quarta-feira, 25 de março de 2009

O cristão e a angústia - VI

Toda a alegria cristã nasce deste ponto, da solidariedade; a alegria por causa de uma graça e de uma salvação consideradas individuais, limitadas a cada um, não se poderia chamar cristã. é exatamente no prolongamento desta alegria cristã que nasce, dela própria, a angústia cristã: aí precisamente, no âmbito do mistério da representação, se realiza algo que Paulo tanto ambicionava para si: “ser separado de Cristo como anátema pelos meus irmãos”. O amor é oferta de si mesmo, feita com serena confiança, mais, com a fé cega de uma criança em todos os milagres que a graça de Deus fará para salvar o mundo.
Desde que a oferta existe, inviolável, definitiva, bastará apenas que o amor abra os olhos sobre o que o pecado do mundo realmente significa, sobre o que ele representa diante de Deus e do Crucifixo, para o precipitar num abismo de angústia. Diante de uma superioridade esmagadora e um peso incomensurável, está a gora uma impotência absoluta, um ser isolado que se limita a sofrer: o milagre escondeu-se atrás do frio cálculo da justiça divina e o crente é convidado, por divina disposição, a experimentar alguma coisa da infinita desproporção da cruz. Uma vez suspensas por um momento a alegria e a tranquilidade derivadas do saber que um outro fez já tudo para superar a angústia – de outra forma não haverá a “comunhão de sofrimento” com Cristo (Fl 3,10) –, surge pois a angustiosa desproporção entre o próprio esforço e o fardo imenso do pecado e da culpa que não se consegue remover; essa desproporção, tendente ao absoluto, não pode gerar senão uma angústia absoluta. Efetivamente, o milagre da confiança cristã em Deus e na cruz redentora é qualquer coisa de tão delicado, compreensível e crível unicamente de um ponto de vista sobrenatural, que basta o menor sopro para este espelho límpido seja embaciado pela angústia. A confiança, a esperança, têm um caráter de improbabilidade que, comparativamente a angústia, que delas nasce – exatamente lá onde Deus a toma a sério –, aparece quase como o provável, o normal. E se Deus a poupa muitas vezes, e até agora como regra, aos fiéis, isto deve considerar-se uma nova e, por assim dizer, potencializada graça da cruz. Não se pode, todavia, afirmar que a angústia da cruz chegue a pôr em dúvida, de qualquer maneira, a fé, a esperança e a caridade no seu caráter absoluto, que desespere da sua eficácia, que se torne o oposto de todas três, ou que faça parecer a redenção já realizada e sempre em ato, como falaz, duvidosa, infrutífera.
Ainda que possa, subjetivamente, levar muito perto deste limite, o certo é que não o ultrapassa nunca.
Uma vez considerada objetivamente, ela não é senão um modus da fé, do amor e da esperança, uma fase da sua realização e um processo vital interno; a angústia cristã não pode descrever-se senão como um misterioso não-se-ver-a-si-mesma, ou melhor, um não querer conhecer-se a si mesmas da fé, do amor e da esperança. O Filho, sobre a cruz, despoja-se nas mãos do Pai, de toda a sua força e vista, para atingir, neste estado de obscuridade e prostração, o vértice do sofrimento. O Filho não renunciou ao que é seu adquirindo, assim propriedades opostas, mas provisoriamente o que lhe pertence é inatingível, não usual e, por conseguinte, sem eficácia. Ele renunciou de maneira tão categórica, que já não pode servir-se do que é seu para se ajudar. Existe sim o fúlgido reino da fé, do amor, da esperança; mas ele, na angústia, é dele excluído, não pode contar com ele; e visto que renunciou real e totalmente, ao conforto desta luz, não vê sequer como os outros possam confiar em tal conforto: se o soubesse, isto seria para o sofredor o cume da beatitude.
Quem quer sofrer, deve privar-se desta certeza, e quem deve sofrer na graça da cruz, é privado desta certeza. O obscurecimento da fé, do amor e da esperança, que se dá através de um processo interno de aperfeiçoamento é, portanto, exatamente o oposto do obscurecimento das mesmas causado pelo pecado, no qual, além de perderem a sua posição central, chegam a ser anuladas. Na angústia cristã, a imagem de Deus é velada, como as imagens na igreja durante o tempo da Paixão; na angústia do pecado a mesma imagem é deformada ou destruída. Aquela angústia é uma intensificação da verdade cristã, uma prova de que Deus se digna fazer uma alma participante dos seus mistérios mais preciosos; esta é uma diminuição ou uma perda da verdade, a prova de que uma alma se afastou de Deus.

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