
Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI
Devemos introduzir aqui ainda uma indicação: para S. Mateus, seus leitores e seus ouvintes, a palavra sobre os perseguidos por causa da justiça tinha um sentido profético. Era para eles uma pré-advertência do Senhor acerca da situação da Igreja por eles vivida. A Igreja tornou-se a Igreja perseguida, perseguida por causa da justiça. Justiça é, na linguagem do Antigo Testamento, a expressão para a fidelidade à Tora, a fidelidade à palavra de Deus, como sempre foi advertido pelos profetas. É manter-se no caminho reto indicado por Deus, cujo centro são os Dez mandamentos. No Novo Testamento, o que corresponde ao conceito de justiça do Velho Testamento é a fé: o crente é o justo, que segue no caminho de Deus (Sl 1; Jr 17,5-8). De fato, a fé é um caminhar com Cristo, no qual a lei encontra o seu pleno cumprimento, ela nos une com a justiça de Cristo.
Os homens perseguidos por causa da justiça são aqueles que vivem da justiça de Deus – que vivem da fé. Porque o esforço do homem visa sempre emancipar-se da vontade de Deus e seguir-se apenas a si mesmo, por isso mesmo é que a fé aparece sempre como oposição ao “mundo” – aos respectivos poderes dominadores –, e por isso em todos os períodos da história há perseguição por causa da justiça. À Igreja perseguida de todos os tempos foi prometida esta palavra de consolação. Na sua fraqueza e no seu sofrimento, ela sabe que se encontra na direção para alcançar o Reino de Deus.
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Se nós podemos encontrar de novo aqui, tal como nas anteriores bem-aventuranças, na promessa uma dimensão eclesiológica, uma interpretação da essência da Igreja, então encontramos igualmente também o fundamento cristológico destas palavras: Cristo crucificado é o justo perseguido, do qual falam as proféticas palavras da Antiga Aliança, especialmente os cânticos do Servo de Deus, mas de que também Platão tinha tido um pressentimento (Politeia II, 361e-362). E assim Ele é em si mesmo a chegada do Reino de Deus. A bem-aventurança é um convite para o seguimento do crucificado, – dirigido a cada um e a toda a Igreja.
A bem-aventurança dos perseguidos conserva na frase conclusiva dos Macarismos uma variante que nos promete ver algo de novo. Jesus promete alegria, júbilo, grande recompensa àqueles que por minha causa forem insultados e perseguidos e de todos os modos possíveis difamados (Mt 5,11). Agora o seu Eu e a fidelidade à sua pessoa tornam-se critério de justiça e salvação. Se nas outras bem-aventuranças a cristologia está lá, por assim dizer, oculta, aqui a mensagem sobre Ele é claramente colocada em evidência como ponto central da história. Jesus atribui ao seu Eu uma qualidade de critério que nenhum mestre de Israel nem mestre algum da Igreja pode pretender para si. Quem assim fala já não é um profeta no sentido tradicional, mensageiro ou procurador para outros; Ele mesmo é o ponto de relação da vida correta, Ele mesmo é fim e meio.
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