
O alcance desta expressão, saída de uma voz vinda dos céus, bem como da sua variante nos evangelhos de Mateus e de Marcos – “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3,17; cf. Mc 1,11) – é de uma riqueza inesgotável. O texto de Lucas é a citação literal do salmo segundo, versículo sete: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”. É a proclamação de Jesus como o Rei-Messias, Aquele que deveria vir para dar a salvação ao povo de Israel, Aquele que tem o poder sobre todas as nações e que pode destruí-las com a mesma facilidade com que se destrói um vaso de argila.
A expressão de Lucas que ouvimos hoje, expressa, ainda, um mistério profundíssimo. Ela se encontra no primeiro canto do Servo sofredor, no livro do profeta Isaías, conforme ouvimos na primeira leitura: “Eis o meu servo que eu sustento, o meu eleito, em quem tenho prazer” (Is 42,1). Este, que é revelado como o Rei de Israel, o Messias esperado, é o Servo sofredor, Aquele que deve realizar a salvação na fraqueza, no sofrimento, na ignomínia (cf. Is 52,13–53,12). É o contrário do que esperava o povo de Israel: um Rei forte, grande, poderoso, um chefe militar que os libertaria do jugo dos romanos e restauraria o reinado de Israel de forma mais gloriosa do que o reinado de Davi-Salomão. Ledo engano: os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos! O Messias é poderoso, sim, ele nos salvará, sim, mas na fraqueza. E mais: salvará não só o povo eleito, mas a todos os povos: Deus fará d’Ele “luz das nações, a fim de que sejam abertos os olhos dos cegos, os cárceres dos presos, as prisões tenebrosas onde estão os povos (cf. Is 42,6-7). Este é o Senhor que batizado hoje por João. No batismo de Jesus, começa a sua a vida pública, onde Ele manifestará a natureza de sua Pessoa, da salvação que veio trazer, do Reino que veio inaugurar.
O Espírito Santo que desce sobre Jesus em forma de pomba manifesta o caráter trinitário deste evento sagrado do Batismo do Senhor. Nesta cena, estão as Três Pessoas da Santíssima Trindade: o Pai na voz, o Filho em Pessoa, o Espírito Santo em forma de pomba. Grande é este mistério: Deus se revela inteiramente, nas Três Pessoas que compõem a única Divindade. Esta Divindade onipotente e autossuficiente transborda o seu imenso amor na criação e o manifesta aos homens. Deus, que por si é incompreensível, faz-se compreensível para que o homem possa entrar em contato com Ele e retribuir de forma imperfeita o amor perfeito e infinito que recebe. Eis a certeza que nos dá a Celebração deste hoje: Deus nos ama, Deus se revela a nós, Deus quer nos salvar. Isto acontecerá na medida em que abrirmos o nosso coração para acolher esse amor que transborda do seio da Santíssima Trindade e deixar também que transborde de nosso coração para alcançar os irmãos.
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