quarta-feira, 1 de abril de 2009

O cristão e a angústia - VII

Uma primeira lei sobre a angústia cristã poder-se-ia, pois, formular como se segue:
O Cristianismo quer e pode redimir o homem da angústia do pecado, se o homem se abre à redenção e se submete às suas condições; em lugar da angústia do pecado, ele dá-lhe acesso a Deus sem angústia, na fé, na caridade e na esperança; as quais, porém, derivando da cruz, podem por si mesmas provocar uma nova, carismática, coexpiante forma de angústia, no âmbito da solidariedade universal.
Com esta primeira verdade, simples e linear, cruza-se, porém, uma outra que ameaça velar-lhe a pureza. Para o filho de Deus, crucificado, sem pecado, a oposição da angústia redentora à angústia do pecado (infrutífera, que Ele não pode experimentar) é coisa óbvia. Pode-se também chegar a compreender que algo desta angústia redentora possa ser comunicado a um crente pela graça superabundante da cruz. Mas os cristãos, ainda que remidos e crentes, amantes e esperançados, não continuarão, apesar disso, sempre pecadores?; seja porque caiam em pecado grave, prevaricando com isso – segundo a ameaça do Apóstolo – de um modo muito mais terrível do que um pagão que não sabe (Hb 6,3-8); seja porque se debatem na penumbra, entre o amor e a concupiscência , entre a esperança e a dúvida, sem uma direção fundamental definida; como “almas salvas pela metade”, que merecem a qualificação tanto de “pecadores” como de “justos”? É claro que um homem não pode possuir a graça santificante e ao mesmo tempo odiar a Deus, no sentido em que Lutero ou o catecismo de Heidelberg interpretaram o simul justus et peccator. Mas quanto de verdade não contém ainda esta definição, como muito bem deveriam saber todos aqueles que são fracos, desencaminhados, que recaem sempre, tépidos, surdos aos mandamentos de Deus!
E nesta tepidez que se mantém à força de compromissos, não serão assaltados por uma nova, bem compreensível todavia unicamente ao cristão, ou seja: a angústia de verificar que é impossível estar “ao mesmo tempo dentro e fora” ou, pior, “nem dentro nem fora”? Não é esta exatamente a específica angústia cristã, ou, ao menos, aquela que com maior frequência se encontra e que, pela sua ambiguidade, mais desagradavelmente impressiona os estranhos, os pagãos, neste ponto mais inequívocos, menos decididos? Se “estes redimidos têm um ar tão pouco redimido”, se os cristãos não convencem, isto deve atribuir-se, e não em último lugar, à sua falta de segurança, produzida pela consciência de fazer mal as suas coisas, de representar tão mal a sua causa, ou , o que é ainda mias lamentável, ao medo de que se descubra que não são de modo algum o que pretendem ser.
Recai-se assim, de certo modo, na angústia da Antiga Aliança. Nela a angústia era superada graças a uma promessa; mas, uma vez que tal promessa não era atual, não tinha força para arrancar completamente os homens à angústia do pecado. Este estar suspenso entre o presente pecaminoso e a promessa que não podia ser nunca plenamente atualizada provocava uma nova forma de angústia. O mesmo parece repetir-se em plena Nova Aliança: na medida em que a redenção já vinda conserva um caráter escatológico e o pecador permanece a caminho da plena justiça; na medida em que não se dissipa nunca a ambiguidade entre “temor e esperança”, ou melhor, entre o medo que o pecador tem de Deus e da condenação divina e a esperança do crente na redenção. Não favorece o Novo Testamento esta ambiguidade enquanto acentua e torna definitivos os dois aspectos, tanto a promessa como a ameaça? Mas ao fazer isto, e ao submeter o homem que se encontra dentro do seu campo de força a tensões sobre-humanas – temer e esperar, estar certo e suspenso ao mesmo tempo – não pediu ele demasiado às nossas pobres forças, que como que são por ele fulminadas? Pode viver-se dentro desta contradição? Os muitos desvios e deformações não vêm comprovar que se exigem aqui ao homem coisas impossíveis? Não se perde o cristão, quando trata a sério com o pecado e com a redenção, numa dialética sem saída, em que cada grau a mais de graça corresponde um grau a mais de indignidade e culpa, e a religião nesta selva obscura se torna um verdadeiro inferno? E não tem precisamente aqui a mais impiedosa psicanálise um campo favorável?
Que o homem, ainda que crente, possa ser tomado de uma espécie de vertigem nesta situação transitória entre medo e esperança, é um fato inegável, confirmado pela experiência de todos os dias. Este sentir faltar o terreno debaixo dos pés, porém, não se pode imputar ao Cristianismo mas tão-somente ao homem que não quer tomar verdadeiramente a sério o Cristianismo. O Cristianismo não cava diante do homem um abismo, mas, ao contrário, oferece-lhe um terreno sólido; este terreno porém está em Deus, não no próprio homem, e o acesso a ele implica que o homem abandone o seu próprio terreno. O pecador é exatamente aquele que quer estar em si mesmo e sobre Deus ao mesmo tempo, acaba por cair num vazio intermediário. Verificar (ou mesmo apenas sentir) que se está sem terreno debaixo dos pés, pressupõe que se deixou de caminhar; de caminhar no terreno de Deus ou de efetuar a passagem do próprio terreno para o terreno de Deus. A fé, se é viva e operante, não é mais do que um caminhar, passar de um a outro ponto.

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