
Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI
Os paradoxos que Jesus apresenta nas bem-aventuranças exprimem a verdadeira situação dos crentes no mundo, descrita por S. Paulo repetidamente com base na sua experiência de vida e de sofrimento como apóstolo: “... considerados como impostores, ainda que sinceros; considerados tristes, mas sempre alegres; pobres, ainda que tenhamos enriquecido a muitos; como nada tendo, mas tudo possuindo” (2Cor 6,8-10). “Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos...” (2Cor 4,8-10) O que nas bem-aventuranças do Evangelho de S. Lucas é conselho e promessa, é em S. Paulo a experiência vivida do apóstolo. Ele se sente “colocado no último lugar”, como um condenado à morte e tornado espetáculo para o mundo, sem casa, insultado, difamado (1Cor 4,9-13). E, no entanto, ele envolve tal experiência numa alegria infinita; justamente como extraditado, que se despojou de tudo para levar Cristo aos homens, ele experimenta a relação interior entre a cruz e a ressurreição: somos entregues à morte “também para que se revele a vida de Jesus no nosso corpo mortal” (2Cor 4,11). Cristo continua a sofrer nos seus mensageiros, a cruz continua a ser sempre o seu lugar. Mas mesmo aí Ele é irrevogavelmente o ressuscitado. E se também o mensageiro de Jesus neste mundo ainda se encontra na história de sofrimento de Jesus, então também aí é sensível o brilho da ressurreição e gera uma alegria, uma “alegria” que é maior que a felicidade que antes podia ter experimentado nos caminhos do mundo. Só agora é que ele sabe o que realmente é “felicidade”, o que é verdadeira “alegria”, e reconhece assim como era pobre o que deve ser considerado pelos critérios comuns como satisfação e como fortuna.
Nos paradoxos da experiência de vida de S. Paulo, que correspondem aos paradoxos das bem-aventuranças, mostra-se o mesmo que de um outro modo S. João tinha expressado, quando caracterizara a cruz do Senhor como “elevação”, como entronização na grandeza de Deus. S. João junta numa palavra a cruz e a ressurreição, a cruz e a elevação, porque para ele na realidade uma é inseparável da outra. A cruz é o ato do “êxodo”, o ato do amor, que é tomado a sério até o extremo e que vai “até o fim” (Jo 13,1), e por isso é o lugar da glória, o lugar do toque autêntico e da união com Deus, que é o amor (1Jo 4,7.16). Assim, nesta visão de S. João concentra-se e torna-se compreensível o significado dos paradoxos do Sermão da Montanha.
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