quinta-feira, 30 de julho de 2009

Breve história do aristotelismo cristão - V

Aula em uma universidade medieval

Na medida em que as obras de Aristóteles foram sendo traduzidas para o latim, copiadas e chegaram às bibliotecas européias, o processo de leitura e re-leitura do Filósofo segundo a doutrina cristã foi crescendo de tal forma que, aliado ao também crescente fervor religioso, fez explodir revoltas contra a autoridade intelectual e moral da Igreja. Assim foi que Arnaldo de Brescia sacudiu a Itália numa rebelião contra o papado; no entanto, o perigo maior veio depois: a heresia cátara.
Os cátaros ou albigenses eram fiéis que ansiavam por uma renovação espiritual em moldes semelhantes aos inúmeros movimentos evangélicos que pululavam pela Europa naqueles séculos XII e XIII. Viviam um ideal de pobreza e retorno aos valores evangélicos e criticavam asperamente o clero e a Igreja romana em geral pela posse exagerada de bens e pela atuação dos bispos como nobres feudais. A hierarquia, vendo superficialmente o movimento, parecido com tantos outros, não lhe deu tanta atenção; somente quando o número de adeptos aumentou e a hostilidade à Igreja cresceu é que esta passou a olhar o movimento com preocupação.
O perigo chegou ao limite quando os intelectuais cátaros passaram a utilizar as ideias aristotélicas para afirmar pontos diferentes da doutrina católica ortodoxa. O principal problema era o do mal. Rejeitando o princípio segundo o qual este problema deveria ser compreendido apenas à luz da fé e não da razão, os cátaros, utilizando a definição de Aristóteles de que o conhecimento das coisas provém da compreensão das causas, chegaram a afirmar que Deus não pode ser bom e onipotente ao mesmo tempo, porque, segundo o princípio Aristotélico, o Bem só poderia causar o bem, nunca o mal; daí segue duas conclusões igualmente heterodoxas: que Deus, se permite o mal, não é onipotente e o mal, tendo de ter uma causa primeira, foi criado por um Deus ou um princípio maligno.
O choque que estas ideias causaram na Igreja foi enorme, não por causa do seu conteúdo em si, mas pelo mau uso das ideias aristotélicas. Assim, a reação da Igreja foi a violência contra os cátaros e a proibição do ensino das obras naturais aristotélicas nas universidades.
Estas últimas foram fundadas a partir de meados do século XII como um desenvolvimento das antigas escolas catedrais e foram um viveiro de debates calorosos – e, às vezes, até mesmo violentos, verbal e fisicamente – tendo como ponto de partida as ideias de Aristóteles. A própria estrutura das universidades favorecia tal estado de coisas: apesar de a autoridade eclesiástica ser a ultima instância, o corpos docente e discente das instituições gozavam de extrema liberdade, podendo decidir o currículo a ser estudado, bem como as competências necessárias a cada área, a admissão ou rejeição de membros e até mesmo a eleição dos reitores.
Somente a partir dos tempos de Inocêncio III, no início do século XIII, é que as ideias aristotélicas começaram a ganhar espaço no pensamento cristão ortodoxo, por obra de uma genial manobra do papado, que, ao regularizar os movimentos evangélicos nas ordens mendicantes, deu a estas o papel de inserir as ideias do Filósofo na doutrina cristã e, desta forma, renovar o pensamento da época, respondendo ao anseio tão sofregamente sentido de melhores explicações para os dados da fé.

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