segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

As bem-aventuranças – VIII


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Com esta terceira bem-aventurança está ligada, no Evangelho de S. Mateus, a promessa da terra: Bem –aventurados os mansos porque possuirão a terra. O que isto quer dizer? A esperança da terra pertence ao núcleo mais íntimo da promessa a Abraão. Durante a peregrinação de Israel pelo deserto, a terra prometida está sempre no horizonte como fim da peregrinação. No exílio, Israel espera pelo regresso à sua terra. Mas não devemos perder de vista que a promessa da terra vai claramente mais além do que um simples pensamento de posse sobre um pedaço de terra ou de um território nacional, como é próprio de cada povo.
Na luta pela libertação de Israel para a saída do Egito está em primeiro lugar o direito à liberdade de adoração, do autêntico serviço divino; e a promessa da terra tem, no decorrer da história, sempre mais claramente o sentido de que a terra será dada de modo que aí esteja um lugar da obediência, para que haja aí um lugar aberto para Deus e assim a terra seja liberta do horror da idolatria. No conceito da liberdade e da terra está o conceito de obediência a Deus e portanto um conteúdo essencial da correta configuração da terra. Assim, a partir daí, podia-se também compreender o exílio, a perda da terra: ela tinha se tornado um lugar de idolatria, da desobediência, e deste modo a posse da terra tinha caído em sinal de contradição.
Daqui também pôde originar-se uma nova e positiva compreensão da diáspora: Israel foi disperso por todo o mundo, para em toda a parte criar um lugar para Deus e assim realizar o sentido da criação, que é anunciado pelo primeiro relato da criação (Gn 1,1 – 2,4) – o sábado é o fim da criação, ele lhe confere um para onde, uma finalidade; a criação está aí porque Deus quis criar um espaço para a resposta ao seu amor, um espaço da obediência e da liberdade. Deste modo, progressivamente, degrau a degrau na aceitação e no sofrimento da história de Israel com Deus, operou-se um alargamento e um aprofundamento da idéia da terra, que apontava sempre menos para uma posse nacional e sempre mais para a universalidade da pretensão divina a respeito de toda a terra.

* * *


Naturalmente que é possível também descobrir neste jogo entre mansidão e promessa da terra, antes de mais nada, uma sabedoria muito comum na história: os invasores vêm e vão. Permanecem os simples, os humildes, que cultivam a terra e que continuam a semear e a colher entre dores e alegrias. Os humildes, os simples, são também, de um ponto de vista simplesmente histórico, mais persistentes do que os que exercem violência. Mas aqui se trata de algo mais. A progressiva universalização do conceito de terra a partir do fundamento teológico da esperança corresponde também ao horizonte universal que encontramos na promessa de Zacarias: a terra do rei da paz não é um estado nacional, ela vai de um mar a outro mar. A paz tem em vista a superação das fronteiras e uma terra renovada por meio da paz que vem de Deus. No fim, a terra pertence aos mansos, aos pacíficos, diz-nos o Senhor. Ela deve tornar-se a terra do rei da paz. A terceira bem-aventurança convida-nos para viver lá.
Cada reunião eucarística é para os cristãos esse lugar da soberania do rei da paz. A comunidade da Igreja de Jesus Cristo, que envolve todo o mundo, é então um pré-esboço da terra de amanhã, que deve tornar-se uma terra da paz de Jesus Cristo. Também aqui a terceira bem-aventurança está de acordo com a primeira: o que o “Reino de Deus” significa torna-se mais claro um pouco mais adiante, precisamente quando a pretensão desta expressão se estende mais além da promessa da terra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário