Da Encíclica Ecclesia de Eucharistia,
do Bem-Aventurado João Paulo II, papa (nn. 53-6)
Para
além da sua participação no banquete eucarístico, pode-se delinear a relação de
Maria com a Eucaristia indiretamente a partir da sua atitude interior. Maria
é mulher « eucarística » na totalidade da sua vida. A Igreja,
vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com
este mistério santíssimo.
Mysterium
fidei! Se a Eucaristia é um mistério de fé que excede tanto a nossa
inteligência que nos obriga ao mais puro abandono à palavra de Deus, ninguém
melhor do que Maria pode servir-nos de apoio e guia nesta atitude de abandono.
Todas as vezes que repetimos o gesto de Cristo na Última Ceia dando cumprimento
ao seu mandato: « Fazei isto em memória de Mim », ao mesmo tempo
acolhemos o convite que Maria nos faz para obedecermos a seu Filho sem
hesitação: « Fazei o que Ele vos disser » (Jo 2, 5). Com a
solicitude materna manifestada nas bodas de Caná, Ela parece dizer-nos:
« Não hesiteis, confiai na palavra do meu Filho. Se Ele pôde mudar a água
em vinho, também é capaz de fazer do pão e do vinho o seu corpo e sangue,
entregando aos crentes, neste mistério, o memorial vivo da sua Páscoa e
tornando-se assim “pão de vida” ».
De
certo modo, Maria praticou a sua fé eucarística ainda antes de ser
instituída a Eucaristia, quando ofereceu o seu ventre virginal para a
encarnação do Verbo de Deus. A Eucaristia, ao mesmo tempo que evoca a
paixão e a ressurreição, coloca-se no prolongamento da encarnação. E Maria, na
anunciação, concebeu o Filho divino também na realidade física do corpo e do
sangue, em certa medida antecipando n'Ela o que se realiza sacramentalmente em
cada crente quando recebe, no sinal do pão e do vinho, o corpo e o sangue do
Senhor.
Existe,
pois, uma profunda analogia entre o fiat pronunciado por Maria,
em resposta às palavras do Anjo, e o amen que cada fiel pronuncia quando
recebe o corpo do Senhor. A Maria foi-Lhe pedido para acreditar que Aquele que
Ela concebia « por obra do Espírito Santo » era o « Filho de
Deus » (cf. Lc 1, 30-35). Dando continuidade à fé da Virgem Santa,
no mistério eucarístico é-nos pedido para crer que aquele mesmo Jesus, Filho de
Deus e Filho de Maria, Se torna presente nos sinais do pão e do vinho com todo
o seu ser humano-divino.
« Feliz
d'Aquela que acreditou » (Lc 1, 45): Maria antecipou também, no
mistério da encarnação, a fé eucarística da Igreja. E, na visitação, quando
leva no seu ventre o Verbo encarnado, de certo modo Ela serve de
« sacrário » – o primeiro « sacrário » da história –, para
o Filho de Deus, que, ainda invisível aos olhos dos homens, Se presta à
adoração de Isabel, como que « irradiando » a sua luz através dos
olhos e da voz de Maria. E o olhar extasiado de Maria, quando contemplava o
rosto de Cristo recém-nascido e O estreitava nos seus braços, não é porventura
o modelo inatingível de amor a que se devem inspirar todas as nossas comunhões
eucarísticas?
Ao
longo de toda a sua existência ao lado de Cristo, e não apenas no Calvário,
Maria viveu a dimensão sacrificial da Eucaristia. Quando levou o menino
Jesus ao templo de Jerusalém, « para O apresentar ao Senhor » (Lc
2, 22), ouviu o velho Simeão anunciar que aquele Menino seria « sinal de
contradição » e que uma « espada » havia de trespassar também a
alma d'Ela (cf. Lc 2, 34-35). Assim foi vaticinado o drama do Filho
crucificado e de algum modo prefigurado o « stabat Mater » aos
pés da Cruz. Preparando-Se dia a dia para o Calvário, Maria vive uma espécie de
« Eucaristia antecipada », dir-se-ia uma « comunhão
espiritual » de desejo e oferta, que terá o seu cumprimento na união com o
Filho durante a Paixão, e manifestar-se-á depois, no período pós-pascal, na sua
participação na celebração eucarística, presidida pelos Apóstolos, como
« memorial » da Paixão.
Impossível
imaginar os sentimentos de Maria, ao ouvir dos lábios de Pedro, João, Tiago e
restantes apóstolos as palavras da Última Ceia: « Isto é o meu corpo que
vai ser entregue por vós » (Lc 22, 19). Aquele corpo, entregue em
sacrifício e presente agora nas espécies sacramentais, era o mesmo corpo
concebido no seu ventre! Receber a Eucaristia devia significar para Maria quase
acolher de novo no seu ventre aquele coração que batera em uníssono com o d'Ela
e reviver o que tinha pessoalmente experimentado junto da Cruz.
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