Do livro O cristão e a angústia, de Hans Urs von Balthasar
É preciso que os poetas católicos dispostos a tratar o tema da angústia cristã, sobretudo eles, aceitem que lhes lembremos esta verdade. A sua responsabilidade é grave e tanto mais grave quanto mais peso tiver o seu testemunho na Igreja e fora dela. Quem conhece com alguma profundidade Georges Bernanos não pode sustentar que ele exagera a noite, o desespero e a angústia, objeção que surgirá facilmente a uma leitura superficial.
Basta um relance à sua vida que, de catástrofe em catástrofe, conserva sempre a marca da autenticidade cristã, para que não possamos ter qualquer dúvida a esse respeito. A zona onde radica e donde brota a sua obra fica para além de toda a inclinação à grandiloqüência e de toda a efervescência da paixão (não menos violenta que a do seu antepassado espiritual Bloy): é uma segurança incorruptível nas coisas da Igreja e do sobrenatural, que ele revela com mão objetiva de medico, não querendo produzir sensação nem falsear seja o que for, mas apenas mostrar o que é. O próprio Bernanos conhecia a angústia desde criança, uma angústia que o atormentou e não o largou mais em toda a vida. Mas não impediu a sua extraordinária, vitoriosa, cavalheiresca coragem; em última análise, não foi mais do que uma forma desta coragem: estar nu e indefeso diante de Deus, tal como os santos que descreve. Ele pôde assim, no ano da sua morte, atingir uma profundidade em que não são exageradas nem blasfemas estar palavras do seu diário: “Nós queremos realmente o que Ele quer, nós queremos verdadeiramente, sem o sabermos, os nossos sofrimentos, a nossa dor, a nossa solidão, julgando querer unicamente a nossa alegria. Imaginamos que fugimos da morte, e na verdade queremos esta morte, como Ele quis a sua. Como Ele se imola em cada altar onde se celebra a Missa, assim recomeça o morrer de novo em cada homem na agonia. Nós queremos o que Ele quer, mas não sabemos aquilo que queremos, não nos conhecemos, o pecado faz-nos viver à superfície, só entramos em nós para morrer, e é lá que Ele nos espera”.
A novela de Gertrud Von Le Fort “Die Letzte am Schaffott” (A Última no Patíbulo) já é mais uma problemática: não pela descrição da angústia mística e do sacrifício nela consumado na extrema debilidade, nem pela contraposição desta “pequena debilidade” ao heroísmo viril da mestra das noviças, que, aliás, no fim das contas, não é escolhida para o sacrifício; mas, pela maneira como em Blanche de la Force uma angústia natural, inata e mesmo claramente neurótica, vai constituir a base de uma angústia mística, ou pelo menos desemboca nela sem solução de continuidade. A angústia de Blanche é “predisposição” e é posta em relação com o seu nascimento, ocorrido durante um pânico popular: “desde muito cedo que ela dá mostras de uma ansiedade que excede em muito a que por vezes se observa nas crianças”. “A escada não escorregará?... Não cairá a parede? A gôndola não se afundará? Não se irão as pessoas zangar?”, pergunta continuamente a rapariguinha. Mais tarde, encontra “pequenos expedientes, que serve ao menos para disfarçar o medo... Blanche mostrava-se subitamente cansada ou indisposta, tinha-se esquecido de ir buscar ou de aprender isto ou aquilo, numa palavra: conseguia achar um pretexto para não entrar na gôndola ou subir a escada”. A entrada no Carmelo ao princípio é claramente uma fuga da angústia para a segurança, e é no meio desta ansiedade neurótica, deste “medo do medo”, que vem surpreendê-la a vocação para a autêntica angústia mística. Não é que uma tal vocação possa ser dada unicamente a naturezas fortes e serenas e não a caracteres ansiosos. Mas, neste segundo caso, deve atender-se a não estabelecer uma continuidade, mais, deve até suprimir-se a aparência desta continuidade, porque entre o obscurecimento da angústia natural neurótica e o outro tão diverso, da angústia sobrenatural, insere-se sempre a luz e a serena força vocação.
Getrude von le Fort
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