O culto, compreendido na sua extensão e profundidade, excede o ato litúrgico. Ele abrange, no fundo, a ordem de toda a vida humana no sentido da palavra de Ireneu: o Homem será a glorificação para Deus, colocando-o na luz (e isso é o culto), se vive do olhar para Ele. Por outro lado, é reconhecido que a lei e a moral não são unidas sem serem consolidadas e inspiradas no centro da Liturgia. Que espécie de realidade encontramos então na Liturgia?
Em primeiro lugar, podemos dizer: quem exclui Deus do termo realidade é só aparentemente realista, abstraindo-se de onde nós “vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28). Isto é, só sendo a relação com Deus certa, então podem todas as restantes relações – o convívio entre as pessoas e com o resto do mundo – estar em ordem. (...) Não existem sociedades sem qualquer culto. Foram precisamente os sistemas peremptoriamente ateus e materialistas que criaram novas formas de culto que, sem dúvida, não passam duma ilusão, procurando em vão ocultar a sua futilidade através dos seus triunfos bombásticos.(...)O homem sozinho não consegue mesmo “criar” um culto fácil porque, sem Deus se revelar, ele será sempre insignificante. As palavras de Moisés ao Faraó: “Não sabemos quais serão as vítimas que ofereceremos ao Senhor” (Ex 10,26), expõem, sem dúvida, um princípio fundamental de toda a Liturgia. No pressentimento de Deus que lhe é inerente, o Homem pode, certamente, sem Deus se revelar, edificar altares “ao Deus desconhecido” (cf. At 17,23); nos seus pensamentos, ele pode elevar-se para Deus, na tentativa de o alcançar, mas a verdadeira Liturgia pressupõe que Deus responde e expõe o modo de ser venerado. Ela inclui, duma certa maneira, algo como “nomeação”. Ela não pode ser fruto da nossa fantasia e criatividade – pois assim, seria apenas um grito na escuridão ou simplesmente a afirmação de nós próprios. A Liturgia pressupõe algo de concreto diante de nós, algo que se nos revela, indicando o percurso da nossa existência.
RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 14-15.
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