domingo, 8 de março de 2009

O cristão e a angústia - V


Como paradigma desta angústia cristã pode indicar-se, no Evangelho, a angústia dos amigos de Jesus, as irmãs de Betânia, as quais, como o mostram a sua amizade e o seu comportamento para com o Senhor (Jo 11) eram crentes perfeitos. A angústia é-lhes imposta diretamente pelo Senhor, que permanece mudo e surdo perante o fervoroso pedido de socorro que lhe fazem, para dar tempo a Lázaro de morrer e a elas de serem tomadas pela angústia “para que seja glorificado o Filho de Deus”. Privadas do que tinham de mais caro na terra e aparentemente abandonadas, após este despojamento, pelo seu Amado do céu, as irmãs de Lázaro parecem-se muito com Jó sofredor, cuja angústia tem prolongamentos tão fundos no Novo Testamento. Todavia, esta angústia imposta como prova – imposta como participação na cruz ainda antes desta existir!; imposta aos membros ainda antes que a cabeça sofresse! – é profundamente diversa da de Jó, porque é uma angústia sofrida no Amor tornado Homem, na paciência e na submissão, sem perguntas, sem convulsões, sem revoltas, sem ênfase: derivação imediata da angústia do Cordeiro que não abre a boca, enquanto é conduzido ao matadouro. Não se encontram vestígios das questões de Jó com Deus, do cortejo de interrogatórios sobre o “porquê” e o “até quando”; os olhos não vêem, a alma atormenta-se na angústia; não obstante isso, há nela pura simples aceitação. Mas a nota mais saliente é que a angústia imposta é a função da solicitude por um próximo. Jó é solitário porque não tem maneira de referir o seu sofrimento a outros. As irmãs experimentam a solidão, mas sempre no âmbito da solicitude pelo irmão moribundo e mais ainda pelo Senhor, a quem servem humana e cristãmente: a sua existência é definida por este serviço ativo e contemplativo. Este servir ao Senhor, de que nascerá a sua angústia, foi um servir em alegria; da alegria no Senhor, passaram a preocupar-se, juntamente com o Senhor, pelo próximo; depois, a sofrer e, finalmente, a temer, com Ele. Vale a lei de que a angústia no Novo Testamento é sempre e por princípio uma angústia universal, em que os limites do indivíduo são superados e destruídos, seja em razão da origem, seja pelo fim ou efeitos da mesma angústia. Desde que o Senhor com a sua expiação sobre a cruz fez confluir a angústia de todo o pecado, a unidade da angústia do mundo na unidade da sua angústia humano-divina, deixou de ser pensável, em termos cristãos, uma expiação isolada por uma culpa pessoal isolada. Toda a forma de expiação, ainda que por uma certa e determinada falta, é cristã somente se passou pela cruz, recebendo desta o caráter de universalidade, na qual o particular já não se distingue. De outra forma, ter-se-ia ainda a expiação da Antiga Aliança, e unicamente deste mundo em que existe uma relação calculável entre culpa singular e expiação singular, no âmbito de uma justiça sem mistério. Uma vez que a essência do Cristianismo está no “novo mandamento” do Senhor de amar o próximo como a nós mesmos, melhor, mais do que a nós mesmos, porque não há maior amor do que o daquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15,13), mais pelos seus inimigos (Rm 5,10) segue-se que a angústia cristã só pode ter origem na solicitude pelo próximo, amigo ou inimigo que seja, com o qual o crente, ao dar o salto para Deus, deve permanecer solitário, sem o abandonar à sua sorte.
Ao contrário, neste salto, ele deve arrastá-lo e levá-lo consigo, deve realizar o salto em representação do seu próximo, numa indissolúvel comunhão de salvação. O mandamento do amor não fica, efetivamente, nos primeiros passos, mas postula, porque emanado d’Aquele que ia imolar-se sobre a cruz em representação dos outros, um empenho total, um seguir voluntariamente e ainda que constrangidos, o seu caminho (Mt 5,41), até à mesma crucificação, com Cristo e em representação dos outros (Rm 9,3).

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