
Aquele que caminha tem um terreno debaixo dos pés. Fé, esperança e caridade são precisamente o terreno firme oferecido ao homem para caminhar. Nem mesmo no parêntesis entre o pecado (que rejeita este terreno para estar sobre o próprio) e o retorno a Deus no arrependimento, se dá cristãmente falando, uma perda total deste terreno. Quem crê, quem se agarra solidamente à fé, anda para diante, e, enquanto avança, não pode pôr-se a filosofar sobre a possibilidade desse avanço, não pode refletir em si mesmo a própria passagem para Deus e ao mesmo tempo realizá-la. Isto sim, seria uma contradição, e semelhantes reflexões não poderiam gerar senão outras contradições e jogos dialéticos. Desde que há a possibilidade, de um ponto de vista cristão, da passagem para Deus – e Deus concede-a como graça – a passagem, sempre em linguagem cristã, não é tarefa que nos deva preocupar.
O homem não deve pensar senão em avançar, visto que Deus cuida previamente de tornar-lhe possível o avanço, resolveu o problema do continuum, e todos os paradoxos do espaço espiritual, incluindo o de Aquiles e a tartaruga, estão ultrapassados. A má consciência, e, por conseguinte, a angústia que atormenta muitos cristãos, não deriva tanto do fato de serem pecadores e reincidentes, mas de que cessaram de crer na eficácia e na verdade da sua fé; medem a força da fé pela própria impotência, projetando o mundo de Deus na própria psicologia, em vez de se deixarem medir por Deus. Fazem o que, como cristãos, lhes é proibido: consideram a fé de fora, desesperam da força da esperança, fecham-se ao poder do amor, instalam-se na vala que se forma entre a exigência cristã e a sua falência, vala que, em termos cristãos, é domínio do nada. Não é, pois, de admirar que, numa tal posição, a angústia se apodere deles. (...)
Estas linhas de pensamentos [a visão da angústia segundo a dialética oscilante de Lutero, que não admite nem uma verdadeira emancipação da angústia do pecado, nem uma autêntica participação na angústia da cruz do Senhor e a consequente linha que segue Kierkergaard, a visão da predestinação de Calvino e a da finitude da redenção de Jansênio] estão interditas ao católico. Não lhe é lícito recorrer a uma dialética, seja qual for, para tranquilizar aquele que se desesperasse ou duvidasse da sua verdadeira passagem para Deus: ele não tem de fazer mais do que indicar-lhe a fé viva como sendo o ato da passagem. A isto tendem, no fundo, também as duas formas de protestantismo, mas a vertigem provocada pela reflexão impede o elemento de presença de produzir o seu efeito ao mesmo tempo que o elemento escatológico. O católico não pode limitar-se a considerar a redenção como um fato objetivo, consumado na cruz e do qual basta que o crente tome conhecimento para beneficiar-se de seus efeitos. Pelo contrário, ele sabe que a redenção para se tornar subjetiva exige participação e apropriação; por isso o caminho da angústia do pecado para uma angústia redentora é, para ele, um verdadeiro progredir. Se ele se vira para esta última, não pode deixar a primeira atrás de si. Se se aproxima desta, afasta-se da outra. E entre as duas estende-se necessariamente uma zona de isenção da angústia, caracterizada pelo resplendor da fé, da caridade e da esperança.
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