Do livro Os Padres da Igreja de A. Hamman
A escola de Roma
Roma constitui para o cristianismo uma posição de capital relevância. Todas as seitas empenham-se para aí se implantarem e, tanto quanto possível, nela exercer o seu domínio. Mais importante ainda seria conseguir que a ortodoxia aí se achasse representada, e a verdade cristã fosse defendida contra a heresia e o paganismo.
Justino fez seus adeptos. A história conservou o nome de Taciano, que mais tarde cairá na heresia. Seis dos discípulos de Justino tornar-se-ão seus companheiros de martírio. Seu sucesso deixará na sombra o filósofo cínico Crescêncio que, em vez de combatê-lo lealmente, se contentou em denunciá-lo covardemente. Os ensinamentos do filósofo cristão obrigaram as autoridades e os pensadores a levar em conta o cristianismo. Ele deu ao pensamento cristão direito de cidadania. Seu martírio prova que sua ação e sua influência eram temidas pelas autoridades romanas.
Justino concentrou seus esforços na demonstração da fé cristã, tendo em vista converter judeus e pagãos. Sua controvérsia devia refutar a heresia que começava a proliferar de maneira perigosa. Cinquenta anos mais tarde, Irineu de Lião testemunha sua veneração pelo mestre de Roma que havia sido um precursor.
O escritor
A obra literária de Justino é considerável. Muitos dos seus escritos acham-se hoje perdidos. Dentre eles restam-nos três cuja autenticidade é incontestável: as duas Apologias, o Diálogo com o judeu Trifão, que nos permitem fazer uma ideia da apologética cristã, tal como se desenvolveu por volta da metade do século II.
Justino não é um literato. “Ele escreve rudemente, afirma Duchesne, e numa língua incorreta”. O filósofo só se preocupa com a doutrina. Seu plano é fraco, o ritmo de sua exposição interceptado por digressões e retrocessos para retomar pontos já abordados. O homem comove-nos mais pela retidão de sua alma do que pela arte de sua dialética ou de sua composição. A originalidade de Justino não está na sua qualidade literária, mas na novidade de seu esforço teológico. Por trás deste esforço, descobrimos o testemunho de um homem, de um conversão, de um opção definitiva. Os argumentos que ele apresenta têm uma história: a dele. As tentações contra as quais recomenda que se esteja alertado, ele as conheceu. Para quem sabe descobrir este testemunho, os livros de Justino não envelhecem.
O exegeta
O leitor moderno sente-se um pouco desorientado diante da exegese de Justino. Este percebe, ao longo de toda a Bíblia, a palavra do Verbo de Deus. Para ele a Bíblia inteira anuncia o Cristo. O Verbo que se encarna preexistiu e inspirou os profetas. Ele constitui a unidade dos dois Testamentos. Esta exegese, cara a São Paulo, tornar-se-á tradicional durante o período patrístico. Vamos reencontrá-lo em Irineu e em Agostinho.
Não possuímos mais nenhum dos tratados teológicos compostos por Justino. Somos obrigados a nos contentar com seus livros apologéticos. O Deus do universo só é conhecido por nós através de seu Verbo, que se apresenta a Justino como uma ponte entre o Pai e o mundo. Por ele, Deus criou o mundo, age sobre este e governa-o, ilumina toda alma de boa vontade. Tudo o que os poetas, os filósofos ou os escritores possuem de verdade é um raio de sua presença luminosa. O Verbo guia não somente a história de Israel, mas toda busca sincera de Deus.
Este admirável frescor, esta visão ampla e generosa da história, apesar de certas formulações desajeitadas, encerra a intuição de um gênio, intuição que será retomada desde santo Agostinho até São Boaventura, e, mais perto de nós, por Maurice Blondel. Ele se acha singularmente próxima de nossa problemática moderna.
“Ninguém acreditou em Sócrates enquanto ele não morreu para confirmar o que ensinava. Pelo Cristo, porém, artesãos e até pessoas ignorantes desprezaram o medo da morte”. Estas nobres palavras, que poderíamos atribuir a Pascal, são dirigidas por Justino ao prefeito de Roma.
O mártir
O filósofo cristão dirigira uma primeira apologia ao imperador Marco Aurélio para defender os cristãos caluniados. Não falava ao imperador-filósofo como um acusado, mas como um parceiro. A Apologia não dispusera esse homem sério a conhecer melhor a nova seita, que reunia em uma mesma fraternidade, escravos e patrícios. O imperador continuou a condenar sem conhecer. Este homem, observa o padre Lagrange, que fazia diariamente seu exame de consciência e que se acusava de pecadinhos, nunca se questionou a si próprio para saber se, em relação aos cristãos, não agia como um verdadeiro tirano!
Justino foi denunciado por um filósofo invejoso, que de filósofo só tinha o nome e as vestes aparatosas; as atas do processo foram conservadas. São de uma autenticidade incontestável. O filósofo comparece diante de Rústico, que havia iniciado o jovem Marco Aurélio na moral de Epicteto. Fazem-se as jogadas. Justino sabe-o. não se trata mais de convencer, senão de confessar.
– A que ciência te dedicas?
– Estudei sucessivamente todas as ciências. Acabei por apegar-me à doutrina verdadeira dos cristãos.
As respostas são simples e nobres, nítidas como o metal. Condenaram Justino a ser flagelado e depois a sofrer a pena capital. Assim, glorificou ele a Deus. Sua vida terminava, como as atas que no-la contam, numa doxologia. Era a sua última celebração.
Justino não estava só: achava-se cercado de seus discípulos. As atas citam seis deles. E esta presença constituía a homenagem mais comovente que se possa prestar a um mestre da sabedoria.
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