quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Os Padres da Igreja - Santo Inácio de Antioquia - 1

Vida de Santo Inácio de Antioquia

Do livro Os Padres da Igreja, de A. Hamman

O cristão de hoje, que lê no cânon da missa: “E a todos nós, pecadores, que confiamos na vossa imensa misericórdia, concedei, não por nossos méritos, mas por vossa bondade, o convívio dos apóstolos e mártires: João Batista e Estêvão, Matias e Barbabé, Inácio...”, saberá, por acaso, quem é este Inácio a quem se recorre? É bispo ou monge? De onde é? Em que época viveu? Que conhecemos a respeito dele?

A Antioquia cristã

Inácio é bispo de Antioquia, no começo do século II, no momento em que a Igreja tem cinquenta anos de existência. O peregrino ou o turista hoje procurariam em vão a cidade de Antioquia, situada no ponto de conjunção entre a Turquia e a atual Síria. Os turcos, que logo depois da Grande Guerra a reivindicaram e a obtiveram, zelam apenas por um nome. Da cidade primitiva não resta mais nada. Uma vista aérea é o bastante para se medir a superfície dessa cidade-encruzilhada, uma das três grandes metrópoles do império romano, elemento de ligação entre o Oriente e o Ocidente.

É de Antioquia que Paulo parte para plantar a cruz na Ásia Menor e na Grécia. O Apocalipse fornece-nos o nome de sete cidades que possuem, cada uma, um bispo; estão agrupadas na parte ocidental da Anatólia. Antioquia herda o patrimônio espiritual de Jerusalém, depois do saque desta cidade. Torna-se um dos pontos altos da fé e da vida cristãs. Sua liturgia vai impregnar e influenciar a igreja grega. Em Antioquia, João Crisóstomo exerce o ministério sacerdotal quando é chamado para governar a Igreja de Constantinopla.

Inácio é sem dúvida, juntamente com o papa Clemente de Roma, o primeiro escritor da Igreja, vindo do paganismo, preparado pelos filósofos gregos. De Paulo a Inácio existe a mesma distância que separa um missionário que se adapta aos costumes indígenas de um índio que se converte ao Evangelho e que repensa o cristianismo. Em uma época em que a primeira literatura cristã ainda permanece sob os moldes judaicos, as cartas de Inácio só conservam como herança os valores bíblicos e espirituais. Elas são as cartas de um grego, para quem o grego é a língua de sua alma e de sua sensibilidade, de sua cultura e de seu pensamento. Inácio adota a forma literária e as categorias filosóficas do helenismo.

Sua língua e suas imagens dão-lhe a possibilidade de traduzir suas aspirações místicas mediante fórmulas que um platônico jamais desaprovaria. Ao exprimir o amor mais puro de Cristo, a língua e o pensamento gregos recebem sua consagração suprema. Daí em diante, eles servem ao novo Senhor, que batizou com seu sangue o mundo dos gentios e todos os seus valores autênticos.

O bispo

A Igreja governada pelo jovem bispo é de origem estritamente helênica. Ela é um testemunho da primeira expansão da evangelização. Desde o fim do primeiro século, os cristãos não mais se contentam com a inserção em suas comunidades de pessoas de destaque; sabem colocá-las no leme. Assim, enriquecem-se com Inácio, dotado de uma personalidade de qualidades incomparáveis.

Este bispo, preocupado com seu rebanho e com seu martírio, não deixa de dar atenção às outras Igrejas, cujas dificuldades ele conhece. Não esperou que a colegialidade dos bispos fosse votada em concílio para pô-la em prática. Pelo contrário. Ele é uma das primeiras testemunhas desta colegialidade, muitas vezes citado nas sessões do Vaticano II.

Sob o imperador Trajano (85-117), Inácio foi preso, julgado e condenado às feras. Ele segue o caminho dos confessores da fé; será executado em Roma, que reserva para si as vítimas de maior prestígio. Seu desejo do martírio não o impede de estigmatizar a crueldade imperial, que lhe envia “dez leopardos” para vigiá-lo, a dureza do tratamento destes, que pagam com o mal a benevolência que ele lhes dispensa.

Conduzido da Síria a Roma, o bispo faz escala primeiro em Filadélfia e depois em Esmirna. Estamos no mês de agosto; o sol é causticante. Na cidade, abrigada no fundo de uma enseada, os curiosos vêem passar um grupo de prisioneiros, cercado por uma escolta militar. Os cristãos, dirigidos pelo jovem bispo Policarpo, sabem que o prisioneiro é o bispo da gloriosa cidade de Antioquia; acorrem sem demora e dão mostras, aos confessores da fé, de m respeito impregnado de veneração.

O prestígio de Inácio era tal, que as Igrejas das cidades da Ásia por onde ele não ia passar enviavam delegações “que se dispunham a esperá-lo de cidade em cidade”. Éfeso delegara seu bispo Onésimo, o diácono Burrhus e três outros irmãos. Magnésia, o bispo Basso, dois padres e um diácono.

Em Esmirna, o bispo prisioneiro escreve manifestando sua gratidão às diversas comunidades que o cumprimentam: Éfeso, Magnésia e Trales. Dali também redige sua carta mais bela, a mais cuidada, à cidade de Roma, “a igreja toda pura que preside à caridade”. Pede-lhe que não recorra a nenhum meio que possa vir a frustrar a alegria de seu martírio. “Sou o trigo de Deus. Sou triturado pelo dente das feras para me transformar no pão imaculado de Cristo”.

Depois, como Paulo, ele prossegue seu caminho até Trôade. Antes de embarcar desta cidade para Neápolis, atualmente Kavalla, ainda escreve aos cristãos de Filadélfia, de Esmirna, e a Policarpo, pedindo que enviem delegados à sua cidade episcopal, preocupação constante de seus pensamentos, a fim de felicitá-la por haver recuperado a paz. Isto denota a delicadeza de sua ternura pastoral.

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