sábado, 26 de setembro de 2009

Ai de quem escandaliza! - XXVI Domingo Comum

A riqueza inexaurível da Palavra de Deus permite que se escreva miríades de miríades de tratados sobre ela. Contentemo-nos, neste santo Domingo, a contemplar apenas dois aspectos que podemos depreender das leituras que a Igreja nos propõe. Estes são: a liberdade de Deus e a responsabilidade do homem.
O ato amoroso e inteiramente livre de Deus de, uma vez tendo criado a humanidade e tendo esta perdido a amizade com Ele, escolher um povo para que fosse sua porção, o povo de sua preferência, o povo de sua propriedade, implica necessariamente que Deus transcende este povo, não é propriedade dele – Deus é o “proprietário” de Israel e não Israel é proprietária de Deus. A eleição de Israel serve como sinal e prefiguração da amizade, da pertença, da santidade de um povo escolhido que o é não em vista de si mesmo ou para ficar fechado em si mesmo: Israel é sinal para os outros povos. A eleição de Israel por Deus é o sinal de que Deus, na verdade, almejava estender sua eleição para todos os povos. E a missão de Israel é justamente esta: ser sinal do amor de Deus, que se estende até os confins da terra e atinge a todos os homens, sem distinção.
Toda esta realidade é depreendida do que escutamos na primeira leitura, retirada do Livro dos Números. Deus manda que Moisés escolha setenta homens retos e prudentes para que lhes seja comunicado uma porção do espírito profético que Deus deu a Moisés para guiar o Seu povo. No entanto, dois deles não estão junto aos outros e, mesmo assim, recebem o espírito de profecia. Josué tem uma atitude muito humana, análoga a de João no Evangelho, reclamando que outros que não estavam junto com os líderes também exerciam o poder de Deus. A resposta de Moisés – “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito!” (Nm 11,29) – é a afirmação da liberdade de Deus: ele não se deixa prender por esquemas humanos, nem mesmo os esquemas sagrados que ele mesmo impõe. Deus é absolutamente livre. Se nós pudéssemos enquadrar Deus nos esquemas da nossa cabeça – e mesmo nos esquemas, por exemplo, da doutrina, ou da ação de Deus nos sacramentos -; se pudéssemos fazê-lo, não seria Deus. De Deus podemos ter apenas um aceno, uma visão pelas costas, como Moisés. Só na eternidade poderemos vê-lo face a face.
Uma outra realidade, a da responsabilidade humana como resposta à liberdade amorosa de Deus é expressa na seguinte expressão do Evangelho de hoje: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42). Quem, por sua atitude escandaliza, ou seja, põe uma pedra de tropeço no caminho do seu irmão por causa de uma atitude sua, seria melhor que pegasse essa mesma pedra de tropeço, a amarrasse no próprio pescoço e se jogasse ao mar. O que quer dizer isso? Quer dizer que, se é grave o pecado que uma pessoa comete, muito mais grave é quando este pecado tornar-se um mau “modelo” para os outros, levando os outros a pecar ou a terem abalada a sua fé. Neste sentido, quanto mais alto se está, maior a queda, maior o escândalo. Isto serve para todos, sobretudo para os cristãos. Quando o nosso comportamento não é condizente com a realidade ontológica de batizados que possuímos – somos filhos de Deus, santos de Deus – a nossa vida se torna um escândalo para os outros que estão de fora, ou para os que estão dentro mas fraquejam ou, ainda, para os que estão afastados. Isto é o escândalo: por nossos atos, afastamos os outros de Deus. Que alta responsabilidade! Ao mesmo tempo em que podemos conduzir os outros para o céu, podemos também conduzir os outros para o inferno, tornando-nos escândalo para eles. Eis aqui o que deve nos fazer tremer!
Roguemos, irmãos e irmãs, para que possamos ser transparência de Deus para os outros e nunca pedra de tropeço, que o escândalo nunca se ache em nossa vida! Peçamos ainda que o Senhor nos ajude a entender que nunca poderemos abarcá-lo, entendê-lo com nossa mente tão miúda e tão limitada! Que estes rogos e pensamentos nos acompanhem nesta abençoada semana que hoje se inicia, e que a Santa Virgem Maria nos acompanhe com sua materna intercessão. Amém.

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