terça-feira, 4 de maio de 2010

Convertidos do século XX: Edith Stein – 1

Findava o inverno de 1945.

A pequena cidade de Echt, no Limburgo holandês, encolhida de frio, ansiava pela primavera próxima, para curar suas feridas. Pouca gente nas ruas. Trânsito quase nenhum, nessa manhã após a libertação.

Um automóvel militar que atravessava a cidade atraiu a atenção dos habitantes. Nele estava o Padre Superior do Carmelo de Geleen, acompanhado do Padre van Bréda, professor da Universidade de Lovaina.

O carro parou diante de um edifício em ruínas, o antigo Carmelo, destruído pelos bombardeios. Os moradores ficaram surpresos ao ver os dois eclesiásticos descerem, abrirem caminho penosamente nos escombros, e iniciarem a procura de papéis esparsos e sujos.

Quando tiveram a certeza de não encontrar mais nenhum fragmento de papel, recolheram com todo o cuidado o fruto de suas pesquisas e partiram.

Que interesse poderia ter essa papelada?

Tratava-se de folhas manuscritas de uma importante obra de filosofia, abandonada na cela por uma carmelita, bruscamente deportada para o Leste em agosto de 1942. O Ser finito e o Ser eterno, assim se chamava essa obra filosófica, a mais importante da vida da irmã Teresa Benedita da Cruz.

Esse nome religioso era o de Edith Stein. Judia convertida, discípula predileta do grande filósofo Edmund Husserl, célebre no mundo intelectual germânico antes de abraçar a religião, ela foi, segundo o testemunho de Dom Walzer, abade de Beuron, uma das mulheres mais eminentes de nossa época.

Sua vida e sua conversão constituem admirável cântico de fidelidade à luz da graça. Tudo parecia afastá-la do cristianismo: seu meio natal, a educação judia que recebeu, o estudo junto a um mestre eminente, cuja filosofia devia seduzir fortemente sua grande inteligência, a perspectiva de uma carreira universitária que se prenunciava das mais brilhantes. Passo a passo, soube responder ao chamado de Deus, triunfando sucessivamente de todos os obstáculos que a separavam d’Ele.


Filha de Israel

12 de outubro de 1891. Havia festa na família Stein. A casa da rua São Miguel, em Breslau, de aspecto geralmente severo, parecia sorrir naquele dia. Aos seis filhos do casal Stein se acrescentava uma menina, que se chamaria Edith.

Para termos uma ideia da atmosfera deste lar israelita modelo, seria necessário contemplar certas gravuras de Rembrandt, em que o artista nos transmitiu, com fidelidade, a fisionomia dos interiores judeus do gueto de Amsterdam.

Desde os primeiros passos, a pequena Edith estava mergulhada em um clima de Antigo Testamento. Tudo lhe falava do Povo de Deus. As imagens da Bíblia nas paredes da casa, os motivos esculpidos nas arcas de carvalho, as preces tradicionais recitadas em hebraico, os ritos do Talmude fielmente observados, e sobretudo o admirável exemplo de uma mãe profundamente religiosa, mulher forte da Escritura Sagrada, cuja extraordinária energia e zelo infatigável iriam desenvolver-se sem descanso, a partir da morte do esposo.

Edith Stein tinha três anos quando o pai morreu de repente, em uma viagem de negócios. Sem hesitação, a mãe chamou tudo a si: o importante comércio de madeiras e a educação das sete crianças. Fez prosperar a ambos.

Preocupada antes de tudo com a educação dos filhos, jamais deixou de conduzi-los à sinagoga, nos dias de Sabá. Conservou sempre aos olhos de seus filhos a autoridade indiscutível, diante da qual se inclinavam com amor e respeito. Edith Stein escreveu mais tarde a seu propósito:

“Quando crianças, podíamos ler, no exemplo de nossa mãe, a verdadeira maneira de nos comportar. Se ela dizia: isto é pecado, – sabíamos que se referia a algo de detestável e indigno.”

Edith era-lhe particularmente cara. Não raro a mãe sonhava com um grande futuro para sua filha predileta. Seu desejo deveria realizar-se, mas de maneira tão diferente!

Graciosa e delicada, Edith era tratada com carinho pelos irmãos, que viam nela uma criança singularmente dotada.

Espírito receptivo, inteligência viva e precoce, foi para ela uma alegria entrar na escola primária, no outono de 1897. Assim começava uma vida de estudos que não abandonaria até a morte.


Os caminhos da verdade

Escola primária, ginásio, universidade: Edith Stein seguiu primeiro o curso normal dos estudos, na sua cidade natal de Breslau. Bem cedo revelou talento excepcional.

Uma de sua colegas de ginásio nos diz:

“Embora muitas alunas fossem bem dotadas, Edith Stein eclipsava todas pela inteligência e pelos conhecimentos. Aplicada, não mostrava nenhum empenho ambicioso; sua imagem que ficou é a de uma moça silenciosa, introspectiva e muito cativante... Fora dos estudos, tomava parte em todas as nossas reuniões e jamais era desmancha-prazeres. Podíamos nos dirigir a ela em todas as dificuldades. Sempre pronta aprestar serviço e a dar conselho, seu julgamento era refletido e seguro”.

O interesse vivo que Edith mostrava pelos estudos inquietou logo a vigilância materna. Inquietação bem fundada, aliás. Os estudos de filosofia prejudicavam a piedade da moça. Sempre acompanhando sua mãe à sinagoga, seu espírito se abria a outros horizontes. Pouco a pouco, desligava-se de toda crença profunda em um Deus pessoal. Não devemos, entretanto, aceitar sem reservas o que ela disse um dia: Até vinte e um anos, não acreditava em Deus. Como se não tivesse também escrito:

“A sede da verdade era a minha única oração.”

Esta lúcida paixão da verdade não seria já homenagem inconsciente ao verdadeiro Deus?

Deixando Breslau, seguiu em Gottingen os notáveis ensinamentos do grande pensador da época, Edmund Husserl. Ali deu livre curso à paixão dos estudos e se mostrou de imediato uma das adeptas mais brilhantes de fenomenologia husserliana. Essa nova escola filosófica, com a sua volta à objetividade, sua lógica precisa, sua aspiração à pureza integral das coisas, correspondia bem ao temperamento da jovem judia.

Logo se tornou figura se primeiro plano, no pequeno grupo de discípulos de Husserl, alguns dos quais adquiriram mais tarde renome mundial, como Dietrich Von Hildebrand, Hans Lipps (morto na última guerra), o russo Alexandre Koyre, o canadense John Bell, o francês Jean Hering etc. O professor Adolphe Reinach, israelita como Husserl e muitos de seus alunos, reunia-os em casa. Os debates, por vezes apaixonados, prolongavam-se até altas horas da noite. Nessa época, passa por Gottingen o professor Max Scheler. A série de conferências religiosas que proferiu teve profunda repercussão. Todo um movimento de conversões se delineou. Dietrich Von Hildebrand entrou para a Ordem Terceira de São Francisco. Koyre e sua mulher se aproximaram sensivelmente da Igreja Católica. Adolphe Reinach abraçou o cristianismo durante a guerra de 1914-1918. Só Edith Stein permanecia inabalável. No seu quarto de estudante, os livros se empilhavam. Mais inflexível que nunca, ela encarniçava-se na procura de seu único ideal: a verdade na ciência. Mas, sempre interessada pelos problemas do próximo, continuava sendo a companheira encantadora e devotada a quem todos podiam recorrer com êxito.

Agosto de 1914: guerra. Nem por um instante, Edith Stein hesitou em interromper seus queridos estudos e inscrever-se na Cruz Vermelha. Durante dois anos devotou-se ao tratamento de feridos, no hospital militar de Mahrisch-Weisskirchen. Nesse meio tempo, em 1916, o professor Husserl foi nomeado para a Universidade de Friburgo, em Brisgau. Considerando Edith Stein como discípula predileta, convidou-a para assistente particular. Encarregada de classificar e organizar os manuscritos do mestre, ela adquiriu dessa maneira um conhecimento profundo de sua doutrina. Em 1917, doutorou-se com a maior distinção, defendendo tese sobre o problema da imanência.

Mais premente se tornava a sua busca de Deus. O culto intransigente da verdade encaminhava-a pouco a pouco para a claridade total. Um estudo publicado pouco depois da guerra, Sobre a alma das plantas, a alma dos animais, a alma dos homens, revelava um singular aprofundamento e talvez já uma conversão interior.

Magnífico exemplo de itinerário rigorosamente filosófico, que, em vez de afastar a alma de Deus como alguns pensam, a conduz infalivelmente para a Ele!


Por René Courtouis, S.J., em Convertidos do Século XX, Agir, 1966.

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