sexta-feira, 31 de julho de 2009

A oração do Senhor VI - O pão nosso de cada dia nos dai hoje

Do Tratado sobre a oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir
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Continuando a oração, fazemos o pedido: O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Pode-se entendê-lo tanto espiritual como naturalmente. De ambos os modos Deus se serve para nossa salvação. Cristo é o pão da vida e este pão não é de todos, é nosso. Assim como dizemos Pai nosso, por ser Pai dos que entendem e crêem, assim dizemos pão nosso, porque Cristo é o pão dos que comem o seu corpo. Pedimos a dádiva deste pão, todos os dias; não aconteça que nós, que estamos em Cristo e diariamente recebemos sua eucaristia como alimento de salvação, sobrevindo alguma falta mais grave, nos abstenhamos e sejamos privados de comungar o pão celeste e venhamos a nos separar do corpo de Cristo, porque são suas as palavras: Eu sou o pão da vida, que desci do céu. Se alguém comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo (Jo 6,51).
Assim, dizendo ele que viverá eternamente quem comer deste pão, como é evidente que vivem aqueles que pertencem ao seu corpo e recebem a eucaristia nas devidas disposições, é de se temer, pelo contrário, que se afaste da salvação aquele que se abstém do corpo de Cristo, conforme a advertência do Senhor: Se não comerdes da carne do Filho do homem e não beberdes de seu sangue, não tereis a vida em vós (Jo 6,53). Por este motivo, pedimos que nos seja dado diariamente nosso pão, o Cristo, para que não nos apartemos de sua santificação e de seu corpo, nós os que permanecemos e vivemos em Cristo.
Pode-se, na verdade, interpretar de outra maneira estas palavras. Pode-se entender que nós, que renunciamos ao século e rejeitamos as suas riquezas e pompas, pela fé na graça espiritual, não peçamos senão o alimento indispensável para o nosso sustento, conforme a palavra do Senhor: Quem renunciar a tudo que possui, não pode ser meu discípulo (Lc 14,33). Quem, portanto, seguindo a palavra do Mestre renunciou a tudo e começou a ser discípulo de Cristo, deve pedir o alimento para o dia que passa e não estender os seus desejos em longos pedidos. Assim ele preceituou, dizendo: Não penseis no dia de amanhã, porque o dia de amanhã trará os seus cuidados. Basta a cada dia a sua própria pena (Mt 6,34). Assim, o discípulo de Cristo, proibido de preocupar-se com o dia de amanhã, pede apenas o alimento de cada dia. Aliás, seria estranho e contraditório pedirmos que o reino de Deus venha a nós em breve e ao mesmo tempo cuidarmos de viver no mundo mais longamente. Também o Apóstolo aconselha, fortalecendo e consolidando nossa fé e esperança: Nada trouxemos para este mundo; e nada, na verdade, podemos levar. Se temos o que comer e vestir, estejamos contentes. Os que desejam enriquecer caem na tentação, no laço e em muitos desejos nocivos que lançam o homem na perdição e na morte. Com efeito, a raiz de todos os males é a cobiça; por ela alguns se afastaram da fé e acarretaram para si muitas dores (1Tm 6,7-10).
Essa doutrina ensina, não só que as riquezas devam ser desprezadas, mas que são perigosas, achando-se nelas a raiz dos males que afagam e enganam, por disfarces e seduções, a cega mente humana. Daí, Deus ter respondido ao rico insensato que pensava nos seus bens terrenos e se vangloriava da abundância dos seus frutos: Insensato, esta noite ainda, entregarás a tua alma; para quem ficará o que preparaste? (Lc 12,20) Alegrava-se o insensato com seus frutos na noite em que ia morrer, preocupava-se com a abundância de alimento no momento em que a vida já se afastava.
O Senhor ensina, ao contrário, tornar-se perfeito e íntegro quem vende tudo o que possui e dá aos pobres. Prepara este seu tesouro no céu. Diz o Senhor que só pode segui-lo e imitar a glória de sua paixão, pronto e sem empecilhos, esta livre para acompanhar com a própria pessoa a doação já feita dos bens. Em preparação para isso aprenda-se a orar dessa maneira e a descobrir assim como se deve ser.

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