domingo, 16 de novembro de 2008

As bem-aventuranças – VI


Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI


Com tudo isto consideramos até agora apenas a primeira metade da primeira bem-aventurança: “Felizes os pobres em espírito”. Em S. Mateus e em S. Lucas, a promessa correspondente diz assim: deles (vosso) é o Reino de Deus (o Reino dos céus) (Mt 5,3; Lc 6,20). “Reino de Deus” é a categoria fundamental da mensagem de Jesus; ela aparece aqui nas bem-aventuranças; para a correta compreensão deste conceito muito debatido, é importante esta relação. Teremos de nos recordar disto quando nos aproximarmos mais do significado da expressão “Reino de Deus”.
Mas talvez seja bom, antes de prosseguirmos na meditação sobre o texto, voltarmos os olhos para a figura da história da fé na qual esta bem-aventurança foi mais intensamente traduzida na existência humana: S. Francisco de Assis. Os santos são os verdadeiros intérpretes da Sagrada Escritura. O que uma palavra significa torna-se principalmente compreensível naqueles homens que foram totalmente tomados por ela e a viveram. A interpretação da Escritura não pode ser uma simples questão acadêmica e não pode ser convertida apenas para o domínio histórico. A Escritura carrega em si, do começo ao fim, um potencial de futuro que apenas se abre no viver e no sofrer até o fim as suas palavras. S. Francisco de Assis agarrou na promessa desta palavra em toda a sua extrema radicalidade. Até o ponto de se despojar das suas vestes e se deixar revestir pelo bispo como o representante da bondade paterna de Deus, que veste os lírios do campo com mais beleza do que a de Salomão (Mt 6,28). Esta extrema humildade foi para ele antes de mais nada liberdade de serviço, liberdade para a missão; em última análise, confiança em Deus, que cuida não apenas das flores do campo, mas também dos seus filhos e dos homens; corretivo para a Igreja, a qual, com o sistema feudal, tinha perdido a liberdade e a dinâmica da itinerância missionária; íntima abertura para Cristo, com o qual na ferida dos estigmas de tal modo se configura que já não é ele quem realmente vive, mas, como renascido, existe totalmente a partir de Cristo e em Cristo. Ele não queria fundar nenhuma Ordem, mas apenas congregar de novo o povo de Deus para escutar a Palavra, que não se furta com comentários eruditos à seriedade do chamado. No entanto, com a criação da Terceira Ordem, aceita a distinção entre a missão radical e a necessária vida no mundo. Terceira Ordem significa precisamente aceitar com humildade a missão da vocação secular e as suas exigências, no próprio lugar em que cada qual se encontra, e aí viver em comunhão com Cristo, na qual Ele nos precede. “Ter como se não tivesse” (1Cor 7,29ss), aprender esta tensão interior como talvez a mais difícil das exigências e poder realmente revivê-la sempre e de novo entre os homens, levando com eles o peso do radical seguimento: este é o sentido da Terceira Ordem, e assim se torna conhecido o que a bem-aventurança pode significar para todos. Sobretudo em S. Francisco torna-se também claro o que quer dizer “Reino de Deus”. S. Francisco permaneceu totalmente na Igreja, e ao mesmo tempo em tais figuras a Igreja cresce no seu objetivo final e todavia já presente: o Reino de Deus está próximo...

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