
No dia seguinte, pela manhã, Edith Stein partiu para Colônia, e, dois dias depois, encontrava-se diante da clausura que há tanto tempo desejava transpor.
A 15 de outubro de 1933, aos 42 anos de idade, Edith Stein terminava o surpreendente itinerário que a conduzira “de Husserl ao Carmelo”. Daí em diante, começava a nova estrada. A estrada da Irmã Teresa Benedita da Cruz. Esse foi o nome religioso que tomou, a 15 de abril de 1934, ao receber o hábito. No dia seguinte a essa cerimônia que atraíra grande número de amigos e conhecidos, o provincial dos Carmelitas pediu-lhe que retomasse, a partir de então, durante o tempo livre, seu trabalho científico de filosofia.
Assim, logo se encontrou ela na cela, entre seus livros. Aí comporia a principal obra de sua vida, O ser finito e o ser eterno, explicação da filosofia moderna, de Descartes a Heidegger. Essa obra, em dois volumes, não pôde ser publicada na época, em face dos decretos que impediam toda literatura não ariana.
Apesar do isolamento do claustro, continuava a comunicar-se com a família. Cada semana, por permissão especial, enviava uma carta à mãe. Por muito tempo suas cartas não tiveram resposta. Afinal, recebeu uma carta, testemunha do amor materno enfim vencedor. A partir desse momento, as cartas de sua irmã Rosa traziam-lhe sempre algumas palavras da mãe. Durante o verão de 1936, a admirável mulher, com 87 anos de idade, caiu doente, e seu estado logo se agravou. A 14 de setembro, na festa de Exaltação da Santa Cruz, realizava-se no Carmelo a cerimônia de renovação dos votos. Quando chegou a vez da Irmã Teresa da Cruz, ela teve de súbito a clara intuição: Minha mãe esta ao meu lado. No mesmo dia, um telegrama trouxe-lhe a noticia do falecimento. A mãe expirara na hora da renovação dos votos.
No Advento de 1936, Edith Stein teve a alegria de acolher sua irmã Rosa, que recebeu afinal o batismo, tanto tempo retardado para não magoar ainda mais a velha mãe.
O céu cobria-se de nuvens cada vez mais sombrias. A perseguição nazista, longe de diminuir, redobrava de violência. Era uma pérfida campanha contra a religião em geral, e contra as ordens religiosas em particular. A Irmã Teresa da Cruz temia que sua presença expusesse o Carmelo de Colônia a represálias. Assim, decidiu partir para a Holanda.
Durante a noite de São Silvestre, em 1938, atravessou clandestinamente a fronteira e dirigiu-se ao Carmelo de Echt, no Limburgo holandês. Rapidamente adaptou-se. Às seis línguas que já dominava, acrescentou o flamengo. Prosseguindo também nos trabalhos intelectuais, acabou seu estudo sobre São João da Cruz: A ciência da cruz.
Nessa época, sua irmã Rosa foi visitá-la no Carmelo de Echt, como carmelita da Ordem Terceira.
O Holocausto
10 de maio de 1940. Em meio ao fragor das explosões e ao rugir dos motores, a possante máquina de guerra nazista põe-se em marcha. A Holanda é rapidamente ocupada. As perseguições antissemitas desenvolvem-se com violência.
Um perigo imediato pesa, de novo, sobre a Irmã Teresa da Cruz. Por isso decide-se que deve partir novamente, dessa vez para o Carmelo Le Pâquier, perto de Friburgo, na Suíça.
Foi no começo de 1942. As formalidades burocráticas, infelizmente, alongavam-se. Uma convocação da Gestapo já chamara a religiosa a Maestricht e depois a Amsterdam. Sua presença não escapara à sinistra polícia. As ameaças se faziam cada vez mais temíveis. Felizmente, tudo estava pronto para a partida... Mas não eram esses os desígnios de Deus.
A 2 de agosto de 1942, a comunidade de Echt dirigiu-se ao coro, como de costume, para a oração matinal. Bateram na porta do convento. Dois oficiais apareceram e solicitaram a presença das irmãs Stein. Essas, supondo que lhes traziam o passaporte para a Suíça, deixaram a capela.
Ao entrar no parlatório, empalideceram. Os SS as esperavam. Tiveram ordem de aprontar-se para deixar o Carmelo em dez minutos.
Edith Stein voltou ao coro, ajoelhou-se uma última vez diante do Santíssimo Sacramento e deixou a comunidade, que se achava reunida, com estas palavras: Por favor, irmãs, rezem por nós.
Os enérgicos protestos da Madre Superiora não tiveram evidentemente o menor efeito. Depressa, as duas religiosas arrecadaram o que lhes era permitido levar: uma coberta, uma caneca, uma colher e algumas provisões.
Na rua, onde grande multidão se reunira para protestar, esperava-as um grupo da SS. Fizeram entrar as duas irmãs em um carro que partiu com destino ignorado.
Em Echt, onde a angústia reinava, recebeu-se um telegrama do campo de concentração de Amersfort. Edith Stein pedia algumas roupas quentes e o breviário.
As irmãs enviaram rapidamente a encomenda, por intermédio de jovens holandeses que puderam entrar em comunicação com as duas religiosas. Encontraram-nas muito calmas, sem a menor queixa, mas na incerteza total do futuro. Uma carta recebida pouco depois anunciava a sua partida iminente para o Leste. Veio ainda outra palavra, última confidência que brilhou como derradeira chama na noite: “A ciência da Cruz não se pode adquirir sem que ela nos pese realmente sobre os ombros. Desde o primeiro instante, eu estava convencida disso, e dizia comigo mesma: Ave crux, spes única...”
Seguiu-se o silêncio total. Soube-se que a 6 de agosto, primeira sexta-feira do mês, um comboio de judeus, quase todos convertidos, partira em direção à Polônia.
A última notícia que se tem dessa eminente religiosa é um bilhetinho a lápis, remetido por mão desconhecida a uma religiosa de Friburgo.
“A caminho da Polônia. Lembranças da Irmã Teresa Benedita da Cruz.”
Depois veio a noite.
Ignoramos onde terminou seu calvário. Não se sabe em que sítio o olhar profundo, que perscrutara sempre os enigmas do homem e do universo, encontrou a Luz sem sombras.
Disseram alguns com certo fundamento ao que parece, que foi nas câmaras de gás do sinistro campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia. Nada, entretanto, foi confirmado oficialmente. Que adiantaria, aliás, agora, apurar tais coisas?
“Nós não a procuramos mais na terra – escreveram as Carmelitas de Colônia – mas perto de Deus, que aceitou seu sacrifício e dará a recompensa ao povo pelo qual ela sofreu e morreu.”
Ante a notícia de sua morte, numerosos testemunhos de admiração e de veneração chegaram de todos os lugares da Alemanha. Por sugestão do professor Grabmann, o círculo cada vez mais numeroso de seus amigos, antigos alunos e admiradores, fez votos de que, “por sua beatificação e canonização, ela se transformasse em exemplo luminoso do conhecimento e do amor a Deus”.
Sua irradiação não pára de estender-se aos meios intelectuais e universitários. Como escreveu o jesuíta alemão Frans Hillig: “É preciso que, graças aos jovens cristãos de toda a Europa, o exemplo dessa vida seja arrancado ao passado para que continue neles cada vez mais vivo e atuante.”
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