
A REDESCOBERTA DAS OBRAS DE ARISTÓTELES NO OCIDENTE LATINO
Neste primeiro artigo, como que à guisa de prólogo, veremos o como ocorreu a redescoberta das obras perdidas de Aristóteles pelos medievais latinos.
A Espanha foi a terra de fronteira entre o islamismo e o cristianismo, duas civilizações parecidas em muitos aspectos, mas igualmente diferentes em pontos significativos. O vendaval muçulmano que varreu o Oriente Médio, o Norte da África e a Península Ibérica, todos anteriormente cristãos, deteve-se às portas dos Pirineus, na Batalha de Poitiers, em 732, quando os exércitos de Carlos Martel obrigaram os muçulmanos a parar sua investida. Assim, séculos de dominação islâmica na Península Ibérica e a presença de cristãos, judeus e islâmicos formaram um interessante cadinho cultural.
A atual historiografia medieval frequentemente ressalta a superioridade da civilização muçulmana que os letrados cristãos – o clero – encontraram nas cidades recém-conquistadas pelas cruzadas ibéricas do século XI. No entanto, a nosso ver, essa insistência carece de fundamento. Antes de tudo porque, como foi dito, não eram apenas os muçulmanos que estavam na região; havia uma mistura cultural entre as diversas etnias e religiões. Ainda assim, como mostrou o historiador e medievalista francês Sylvain Gouguenheim em sua obra Aristote au Mont Saint-Michel (Aristóteles no Monte Sant-Michel), a maior parte das traduções árabes da antiga sabedoria greco-romana, foi feita não por muçulmanos, mas por cristãos-árabes (considerando-se a diferença entre árabes e muçulmanos) que, inclusive, eram os únicos que estavam capacitados tecnicamente para tal trabalho. Assim, não é correto dizer que “o Islã nos legou Aristóteles e os clássicos gregos; se fôssemos depender da Igreja todo este conhecimento estaria perdido”, como muitos dizem nos meios acadêmicos. De fato, este trabalho em grande parte foi feito por cristãos que habitavam no império muçulmano dominante.
Além disso, sabe-se que os livros de Aristóteles já estavam traduzidos para o latim antes das descobertas das obras em árabe, pelos monges do Monte Saint-Michel na França. Richard Rubenstein, em sua obra Herdeiros de Aristóteles afirma: “Se o espírito de investigação na Europa já não houvesse começado a florescer, talvez a verdadeira importância dessa descoberta não tivesse sido reconhecida” (p. 29). Sabe-se, todavia, que foi esse espírito que levou tanto ao trabalho em Saint-Michel quanto ao desenvolvimento do pensamento ocidental com base na filosofia aristotélica, coisa que, provavelmente, teria acontecido mesmo sem a descoberta de suas obras em língua árabe. Dessa forma, não devemos tanto aos árabes quanto nos faz crer a semi-onipresente ideologia multiculturalista.
No próximo artigo, nos voltaremos para a figura de Aristóteles, suas principais ideias e convergências com seu mestre, Platão.
A Espanha foi a terra de fronteira entre o islamismo e o cristianismo, duas civilizações parecidas em muitos aspectos, mas igualmente diferentes em pontos significativos. O vendaval muçulmano que varreu o Oriente Médio, o Norte da África e a Península Ibérica, todos anteriormente cristãos, deteve-se às portas dos Pirineus, na Batalha de Poitiers, em 732, quando os exércitos de Carlos Martel obrigaram os muçulmanos a parar sua investida. Assim, séculos de dominação islâmica na Península Ibérica e a presença de cristãos, judeus e islâmicos formaram um interessante cadinho cultural.
A atual historiografia medieval frequentemente ressalta a superioridade da civilização muçulmana que os letrados cristãos – o clero – encontraram nas cidades recém-conquistadas pelas cruzadas ibéricas do século XI. No entanto, a nosso ver, essa insistência carece de fundamento. Antes de tudo porque, como foi dito, não eram apenas os muçulmanos que estavam na região; havia uma mistura cultural entre as diversas etnias e religiões. Ainda assim, como mostrou o historiador e medievalista francês Sylvain Gouguenheim em sua obra Aristote au Mont Saint-Michel (Aristóteles no Monte Sant-Michel), a maior parte das traduções árabes da antiga sabedoria greco-romana, foi feita não por muçulmanos, mas por cristãos-árabes (considerando-se a diferença entre árabes e muçulmanos) que, inclusive, eram os únicos que estavam capacitados tecnicamente para tal trabalho. Assim, não é correto dizer que “o Islã nos legou Aristóteles e os clássicos gregos; se fôssemos depender da Igreja todo este conhecimento estaria perdido”, como muitos dizem nos meios acadêmicos. De fato, este trabalho em grande parte foi feito por cristãos que habitavam no império muçulmano dominante.
Além disso, sabe-se que os livros de Aristóteles já estavam traduzidos para o latim antes das descobertas das obras em árabe, pelos monges do Monte Saint-Michel na França. Richard Rubenstein, em sua obra Herdeiros de Aristóteles afirma: “Se o espírito de investigação na Europa já não houvesse começado a florescer, talvez a verdadeira importância dessa descoberta não tivesse sido reconhecida” (p. 29). Sabe-se, todavia, que foi esse espírito que levou tanto ao trabalho em Saint-Michel quanto ao desenvolvimento do pensamento ocidental com base na filosofia aristotélica, coisa que, provavelmente, teria acontecido mesmo sem a descoberta de suas obras em língua árabe. Dessa forma, não devemos tanto aos árabes quanto nos faz crer a semi-onipresente ideologia multiculturalista.
No próximo artigo, nos voltaremos para a figura de Aristóteles, suas principais ideias e convergências com seu mestre, Platão.

A abadia de Saint-Michel
muito bom o texto!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirÓtimo texto Henrique! Adorei não sabia dessa neovisão histórica que vc chamou de ideologia multiculturalista, que coisa eles defendem que nossa evolução intelectual de em partes a cultura mulçumana? Isso é o cúmulo, basta olhar o quanto eles evoluíram e são um expoente da racionalidade contemporania... Olha está muito bom o texto de verdade meu irmão, se estivesse ruim eu tb falaria, mas está claro, conciso e decodificável. Continue, aguardo o próximo texto. Há um livro "Filosofia do Direito" que fala de modo magistral sobre a relação aristotélica-tomista, mas acho que vc não encontrará aí no seminário, depois te direi a bibliografia exata dele. Um abraço "frater in Cristo Domino meus"
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