sexta-feira, 7 de novembro de 2008

As bem-aventuranças – V

Santo Antão
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Do Livro Jesus de Nazaré, de Bento XVI

Por tudo isso, também não se dá nenhuma oposição entre S. Mateus, que fala dos pobres segundo o espírito, e S. Lucas, segundo o qual o Senhor se dirige simplesmente aos “pobres”. Foi dito que S. Mateus teria espiritualizado o conceito de pobreza que segundo S. Lucas seria originariamente entendido de um modo material e real, e assim tê-lo-ia despojado da sua radicalidade. Quem lê o Evangelho de S. Lucas sabe perfeitamente que precisamente este evangelista nos apresenta os “pobres em espírito”, que eram por assim dizer os grupos sociológicos nos quais o caminho terreno de Jesus e da sua mensagem podia tomar o seu início. E é inversamente claro que S. Mateus permanece totalmente na tradição da piedade dos salmos e, assim, na visão do verdadeiro Israel, que nela encontrou expressão.
A pobreza de que aqui se trata não é um fenômeno simplesmente material. A simples pobreza material não redime, ainda que certamente os preteridos deste mundo possam contar, de um modo muito especial, com a bondade de Deus. Mas o coração daqueles que nada possuem pode estar endurecido, envenenado, ser mau – interiormente cheio de cobiça pela posse das coisas, esquecendo-se de Deus e cobiçando as propriedades externas.
Por outro lado, a pobreza de que lá se fala também não é uma simples atitude espiritual. É evidente que a atitude radical que nos foi e nos é apresentada por tantos verdadeiros cristãos, desde o pai do monaquismo Sto. Antão até S. Francisco de Assis e até os exemplarmente pobres do nosso século, não é obrigatória para todos. Mas a Igreja precisa sempre, para estar em comunhão com os pobres de Jesus, dos grandes renunciadores; ela precisa das comunidades que os seguem, que vivem na pobreza e na simplicidade e que assim nos mostram a verdade das bem-aventuranças, para sacudir a todos para que estejam despertos, para compreenderem a propriedade apenas como serviço, para contraporem à cultura do ter uma cultura da liberdade interior e assim criarem os pressupostos para a justiça social.
O Sermão da Montanha com tal não é nenhum programa social, isto é verdade. No entanto, somente onde estiver viva no pensar e no agir a grande orientação que ele nos dá, somente aí onde a força da renúncia e da responsabilidade para com o próximo e para com tudo vier da fé, somente aí pode crescer a justiça social. E a Igreja como um todo deve manter-se consciente de que deve permanecer reconhecível como a comunidade dos pobres de Deus. Como o Antigo Testamento se abriu a partir dos pobres de Deus para a renovação da nova aliança, assim também toda a renovação da Igreja deve partir daqueles nos quais vive a mesma decisiva humildade e a mesma bondade disponível para o serviço.

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