas Antífonas do Ó, cantadas pela Igreja nos sete dias que precederam esse tempo.
Mas a contemplação desse mistério nos leva a refletir sobre uma realidade ainda mais profunda: esse Menino, salvação de Deus que o universo contemplou é a Palavra de Deus revestida de nossa humanidade. A Carta aos Hebreus, na 2ªleitura de hoje, nos diz que Deus, no passado, falou de muitos modos pelos profetas, mas agora nos falou pelo Seu Filho, pelo qual criou e sustenta o universo (cf. Hb 1,1-2). O Menino de Belém é aquela palavra que no Antigo Testamento se identifica com a sabedoria, com a qual Deus criou todas as coisas (Pr 8,22-31). Essa Sabedoria era o artífice de Deus enquanto Ele modelava o universo.
Essa idéia da palavra feita carne aparece claramente no prólogo do Evangelho de S. João. No princípio era a Palavra, essa Palavra estava junto de Deus e tinha a mesma condição divina. Tudo foi feito por meio Dela, e, sem Ela nada se fez (cf. Jo 1,1-3). Desde o início trazemos os sinais do Verbo de Deus. Por isso tanto anseio de paz, de comunhão. Trazemos no coração as marcas do Eterno. Por isso que Nele está a vida, vida que é a luz dos homens (cf. Jo 1,4). Somente encontrando esse Menino, encontramos a luz que ilumina as trevas das nossas inquietudes mais profundas.
Diante dessa Palavra feita carne, duas atitudes são apontadas por S. João. A primeira: a Palavra estava no mundo, mas o mundo não a reconheceu (cf. Jo 1,10). Até hoje o mundo é incapaz de reconhecer os sinais do Verbo na criação. O mundo insensivelmente não consegue perceber as marcas do Eterno, e em Jesus o Salvador da humanidade. A outra atitude é a daqueles que recebem na alegria essa Palavra/Sabedoria saída da boca do Altíssimo. A esses, Deus lhes concede tornarem-se Seus filhos (cf. Jo 1,12), a esses, pela paixão e ressurreição de Jesus, Deus concede a vida nova no Seu Espírito. Por isso, não nascem da carne, nem do sangue, mas de Deus mesmo (cf. Jo 1,13).
Deus poderia permanecer um mistério inacessível a nós. Mas Seu Filho, Palavra feita carne, que está eternamente na intimidade com Ele, no-lo deu a conhecer (cf. Jo 1,18). Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação, e diz a Sião: ‘”Reina teu Deus!” (Is 52,7).

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor - Missa da Noite de Natal


Dominus dixit ad me:Filius
meus es tu, ego hodie
genui te.

O Senhor me disse:
Tu és meu Filho,
Eu hoje te gerei.


Deus gerado do Pai antes de todos os séculos e hoje nascido da Virgem Maria: eis o Grande Mistério do plano salvífico de Deus tecido eu Seu coração desde a eternidade! Contemplamos magnificados o cumprimento da profecia de Isaías: O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu (Is 9,1), ele que mais tarde disse: Eu sou a luz do mundo (Jo 8,12) e de quem foi dito: era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem (Jo 1,9). Pois sobre nós brilhou o Sol nascente vindo do alto (Lc 1,78). Ele é o Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da paz (Is 9,5). O Messias, o Cristo prometido a Davi, nasceu para nós, para nos salvar das trevas e da sombra da morte. Eis a causa da nossa alegria e da nossa salvação: A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens (Tt 2,11).
Mas a manifestação da graça de Deus não acontece em meio à grandiosidade: não na Roma de César Augusto, não na Jerusalém de Herodes, não em palácios do mundo: numa simples gruta, já que não havia espaço para a criança e sua mãe na hospedaria (cf. Lc 2,7). Também hoje, infelizmente, em muitos palácios em todo o mundo, palácios que são os corações dos homens soberbos e cheios de si, não há espaço para o Menino. Ele só pode ser acolhido pelos pequenos, pelos simples, pelos pobres, porque estes mantêm sempre o espaço de seus corações disponíveis para Deus e esvaziados de si mesmos.
Na verdade muito mais poderia ser dito sobre o fato inaudito da Natividade do Filho de Deus entre os homens; basta, no entanto, que ajoelhemo-nos no presépio e contemplemos aquilo que Deus é capaz de fazer por nós: tornar-se um de nós para nos fazer participar da sua divindade. E, alegres, cantaremos um novo cântico juntamente com os anjos: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados! (Lc 2,14).

Feliz Natal!

Amados irmãos leitores deste blog,

Chegamos finalmente ao Santo Tempo do Natal. Durante quatro semanas nos preparamos para acolher o Senhor em suas vindas: em nossos corações, na Solene Festa de Sua Natividade e no fim dos tempos, como Juiz e Rei. E, durante os últimos sete dias, imploramos Sua vinda bendita, exclamando admirados: oh vinde Sabedoria, Senhor, Raiz de Jessé, Chave de Davi, Oriente, Rei das Nações, Emanuel: vinde nos salvar. Hoje, o Senhor responde às nossas expectativas: Ero Cras, virei amanhã. E também a Santa Mãe Igreja nos conclama: Filhos de Deus, purificai-vos: Amanhã virá o Senhor, e extinguirá os nossos males. Amanhã será varrida da terra a iniqüidade e sobre nós há de reinar o Salvador do mundo. O anelo, o desejo de nossa alma virá, com certeza: basta que, à semelhança da manjedoura preparada, deixemos os nossos corações prontos para acolher a graça do Deus-Menino que nasce para nós hoje à noite.
Nesta santa noite da Natividade de Nosso Senhor não há espaço para a tristeza. Somente aqueles que não forem capazes de se voltar para Belém e contemplarem estupefatos o grande fato da Encarnação do Filho de Deus, o carinho, o mimo de Deus para nós, é que poderão entristecer-se e passar esse Natal como um dia, um feriado qualquer, talvez desejando felicidades aos outros e tendo sorrisos nos lábios, mas não tendo a felicidade verdadeira para si próprios e, não a possuindo, não podem dar aos outros a não ser palavras vazias. Que não seja assim para nenhum de nós que vimos a luz do Menino e nos achegamos para adorá-lo! (cf. Mt 2,2) Que nós corramos pressurosos à Belém para ver a Salvação de Deus! E Belém é qualquer Igreja onde se celebre a Santa Liturgia do Natal e é também o nosso coração que O acolhe na Palavra e na Comunhão. Indo a Belém, irmãos amados em Cristo, viveremos verdadeiramente um Natal Feliz.
Nós, que fazemos este blog, desejamos de todo o coração que vocês, poucos leitores dele (por enquanto!), possam receber de Deus todas as graças e bênçãos que Ele quer derramar sobre vós nessa Santa Solenidade e nesse Santo Tempo que se inicia.

A todos um Feliz e Santo Natal!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Ó Emanuel - Sétima e última Antífona do Ó


O Emmanuel, Rex et legifer noster, exspectatio gentium, et Salvator e-arum: veni ad salvandum nos, Domine Deus noster.

Ó Emanuel, nosso Rei e legislador, esperança e salvador das nações: vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus.

A última Antífona do Ó aclama o Cristo com o título de Emanuel, que significa Deus Conosco. As palavras proféticas de Isaías dirigidas ao rei Acaz foram compreendidas pelos cristãos como um anúncio da concepção virginal de Cristo, o verdadeiro Emanuel: “Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel, Deus Conosco” (Is 7,14). O Evangelho de Mateus afirma claramente que a natividade de Jesus cumpre a profecia de Isaías: "Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: ‘Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel’ (Is 7, 14), que significa: Deus conosco” (Mt 1,22-23). Deus em Jesus se faz próximo, faz-se nosso companheiro de viagem, de nossa aventura humana. Deus, pela encarnação do Seu Filho, torna-se solidário com a nossa condição humana. Deus poderia simplesmente não se revelar a nós, ou mesmo poderia continuar nos falando por seus profetas. Mas Ele quis nos dá tudo, quis encher a nossa humanidade com a sua divindade. E isso somente seria possível se Ele se fizesse próximo em Jesus. E Ele assim o fez. Celebremos a festa da proximidade de Deus, do Emanuel, com as palavras do livro do Deuteronômio: "Haverá, com efeito, nação tão grande, cujos deuses estejam tão próximos de si como está de nós o Senhor, nosso Deus, cada vez que o invocamos?" (Dt 4,7). Vem Emanuel, não tarde mais. Amém.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Ó Rei das Nações - Sexta Antífona do Ó


O Rex gentium et desideratus earum, lapisque angularis, qui facis utraque unum: veni et salva hominem quem de limo formasti.

Ó Rei das nações e objeto de seus desejos, pedra angular que reunis em vós judeus e gentios: vide e salvai o homem que do limo formastes.

O livro do Apocalipse assim apresenta o cântico de Moisés e do Cordeiro: "Cantavam o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus Dominador. Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei das nações!" (Ap 15,3). Esse cântico, assim como o de Moisés no Antigo Testamento, é um cântico de libertação. No entanto, ele não evoca tanto os castigos, mas o triunfo do Senhor Jesus, apresentando-o como o Rei das nações. Jesus é rei porque, por sua vitória sobre o pecado e a morte, congrega em si todos os povos e raças. Nesse sexto dia da Semana Santa do Natal, a Antífona do Ó além de invocar o Senhor como Rei das nações, aclama-o como pedra angular, como pedra que une em si judeus e gregos. O próprio Senhor apresentou-se como a pedra angular (cf. Mt 21,42). E S. Paulo, a respeito da Pedra Angular que une os dois povos, diz: "Porque é Ele a nossa paz, ele que de dois povos – judeus e gregos - fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava, abolindo na própria carne a lei, os preceitos e as prescrições. Desse modo, ele queria fazer em si mesmo dos dois povos uma única humanidade nova pelo restabelecimento da paz," (Ef 2,14-15). Cristo, o Rei das gentes, que em Si fez um único Povo em seu Corpo pela habitação do Espírito, venha nesse Natal e reine na nossa vida. Amém.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Ó Oriente – Quinta Antífona do Ó


O Oriens, splendor lucis aeternae, et sol justitiae: Veni et illumina sedentes in tenebris et umbra mortis.

Ó Oriente, esplendor da luz eterna e sol de justiça! Vinde e iluminai os que estão sentados nas trevas e à sombra da morte.

Todos os dias, na Oração da Manhã (Laudes), a Igreja saúda o Cristo com as palavras de Zacarias: "Graças à ternura e misericórdia de nosso Deus, que nos vai trazer do alto a visita do Sol nascente." (Lc 1,78). Cristo é o Sol Nascente ou o Oriente (o lado no qual o sol nasce), que veio nos visitar no Natal, virá uma segunda vez em Sua Glória, e nos vem a cada dia em cada acontecimento. Na luz desse Sol, não há trevas nem morte: "Falou-lhes outra vez Jesus: Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida". (Jo 8,12). Os cristãos antigos entendiam bem essa imagem. Ao abraçarem a fé, eles, voltados para o Ocidente (lugar onde o sol de põe), renunciavam ao mal; e, voltando-se para o Oriente, abraçavam o Cristo. Nesse Natal abracemos o Sol Nascente que nos liberta da vida cativa. Amém.

O mistério foi manifestado – Comentário às leituras do IV Domingo do Advento


Nesse último domingo do Advento emerge a figura da Virgem Maria, e, junto com Ela, alguns idéias para a nossa reflexão.
S. Paulo, na 2ª leitura de hoje, afirma que o mistério mantido em segredo desde sempre agora nos é manifestado (cf. Rm 16,25b-26a). Que mistério é esse? É o desejo de Deus de reunir em Cristo todos os seus filhos dispersos, fazendo deles seus filhos também, convidando-os novamente à sua amizade. É isso a salvação: construir a vida em parceria com o nosso Deus em Jesus Cristo, acolhendo a sua vontade. Em Cristo, Deus nos dá tudo, nos dá a sua vida, vida no Seu Espírito.
Esse mistério, no entanto, ao ser manifestado, não surgiu de uma vontade repentina de Deus, não surgiu do nada. Esse plano foi tecido na história. E aqui aparece a segunda idéia para a nossa reflexão. Na primeira leitura de hoje, o Senhor fala pelo profeta Natã, que fará surgir um filho que confirmará a realeza da casa de Davi, e seu reino será para sempre (cf. 1Sm7,12.16). Se os tempos de Davi foram gloriosos, Deus guardava uma glória maior em Jesus, da qual Davi era apenas figura. Esse episódio é apenas um exemplo de como Deus pedagogicamente conduzia a história de seu povo, desde Abraão, para receber o Cristo. Deus sempre age assim: caminhando conosco, nos conduz à realidades sempre superiores.
E o mistério chega à sua plenitude e começa a ser revelado quando Deus envia Seu Filho, nascido de mulher (cf. Gl 4,4). O anúncio do Anjo à Maria é o início da manifestação desse mistério, que revela dois aspectos da maneira peculiar de Deus agir, subvertendo nosso modo de pensar. Tais aspectos constituem a terceira e última idéia da reflexão desse domingo.
O Anjo Gabriel é enviado a um lugar insignificante da Galiléia chamado Nazaré, a uma jovem tão comum como as demais mulheres de sua aldeia. Até seu nome era comum: Maria (cf. Lc 1,26-28). Deus se manifesta onde parece ser impossível. No nosso modo de pensar, Deus procuraria a capital do império e uma mulher famosa. Mas quem quer encontrá-lo, deve procurá-lo na simplicidade dos eventos, das coisas e das pessoas.
O Anjo pede o consentimento de Maria. Deus aqui também age de maneira surpreendente. Como pode o criador e sustentador de tudo, pedir permissão a uma criatura para poder fazer acontecer o Seu plano?. O nosso Deus é assim: o plano escondido desde de toda a eternidade somente se torna realidade concreta quando dizemos sim a ele. A ação de Deus passa pela nossa liberdade.
Que a Virgem Maria nos ajude a acolher e reconhecer o mistério que se manifesta no Menino de Belém. E que digamos sim a Ele com toda a nossa liberdade, vontade, inteligência e memória. Amém.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Ó Chave de Davi - Quarta Antífona do Ó


O Clavis David, et sceptrum domus Israel: qui aperis, et nemo claudit; claudis et nemo aperit: veni, et educ vinctum de domo carceris, sedentem in tenebris et umbra mortis.

Ó Chave de Davi e cetro da Casa de Israel, que abris e ninguém fecha; fechais e ninguém abre: vinde e libertai da prisão o cativo assentado nas trevas e à sombra da morte.

O profeta Isaías fala que Eliacim, intendente real, agirá com o poder da chave da casa de Davi: "Porei sobre seus ombros a chave da casa de Davi; se ele abrir, ninguém fechará, se fechar, ninguém abrirá;" (Is 22,22). No Apocalipse, o próprio Jesus se apresenta como Aquele que detém a chave da casa de Davi: "Ao anjo da igreja de Filadélfia, escreve: Eis o que diz o Santo e o Verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi - que abre e ninguém pode fechar; que fecha e ninguém pode abrir". (Ap 3,7). Jesus é verdadeiramente a Chave de Davi. Nele e por Ele foram criadas todas as coisas (cf. Cl 1, 16); Nele, a humanidade é assumida e redimida. Portanto, é somente Nele que temos acesso ao Pai. Jesus é também a Chave porque Ele se torna o lugar onde o homem se redescobre, reler a sua história e se liberta das trevas e da sombra da morte. Nesse quarto dia da Semana Santa do Natal peçamos ao Menino de Belém que venha com poder, e abra-nos as portas da eternidade. Amém.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Ó Raiz de Jessé - Terceira Antífona do Ó


O Radix Jesse qui stas in signum populorum, super quem continebunt reges os suum, quem gentes deprecabuntur: veni ad liberandum nos; jam noli tardare.

Ó Raiz de Jessé, erguida como estandarte dos povos, um cuja presença os reis se calarão e a quem as nações invocarão: vinde libertar-nos, não tardeis mais.

Na história de Israel, o rei Davi tornou-se o protótipo do rei e de um tempo áureo. Dele assim fala o Eclesiástico: "Fez também Deus aliança com o rei Davi, filho de Jessé, da tribo de Judá; tornou-o herdeiro do reino, ele e sua raça, para derramar a sabedoria no nosso coração, e julgar o seu povo com justiça, a fim de que não se perdessem os seus bens: tornou eterna a sua glória no seio de sua raça". (Eclo 45,31). Era da descendência de Davi que deveria vir o ungido, restaurador do reino de Israel, diante do qual todos os reis e nações se prostrariam, conforme nos diz Isaías: "Um renovo sairá do tronco de Jessé, e um rebento brotará de suas raízes" (Is 11,1), e "naquele tempo, o rebento de Jessé, posto como estandarte para os povos, será procurado pelas nações e gloriosa será a sua morada". (Is 11,10). Jesus, filho de José descendente de Davi (cf. Lc 1,27), é esse renovo da casa de Jessé, Aquele que instaurará um Reino Pleno, um Reino que não é desse mundo. É ele que será erguido no estandarte da cruz (cf. Jo 12,32), atraindo para si todos os povos e nações. É por isso que a Igreja, nesse terceiro dia da Semana Santa do Natal, saúda o Cristo que vem como a Raiz de Jessé. Que o Senhor venha e pela sua cruz nos atraia ao seu coração de pastor. Amém.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Ó Adonai - Segunda Antífona do Ó


O Adonai et Dux domus Israel, que Moysi in igne flammae rubi apparuisti et ei in Sina legem dedisti: veni ad redimendum nos in brachio extento.

Ó Adonai, guia da Casa de Israel, que aparecestes a Moisés na chama do fogo, no meio da sarça ardente e lhe destes a Lei no Sinai: vinde resgatar-nos pelo poder do vosso braço.

Hoje a Igreja na Sagrada Liturgia invoca o Cristo que vem com a Antífona que o intitula Adonai. Adonai é a palavra Senhor em hebraico. O Senhor é o único Deus de Israel: "Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6,4). O Deus que guia Israel nos caminhos da história, abrindo-lhes sempre um futuro cheio de esperança: "Só o Senhor foi o seu guia; nenhum outro deus estava com ele" (Dt 32,12). S. Paulo nos diz que por sua obediência até a morte humilhante de cruz, Deus exaltou Jesus e deu-lhe o nome acima de outro nome, e toda língua proclame que Jesus é o Senhor para a Glória de Deus Pai (cf. Fl 2,11). Jesus, assim como o Pai, o Deus de Israel, é Senhor. Ele recebe do Pai toda a divindade. Por isso, já na história de Israel o Pai já falava e agia pelo seu Filho eterno, embora ainda sob o véu das figuras. O menino que nos vem no Natal é, portanto, verdadeiro homem nascido de Maria Virgem e verdadeiro Deus, pois compartilha com o Pai a condição divina. O menino de Belém é o Adonai feito homem. Vinde Senhor Jesus, assumindo a nossa natureza humana, enche-nos da tua divindade e seremos repletos da tua vida. Amém.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ó Sabedoria - Primeira Antífona do Ó


O Sapientia quae ex ore Altissimi prodisti, attingens a fine usque ad finem, fortiter suaviter disponensque omnia: veni ad docendum nos viam prudentiae.

Ó Sabedoria, que saístes da boca do Altíssimo, atingindo de uma a outra extremidade e tudo dispondo com força e suavidade, vinde ensinar-nos o caminho da prudência.

Hoje, iniciamos a Semana Santa do Natal, saudando o Cristo com a primeira Antífona do Ó, que o evoca com o título de Sabedoria que sai da boca do Altíssimo. S. Paulo nos diz que o Cristo Crucificado é para nós cristãos a sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,24). Cristo é a Sabedoria do Altíssimo. Agora, nós cristãos sabemos que aquela Sabedoria criadora da qual fala o livro dos Provérbios é o próprio Jesus (Pr 8,22-31). Essa Sabedoria existe antes de todos os tempos; quando os céus e a terra foram criados, a Sabedoria ali estava presente. A sabedoria era o mestre-de-obras de Deus, sendo seu encanto todo o tempo Sua presença. É por isso que o Verbo de Deus, Aquele que vem habitar entre nós, tudo abarca, e seus sinais estão presentes na criação e no coração de todo homem. Todo o desejo do coração humano, toda a beleza são marcas dessa sabedoria de Deus na qual fomos criados.
Que a Sabedoria venha nesse Natal e no ensine o caminho da prudência, a viver nesse mundo com equilíbrio, justiça e piedade. Amém.

As Antífonas do Ó - Vem Senhor Jesus!


Iniciamos hoje, 17 de dezembro, a segunda parte do tempo do Advento. Essa etapa é marcada pela preparação próxima ao Natal. Os dias de 17 a 23 constituem a chamada Semana Santa do Natal porque nos colocam na expectativa da iminente vinda do Senhor na nossa carne. Tal expectativa é marcada solenemente pela entoação das chamadas Antífonas do Ó ou Antífonas “Maiores”.
As Antífonas do Ó são louvores que desde o século VI a Igreja nesse tempo eleva ao Cristo, saudando Àquele que vem trazer-nos a vida em plenitude. Hoje essas antífonas se encontram como antífonas do Magnificat (canto da Virgem Maria) na oração das vésperas dos dias de 17 a 23, assim como estão presentes na aclamação ao Evangelho das missas desses mesmos dias.
Ao todo são sete antífonas. Todas iniciam com o vocativo “Ó”, daí o nome Antífonas do Ó, seguida de um título dado a Jesus e de uma súplica. É um crescendo, mostrando que a Sabedoria que sai da boca do Altíssimo vem habitar entre nós, é o Deus Conosco, o Emanuel. As letras iniciais de cada título, se colocadas lado a lado, no sentido inverso, do dia 23 ao 17, formam um acróstico que diz ERO CRAS, que significa VIREI AMANHÃ, anunciando que o Messias já vem no dia 25.
A piedade popular, tendo Maria como imagem perfeita da Igreja, atribui-lhe o título de Nossa Senhora do Ó ou das Antífonas do Ó. É a Igreja que com sua Mãe e protótipo perfeito louva e bendiz, suplicando a vinda do Messias.
São estes as Antífonas e os títulos dados ao Menino que vem:
· Dia 17/12: Ó Sabedoria (Sapientia)
· Dia 18/12: Ó Adonai (Adonai)
· Dia 19/12: Ó Raiz de Jessé (Radix Jesse)
· Dia 20/12: Ó Chave de Davi (Clavis David)
· Dia 21/12: Ó Oriente (Oriens)
· Dia 22/12: Ó Rei das Nações (Rex Gentium)
· Dia 23/12: Ó Emanuel (Emmanuel)
A cada dia, a partir de hoje, apresentaremos cada Antífona do Ó completa. Que o Senhor venha e reine nas nossas vidas!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Cristo, orante do Pai

O texto que se segue é retirado da "Introdução Geral à Liturgia das Horas", nn. 3-4. Esses números apresentam Cristo, orante do Pai, como fundamento e modelo de toda oração.

Vindo ao mundo para comunicar a vida de Deus aos seres humanos, o Verbo que procede do Pai, como esplendor de sua glória, “Sumo Sacerdote da Nova e Eterna Aliança, Cristo Jesus, ao assumir a natureza humana, trouxe para este exílio terreno aquele hino que é cantado por todo o sempre nas habitações celestes” (SC, n.83). A partir daí, o louvor a Deus ressoa no coração de Cristo com palavras humanas de adoração, propiciação e intercessão. Tudo isso, ele dirige ao Pai, como Cabeça que é da humanidade renovada e mediador entre Deus e os homens, em nome de todos e para o bem de todos.
O próprio Filho de Deus, porém, “é um com o Pai” (cf. Jo 10,30) e ao entrar no mundo disse: “Eu vim para fazer a tua vontade” (Hb 10,9; cf. Jo 6,38). Ele se dignou deixar-nos também exemplos de oração. Os evangelhos muitas vezes o apresentam orando: quando o Pai revela sua missão (cf. Lc 3,21-22), antes de chamar os apóstolos (cf. Lc 6,12), ao bendizer a Deus na multiplicação dos pães (cf. Mt 14,19), ao se transfigurar no monte (Lc 9,28-29), quando cura o surdo-mudo (cf. Mc 7,34) e ressuscita Lázaro (Jo 11,41s), antes de solicitar a confissão de Pedro (Lc 9,18), antes de ensinar aos discípulos como devem orar (Lc 11,1), quando os discípulos voltam da missão (Mt 11,25s), ao abençoar as crianças (Mt 19,13), e quando roga por Pedro (Lc 22,32).
Sua atividade cotidiana está muito ligada à oração. Mais ainda, como que brotava dela, retirando-se ao deserto e ao monte para orar (cf. Mc 1,35), levantando-se muito cedo (cf. Mc 1,35) ou permanecendo até a quarta vigília (cf. Mt 14,23.25) e passando a noite em oração a Deus (cf. Lc 6,12).
Além disso, fundadamente se supõe que ele mesmo tenha tomado parte nas preces que publicamente se faziam nas sinagogas, aonde entrou em dia de sábado, “segundo seu costume” (cf. Lc 4,16), e nas preces do templo, que ele chamou casa de oração (cf. Mt 21,13). Não só, mas também nas preces que os israelitas piedosos costumavam fazer individualmente todos os dias. Proferiu também as tradicionais ações de graças a Deus sobre os alimentos como é referido expressamente na multiplicação dos pães (cf. Mt 14,19), em sua última ceia (cf. Mt 26,30) e na ceia de Emaús (cf. Lc 24,30). Também cantou com seus discípulos o hino (cf. Mt 26,30).
Até o fim da vida, já próximo da Paixão (cf. Jo 12,27), na última ceia (Jo 17,1-26) em sua agonia (cf. cf. Mt 26,36-44) e na cruz (cf. Lc 23,34-46), o divino Mestre nos ensina que a oração foi sempre a alma de seu ministério messiânico e do termo pascal da sua vida. Ele de fato, “nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, Àquele que era capaz de salvá-lo da morte. Foi atendido por causa de sua entrega a Deus” (Hb 5,7). Com sua oblação perfeita no altar da cruz, “levou à perfeição definitiva os que ele santifica (Hb 10,14). Finalmente, ressuscitado dentre os mortos, vive e ora constantemente por nós (cf. Hb 7,25).

domingo, 14 de dezembro de 2008

Alegrai-vos sempre no Senhor - Comentário às leituras do III Domingo do Advento


Gaudete in Domino semper. Iterum dico: Gaudete!
Alegrai-vos sempre no Senhor. Eu repito: alegrai-vos!
(Fl 4,4)

É com este espírito, espírito de alegria, quando se aproximam as festas benditas da Manifestação do Senhor, que a Igreja olha Aquele que vem, seu Amado Esposo e diz com mais força, com mais piedade, com mais fervor: vem, Senhor Jesus! Vem resgatar o teu povo das trevas, da escravidão do pecado e da morte, vem nos dar o reino prometido pelos profetas e confirmado por ti, anunciado pela Igreja e esperado pelos fiéis!
Aquele que vem, Aquele por quem o nosso coração anela é o Ungido do Senhor, como diz o profeta Isaías na primeira leitura da Sagrada Liturgia de hoje: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos; para proclamar o tempo da graça do Senhor (Is 61,1-2a). E esse Ungido, este Messias, este Cristo, é Jesus de Nazaré: é Ele quem Deus Pai unge quando é batizado por João no rio Jordão; e, logo após o batismo, depois de ser tentado no deserto, Jesus chega à Cafarnaum, onde, na sinagoga, lê o trecho do Profeta acima citado, dizendo em seguida: Hoje se cumpriu esta profecia que vós acabais de ouvir. (Lc 4,21). Sim, Jesus é o Messias, o Cristo esperado pelo povo da Antiga Aliança que viria resgatar o pequeno resto de Israel, povo sofrido e humilde, os pobres de Deus: a este povo é que ele foi enviado. Assim, diante da alegria de ver que esta profecia se cumpre, também hoje para nós, porque o Cristo está em nosso meio através da força do Espírito Santo e do ministério da Igreja, nos podemos também dizer como o Profeta: Exulto de alegria no Senhor e minh'alma regozija-se em meu Deus; ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa ou uma noiva com suas jóias (Is 61,10) e também com a Virgem Maria, a mais humilde dentre os humildes: A minha alma engrandece ao Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador, pois ele viu a pequenez de sua serva (Lc 1,46-48).
Este mesma exortação à alegria nos faz S. Paulo na segunda leitura: Estai sempre alegres! (1Ts 5,16), para em seguida emendar: Aquele que vos chamou é fiel; ele mesmo realizará isso (1Ts 5,24). É Deus quem nos dará a verdadeira alegria, não a alegria passageira, que vem do mundo, mas a autêntica alegria de quem vive na esperança, na certeza, na fé de que o nosso Salvador vem em breve para nos dar a vida que tanto almejamos.
Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus (Hb 12,1). Sigamos o exemplo de João Batista: ele não se exaltou diante da fama que lhe vinha, nem se proclamou o Messias ou mesmo Elias, mas confessou: Eu não sou o Messias. Eu sou a voz que grita no deserto: “Aplainai o caminho do Senhor'”. Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias (Jo 1,20.23.26). Só com um coração pobre, disponível, aberto, como o de João, é que podemos seguir a sua exortação, de aplainar o caminho para Senhor, de converter-se para Ele, e então encher o nosso coração de alegria, da alegria verdadeira, da alegria que não passa e que nos vem da certeza de que Deus nos ama e quer nos fazer participar do eterno gozo em sua presença. Amém.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Festa de Maria sempre Virgem de Guadalupe, padroeira da América Latina


Não se perturbe o teu coração nem te inquiete coisa alguma. Não estou aqui, eu, tua mãe? Não estás sob a minha sombra? Não estás porventura sob a minha proteção?
Com estas palavras dulcíssimas, tu, Bela Senhora, que apareceu ao índio Juan Diego sobre o Tepeyac, alentou-o a confiar na tua palavra; estas palavras de tão terno carinho, não diriges a nós, pobres filhinhos teus, desterrados do céu? Sim, com estas palavras tu nos exorta à confiança em tua materna intercessão junto do teu Filho amantíssimo, Ele que é o Deus por quem vivemos! Sim, ó mãe piedosa, porque nos mostrastes a bondade e a misericórdia do Deus Altíssimo, que quer a salvação de todos os povos, das mais variadas línguas e raças (cf. Ap. 5,9); por isso tu apareceste com feições de princesa asteca, para mostrar àquele povo grandioso e sofrido a Glória do Deus vivo, Jesus Cristo, Senhor nosso. Como em todas as épocas, tu apareceste para apontar o teu Filho Jesus e nos fazer conhecer a face misericordiosa de nosso Deus. Mas ao mesmo tempo, o nosso coração se enche de grande exultação também por poder contemplar a ti, a mais excelsa criatura, a mais perfeita obra-prima de Deus, em quem Ele fez maravilhas (Lc 1,49). Sim, o nosso coração exulta com o teu (cf. Lc 1,46), e permanece extasiado ao contemplar tua glória, glória que está reservada a todos aqueles que, como tu, tiverem a coragem de abrir as portas do coração para que entre o Rei da Glória (cf. Sl 23,7).
Ó Virgem Santa, a tua carne é a carne de Cristo; toda a tua humanidade é a humanidade de Cristo, ou melhor, toda humanidade de Cristo é a tua humanidade. Mesmo geneticamente falando, Jesus é teu; mas não o é também pela criação, pelo gênio, pela sensibilidade, pelas características físicas e psicológicas? E ao mesmo tempo tu é que és de Jesus, nosso Deus e Senhor. Ó tu que gerastes Aquele que te criou, vem em socorro da tua prole e do povo de que és parte! Tu que és o fruto mais eminente, a flor mais bendita da humanidade, tu que és nossa glória e nosso orgulho, ajudai-nos, para que não se riam de nós os nossos inimigos, como não riram de ti! Faze-te nossa Mãe, como o foste de Juan Diego, o menor de teus filhos, como o foste de Jesus o maior deles!
Maria, sempre Virgem de Guadalupe, Mãe do verdadeiro Deus, por quem vivemos, rogai por nós, que recorremos a vós!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

As bem-aventuranças – X


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Voltemos agora para a segunda bem-aventurança: Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. É bom chorar e reputar como feliz a tristeza? Há duas espécies de tristeza: uma tristeza que perdeu a esperança, que já não confia no amor nem na verdade e que por isso desagrega e arruína o homem por dentro; mas também há a tristeza que vem do abalo, da comoção provocada pela verdade, que leva o homem à conversão, à resistência contra o mal. Esta tristeza cura, porque ensina o homem a acreditar e a amar de novo. Na primeira tristeza encontra-se Judas, o qual – tocado pelo susto provocado pela própria queda – já não ousa acreditar e, no desespero, se enforca. Na segunda espécie de tristeza encontra-se S. Pedro, o qual, tocado pelo olhar do Senhor, desata em lágrimas, que são salvadoras: elas lavram em profundidade o terreno da sua alma. Ele começa de novo e torna-se novo.
Para esta espécie positiva de tristeza, que é um poder contra o domínio do mal, Ezequiel oferece um impressionante testemunho. Seis homens são encarregados de executar o juízo de condenação em Jerusalém, na terra que estava cheia de culpa pelo derrame de sangue, na cidade cheia de injustiça (Ez 9,9). Mas, antes, um homem vestido de linho deve traçar um Tau (uma espécie de sinal da cruz) sobre a testa daqueles que suspiram e gemem por causa das crueldades cometida na cidade (Ez 9,4), e os assim assinalados são excluídos do juízo de condenação. São homens que não uivam com os lobos, que não se deixam misturar com a injustiça tornada como algo evidente, mas que sofrem por causa disso. Mesmo se não está no seu poder alterar totalmente a situação, eles opõem ao domínio do mal a resistência passiva do sofrimento – a tristeza que coloca os limites ao poder do mal.
A tradição encontrou ainda outro modelo da tristeza que cura: Maria, que com a sua irmã, a mulher de Cléofas, e com Maria de Magdala e com João, está de pé ao lado da cruz. De novo encontramos diante de nós – como na visão de Ezequiel, num mundo cheio de crueldade e de cinismo ou de um medroso deixar-se andar – um pequeno grupo de homens permanece fiel; esses homens não podem entrar a infelicidade, mas na sua compaixão eles se colocam ao lado de Deus, que é amor. Esta compaixão permite-nos pensar na magnífica palavra de S. Bernardo de Claraval no seu comentário ao Cântico dos Cânticos: ... impassibilis est Deus, sed non incompassibilis (Deus não pode sofrer, mas pode compadecer-se). Junto da cruz de Jesus é que compreendemos melhor a palavra: bem-aventurados os que estão tristes, porque serão consolados. Quem endurece o seu coração perante a dor, perante a necessidade do outro, quem não abre a sua alma ao mal, mas que sofre sob o seu poder e assim dá a Deus o direito da verdade, esse abre as janelas do mundo, de modo que a luz possa entrar. A estes que assim choram é prometida a grande consolação. Nesta medida, a segunda bem-aventurança está intimamente ligada com a sétima: Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus.
A tristeza de que o Senhor fala é o não-conformismo com o mal, é um modo de protestar contra o que todos fazem e que se impõe aos indivíduos como modelo de comportamento. O mundo já não suporta esta espécie de resistência, porque ele exige colaboração. Esta tristeza lhe aparece como uma acusação, que se opõe à anestesia das consciências, e ela é isso também. Por isso, os tristes serão perseguidos por causa da justiça. Mas aos tristes é prometida a consolação, aos perseguidos é prometido o Reino de Deus; é a mesma promessa que é feita aos pobres em espírito. Ambas as promessas estão unidas lado a lado; o reino de Deus, colocar-se sob a proteção do poder de Deus e estar escondido no seu amor – aqui está a verdadeira consolação.
E inversamente: só então é que o que sofre será verdadeiramente consolado, só então é que serão as suas lágrimas totalmente enxutas, quando nenhum poder sanguinolento poderá ameaçá-lo nem aos homens sem poder deste mundo; só então será perfeita a consolação, quando também o sofrimento incompreendido do passado for elevado à luz de Deus e conduzido pela sua bondade a um sentido reconciliador; só então aparecerá a verdadeira consolação, quando ao último inimigo, a morte (1Cor 15,26), com todos os seus cúmplices, for retirado todo o seu poder. Assim nos ajuda a compreender a palavra da consolação o que com a expressão Reino de Deus (dos céus) se quer dizer, e Reino de Deus dá-nos de novo uma representação a respeito da consolação que o Senhor tem à disposição para todos deste mundo que choram e que sofrem.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O desejo de contemplar a Deus


Do livro “Proslógion”, de Santo Anselmo, bispo


Vamos, coragem, pobre homem! Foge um pouco de tuas ocupações. Esconde-te um instante do tumulto de teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te absorvem e livra-te das preocupações que te afligem. Dá um pouco de tempo a Deus e repousa nele.
Entra no íntimo de tua alma, afasta tudo de ti, exceto Deus ou o que possa ajudar-te a procurá-lo; fecha a porta e põe-te à procura. Agora fala, meu coração, abre-te e diz a Deus: Busco a vossa face; Senhor, é a vossa face que eu procuro (Sl 26,8).
E agora, Senhor meu Deus, ensinai a meu coração onde e como vos procurar, onde e como vos encontrar.
Senhor, se não estais aqui, se estais ausente, onde vos procurarei? E se estais em toda parte, por que não vos encontro presente? É certo que habitais numa luz inacessível, mas onde está essa luz inacessível e como chegarei a ela? Quem me conduzirá e nela me introduzirá, para que nela eu vos veja? E depois, com que sinais e sob que aspecto vos devo procurar? Nunca os vi, Senhor meu Deus e não conheço a vossa face.
Que pode fazer, altíssimo Senhor, que pode fazer este exilado longe de vós? Que pode fazer este vosso servo, sedento do vosso amor, mas tão longe da vossa presença? Aspira ver-vos, mas vossa face se esconde inteiramente dele. Deseja aproximar-se vós, mas vossa morada é inacessível. Aspira encontrar-vos, mas não sabe onde estais. Tenta procurar-vos, mas desconhece a vossa face.
Senhor, vós sois o meu Deus, o meu Senhor, e nunca vos vi. Vós me criastes e redimistes, destes-me todos os meus bens e ainda não vos conheço. Fui criado para vos ver e ainda não fiz aquilo para que fui criado.
E vós, Senhor, até quando? Até quando, Senhor, nos esquecereis, até quando nos ocultareis a vossa face? Quando nos olhareis e nos ouvireis? Quando iluminareis os nossos olhos, e nos mostrareis a vossa face? Quando voltareis a nós?
Olhai-nos, senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente a vossa presença para sermos felizes, pois sem vós somos tão infelizes! Tende piedade dos rudes esforços que fazemos para alcançar-vos, nós que nada podemos sem vós.
Ensinai-me a vos procurar e mostrai-vos quando vos procuro; pois não posso procurar-vos se não me ensinais nem encontrar-vos se não vos mostrais. Que desejando eu vos procure, procurando vos deseje, amando vos encontre, e encontrando vos ame.

domingo, 7 de dezembro de 2008

A Imaculada Conceição de Maria, primícias da manifestação do Verbo de Deus - Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria


Celebramos hoje, nesse 08 de dezembro, mais uma festa da Virgem Maria. Nada mais oportuno do que celebrar a Solenidade da Imaculada Toda Santa Mãe de Deus em pleno tempo do Advento. A Virgem Imaculada nos é apresentada como primícias do novo tempo inaugurado com a manifestação do Verbo de Deus em nossa carne no Santo Natal. Vejamos as razões.
Desde a fundação do mundo, Deus criou o homem para ambos viverem em comunhão. O homem desde o início foi criado por Deus para ser seu amigo, não havendo nada de oculto entre Deus e o homem. No entanto, logo também no início, o homem disse não à essa amizade. Pela sedução do diabo, essa amizade se tornara um fardo para o homem, e ele acreditou que a verdadeira liberdade deveria ser encontrada longe do autor da vida. E desse “não”, o pecado começou a reinar no mundo, e geração após geração, a humanidade sentiu as conseqüências de viver exilada do próprio Deus, buscando alhures algo ou alguém que lhe revele a verdade sobre sua própria existência.
O ingresso do pecado no mundo é apresentado hoje em forma simbólica na narrativa do Gênesis presente na 1ª leitura: Adão transgride o pacto de amizade com Deus, por isso se esconde, já não pode mais estar plenamente nu, não é mais plenamente ele diante de Deus. E não somente isso: atribui a responsabilidade à mulher, que, por sua vez, aponta a serpente como autora da situação (cf. Gn 3,9-13).
Mas desse episódio doloroso percebemos que Deus oferecerá de uma maneira a sua amizade ao homem. A amizade agora virá através de uma luta entre a serpente, o mal, e a descendência de mulher, que lhe pisará a cabeça (cf. Gn 3,14-15).
Ao contemplarmos hoje a Imaculada Virgem sabemos que a vitória da mulher sobre o diabo já se aproxima. A descendência de Mulher, Jesus, já desponta como sol sem ocaso e seus raios, já mesmo antes de sua concepção, iluminam sua mãe, preservando-a do pecado. A promessa de Deus começa a se cumprir.
S. Paulo, na 2ª leitura dessa santa liturgia, apresenta aquilo que Deus nos oferta no menino que vem no Natal: em Jesus, temos a remissão dos pecados e nos tornamos seus filhos adotivos, santos e amigos irrepreensíveis (cf. Ef 1,4-6). Na Virgem Maria, Deus fez essa oferta antes mesmo que o Verbo se encarnasse. Tendo em vista a fidelidade de Jesus e seus méritos, o pecado sequer tocou na Virgem Maria. No entanto, é por causa de Cristo, não por mérito próprio, que Maria é santa e irrepreensível. Ela é toda santa porque, para que seu Filho habitasse num templo digno, Deus já manifesta nela a sua salvação. Por isso cantamos com o salmo: O Senhor fez conhecer a salvação e às nações sua justiça (Sl 97,2).
Nós nos alegramos com a Plena de Graça (cf. Lc 1,28) porque nosso Deus sempre opera maravilhas em nosso favor, recordando aquilo que prometera e cumprindo-o. Santa Virgem Imaculada interceda por nós para que, assim como tu, nos achemos dignos das promessas que se cumprem em Jesus. Amém.

O Senhor vem vindo, preparemos os seus caminhos! – Reflexão das leituras do 2º Domingo do Advento


Diante do questionamento acerca do retardo do dia do Senhor, S. Pedro, na 2ª leitura da liturgia desse domingo, recorda-nos: o tempo de Deus é outro, é o tempo da graça, onde mil anos equivalem a um dia, e um dia a mil anos (cf. 2Pd 3,8). Mais do que viver especulando sobre as demoras de Deus, importa-nos viver o tempo presente, o tempo da paciência de Deus, tempo propício para a nossa conversão (cf. 2Pd 3,9b), de fazer brotar na nossa vida os frutos do Espírito. E o esforço por viver uma vida pura e sem mancha e em paz é animado pela certeza de que a vida humana e a criação têm uma direção, caminham para a transfiguração plena no fogo do Espírito Santo, onde haverá um novo céu e uma nova terra (cf. 2Pd 3,10-14).
Não importa, portanto, sabermos quando tudo será transformado e Cristo, nossa Glória, aparecerá. O importante é estarmos prontos e gerar frutos de santidade, pois o Senhor vem vindo sempre em nossas vidas. Ele veio uma vez segundo a carne, e, com certeza, virá uma segunda vez glorioso. Mas entre as duas vindas, conforme afirma S. Bernardo, há um vinda intermediária do Senhor na vida de cada um de nós. Essa vinda é como um caminho que conduz da primeira à última; nessa vinda intermediária de cada dia, o Senhor manifesta o poder de sua graça, sendo consolo e repouso. É preciso que estejamos com o terreno do nosso coração aplainado para recebê-lo.
O grito do precursor, João Batista, que emerge no Evangelho de hoje: Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas! (Mc 1,3b) recorda-nos a necessidade da permanente constância na fé e na vida cristãs, para que as lutas de cada dia, com suas alegrias passageiras, decepções, cansaços e fadigas, não impeçam que o Senhor venha e entre em nosso coração, transformando o deserto da nossa vida em jardim de graça.
Eis o nosso Deus, Ele vem com poder, como um pastor que apascenta o rebanho, carregando-nos ao colo (cf. Is 40,9-10). Caminhemos rumo às festas que se aproximam na certeza de que nosso Deus está conosco, acalentando-nos e enchendo de sentido a nossa vida.

sábado, 6 de dezembro de 2008

As bem-aventuranças – IX


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Assim, já antecipamos a sétima bem-aventurança: “Bem-aventurados os construtores da paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Sobre esta palavra fundamental de Jesus poderão ser suficientes uns breves comentários. Em primeiro lugar, podemos, desde já, aqui perceber como pano de fundo a história do mundo. S. Lucas tinha na história da infância de Jesus deixado transparecer o contraste entre este menino e o onipotente César Augusto, que era exaltado como “salvador de todo o gênero humano” e como o grande portador da paz. Já antes tinha César tomado o título de “construtor da paz de todo o mundo”. Para os crentes em Israel, vem à memória Salomão, em cujo nome está contida a palavra “paz”. O Senhor tinha prometido a Davi: “Nos seus dias Israel pode viver em paz e em tranqüilidade... Ele será para mim filho, e Eu serei para ele Pai” (1Cr 22,9s). Aparece assim uma relação entre filiação divina e reino da paz: Jesus é o Filho, e o é realmente. Por isso, Ele é o verdadeiro “Salomão”, o portador da paz. Construir a paz pertence à essência da filiação. Assim, esta bem-aventurança convida-nos para sermos e fazermos o que o Filho faz e, deste modo, sermos nós mesmos “filhos de Deus”.
Isso vale em primeiro lugar para o espaço vital no qual cada um vive. Começa em cada decisão fundamental, que S. Paulo com paixão implora em nome de Deus: “Imploramo-vos por amor de Deus: deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). O afastamento ruinoso de Deus é o ponto de partida de todos os envenenamentos do homem; a sua superação é a condição fundamental para a paz no mundo. Só o homem reconciliado com Deus pode também se reconciliar consigo mesmo e estar de acordo, e somente o homem que estiver reconciliado com Deus e consigo mesmo pode construir a paz à sua volta e em toda a vastidão do mundo. O contexto político que se escuta em surdina, quer na história da infância em S. Lucas quer aqui nas bem-aventuranças em S. Mateus, anuncia porém toda a riqueza e extensão desta palavra. Que haja paz na terra (Lc 2,14) é a vontade de Deus e ao mesmo tempo uma tarefa entregue aos homens. O cristão sabe que a persistência na paz com Deus é uma parte indispensável da luta pela “paz sobre a terra”; a partir daí vêm os critérios e as forças para esta luta. Que aí onde Deus deixa de estar presente no ângulo de visão do homem também a paz falhe e prevaleça a violência com imprevisível crueldade: podemos presenciar isso hoje com toda a clareza.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A vida espiritual


Do Livro Na Liberdade da Solidão de Thomas Merton


A vida espiritual não é vida mental. Não é só pensamento. Nem tampouco, é claro, é vida de sensações, vida de sentimentos – “sentir” e experimentar as coisas do espírito e as coisas de Deus.
A vida espiritual, contudo, não exclui o pensamento nem o sentimento. Precisa de ambos. Não é uma vida simplesmente concentrada no “ponto alto” da alma, vida da qual a mente, a imaginação e o corpo estão excluídos. Se assim fosse, poucas pessoas poderiam vivê-la. E, ainda uma vez, se isso fosse a vida espiritual, não seria, de modo algum, vida. Para que possa viver, tem o homem de estar plenamente vivo, corpo, alma, coração, mente, espírito.Tudo tem de ser elevado e transformado pela ação de Deus, no amor e na fé.
Inútil tentar fazer meditações apenas pensando – pior ainda, meditar ligando palavras umas as outras, passando em revista um exército de banalidades.
Uma vida puramente mental pode ser causa de ruína, se nos levar a substituir a vida pelo pensamento e as ações pelas idéias. A atividade própria do homem não é puramente mental, pois o homem não é apenas um espírito desencarnado. Nosso destino é viver o que pensamos, porque se não vivermos aquilo de que temos conhecimento, nem chegamos a conhecê-lo. Somente tornando aquilo que conhecemos parte de nos mesmos, pela ação, é que penetramos na realidade significada por nossos conceitos.
Viver como animal racional não significa pensar como homem e viver com animal. Temos tanto de pensar como de viver como homem. É ilusão tentar viver como se as duas partes abstratas de nosso ser – racionalidade e animalidade – existissem de fato, separadamente, como duas realidades concretas diversas. Somos uma só coisa, corpo e alma e, se não vivermos como uma unidade, morreremos.
Viver não é pensar. O pensamento é formado e guiado pela realidade objetiva que existe fora de nós. Viver é o constante ajustar-se do pensamento à vida e da vida ao pensamento, de tal modo que estejamos sempre tendo a experiência de coisas novas nas antigas, e de antigas nas novas. Assim, a vida é sempre coisa nova.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Ó admirável intercâmbio!

Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo


O próprio Filho de Deus, que existe desde toda a eternidade, o invisível, o incompreensível, incorpóreo, princípio que procede do princípio, a luz nascida da luz, a fonte da vida e da imortalidade, a expressão do arquétipo, divino, o selo inamovível, a imagem perfeita, a palavra e o pensamento do Pai, vem em ajuda da criatura feita à sua imagem, e por amor do homem se faz homem. Para purificar aqueles de quem se tornou semelhante, assume tudo o que é humano, exceto o pecado. Foi concebido por uma Virgem, já santificada pelo Espírito Santo no corpo e na alma, para honrar a maternidade e ao mesmo tempo exaltar a excelência da virgindade; e assumindo a humanidade sem deixar de ser Deus, uniu em si mesmo duas realidades contrárias, a saber, a carne e o espírito. Uma delas conferiu a divindade, a outra recebeu-a.
Aquele que enriquece os outros torna-se pobre. Aceita a pobreza de minha condição humana para que eu possa receber os tesouros de sua divindade. Aquele que possui tudo em plenitude, aniquila-se a si mesmo; despoja-se de sua glória por algum tempo, para que eu participe de sua plenitude.
Quais são essas riquezas da bondade? Qual é esse mistério que me concerne? Recebi a imagem divina mas não soube conservá-la. Ele assumiu a minha condição humana para restaurar a perfeição dessa imagem e dar a imortalidade a esta minha condição mortal. Assim estabelece conosco uma segunda aliança, muito mais admirável que a primeira.
Convinha que a santidade fosse dada ao homem mediante a humanidade assumida por Deus. Convinha que ele triunfasse desse modo sobre o tirano que nos subjugava, para nos restituir a liberdade e reconduzir-nos a si através de seu Filho, nosso Mediador; e Cristo realizou, de fato, esta obra redentora para a glória de seu Pai, que era o objetivo de todas as suas ações.
O bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas, veio ao encontro da que estava perdida, procurando-a pelos montes e colinas onde tu sacrificavas aos ídolos; tendo-a encontrado, tomou-a sobre seus ombros – os mesmos que carregaram a cruz – reconduzindo-a à vida eterna.
Depois daquela tênue lâmpada do Precursor, veio a Luz claríssima de Cristo; depois da voz, veio a Palavra; depois do amigo do esposo, o Esposo. O Senhor veio depois daquele que lhe preparou um povo perfeito, predispondo os homens, por meio da água purificadora, para receberem o batismo do Espírito.
Foi necessário que Deus se fizesse homem e morresse, para que tivéssemos a vida. Morremos com ele para sermos purificados; ressuscitamos com ele porque com ele morremos. Fomos glorificados com ele, porque com ele ressuscitamos.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

As bem-aventuranças – VIII


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Com esta terceira bem-aventurança está ligada, no Evangelho de S. Mateus, a promessa da terra: Bem –aventurados os mansos porque possuirão a terra. O que isto quer dizer? A esperança da terra pertence ao núcleo mais íntimo da promessa a Abraão. Durante a peregrinação de Israel pelo deserto, a terra prometida está sempre no horizonte como fim da peregrinação. No exílio, Israel espera pelo regresso à sua terra. Mas não devemos perder de vista que a promessa da terra vai claramente mais além do que um simples pensamento de posse sobre um pedaço de terra ou de um território nacional, como é próprio de cada povo.
Na luta pela libertação de Israel para a saída do Egito está em primeiro lugar o direito à liberdade de adoração, do autêntico serviço divino; e a promessa da terra tem, no decorrer da história, sempre mais claramente o sentido de que a terra será dada de modo que aí esteja um lugar da obediência, para que haja aí um lugar aberto para Deus e assim a terra seja liberta do horror da idolatria. No conceito da liberdade e da terra está o conceito de obediência a Deus e portanto um conteúdo essencial da correta configuração da terra. Assim, a partir daí, podia-se também compreender o exílio, a perda da terra: ela tinha se tornado um lugar de idolatria, da desobediência, e deste modo a posse da terra tinha caído em sinal de contradição.
Daqui também pôde originar-se uma nova e positiva compreensão da diáspora: Israel foi disperso por todo o mundo, para em toda a parte criar um lugar para Deus e assim realizar o sentido da criação, que é anunciado pelo primeiro relato da criação (Gn 1,1 – 2,4) – o sábado é o fim da criação, ele lhe confere um para onde, uma finalidade; a criação está aí porque Deus quis criar um espaço para a resposta ao seu amor, um espaço da obediência e da liberdade. Deste modo, progressivamente, degrau a degrau na aceitação e no sofrimento da história de Israel com Deus, operou-se um alargamento e um aprofundamento da idéia da terra, que apontava sempre menos para uma posse nacional e sempre mais para a universalidade da pretensão divina a respeito de toda a terra.

* * *


Naturalmente que é possível também descobrir neste jogo entre mansidão e promessa da terra, antes de mais nada, uma sabedoria muito comum na história: os invasores vêm e vão. Permanecem os simples, os humildes, que cultivam a terra e que continuam a semear e a colher entre dores e alegrias. Os humildes, os simples, são também, de um ponto de vista simplesmente histórico, mais persistentes do que os que exercem violência. Mas aqui se trata de algo mais. A progressiva universalização do conceito de terra a partir do fundamento teológico da esperança corresponde também ao horizonte universal que encontramos na promessa de Zacarias: a terra do rei da paz não é um estado nacional, ela vai de um mar a outro mar. A paz tem em vista a superação das fronteiras e uma terra renovada por meio da paz que vem de Deus. No fim, a terra pertence aos mansos, aos pacíficos, diz-nos o Senhor. Ela deve tornar-se a terra do rei da paz. A terceira bem-aventurança convida-nos para viver lá.
Cada reunião eucarística é para os cristãos esse lugar da soberania do rei da paz. A comunidade da Igreja de Jesus Cristo, que envolve todo o mundo, é então um pré-esboço da terra de amanhã, que deve tornar-se uma terra da paz de Jesus Cristo. Também aqui a terceira bem-aventurança está de acordo com a primeira: o que o “Reino de Deus” significa torna-se mais claro um pouco mais adiante, precisamente quando a pretensão desta expressão se estende mais além da promessa da terra.

domingo, 30 de novembro de 2008

I Domingo do Advento


O Verbo eterno do Pai, da luz do Pai emanado, nascendo, eleva história caída pelo pecado. E assim libertas das culpas, frutos de nossas malicias, no céu possamos gozar vossas eternas delícias.[1] Por causa da dureza de nossos corações e do não reconhecimento de Deus como nosso Senhor e Redentor, nos distanciamos de seus caminhos e assim, nos afastamos de Deus, como diz a Escritura: criei e fiz crescer meus filhos, mas eles me desprezaram...Israel não me conhece, meu povo não quer entender...[2] No entanto, Tu, Senhor, estás no meio de nós, e Teu nome foi invocado sobre nós; não nos abandone, Senhor e nosso Deus.[3] E eis que Ele vem ao encontro de quem é justo, pois Ele é bom, clemente e fiel, é perdão para quem o invoca.[4]
Desnorteados, por nos desviar dos caminhos de Deus e, conseqüentemente, ficando sem esperança, nos deparamos com uma absurda pergunta: qual o sentido de nossa existência? Que, muitas vezes, permanece sem resposta por imaturidade espiritual e pelo afastamento de Deus. Mas, em Cristo, existimos, nos movemos e somos. E Nele somos cumulados de todas as riquezas, todas as palavras e todo conhecimento[5] Eis a verdadeira e única resposta, nosso Senhor Jesus Cristo. E Ele disse, Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim.
Meus irmãos, eis que Cristo virá e manifestará a coroa de sua glória cercado de uma multidão de anjos para julgar os vivos e os mortos e renovar toda a criação. Eis que faço nova todas as coisas. Dessa forma, na fé de que Cristo virá, O obedeçamos; E Ele disse: vigiai, portanto, pois, não sabeis quando o Senhor desta casa voltará, para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo. E o que vos digo, digo a todos.[6]
Amados irmãos, movidos pelo Espírito Santo, na esperança da vinda de Cristo e, certos de seu justo julgamento, peçamos a Deus Pai que nos conceda o ardente desejo de possuir o reino celeste, para que, acorrendo com nossas boas obras ao encontro de Cristo que vem, sejamos reunidos a sua direita na comunidade dos justos.[7]


[1] Hino do Ofício das Leituras do Tempo do Advento;
[2] Is 1, 2-3;
[3] Jr 14, 9;
[4] Sl 85 – 86, 5;
[5] 1 Cor 1, 5;
[6] Mt 13, 35;
[7] Oração Coleta do 1º Doingo do Advento – Ano B.