Vida de Santo Inácio de Antioquia
Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman
O homem
Só conhecemos o homem através de suas sete cartas, as únicas que nos permitem penetrar em seu jardim fechado. Aqui, “o estilo é o homem”. Tal homem, tal coração! Em frases curtas, densas, tão cheias que parecem que vão explodir, de estilo sincopado, sofrido, corre um rio de fogo. Nenhuma ênfase, nenhuma literatura, mas um homem excepcional, ardente, apaixonado, heroico, embora modesto, benevolente mas dotado de lucidez; um dom inato de simpatia, como Paulo, com uma doutrina segura, clara, mais dogmática do que moral, na qual se exprimem a influência joanina, a experiência mística e a santidade.
A importância dessas cartas não passou despercebida aos historiadores. Sua autenticidade foi apaixonadamente discutida durante dois séculos, por motivos em que as teses por vezes induziam às conclusões. Os críticos mais severos, como Harnack, afirmam sua originalidade e sua autenticidade. “A questão, escreve o padre Camelot, está agora definitivamente encerrada”.
Inácio possui senso humano e respeito ao homem. A dificuldade não está em amá-los todos, mas em amar cada um deles; e, em primeiro lugar, o pequeno, o fraco, o escravo, aquele que nos magoa ou que nos faz sofrer, como o escreve e o recomenda a Policarpo. Ama suficientemente os homens para corrigi-los sem feri-los. A palavra “médico”, que aplica com acentuada preferência a Cristo, cabe perfeitamente a ele. Inácio serve à verdade da fé a ponto de pregá-la mesmo quando ela lhe é incômoda e quando ameaça atrair sobre ele as incompreensões e até a hostilidade. A afeição que o cerca é antes de mais nada uma estima; esta “bigorna sob o martelo” não é homem de concessões.
Inácio conquistou o domínio de si a custa de paciência, palavra que lhe é querida e que o caracteriza. Este temperamento impulsivo, impetuoso, tornou-se brando, vencendo a irritação que reprovava em si. Mostra como se conhece bem quando escreve: “Imponho-me uma determinada medida, para não me perder por causa da minha vaidade”. À vaidade ele opõe a humildade, às blasfêmias a exortação, aos erros a firmeza da fé, à arrogância uma educação sem falhas.
O amadurecimento muda sua lucidez em vigilância, sua força em persuasão, sua caridade em delicadeza. “Não vos dou ordens”. Ele prefere convencer. Não precipita nada, acha melhor esperar. Em Esmirna, nada lhe escapa. Aguarda o momento de escrever sua carta de agradecimento, para transformar sua crítica em humildes sugestões de alguém que já partiu definitivamente, cujo olhar não provocará mais humilhações.
A responsabilidade que tem sobre os outros não lhe fez perder a lucidez a respeito de si próprio. Ele se conhece bem. Sabe que é sensível aos elogios, propenso à irritação. Com humildade, na estrada triunfal, cercado de honras, confessa: “Estou correndo perigo”. As demonstrações de consideração não lhe sobem à cabeça, nem o impedem de ver claro.
Se as confidências escapam ao longo de diversas cartas, a dirigida aos romanos é uma confissão. É o bispo que escreve aos esmirnenses, aos efésios, que agradece e exorta; é o homem, arrebatado por Deus, que fala aos romanos. Este caráter singular da carta não escapou aos historiadores. Renan, que rejeitava as outras, achava esta “tão cheia de uma energia estranha, de um espécie de fogo sombrio, e impregnada de um caráter particular de originalidade”.
A língua aí é mal cuidada. O ardor e a paixão provocam a expressão e tornam-na incandescente. Que importam as palavras? Só uma coisa importa: alcançar a Deus. “Como é glorioso ser um sol poente, longe do mundo, em direção a Deus. Que eu me possa levantar em sua presença (Rom 2,2). Para Inácio não se trata apenas da expectativa da fé, mas de uma paixão que lhe aperta a garganta e o sufoca, de um amor que o consome, de um ardor que deixa longe todos os que costumamos experimentar em nossos corações de carne. Fora Deus, tudo agora parece sem valor.
“Em mim já não existe atração pela matéria; só há uma água viva que murmura dentro de mim dizendo-me: Vem para o Pai. Não encontro mais prazer no alimento corruptível nem nas alegrias desta vida; o que desejo é o pão de Deus, este pão que é a carne de Jesus Cristo, o filho de Davi; e, como bebida, quero o seu sangue, que é o amor incorruptível”. Os historiadores podem tecer comentários sobre o sentido destas expressões. Quem lê a carta aos romanos aí encontra um dos testemunhos mais comoventes da fé, o grito do coração, que não pode enganar nem ser enganado, que comove porque diz a verdade.
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