
Seu renome se estende
Levada pelo desejo de conhecimento mais profundo de sua fé, Edith Stein retomou o trabalho filosófico durante as horas vagas. Pela primeira vez abordava o pensamento de Santo Tomás de Aquino.
Entretanto, permanecia profundamente ligada ao mestre eminente que dirigira seus primeiros passos nos caminhos do espírito. Assim, foi para ela uma alegria oferecer-lhe, em 1929, um trabalho erudito, intitulado A fenomenologia de Husserl e a Filosofia de Santo Tomás de Aquino.
Aliás, apesar de sua semi-reclusão, o mundo católico erudito tinha a atenção voltada para ela. Cada vez mais, era solicitada para conferências filosóficas, pedagógicas e religiosas. Pronunciou-se inicialmente em algumas cidades próximas: Heidelberg, Friburgo, Colônia, etc. A forte impressão que deixava dilatou o seu renome, e logo teve que falar em Viena, Zurique e Praga.
Sua própria celebridade poderia constituir um perigo para ela. Deus, porém, a conduzia. Depois de cada conferência, tinha pressa em voltar à sua amada solidão de Spire e em mergulhar de novo nas obras de Santo Tomás.
Assim passavam os anos. Desde 1928, Edith Stein seguia os ofícios da Semana Santa na célebre Abadia de Beuron. Esse mosteiro viria a tornar-se para ela uma pátria espiritual. O abade de Beuron, Dom Rafael Walzer, era o seu diretor espiritual. Eis o julgamento que nos deixou sobre ela:
“Raramente encontrei uma alma que reunisse tantas e tão altas qualidades. E com uma simplicidade e naturalidade extremas. Permaneceu inteiramente mulher, com uma sensibilidade fina e maternal. Mostrava-se simples com os simples, culta com os intelectuais, inquieta com aqueles que se inquietavam.”
O prelado conseguiu convencê-la de que suas funções de professora no Instituto Santa Madalena, de Spire, não correspondiam a seu valor intelectual, e que seu dever era de levar avante o trabalho científico. Rendendo-se à evidência, ela reconheceu que em Spire não poderia dedicar-se a uma obra filosófica de importância. Por isso, decidiu deixar Spire em março de 1931, e fixar-se inicialmente em sua casa de Breslau.
O grande trabalho filosófico que iniciava era a tradução para o alemão das Quaestiones disputatae de Veritate, de Santo Tomás. A tradução, primeira em língua alemã da importante obra do Doutor Angélico, apareceu em 1932, e impressionou os meios científicos pelo vocabulário filosófico moderno, e elegante clareza de estilo.
A reputação de Edith já a precedera, aliás, em Breslau. Logo se tornou centro de atração de numeroso grupo de jovens intelectuais, na maioria judeus, interessados na doutrina católica. Muitos se converteram, e Edith Stein foi a madrinha. Na família, teve a felicidade de ver sua irmã Rosa reunir-se a ela no catolicismo. Mas sua velha mãe, octogenária, permanecia inabalavelmente refratária.
Vários estabelecimentos de ensino superior apelaram para a eminente filósofa, e ela aceitou enfim uma cadeira de pedagogia na Universidade de Munster, na Vestfália. Sem dificuldade, conquistou a estima de todos. Brilhante carreira universitária parecia abrir-se novamente diante dela.
Mas, Deus tem caminhos que não são os nossos. Ele escolhera, no seio de seu povo, essa alma privilegiada. Queria-a totalmente para Si.
A sombra da cruz
O ano de 1933 se iniciava sob inquietantes presságios: o advento brutal do nacional-socialismo fazia antever imediatas perseguições contra os judeus.
Uma tarde, durante a Quaresma, Edith Stein teve pela primeira vez notícia dessas ameaças. A partir daí, a dolorosa apreensão de tantos sofrimentos reservados à sua raça jamais a abandonaria. No começo de abril, de passagem em Colônia, assistiu a uma Hora Santa na capela do Carmelo de Lindenthal. Nesta tarde, firmou-se entre o Mestre e a discípula um compromisso secreto que deveria orientar daí por diante todo o destino de Edith. Eis o que esta nos conta:
“Dirigi-me ao Senhor, e Lhe disse saber perfeitamente que sua Cruz pesaria, daí por diante, sobre o povo de Israel. Estava pronta a percorrer esse caminho. Que o Senhor me indicasse apenas o que devia fazer. Quando terminou o ofício, tinha a certeza interior de haver sido atendida. Mas não sabia ainda qual seria a minha Cruz.”
Ela o saberia bem cedo. De retorno a Munster, a 9 de abril seguinte, avisaram-na de que todo ensino e toda publicação estavam proibidos aos não arianos. Compreendeu imediatamente que sua carreira universitária estava terminada. Recebeu vários convites do estrangeiro, especialmente da América do Sul. Já tomara, porém, uma decisão irrevogável. Há doze anos aspirava com toda a alma à vida contemplativa. Não chegara a hora de realizar enfim seu desejo íntimo? Não se lhe poderia mais objetar com a necessidade de sua atuação no mundo, uma vez que toda atividade pública lhe era interdita.
O abade de Beuron aquiesceu afinal ao pedido. Imediatamente, Edith Stein deu os passos necessários para sua admissão no Carmelo de Colônia. Deixou Munster, em junho de 1933, e passou um mês em Colônia. Dirigiu-se enfim a Breslau, para despedir-se definitivamente dos seus.
Lá, tudo se ignorava de sua decisão. Sua irmã Rosa, a quem se confiou em primeiro lugar, ficou surpreendida, mas compreendeu e calou. Pouco a pouco, ela se abriu com os irmãos e irmãs, pedindo-lhes que nada revelassem à mãe. Como outrora, passava os dias de espera na intimidade com a mãe venerada. Esta, aos 84 anos de idade, sentava-se à mesa de trabalho e lhe confiava tudo o que tinha no coração. Jamais indagou dos projetos futuros da filha. Por sua vez, Edith não desejava apressar a hora da penosa revelação.
O momento, porém, devia chegar. Devemos consignar aqui a emocionante descrição que Edith nos deixou:
“No primeiro domingo de setembro, estava só em casa com mamãe. Ela estava sentada, tricotando perto da janela. Eu, a seu lado. De repente, fez-me a pergunta esperada há tanto tempo:
– Que é que você vai fazer em Colônia, com as religiosas?
– Viver com elas.
Mamãe não parou de tricotar. Seu novelo de lã se desenrolou. Com as mãos trêmulas, procurou enrolá-lo. Ajudei-a, enquanto a conversa continuava. A partir de então, terminou a paz. Sobre a casa, pairava uma densa opressão. De vez em quando, mamãe me fazia uma ou outra pergunta. Seguia-se o silêncio. Meus irmãos pensavam igual à mamãe, mas não desejavam aumentar-lhe o sofrimento. Um de seus genros, contudo, mostrou-lhe que minha decisão consumaria minha ruptura com o povo judeu, justamente quando ele estava exposto a terríveis provações. Como esta alusão a minha infidelidade deve ter feito mamãe sofrer!
Ela, que aceitara de boa vontade a Cruz que se abatia sobre sua raça, e que desejava carregar diante de Deus!
A separação me foi tão cruel, que ninguém poderia me dizer com certeza se tal ou qual maneira de agir teria sido a melhor. Eu tinha que dar esse passo por entre os mistérios da fé. Muitas vezes, durante esses dias, pensei: Qual de nós duas, mamãe ou eu, não poderia mais resistir?
Mas ambas aguentamos até o último dia.”
A 12 de outubro, aniversário de Edith e, ao mesmo tempo, festa judia dos Tabernáculos, a jovem acompanhou, pela última vez, a mãe à sinagoga. Durante o longo trajeto de volta que queria fazer a pé, a fim de abrir o coração com a filha, a mãe perguntou-lhe:
– Gostou do sermão?
– Claro, mamãe.
– Então também se pode ser piedosa entre os judeus?
– Sem dúvida, quando a gente não aprendeu a conhecer outra coisa.
A mãe fez esta dolorida reflexão:
– Por que então você aprendeu outra coisa? Não quero censurar nada a Jesus. Ele pode ter sido uma criatura muito bondosa. Mas, por que quis ser Deus?
“Nesse dia, nossa casa estava cheia. Um após outro, os hóspedes se despediram. Por fim fiquei só, no quarto com mamãe. Levando as mãos ao rosto, ela começou a chorar. Coloquei-me atrás de sua cadeira e apertei docemente a venerável cabeça grisalha. Ficamos assim muito tempo, até que ela quis deitar-se. Nessa noite, não fechamos os olhos nem por um momento.”
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