terça-feira, 2 de março de 2010

A caridade não consiste em sentimentos, mas em obras

Há na comunidade uma Irmã que tem o dom de me desagradar em todas as coisas. Suas maneiras, suas palavras, seu caráter me pareciam muito desagradáveis, no entanto, é uma santa religiosa que deve ser muito agradável ao Bom Deus. Assim, não querendo ceder à antipatia natural que sentia, pensei comigo que a caridade não devia consistir em sentimentos, mas em obras. Apliquei-me, então, a fazer por esta Irmã o que teria feito pela pessoa mais amada. Cada vez que a encontrava, rezava por ela ao Bom Deus, oferecendo-lhe todas as suas virtudes e méritos. Percebia muito bem que isto agradava Jesus, pois não há artista que não goste de receber elogios por suas obras, e Jesus, o Artista das almas, alegra-se quando não nos detemos nos exterior, mas penetrando até o íntimo santuário que escolheu por morada, admiramos sua beleza. Não me dava por satisfeita em rezar muito pela Irmã que me causava tantos combates, procurava prestar-lhe todos os serviços possíveis e, quando tinha a tentação de responder-lhe com maus modos, contentava-me com dar-lhe o meu mais amável sorriso e tentava desviar a conversa, pois diz a Imitação: É melhor deixar cada um com seus sentimentos do que se pôr a contestar.

Muitas vezes também, quando não estava no recreio (quero dizer durante as horas de trabalho), tendo algumas relações por causa de ofício com esta Irmã e sendo meus combates por demais violentos, fugia tal qual um desertor. Como ignorasse absolutamente o que sentia por ela, nunca suspeitou dos motivos de minha conduta, e continua persuadida de que seu caráter me é agradável. Um dia, no recreio, disse-me mais ou menos estas palavras, com um ar muito contente: “Poderíeis dizer-me, minha Irmã Teresa do Menino Jesus, o que tanto vos atrai em mim? Cada vez que olhais, vos vejo sorrir...” Ah! O que atraía era Jesus escondido no fundo de sua alma... Jesus, que torna doce o que há de mais amargo... Respondi-lhe que sorria, porque ficava contente de vê-la (bem entendido, não acrescentei que era do ponto de vista espiritual).

TERESA DO MENINO JESUS, Santa. Manuscritos Autobiográficos. Manuscrito “C”, parágrafo 292. In: Obras completas: escritos e últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 2002, p. 193.

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