
A hora de Deus
No outono de 1921, Edith Stein passou alguns dias de férias na casa de amigos íntimos, os Conrad Martius, na encantadora casa de campo de Bergzabern, na Baviera. De bom grado a estudante ali repousava. Na ausência dos donos da casa, usava largamente a biblioteca. Era aí, nesse domínio dos livros, a que era particularmente afeiçoada, que a Providência deveria esperá-la no dia escolhido. Escutemos o que diz Edith Stein:
“Um dia, peguei ao acaso uma obra bastante imponente. Intitulava-se: Vida de Santa Teresa, escrita por ela mesma. Comecei a ler. Imediatamente senti-me cativada, e não interrompi mais a leitura até o fim. Quando fechei o livro, pensei comigo mesma: esta é a verdade!”
Lá fora despontava a madrugada. Edith Stein tinha passado a noite inteira lendo. Bruscamente, irrompia a luz de Deus na sua alma.
Sua primeira providência, nessa manhã, foi ir à cidade comprar um catecismo católico e um missal. Começou logo a estudá-los com todo o cuidado, e rapidamente assimilou-os. Em seguida resolveu assistir à missa paroquial em Bergzabern.
Pela primeira vez penetrava em uma igreja católica. Vejamos suas impressões: “Nada me pareceu estranho: graças ao estudo que fizera, podia compreender as cerimônias em todos os seus detalhes. Um padre venerável subindo ao altar celebrou o Santo Sacrifício com profundo fervor. Acabada a missa, esperei que o celebrante concluísse a ação de graças.
“Acompanhei-o ao presbitério e pedi-lhe o batismo. Atônito, respondeu-me que a recepção na Igreja Católica exigia uma preparação. Ele desejava saber durante quanto tempo em recebera instrução e quem a ministrara. Como resposta, disse-lhe: Por favor, interrogue-me!”
O padre começou então o exame. As respostas foram perfeitas. Toda a doutrina católica foi passada em revista. Cheio de admiração, o sacerdote não pôde mais recusar o batismo.
A 1º de janeiro de 1922, Edith Stein foi batizada. Escolheu, em sinal de reconhecimento, o prenome Teresa. Comungando nesse mesmo dia, permaneceu, daí por diante, fiel à prática da comunhão diária.
A 2 de fevereiro seguinte, recebeu das mãos do bispo de Spire, Monsenhor Sebastião, o sacramento da crisma.
Sobre a luz radiosa desses dias de graça, pairava uma sombra: a mãe.
Desde pequena, Edith Stein ligara-se vivamente a essa mãe admirável, cujos sentimentos mais íntimos partilhava. O trabalho mais urgente não interrompia a correspondência semanal entre elas. Qual seria a reação dessa mãe crente, israelita exemplar, ao conhecer a decisão da filha? Poderia ver na conversão de Edith ao catolicismo outra coisa além de uma suprema infidelidade? Expulsaria a filha de casa?
Edith desejava dar-lhe, pessoalmente, a notícia. Partiu para Breslau. Encontro patético, o da mãe com a neófita. Caindo de joelhos diante dela, Edith confessou:
“Mamãe, sou católica!” Não houve briga. Mas pela primeira vez na vida, Edith Stein viu a mãe chorar. Diante de tal notícia, a velha, forte, sentiu que as forças a abandonavam. Contudo, apesar do profundo dilaceramento que as separaria daí em diante, mãe e filha sentiram que seus corações permaneciam profundamente unidos.
Certa amiga da família assim descreveu a nova situação:
“Estou convencida de que a transformação que se operou em Edith, irradiando-se de todo o seu ser como uma força sobrenatural, desarmou pouco a pouco a senhora Stein. Mulher de piedade profunda, sentia, sem compreender, a santidade que emanava da filha e, apesar de sua dor, reconhecia claramente a impossibilidade de lutar contra o mistério da graça. Contudo, antes como depois da conversão, permanecia profundamente unida aos seus, e fazia o impossível para não modificar coisa alguma das relações familiares.”
A pedido de sua velha mãe, Edith Stein permaneceu seis meses com a família. Por piedade filial, continuava a acompanhá-la à sinagoga. Em vez de renegar o Antigo Testamento, considerava-o agora o lento caminho para o Evangelho, que ele representava no plano de Deus. Seu recolhimento profundo arrancou da mãe esta reflexão: “Nunca vi ninguém rezar como Edith.”
O apelo do silêncio
A conversão tinha operado em Edith Stein uma evolução profunda. Agora, procurava seu lugar no campo do Senhor. Renunciando de início às suas funções na Universidade de Friburgo, foi para Spiro, onde ficou sob a direção do cônego Schwind. A graça trabalhava em sua alma. Pouco a pouco, uma atração profunda a conduziu ao sacrifício total. O claustro a atraía. Entretanto, os diretores dissuadiam-na vivamente, considerando que seus dons excepcionais a indicavam para a vida ativa no mundo.
Assim, viu seu desejo realizar-se pela metade, quando lhe permitiram recolher-se à calma de um liceu de religiosas dominicanas, para ensinar a moças. Ao mesmo tempo, obteve permissão de partilhar completamente a vida da comunidade religiosa. Grande lição para tantos espíritos superficiais! Na hora mesma em que esta mulher extraordinariamente dotada podia aspirar às mais famosas cátedras das universidades europeias, fechava-se no silêncio de um horizonte aparentemente limitado. Mas aí encontrava Deus e a Verdade, que durante tanto tempo procurara através de caminhos ásperos. Que mais poderia desejar?
Eis o testemunho que dela nos oferecem:
“Rezava durante horas. Quando as Irmãs chegavam à capela, às quatro ou cinco horas da manhã, a ‘doutora’ já estava ajoelhada em seu lugar. Nunca procurava sobressair; pelo contrário, apagava-se em tudo. E apesar disso, desde o primeiro contato, todos se sentiam subjugados pela grande santidade que irradiava silenciosamente de sua pessoa.”
Suas funções de professora a encantavam. Encontrava nelas a possibilidade de abrir os jovens espíritos às riquezas de seu próprio mundo interior, de fortificar-lhes a fé e de encaminhá-los a uma vida verdadeiramente cristã. Possuía ideia elevada de sua missão de ensino, como se percebe através da confidência feita a uma religiosa:
“O importante é que aqueles que ensinam possuam verdadeiramente o espírito de Cristo, e O encarnem em si mesmos. Além disso, porém, lhes incumbe outro dever: conhecer bem a vida que levarão mais tarde aqueles que lhe são confiados. A geração jovem de nossos dias atravessou muitas crises. Não saberia mais compreender-nos. Cabe-nos, portanto, tentar compreendê-la. Só então poderemos, talvez, fazer-lhes um pouco de bem.”
Os antigos alunos de Edith Stein são unânimes em proclamar a inesquecível lembrança que conservam de sua professora. De um punhado de testemunho, escolhemos apenas um depoimento. É de uma das mais jovens alunas de Edith Stein: “Eu estava no Instituto Santa Madalena havia apenas um ano. Tinha 17 anos. A Senhora Stein nos ensinava literatura alemã. Para dizer a verdade, ela nos ensinava tudo. Éramos ainda muito jovens, mas jamais esqueceremos o encanto de sua personalidade. Todos os dias, podíamos vê-la ajoelhada à nossa frente, em seu genuflexório, durante a Santa Missa. Assim nos mostrava o que pode ser uma fé profunda, perfeitamente harmonizada com uma atitude de vida. Para nós que estávamos na fase da indecisão, ela era um exemplo pela simples conduta. Nunca encontrei falha alguma em suas decisões, sem dúvida porque era uma pessoa suave e calma, que se dirigia a nós mais pela maneira pessoal de agir, do que por palavras. Em suas críticas, a bondade se aliava à justiça. Sempre a vimos serena e pura. Com espírito esclarecido, soube levar-nos, pela primeira vez, a um espetáculo teatral. Coisa rara na época, para meninas de colégio. Representava-se Hamlet. Vimos a peça pelos olhos dela, tão bem nos tinha introduzido no universo de Shakespeare. E que coração aberto a todas as belezas do mundo! Assim ficará para sempre gravada em nossa memória.”
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