sábado, 6 de dezembro de 2008

As bem-aventuranças – IX


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Assim, já antecipamos a sétima bem-aventurança: “Bem-aventurados os construtores da paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Sobre esta palavra fundamental de Jesus poderão ser suficientes uns breves comentários. Em primeiro lugar, podemos, desde já, aqui perceber como pano de fundo a história do mundo. S. Lucas tinha na história da infância de Jesus deixado transparecer o contraste entre este menino e o onipotente César Augusto, que era exaltado como “salvador de todo o gênero humano” e como o grande portador da paz. Já antes tinha César tomado o título de “construtor da paz de todo o mundo”. Para os crentes em Israel, vem à memória Salomão, em cujo nome está contida a palavra “paz”. O Senhor tinha prometido a Davi: “Nos seus dias Israel pode viver em paz e em tranqüilidade... Ele será para mim filho, e Eu serei para ele Pai” (1Cr 22,9s). Aparece assim uma relação entre filiação divina e reino da paz: Jesus é o Filho, e o é realmente. Por isso, Ele é o verdadeiro “Salomão”, o portador da paz. Construir a paz pertence à essência da filiação. Assim, esta bem-aventurança convida-nos para sermos e fazermos o que o Filho faz e, deste modo, sermos nós mesmos “filhos de Deus”.
Isso vale em primeiro lugar para o espaço vital no qual cada um vive. Começa em cada decisão fundamental, que S. Paulo com paixão implora em nome de Deus: “Imploramo-vos por amor de Deus: deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). O afastamento ruinoso de Deus é o ponto de partida de todos os envenenamentos do homem; a sua superação é a condição fundamental para a paz no mundo. Só o homem reconciliado com Deus pode também se reconciliar consigo mesmo e estar de acordo, e somente o homem que estiver reconciliado com Deus e consigo mesmo pode construir a paz à sua volta e em toda a vastidão do mundo. O contexto político que se escuta em surdina, quer na história da infância em S. Lucas quer aqui nas bem-aventuranças em S. Mateus, anuncia porém toda a riqueza e extensão desta palavra. Que haja paz na terra (Lc 2,14) é a vontade de Deus e ao mesmo tempo uma tarefa entregue aos homens. O cristão sabe que a persistência na paz com Deus é uma parte indispensável da luta pela “paz sobre a terra”; a partir daí vêm os critérios e as forças para esta luta. Que aí onde Deus deixa de estar presente no ângulo de visão do homem também a paz falhe e prevaleça a violência com imprevisível crueldade: podemos presenciar isso hoje com toda a clareza.

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