quarta-feira, 29 de junho de 2011

Ratzinger: Liturgia e realidade



O culto, compreendido na sua extensão e profundidade, excede o ato litúrgico. Ele abrange, no fundo, a ordem de toda a vida humana no sentido da palavra de Ireneu: o Homem será a glorificação para Deus, colocando-o na luz (e isso é o culto), se vive do olhar para Ele. Por outro lado, é reconhecido que a lei e a moral não são unidas sem serem consolidadas e inspiradas no centro da Liturgia. Que espécie de realidade encontramos então na Liturgia?
Em primeiro lugar, podemos dizer: quem exclui Deus do termo realidade é só aparentemente realista, abstraindo-se de onde nós “vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28). Isto é, só sendo a relação com Deus certa, então podem todas as restantes relações – o convívio entre as pessoas e com o resto do mundo – estar em ordem. (...) Não existem sociedades sem qualquer culto. Foram precisamente os sistemas peremptoriamente ateus e materialistas que criaram novas formas de culto que, sem dúvida, não passam duma ilusão, procurando em vão ocultar a sua futilidade através dos seus triunfos bombásticos.(...)
O homem sozinho não consegue mesmo “criar” um culto fácil porque, sem Deus se revelar, ele será sempre insignificante. As palavras de Moisés ao Faraó: “Não sabemos quais serão as vítimas que ofereceremos ao Senhor” (Ex 10,26), expõem, sem dúvida, um princípio fundamental de toda a Liturgia. No pressentimento de Deus que lhe é inerente, o Homem pode, certamente, sem Deus se revelar, edificar altares “ao Deus desconhecido” (cf. At 17,23); nos seus pensamentos, ele pode elevar-se para Deus, na tentativa de o alcançar, mas a verdadeira Liturgia pressupõe que Deus responde e expõe o modo de ser venerado. Ela inclui, duma certa maneira, algo como “nomeação”. Ela não pode ser fruto da nossa fantasia e criatividade – pois assim, seria apenas um grito na escuridão ou simplesmente a afirmação de nós próprios. A Liturgia pressupõe algo de concreto diante de nós, algo que se nos revela, indicando o percurso da nossa existência. 

RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 14-15.

sábado, 18 de junho de 2011

O que falta mais?


O STF Paz e amor

Por Frederico de Castro, de www.spessantotomas.blogspot.com, via www.fratresinunum.com

Em recente decisão, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a realização dos eventos denominados “marcha da maconha” não são ilegais.
Para os ministros, a questão cuida apenas da conservação dos direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento, e nessa medida estariam permitidos.
Contudo, é preciso ter em mente que o STF – lamentavelmente –, em mais uma novíssima decisão teratológica, se erige em juiz de legibus, ou seja, em juiz das leis e não segundo as leis, transformando-se ele próprio em legislador; e assim o faz pela artificiosa hermenêutica então denominada interpretação conforme.
E assim tem ocorrido progressiva e sucessivamente: liberação de células-tronco embrionárias, reconhecimento de união gay, colocação em liberdade do criminoso internacional Cesare Battisti, etc.
Pois bem, decidiu a mais alta corte do país no julgamento da ADPF 187 que o artigo 287 do Código Penal deve sofrer interpretação conforme a constituição (e adivinhe quem diz o que é uma interpretação conforme e qual é ela?!), de tal forma que não se podem impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas. Retenha-se que o artigo legal ora citado impõe categoricamente tratar-se de fato criminoso alguém fazer apologia de um fato criminoso.
Portanto, o que a hermenêutica do STF realmente proporciona é a concessão de um salvo-conduto antecipado aos maconheiros para que possam fazer apologia de seu vício, pouco importando que este na maior parte das vezes esteja mesclado com comportamentos caracterizados como ilícitos penais pela legislação brasileira, sem mencionar evidentemente os prejuízos morais e à própria integridade física das pessoas. Ausente, pois, a justiça e a prudência em mais uma decisão que se afasta enormemente de qualquer coisa que se possa chamar de jurídico – isso para dizer o mínimo.
É cediço que o uso indiscriminado das drogas, ou seja, aquele uso que não se faz para fins medicinais ou medicamentosos, é extremamente prejudicial ao bem comum nos mais diversos níveis, e assim desde um aparentemente inofensivo comportamento letárgico no descumprimento dos deveres de estado até os mais horrendos homicídios ou o tráfico de armas, ou ainda, pelo próprio abuso dessas substâncias, o entorpecimento da consciência, da vontade e da razão.
Ainda assim, dirão os defensores da maconha, e do uso de drogas de maneira em geral, sem abdicar uma vírgula de seus “sofismas de bolso”, em sua uníssona lenga-lenga: o tabaco é tão prejudicial quanto a maconha ou mais; em Amsterdã o uso é legalizado, e a criminalidade é menor; ou, ainda, o uso da maconha é tão natural quanto tomar “uma cervejinha”, etc.
Pois bem, se a questão fosse assim tão transparente como se alega, sucessivas legislaturas, ainda que de péssimos políticos, já haveriam sido suficientes para chegar à conclusão de que não apenas a maconha, mas também outras drogas, poderiam ser legalizadas a exemplo do tabaco ou do álcool. Mas a realidade desmente a tese desses libertinos: as drogas que têm seu uso discriminado ou totalmente proibido o têm não por capricho legislativo, mas por imperativo categórico de sobrevivência. Enfim, o mal das drogas é um mal que se alastra, pois não está circunscrito ao usuário. Um único drogado é capaz de destruir uma família; uma família destruída é capaz de pôr em risco uma comunidade; uma comunidade destruída é capaz de pôr em risco uma cidade; uma cidade destruída é capaz de pôr em risco uma grande extensão de territórios; e uma grande extensão de territórios pode pôr em risco toda uma pátria. Logo, o combate às drogas é uma questão de sobrevivência de todo o país.
Portanto, uma marcha pela maconha não é uma mera manifestação do pensamento ou de um direito constitucional de reunião. Não, absolutamente não! Uma marcha pela maconha é uma apologia pior do que a incursão no art. 287 do Código Penal: seria mesmo um crime de lesa-pátria se tal figura penal houvesse na legislação!
Há quem defenda que a legalização das drogas seria capaz de diminuir a violência do crime organizado. Quanta ousadia ou, até arriscaria dizer, má-fé em uma afirmação como esta! Isso é absolutamente falso. É uma afirmação que confunde os fins com os meios. Ora, as pessoas se organizam para o crime não em função dos meios, mas em função dos fins.
Alguém se faz traficante de drogas não para vender drogas, mas pela cupidez do lucro fácil. Portanto, ao criminoso pouco importa se as drogas são lícitas ou não; ele continuará a ser violento por imperativo de seus desejos. Se não for para afastar a ação da polícia, será para afastar a concorrência ou para ameaçar o consumidor, ou em função de qualquer motivo que seja capaz de pôr em risco a sua “vida fácil”. Portanto, legalize-se o que se quiser, e ainda assim não se porá fim à violência.
Há um adágio popular que diz: “Quem diz sempre o que quer acaba escutando o que não quer”. Mutatis mutandis, os ministros “paz e amor” do STF correm o risco de entrar para a história do país como aqueles que avalizaram o princípio de enormes convulsões sociais. Pode a liberdade de expressão suprimir totalmente a justiça e a prudência? Pode o valor da liberdade ser superior à felicidade ou ao bem? Ao magistrado compete conhecer o bem não apenas de modo abstrado ou geral, mas distinguir o bem concretamente diante do que o caso requer.
A virtude da prudência, como me ensinou o magistrado Ricardo Dip (em Prudência Judicial e Consciência), é o primeiro dos hábitos morais a cuja falta já não é possível nenhuma vida moral. Todas as virtudes morais convergem em seu fim para a conformidade com uma reta razão, e é justamente o papel da prudência determinar esta reta disposição dos meios capazes de atingir esses fins. Ora, a toda a evidência faltou muita prudência aos ministros da mais alta corte deste país. Ao contrário da antiga linhagem dos magistrados que consolidaram o direito do ocidente, os atuais jamais poderão ser chamados de “jurisprudentes”.
Deus proteja nossa pátria, pois a prudência nos falta e a justiça se esvai em vaidades.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Pio XII e a Segunda Guerra Mundial


Por Henrique Nogueira de Albuquerque


Os livros de história que tratam do mais catastrófico evento do século XX, a Segunda Guerra Mundial, dificilmente falam do envolvimento da Igreja no conflito e, quando falam, é para criticar a postura da Igreja de não condenação explícita do Holocausto nazista. Na verdade, isto não é de se surpreender, visto que a semi-onipresente ideologia esquerdista que forma os nossos historiadores se incomoda com uma Igreja que desde sempre condenou o comunismo ateu e não admitiria que fossem escritas em seu favor páginas gloriosas sobre luta contra o nazismo, da qual só os comunistas podem ter o monopólio.
Mas a verdade histórica é bem diversa e o provam os documentos e testemunhos. A Igreja católica de Pio XII não tem do que se envergonhar, mas do que se orgulhar por ter sido a campeã na luta pela liberdade e pela salvação dos povos oprimidos da Europa e do mundo.

Pio XII, nascido Eugenio Pacelli, foi treinado desde a juventude para ser um hábil diplomata. Formado em princípios cristãos vigorosos, ele nunca tergiversou com a iniquidade nem com o compromisso fácil, mas sabia negociar sutilmente, mesmo com o diabo, para salvar tantas vidas quantas pudesse, a começar pelos mais de 500 milhões de católicos dos quais era líder espiritual. Foi assim que ele, mesmo antes de ser eleito papa, negociou uma Concordata com o recém-criado Terceiro Reich para salvaguardar os direitos dos católicos alemães, com os quais Hitler não podia se indispor totalmente. Atribui-se em grande parte a ele a duríssima encíclica Mit brenneder Sorge, na qual o papa Pio XI condena sem rodeios as doutrinas nazistas e que foi contrabandeada ilegalmente para dentro da Alemanha, escondida até dentro de sacrários e lida publicamente, para estupefação geral, nos púlpitos lotados de todas as igrejas alemãs.
Uma vez eleito papa, Pacelli (não por acaso, o seu nome significa “paz do céu”, “pax caeli”) envidou todos os esforços na tentativa de evitar o conflito iminente e manter a paz. Mas quando Hitler invadiu a Polônia em 1º de setembro de 1939, dando início à Segunda Guerra Mundial, o papa apressou-se em socorrer os desgraçados poloneses e fez o mesmo com os holandeses, belgas, franceses e todos os povos oprimidos, sem descuidar, entretanto, dos católicos nos países agressores. Suas iniciativas para impedir a Itália de entrar na Guerra do lado da Alemanha postergaram esta entrada até junho de 1940; depois disso, o Pontífice não perdia qualquer ocasião para exortar e até suplicar aos Aliados que poupassem Roma, a capital da Cristandade, dos bombardeios. Mesmo assim, Roma foi vítima de um bombardeio em 19 de julho de 1943 que causou a morte de 500 pessoas. Pio XII apressou-se em ir para o local a fim de consolar os infelizes romanos.
Foi Pio XII o responsável pela relativa calmaria da ocupação alemã de Roma. Sua ação direta e sua ameaça de denúncia impediram a deportação da maioria dos judeus romanos: apenas um oitavo destes foi deportado para os campos de morte na Polônia. Suas negociações com as forças de ocupação, frequentemente tensas, ajudaram a salvar Roma dos combates armados: os alemães aceitaram retirar-se da cidade sem nenhum incidente, e os Aliados entraram nela sem alvoroço. O povo acorreu, então, pressuroso, homenagear o homem a quem atribuíam a salvação de Roma, o papa Pacelli, chamado defensor civitatis.
Pio XII envolveu-se grandemente na salvação dos perseguidos pelos regimes nazista e fascista, inclusive os judeus. Embora não pudesse ter feito uma condenação inequívoca da perseguição judaica, o que teria piorado a situação (como prova o caso do protesto dos bispos holandeses que, longe de sanar a situação, contribuiu para o seu agravamento) e também porque não sabia da enormidade catastrófica da matança dos judeus (nem os Aliados sabiam e do que sabiam duvidavam), ele empenhou-se em salvar da morte e da deportação todos os judeus que pôde; a ação direta ou inspirada por ele em toda a Europa para salvar os judeus é amplamente documentada e testemunhada por muitos destes mesmos judeus. Atribui-se ao papa a salvação de, pelo menos, 860 mil judeus, mais do que todas as organizações de socorro juntas.
Diante dos fatos da história, a lenda negra suscitada tardiamente pelo teatrólogo alemão Rolf Hochhut em 1963 e aumentada pelo escritor britânico John Cornwell que apresenta Pio XII como “O Papa de Hitler”, simplesmente carece de fundamento histórico e constitui-se claramente como uma peça de propaganda ideológica anticatólica. Como poderia “O Papa de Hitler” se envolver numa conspiração para assassinar Hitler, como fez Pio XII no começo de 1940? E como poderia Hitler chamar o “Seu Papa” de “antinazista e amigo dos judeus”, e intentar sequestrá-lo, como revelou o general SS Karl Wolff e que está amplamente documentado no livro do escritor americano Dan Kurzman, Conspiração contra o Vaticano? De fato, apenas a ideologia cega pode querer fazer ainda enxergar o papa Pacelli, o maior pontífice do século XX, pelo avesso da história.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

São Carlos Lwanga e companheiros, mártires de Uganda


Entre os anos de 1885 e 1887, muitos cristãos foram condenados à morte, em Uganda, por ordem do rei Mwanga, em ódio da religião. Alguns deles exerciam cargos no próprio palácio real, outros estavam a serviço do próprio rei. Entre eles distinguem-se Carlos Lwanga e seus vinte e um companheiros, pela sua inquebrantável adesão à fé católica. Uns foram decapitados e outros queimados vivos, por não terem consentido nos desejos impuros do rei.

Da Homilia do papa Paulo VI na canonização dos mártires de Uganda (1969)

Estes mártires africanos acrescentam ao rol dos vencedores, chamado Martirológio, uma página ao mesmo tempo trágica e grandiosa. É uma página verdadeiramente digna de figurar ao lado das célebres narrações da antiga África. No tempo em que vivemos, por causa da pouca fé, julgávamos que nunca mais elas viriam a ter semelhante continuação.

Quem poderia imaginar, por exemplo, que àquelas Atas tão comovedoras dos mártires de Cili, dos mártires de Cartago, dos mártires “Massa Cândida” de Ótica comemorados por Santo Agostinho e Prudêncio, dos mártires do Egito tão louvados por São João Crisóstomo, dos mártires da perseguição dos vândalos, viriam em nossos tempos juntar-se novas páginas de história não menos valorosas nem menos brilhantes?
Quem teria podido pressentir que, às grandes figuras históricas dos santos mártires e confessores africanos bem conhecidos, como Cipriano, Felicidade e Perpétua e o grande Agostinho, haveríamos de um dia associar Carlos Lwanga, Matias Mulimba Kalemba, nomes tão caros para nós, e os seus vinte companheiros? E não querendo também esquecer os outros que, professando a religião anglicana, sofreram a morte pelo nome de Cristo.
Estes mártires africanos dão, sem dúvida, início a uma nova era. Os primeiros desta nova era (e queira Deus que sejam os últimos – tão grande e precioso é o seu holocausto!), a África, agora sim, renasce livre e independente.
O ato criminoso que os vitimou é tão cruel e significativo, que apresenta fatores suficientes e claros para a formação moral de um povo novo e para a fundação de uma nova tradição espiritual. E também para exprimirem e promoverem a passagem de uma cultura simples e rudimentar – não desprovida de magníficos valores humanos, mas contaminada e enfraquecida, como se fosse escrava de si mesma – a uma civilização aberta às mais altas manifestações da inteligência humana e às mais elevadas formas de vida social.

Oremos:
Ó Deus, que fizestes do sangue dos mártires semente de novos cristãos, concedei que o campo da vossa Igreja, regado pelo sangue de São Carlos e seus companheiros, produza sempre abundante colheita. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Deus abençoe nossos párocos


Cristo teve doze apóstolos. É verdade que houve Paulo e André para a Grécia, Tomás para a Índia e Pedro para Roma. Mas a maioria dos apóstolos... ficou em casa, cuidando da casa, cuidando do pequeno rebanho na Judéia. Esta informação nos é muito cara, mostra como Deus preza quem cuida do rebanho, e não tem falta de zelo em gastar aqueles poucos e preciosos apóstolos com meia dúzia de fiéis.

Deus abençõe os párocos, que sustentam nossa Igreja
Eles são os pastores que zelam pelo rebanho
Como Davi, matam o leão que tenta pegar as ovelhas
Como Sansão, combatem os filisteus do erro
Eles são o zelo de Aarão e a voz de Moisés
São a esperança de Isaías e a fortaleza de Daniel
São como o bom José que guarda o menino Jesus
São a face de Cristo à quadras de casa
São nossos zeladores do tesouro do reino
Trazem do céu nosso maná eucarístico dominical
São eles que batizam nossas crianças
Casam nossos noivos tão certamente apaixonados
Absolvem nossas faltas choradas e arrependidas
E consolam nossos moribundos aflitos que um dia seremos
Deus abençoe os párocos, que sustentam nossa Igreja
Não haveria papa, cardeal, bispo, missionário ou monge
Se não houvesse párocos para cuidar do rebanho
Porque uma ovelha se extraviou tristemente
Mas há párocos zelosos cuidando das noventa e nove
De que adianta cruzar terras e mares para pregar
Se em casa não há um pároco para nos zelar?
Deus abençoe os párocos, que sustentam nossa Igreja!


http://freirojao.blogspot.com/2011/05/deus-abencoe-os-parocos.html

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A oração é o lugar por excelência da gratuidade - Catequese de Bento XVI

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 11 de Maio de 2011

Queridos irmãos e irmãs,
Hoje gostaria de continuar a meditar sobre o modo como a oração e o sentido religioso fazem parte do homem, ao longo de toda a sua história.
Vivemos numa época em que são evidentes os sinais do secularismo. Deus parece ter desaparecido do horizonte de várias pessoas ou ter-se tornado uma realidade diante da qual o homem permanece indiferente. Mas, vemos ao mesmo tempo muitos sinais que nos indicam um despertar do sentido religioso, uma redescoberta da importância de Deus para a vida do homem, uma exigência de espiritualidade, de superar uma visão puramente horizontal, material da vida humana. Olhando para a história recente, malogrou a previsão de quem, desde a época do Iluminismo, preanunciava o desaparecimento das religiões e exaltava uma razão absoluta, separada da fé, uma razão que teria esmagado as trevas dos dogmatismos religiosos e dissolvido o «mundo do sagrado», restituindo ao homem a sua liberdade, a sua dignidade e a sua autonomia de Deus. A experiência do século passado, com as duas trágicas guerras mundiais, pôs em crise aquele progresso que a razão autónoma, o homem sem Deus parecia poder garantir.
O Catecismo da Igreja Católica afirma: «Pela criação, Deus chama todos os seres do nada à existência... Mesmo depois de, pelo pecado, ter perdido a semelhança com Deus, o homem continua a ser à imagem do seu Criador. Conserva o desejo d’Aquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham esta busca essencial do homem» (n. 2566). Poderíamos dizer — como demonstrei na última catequese — que não houve qualquer grande civilização, desde os tempos mais longínquos até aos nossos dias, que não tenha sido religiosa.
O homem é religioso por sua natureza, é homo religiosus como é homo sapiens e homo faber: «O desejo de Deus — afirma ainda o Catecismo — está inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus» (n. 27). A imagem do Criador está impressa no seu ser, e ele sente a necessidade de encontrar uma luz para dar uma resposta às interrogações que dizem respeito ao sentido profundo da realidade; resposta que ele não pode encontrar em si mesmo, no progresso, na ciência empírica. O homo religiosus não emerge só dos mundos antigos, mas atravessa toda a história da humanidade. A este propósito, o rico terreno da experiência humana viu surgir diversificadas formas de religiosidade, na tentativa de responder ao desejo de plenitude e de felicidade, à necessidade de salvação, à busca de sentido. O homem «digital», como o das cavernas, procura na experiência religiosa os caminhos para superar a sua finitude e para assegurar a sua precária aventura terrena. De resto, a vida sem um horizonte transcendente não teria um sentido completo, e a felicidade, para a qual todos nós tendemos, está projectada espontaneamente para o futuro, para um amanhã que ainda se deve realizar. O Concílio Vaticano II, na Declaração Nostra aetate, sublinhou-o sinteticamente: «Os homens esperam das diversas religiões uma resposta aos mais árduos problemas da condição humana que, hoje como outrora, continuam a perturbar profundamente os seus corações: o que é o homem [— quem sou eu? —], qual o sentido e o fim da nossa vida, o que é o bem e o que é o pecado, qual é a origem e a finalidade do sofrimento, qual é o caminho para se obter a verdadeira felicidade, o que é a morte, o julgamento e a recompensa que se lhe hão-de seguir, e qual é, finalmente, aquele derradeiro e inefável mistério que envolve a nossa existência: donde partimos e para onde vamos?» (n. 1). O homem sabe que não pode responder sozinho à sua necessidade fundamental de compreender. Por mais que se tenha iludido e que ainda se iluda que é auto-suficiente, contudo ele faz a experiência de que não é suficiente a si mesmo. Tem necessidade de se abrir ao outro, a algo ou a alguém que possa doar-lhe quanto lhe falta, deve sair de si mesmo rumo Àquele que é capaz de satisfazer a amplidão e a profundidade do seu desejo.
O homem tem em si uma sede de infinito, uma saudade de eternidade, uma busca de beleza, um desejo de amor, uma necessidade de luz e de verdade, que o impelem rumo ao Absoluto; o homem tem em si o desejo de Deus. E o homem sabe, de qualquer modo, que pode dirigir-se a Deus, sabe que lhe pode rezar. S. Tomás de Aquino, um dos maiores teólogos da história, define a oração «expressão do desejo que o homem tem de Deus». Esta atracção por Deus, que o próprio Deus colocou no homem, é a alma da oração, que depois se reveste de muitas formas e modalidades, segundo a história, o tempo, o momento, a graça e até o pecado de cada orante. Com efeito, a história do homem conheceu várias formas de oração, porque ele desenvolveu diversas modalidades de abertura ao Outro e ao Além, a tal ponto que podemos reconhecer a oração como uma experiência presente em cada religião e cultura.
Com efeito, estimados irmãos e irmãs, como vimos na quarta-feira passada, a oração não está ligada a um contexto particular, mas encontra-se inscrita no coração de cada pessoa e de cada civilização. Naturalmente, quando falamos da oração como experiência do homem enquanto tal, do homo orans, é necessário ter presente que ela é uma atitude interior, e não só uma série de práticas e fórmulas, um modo de ser diante de Deus, e não só o cumprir gestos de culto ou o pronunciar palavras. A oração tem o seu centro e afunda as suas raízes no mais profundo da pessoa; por isso não é facilmente decifrável e, pelo mesmo motivo, pode estar sujeita a mal-entendidos e a mistificações. Também neste sentido podemos entender a expressão: rezar é difícil. Com efeito, a oração é o lugar por excelência da gratuidade, da tensão para o Invisível, o Inesperado e o Inefável. Por isso, a experiência da oração é para todos um desafio, uma «graça» a invocar, um dom d’Aquele ao qual nos dirigimos.
Na oração, em cada época a história, o homem considera-se a si mesmo e a sua situação diante de Deus, a partir de Deus e em vista de Deus, e experimenta que é criatura carente de ajuda, incapaz de alcançar sozinho o cumprimento da própria existência e da própria esperança. O filósofo Ludwig Wittgenstein recordava que «rezar significa sentir que o sentido do mundo está fora do mundo». Na dinâmica desta relação com quem dá sentido à existência, com Deus, a oração tem uma das suas expressões típicas no gesto de se pôr de joelhos. É um gesto que contém em si uma ambivalência radical: com efeito, posso ser obrigado a pôr-me de joelhos — condição de indigência e de escravidão — mas posso também inclinar-me espontaneamente, declarando o meu limite e, portanto, o facto de que tenho necessidade de Outro. A Ele declaro que sou frágil, necessitado, «pecador». Na experiência da oração, a criatura humana exprime toda a consciência de si, tudo o que consegue captar da própria existência e, ao mesmo tempo, dirige-se inteiramente para o Ser diante do qual se encontra, orienta a própria alma para aquele Mistério do qual espera o cumprimento dos desejos mais profundos e a ajuda para superar a indigência da própria vida. Neste olhar para o Outro, neste dirigir-se «para além» está a essência da oração, como experiência de uma realidade que supera o sensível e o contingente.
Todavia, só no Deus que se revela encontra pleno cumprimento a busca do homem. A oração, que é a abertura e elevação do coração a Deus, torna-se assim relação pessoal com Ele. E mesmo que o homem se esqueça do seu Criador, o Deus vivo e verdadeiro não cessa de chamar primeiro o homem ao misterioso encontro da oração. Como afirma o Catecismo: «Na oração, é sempre o amor do Deus fiel a dar o primeiro passo; o passo do homem é sempre uma resposta. À medida que Deus se revela e revela o homem a si mesmo, a oração surge como um apelo recíproco, um drama de aliança. Através das palavras e dos actos, este drama compromete o coração e manifesta-se ao longo de toda a história da salvação» (n. 2567).
Caros irmãos e irmãs, aprendamos a deter-nos em maior medida diante de Deus, de Deus que se revelou em Jesus Cristo, aprendamos a reconhecer no silêncio, no íntimo de nós mesmos, a sua voz que nos chama e nos reconduz à profundidade da nossa existência, à fonte da vida, à nascente da salvação, para nos fazer ir além do limite da nossa vida e abrir-nos à medida de Deus, à relação com Ele, que é Amor infinito. Obrigado!


Saudações
Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo com grande afeto e alegria, particularmente aos fiéis brasileiros vindos das paróquias em Goiânia e Teresópolis, e aos grupos da Família Franciscana e de Schoenstatt. Aprendei a reconhecer no vosso íntimo a voz de Deus que, na oração, chama à profundidade da vossa existência, à fonte da vida e da salvação. Que Ele vos abençoe a vós e as vossas famílias!

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Debate mundial sobre o casamento: muitos países se "blindam" contra casamento homossexual


Por Rafael Navarro-Valls

MADRI, terça-feira, 31 de maio de 2011 (ZENIT.org) – As grandes disputas jurídicas não são simplesmente nacionais: são mundiais. Assim ocorreu, por exemplo, com os debates sobre a codificação. E assim está ocorrendo agora com a nota de heterossexualidade do casamento.
A tensão é percebida entre duas tendências opostas. A primeira é o que, em termos de direito internacional, se chama “efeito dominó”, isto é, a propensão expansiva de uma instituição jurídica, quando é adotada por um sistema político de certa influência sobre outros. Junto a esta tendência expansiva, a adoção, por alguns sistemas jurídicos, do casamento entre pessoas do mesmo sexo produziu uma reação contrária. É o que chamei uma vez de “efeito blindagem”, ou seja, a defesa do casamento heterossexual através da constitucionalização da nota de heterossexualidade.
Qual destas tendências avança com maior rapidez? Contra o que se poderia acreditar, a realidade é que existe um equilíbrio instável modelado por reações e contrarreações que desenham, em minha opinião, um panorama mais próximo da defesa do casamento heterossexual que do avanço do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Prescindindo do tumulto midiático de um ou outro signo, convém que nos atenhamos aos fatos. Um rápido tour d´horizon provavelmente avalizará o que digo. Voltando à Europa, a verdade é que, ainda que os Países Baixos (2001), Bélgica (2003), Espanha (2004), Noruega (2009), Suécia (2009) e Portugal (2010) tenham regulamentado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a corrente majoritária se mostra concessora de diversos efeitos às uniões civis do mesmo sexo, mas não muito receptiva a transformar essas uniões em verdadeiros casamentos. Já vimos a tendência dos países do Leste da Europa a constitucionalizar a nota de heterossexualidade. Em outros países europeus (França, Itália, Alemanha etc.), ainda que o debate se apresente com maior ou menor intensidade, os órgãos legislativos ou jurisprudenciais mantêm uma posição de equilíbrio que não se inclina à concessão tout court do estado matrimonial às uniões civis. Assim, por exemplo, em fevereiro deste ano, o conselho constitucional francês considerou que a proibição do casamento homossexual, tal como aparece no código civil, está conforme à constituição francesa.
A América Latina é um âmbito jurídico em que as reações se produzem com rapidez diante de modelos diferentes. Um exemplo: acabo de voltar do México, onde estive em vários estados, por questões acadêmicas. O único deles em que se aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo é Cidade do México. A reação foi imediata. Os estados de Jalisco, Morelos, Sonora, Tlaxcala e Guanajuato levantaram diante da Suprema Corte a questão da inconstitucionalidade.
Há alguns dias, Obama deu ordens ao Departamento de Justiça para que deixe de apoiar frente aos tribunais a lei federal aprovada em 1996, durante a administração Clinton, na qual se define o casamento como a união legal entre um homem e uma mulher. Esta “lei de defesa do casamento”(DOMA), pela qual nenhum estado está obrigado a reconhecer como casamento uma relação entre pessoas do mesmo sexo reconhecida como casamento em outro estado, foi aprovada em seu momento por uma ampla maioria bipartidária em ambas as câmaras do Congresso. A reação foi imediata. O presidente da Câmara de Representantes anunciou que reuniria um grupo de assessoria legal, formado por membros de ambos os partidos, para defender a DOMA.
O balanço final é que, dos 192 países reconhecidos pela ONU (mais 10 de fato, não integrados oficialmente em tal organização), somente reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo 10 países, mais alguns estados isolados do México e dos Estados Unidos. Entre eles, não se conta nenhum país asiático nem africano (salvo África do Sul) e somente um latino-americano e parte de outro. Comparando a demografia desse pequeno grupo de países com a de todo o planeta que rejeita o modelo de casamento entre pessoas do mesmo sexo, a anomalia jurídica ainda está localizada.
Certamente, a prevalência do bom senso e do senso jurídico nesta importante matéria exige – em especial dos juristas – essa qualidade tão própria dos homens dedicados à defesa da justiça, que consiste em manter a firmeza de uma rocha nas convicções, moderando-a com a flexibilidade de um junco em suas aplicações.