quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

As bem-aventuranças – X


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Voltemos agora para a segunda bem-aventurança: Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. É bom chorar e reputar como feliz a tristeza? Há duas espécies de tristeza: uma tristeza que perdeu a esperança, que já não confia no amor nem na verdade e que por isso desagrega e arruína o homem por dentro; mas também há a tristeza que vem do abalo, da comoção provocada pela verdade, que leva o homem à conversão, à resistência contra o mal. Esta tristeza cura, porque ensina o homem a acreditar e a amar de novo. Na primeira tristeza encontra-se Judas, o qual – tocado pelo susto provocado pela própria queda – já não ousa acreditar e, no desespero, se enforca. Na segunda espécie de tristeza encontra-se S. Pedro, o qual, tocado pelo olhar do Senhor, desata em lágrimas, que são salvadoras: elas lavram em profundidade o terreno da sua alma. Ele começa de novo e torna-se novo.
Para esta espécie positiva de tristeza, que é um poder contra o domínio do mal, Ezequiel oferece um impressionante testemunho. Seis homens são encarregados de executar o juízo de condenação em Jerusalém, na terra que estava cheia de culpa pelo derrame de sangue, na cidade cheia de injustiça (Ez 9,9). Mas, antes, um homem vestido de linho deve traçar um Tau (uma espécie de sinal da cruz) sobre a testa daqueles que suspiram e gemem por causa das crueldades cometida na cidade (Ez 9,4), e os assim assinalados são excluídos do juízo de condenação. São homens que não uivam com os lobos, que não se deixam misturar com a injustiça tornada como algo evidente, mas que sofrem por causa disso. Mesmo se não está no seu poder alterar totalmente a situação, eles opõem ao domínio do mal a resistência passiva do sofrimento – a tristeza que coloca os limites ao poder do mal.
A tradição encontrou ainda outro modelo da tristeza que cura: Maria, que com a sua irmã, a mulher de Cléofas, e com Maria de Magdala e com João, está de pé ao lado da cruz. De novo encontramos diante de nós – como na visão de Ezequiel, num mundo cheio de crueldade e de cinismo ou de um medroso deixar-se andar – um pequeno grupo de homens permanece fiel; esses homens não podem entrar a infelicidade, mas na sua compaixão eles se colocam ao lado de Deus, que é amor. Esta compaixão permite-nos pensar na magnífica palavra de S. Bernardo de Claraval no seu comentário ao Cântico dos Cânticos: ... impassibilis est Deus, sed non incompassibilis (Deus não pode sofrer, mas pode compadecer-se). Junto da cruz de Jesus é que compreendemos melhor a palavra: bem-aventurados os que estão tristes, porque serão consolados. Quem endurece o seu coração perante a dor, perante a necessidade do outro, quem não abre a sua alma ao mal, mas que sofre sob o seu poder e assim dá a Deus o direito da verdade, esse abre as janelas do mundo, de modo que a luz possa entrar. A estes que assim choram é prometida a grande consolação. Nesta medida, a segunda bem-aventurança está intimamente ligada com a sétima: Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus.
A tristeza de que o Senhor fala é o não-conformismo com o mal, é um modo de protestar contra o que todos fazem e que se impõe aos indivíduos como modelo de comportamento. O mundo já não suporta esta espécie de resistência, porque ele exige colaboração. Esta tristeza lhe aparece como uma acusação, que se opõe à anestesia das consciências, e ela é isso também. Por isso, os tristes serão perseguidos por causa da justiça. Mas aos tristes é prometida a consolação, aos perseguidos é prometido o Reino de Deus; é a mesma promessa que é feita aos pobres em espírito. Ambas as promessas estão unidas lado a lado; o reino de Deus, colocar-se sob a proteção do poder de Deus e estar escondido no seu amor – aqui está a verdadeira consolação.
E inversamente: só então é que o que sofre será verdadeiramente consolado, só então é que serão as suas lágrimas totalmente enxutas, quando nenhum poder sanguinolento poderá ameaçá-lo nem aos homens sem poder deste mundo; só então será perfeita a consolação, quando também o sofrimento incompreendido do passado for elevado à luz de Deus e conduzido pela sua bondade a um sentido reconciliador; só então aparecerá a verdadeira consolação, quando ao último inimigo, a morte (1Cor 15,26), com todos os seus cúmplices, for retirado todo o seu poder. Assim nos ajuda a compreender a palavra da consolação o que com a expressão Reino de Deus (dos céus) se quer dizer, e Reino de Deus dá-nos de novo uma representação a respeito da consolação que o Senhor tem à disposição para todos deste mundo que choram e que sofrem.

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