
Vejamos agora a quarta bem-aventurança, de que até agora ainda não tratamos: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados” (Mt 5,6). Este louvor é interiormente semelhante à palavra sobre os que choram e que serão consolados: como ali hão de receber a promessa aqueles que não se vergam ao que ditam as opiniões e os hábitos dominantes, mas os que no sofrimento lhe oferecem resistência, do mesmo modo também aqui se trata de homens que mantêm o olhar atento à procura do que é maior, da verdadeira justiça, do verdadeiro bem. Uma palavra que se encontra no livro de Daniel tornou-se para a tradição a síntese da atitude de que aqui se trata. Daniel é descrito lá como vir desiderorum: homem do desejo (Dn 9,23). O olhar volta-se para os homens que não se contentam com o que está disponível e que não sufocam a inquietação do coração, a qual chama a atenção do homem para algo de maior, de tal modo que ele interiormente se põe a caminho, por assim dizer, como os sábios do Oriente, que procuram Jesus, a estrela que mostra o caminho para a verdade, para o amor, para Deus. São homens de uma sensibilidade que os capacita para ouvir e para ver os sinais suaves que Deus envia para o mundo e que quebram assim a ditadura do costume.
Quem não pensaria então nos santos humildes nos quais a Antiga Aliança se abre para a Nova e nela se transforma? Em Zacarias e Isabel, em Maria e José, em Simeão e Ana, os quais, cada qual a seu modo, interiormente despertos esperavam a salvação de Israel e, com a sua humilde piedade, com a sua paciência em esperar e em desejar o Senhor, “preparavam os caminhos”? Mas pensemos também nos doze apóstolos – em homens (...) de origens distintas, mas que no meio do seu trabalho e do seu dia-a-dia mantiveram aberto o coração que os direcionou para a chamada daquele que é o Maior? Ou também na paixão de um S. Paulo pela justiça, que está no falso caminho, mas que no entanto o prepara para ser derrubado por Deus e assim ser conduzido para uma nova claridade? Poderíamos assim percorrer toda a história. Edith Stein disse uma vez que quem procura honesta e apaixonadamente a verdade está a caminho de Cristo. De tais homens fala a bem-aventurança – desta sede e desta fome, que é bem-aventurada, porque conduz o homem para Deus, para Cristo e, portanto, abre o mundo para o Reino de Deus.
Parece-me ser este o momento para, a partir do Novo Testamento, dizer alguma coisa sobre a salvação daqueles que não conhecem Cristo. A teoria atual vai no sentido de afirmar que cada qual deve viver a religião, ou talvez mesmo o ateísmo, na qual se encontra. Deste modo encontrará a salvação. Tal opinião pressupõe uma muito estranha concepção de Deus e uma também estranha representação do homem e do reto caminho da humanidade. Procuremos esclarecer isto por meio de questões práticas. Será que alguém se torna bem-aventurado, e assim reconhecido justo por Deus, porque seguiu em consciência os deveres da vingança de sangue? Porque se empenhou com força a favor e na “guerra santa”? Ou porque ofereceu determinados animais em sacrifício? Ou porque manteve abluções rituais e outras observâncias? Porque declarou as suas opiniões e os seus desejos como juízo de consciência e assim a si mesmo se elevou como medida? Não, Deus exige o contrário: estar interiormente desperto par ao seu silencioso conselho, que está em nós e nos arranca dos simples costumes para o caminho da verdade; homens que “têm fome e sede de justiça” – este é o caminho que está aberto a cada um; é o caminho que termina em Jesus Cristo.
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