quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Heteronomia: verdadeira autonomia humana


Nesses últimos anos tem se discutido bastante temas ligados à vida humana: aborto, eutanásia, utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. Desse debate emergem, frequentemente, “vozes” que clamam pela direito à autonomia do ser humano, ou seja, sua liberdade em optar pelo que lhe parecer melhor. Abortar? Decidir sobre a própria morte? São questões de cunho privado, não estando sob orientações éticas e religiosas coletivas.
De fato, o princípio da autonomia é um bem inalienável ao ser humano. A Bioética - ética da vida - , campo do saber que busca refletir e dialogar tendo como finalidade a preservação da vida humana e de sua dignidade, é norteada por três princípios. O primeiro é o da beneficência, disposição do ser humano para o bem e para agir bem em relação ao próximo. Em seguida, tem-se a justiça, consistindo na equidade no acesso aquilo considerado um bem. E o terceiro princípio é justamente o da autonomia, a capacidade do ser humano de decidir o que é bom ou o que é seu bem-estar.
Não se discute aqui a autonomia do ser humano. É ele e unicamente ele aquele ser capaz de orientar a sua vida, única e irrepetível. No entanto, a consideração da vida como uma propriedade absoluta, não permite qualquer reflexão em Bioética. Aliás, a Bioética torna-se desnecesssária. Afinal, se o homem é "dono da sua vida", suas decisões particulares não interessam a ninguém.
Por outro lado, se a vida é compreendida como um dom, a autonomia humana deixa de ser tão somente capacidade de decisão. Quando a vida é reconhecida como dom imerecido, celebrada como gratuidade, então ela em si mesma somente pode ser vivida em relação a um outro, a um transcendente. Se é dom, é recebida; e se é recebida, é acolhida de algo ou de alguém.
Nesse sentido, a verdadeira autonomia é, na verdade, heteronomia. O homem é capaz de decidir, quando é capaz de dialogar. E para os cristãos, o homem é livre para decidir quando o faz diante de Deus, em comunhão com Ele, a partir do paradigma ofertado por Ele mesmo: Jesus Cristo. Por isso é heteronomia, uma autonomia em relação ao outro.
Não precisa ser cristão para reconhecer a heteronomia humana. Basta ser um homem de boa vontade, de consciência livre de ideologias, para perceber que a vida humana escapa ao domínio humano. Pode-se transformar a vida, adiar a morte, mas não se consegue fazer surgir a vida, simplesmente porque ela sempre vem de fora.
Esse é o grande desafio para a Igreja nesse século. Os meios acadêmicos e a imprensa criticam as posições católicas porque ambos simplesmente partem de princípios opostos aos valores cristãos. A sociedade laicista ocidental é relativista, individualista e há muito deu de ombros para qualquer expressão religiosa institucionalizada. Para tal sociedade, definir o que é o bem e o que é o mal é autonomia. A Igreja, por outro lado, contempla a vida na sua sacralidade, como um presente, com o qual se alegra, e que somente é revelada à luz Daquele que presenteou.
Diante do grande regalo de Deus, a vida, cabe aos cristãos dizerem: “Senhor, que é o homem, para dele assim vos lembrardes e o tratardes com tanto carinho? Pouco abaixo de Deus o fizeste coroando-o de glória e esplendor.” (Sl 8, 5-6a).

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