terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Encontro com o Silêncio do Deserto

Texto de Dom Fernando Iório Rodrigues,
Bispo Emérito da Diocese de Palmeira dos Índios/AL.

Como é difícil para o homem de hoje retirar-se para saborear o silêncio. O silêncio... é a região das fontes. Poucos saboreiam o delicioso gosto do silêncio. É no deserto do silêncio, onde ouvimos a sinfonia das coisas, o sussurrar profundo do nosso eu e o encanto misterioso da voz de Deus. Somente o silêncio do deserto abre os poros do nosso ser para o segredo das coisas, para o sentido dos rios se espreguiçando nos leitos, das árvores dançando nas folhas dos ramos, do mar correndo no ritmo das ondas, dos pássaros multifacetando gorjeios no ar... Só o silêncio nos mostra Deus falando nas coisas. Deus nos fala das coisas mais simples, fortifica-nos do quase-nada, quando nos cercamos do silêncio.
Quanto mais temos de viver num mudo envolvido pelos ruídos dos carros, das buzinas e dos instrumentos de percussão, tanto mais precisamos da fonte do silêncio que purifica e renova.
Sei que há silêncios infecundos e desumanos: o silêncio que leva à solidão... Sei desses silêncios de solidão infecundos. Mas falo aqui daquele silêncio espontâneo, feliz, jubiloso, em que se encontra Aquele que explica o mistério de todos os homens.
O exemplo do Deus que opera no silêncio do deserto é o profeta Elias. Lá estava um homem desanimado; desanimado porque estava esgotado, quase vencido; desanimado porque o povo rejeitava sua pregação; desanimado porque se achava miserável perante Deus. Adentra-se pelo deserto sem alimento, deita-se sob um junípero e, no silêncio, espera que o Senhor resolva a sua vida. Não são poucas as vezes que nos sentimos em situação semelhante. É quando Deus faz chegar a Elias o pão cozido, por sob a cinza, e um odre de água. Alimento, qualitativamente ridículo, humanamente desproporcional. Mas, fortificado por esse quase-nada, Elias caminhará quarenta dias até a montanha do Senhor.
Tal alimento não nos faltará também, mas só o encontraremos, mais eficazmente, no deserto do silêncio quando nos apresentamos, diante de Deus, como Elias, conscientes de nossa fraqueza, desejosos de ir além de nossos meios de conhecer, e dos nossos instrumentos de agir... No mundo atual, quem quiser caminhar, no equilíbrio, tem de estar com o povo, no bulício das ruas e dos campos, e com Deus, no deserto criativo do silêncio.
Foi assim que agiu Francisco de Assis. Mais do que qualquer outro poeta do mundo, soube falar às coisas, aos animais e aos homens. E como o alcançou? Fazendo silêncio nas horas oportunas e inoportunas da vida... e começou a enriquecer para sempre, não só a sua vida ou a daqueles que despiam as vestes do mundo, em todos os séculos, para o seguirem, mas a quantos amam o silêncio e nele encontram a região das fontes ou a chave de todos os segredos.

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