segunda-feira, 2 de março de 2009

O cristão e a angústia - IV

Uma vez estabelecido isto, sem equívocos nem possibilidades de retorno, de um modo firme e categórico, e só então, se poderá prosseguir verdadeiramente para diante sobre a mesma estrada e não para trás ou para o lado. Cristo carregou a angústia do mundo para dar-lhe em troca o que tem de seu, a sua alegria, a sua paz. Fique bem claro: aquilo que é seu. E isto não poderá nunca separar-se da vida terrena, da sua cruz, da sua descida “aos infernos”, da sua ressurreição. Toda a graça provém da Cruz. Toda a alegria é alegria da Cruz, marcada com o selo da Cruz. E cruz significa também angústia. Se é certo que o homem foi libertado radicalmente de toda a forma de angústia do pecado, mais, que lhe foi proibido experimentá-la – e isto compreende tudo o que o recalca em si mesmo e o fecha, o angustia, torna infecundo e frustra –, a cruz abre-lhe, todavia, uma perspectiva absolutamente nova, isto é: a graça muda o valor da angústia, até a transformar no seu contrário: se a angústia do homem estéril e segregado em si mesmo é um constrangimento e uma perda de comunicação, a angústia dada pela cruz é, ao contrário, o fruto e o efeito de uma comunicação: é um alargamento, uma dilactatio do amor da cruz, que, como tal, não pode deixar de produzir uma nova dilatação em que dela foi feito participante.
Não se quer afirmar que este objetivo contraste se torne plenamente visível na experiência subjetiva; ao contrário, é melhor, para garantia da genuidade da participação, que a própria participação, o seu fruto e a sua natureza antitética da angústia do pecado, permaneçam escondidos a quem se encontra dentro dela.
Por agora, falemos apenas da estrutura objetiva, reservando-nos para tratar mais tarde as leis que regulamentam a sua aplicação, apropriação e experiência. Objetivamente, o motivo da angústia proibida ao cristão é o pecado, e distinguem-se nela as características do pecado: a alienação, a fuga, o letargo, a esterilidade, a impressão de estar perdido, de queda no abismo, o ensimesmamento constrangido, a reclusão, o enquistamento, a segregação. Ao contrário, o motivo da angústia da cruz não é outro senão o amor de Deus, que assume em si todo este mundo de angústia para, sofrendo, o vencer e superar, um amor que é o perfeito oposto da angústia do pecado, isto é: doação, disponibilidade, vida, fecundidade, sentimento de segurança e de amparo, dilatação, emancipação.
Os atributos da primeira angústia aparecem como função dos atributos da segunda, a tal ponto que, quando a angústia se transforma, quando passa a ser uma angústia suportada, não há só uma mudança genérica, um deslocamento do exterior, mas também uma específica, profunda transformação de cada uma das características, enquanto características e mesmo enquanto experiências. A estrutura da angústia muda profundamente, paralelamente à da morte e da dor. Basta a consideração de que a genuína angústia cristã pode derivar unicamente da coragem, tal como a cruz do Filho de Deus foi a expressão de uma audácia suprema, ao ter um homem só afrontado todo o poder dos infernos.
A coragem do cristão, que pode ter que suportar a angústia, não é mais do que o seu ato de fé, no qual ele ousa pôr-se a si mesmo e a todo mundo nas mãos daquele que tem sobre si poder de vida e de morte.

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