quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Como uma só alma em dois corpos


O texto que se segue é de autoria de São Gregório de Nazianzo, um dos santos doutores da Igreja. Como nos atesta a história, Gregório era um grande amigo de São Basílio, outro santo doutor da Igreja. Ambos, muitas vezes incompreendidos pela malícia humana sempre presente na história, eclesiástica ou não, descobriram o valor da amizade como conseqüência do encontro com Deus em Jesus Cristo. Assim como quem ama conhece a Deus porque Deus é amor, quem sabe ser amigo, conheceu a Deus, pois manifesta que experimentou e vive na amizade com Ele. Ser amigo é amar em Jesus e como Jesus; é olhar o outro e amá-lo, porque fomos amados primeiro. Saber ser amigo é um dos frutos do Espírito em nós, sinal de uma autêntica vida espiritual. Ao mesmo tempo em que a experiência da amizade em Deus, nutrida pela admiração mútua, gera santidade. Não há saída: um bom cristão se mede por seu jeito de amar e pela capacidade de se doar. Que São Gregório e São Basílio, que bem poderiam ser os patronos da verdadeira amizade, nos ajudem a sermos autênticos amigos.

Encontramo-nos em Atenas. Como o curso de um rio, que partindo da única fonte se divide em muitos braços, Basílio e eu nos tínhamos separado para buscar a sabedoria em diferentes regiões. Mas voltamos a nos reunir como se nos tivéssemos posto de acordo, sem dúvida porque Deus assim quis.
Nesta ocasião, eu não apenas admirava meu grande amigo Basílio vendo-lhe a seriedade de costumes e a maturidade e prudência de suas palavras, mas ainda tratava de persuadir a outros que não o conheciam tão bem a fazerem o mesmo. Logo começou a ser considerado por muitos que já conheciam sua reputação.
Que acontece então? Ele foi quase o único entre todos os que iam estudar em Atenas a ser dispensado da lei comum; e parecia ter alcançado maior estima do que comportava sua condição de novato. Este foi o prelúdio de nossa amizade, a centelha que fez surgir nossa intimidade; assim fomos tocados pelo amor mútuo.
Com o passar do tempo, confessamos um ao outro nosso desejo: a filosofia era o que almejávamos. Desde então éramos tudo um para o outro; morávamos juntos, fazíamos as refeições à mesma mesa, estávamos sempre de acordo aspirando os mesmos ideais e cultivando cada dia mais estreita e firmemente nossa amizade.
Movia-nos igual desejo de obter o que há de mais invejável: a ciência; no entanto, não tínhamos inveja, mas valorizávamos a emulação. Ambos lutávamos, não para ver quem tirava o primeiro lugar, mas para cedê-lo ao outro. Cada um considerava como própria a glória do outro.
A única tarefa e objetivo de ambos era alcançar a virtude e viver para as esperanças futuras, de tal forma que, mesmo antes de partirmos desta vida, tivéssemos emigrado dela. Nesta perspectiva, organizamos toda a nossa vida e maneira de agir. Deixamo-nos conduzir pelos mandamentos divinos estimulando-nos mutuamente à prática da virtude. E, se não parecer presunção minha dizê-lo, éramos um para o outro a regra e o modelo para discernir o certo e o errado.
Assim como cada pessoa tem um sobrenome recebido de seus pais ou adquirido de si próprio, isto é, por causa da atividade ou orientação de sua vida, para nós a maior atividade e o maior nome era sermos realmente cristãos e como tal reconhecidos.

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