Entre os mártires que a nova igreja da África enviou ao céu, conhecem-se os seguintes. No mês de agosto de 1646, o primeiro missionário escrevia de Tunis ao santo:
“Creio-me na obrigação de levar ao vosso conhecimento que, no dia de Sant’Ana, um segundo José foi sacrificado nesta cidade pela conservação da castidade, depois de ter resistido por mais de um ano às solicitações da impudica patroa, recebendo mais de quinhentas bastonadas, dadas as mentiras que a loba furiosa dele contou. Morreu gloriosamente por não querer ofender a Deus.
“Preso ao pelourinho, envolto todo ele em grossas correntes pesadas, fui visitá-lo. Recebeu-me com um manso sorriso. Consolei-o e exortei-o a sofrer, a tudo sofrer, para que não quebrar a fidelidade devida ao Senhor. Estava resoluto. Confessou e comungou. Disse-me, então: “Monsieur, que me matem do jeito que quiserem – mas morrerei cristão e cumprirei o voto!” Quando apareceram para levá-lo ao suplício, confessou-se mais uma vez. E Deus bondoso quis que, para a condenação do pobre, fossemos admitidos para assistir à morte, o que jamais fora permitido por este povo inumano.
“As últimas palavras que disse, erguendo os olhos para o céu, foram: “Ó meu Deus, eu morro inocente!”
“Esse santo jovem era português e estava com vinte e dois aos. Invoco-lhe o socorro: como nos amava a terra, espero que no céu nos ame também.”
Pouco tempo depois, acontecia mais ou menos semelhante na mesma cidade. Dois jovens, mais vergonhosamente ainda solicitados pelo anterior, acabaram os dias nos tormentos, por não quererem prestar-se a paixões abomináveis.
“O primeiro, francês, foi empalado em Tunis. Foi tão intrépido à aproximação do suplício cruel e vergonhoso, que, dos carrascos, um fugiu, e os outros o executaram tremendo como varas verdes”.
São palavras do missionário que presenciou a morte do moço.
O outro escravo, do qual se ignora a nacionalidade, morreu em Argel. Resistia aos assaltos do infame patrão. Um dia atracou-se o sedutor com ele, e acidentalmente, o jovem defendendo-se, vazou-lhe um dos olhos. Foi, então, o pobre acusado de tentativa de homicídio – queimado vivo. Esse gênero de morte, tão terrível, não amedrontou o escravo.
“Foi um digno atleta de Jesus Cristo, diz o missionário. Edificou a todos até o último suspiro”.
Havia em Tunis dois meninos de mais ou menos doze anos, um da França, outro da Inglaterra. Haviam sido apresados juntos e vendidos como escravos a dois senhores que moravam perto um do outro. A amizade que nasceu nos dois meninos estreitou-se tanto, que difícil seria encontrar amor igual em dois irmãos.
O inglesinho era luterano. O francesinho, que era bom católico, falou-lhe das dúvidas que lhe iam pela luterana religião, e o missionário acabou por convencê-lo a converter. Assim, abjurou os erros e reuniu-se à santa Igreja romana.
Um dia, surgiram em Tunis ingleses luteranos e heréticos que vinham resgatar escravos, mas só os do país e da seita. Dando com o pequeno, quiseram levá-lo, mas o inglesinho gritou altamente que era católico pela misericórdia de Deus e preferia ficar na escravidão toda a vida, professando a verdadeira religião, a renunciar a tão grande bem para ganhar a liberdade.
Os dois amiguinhos viam-se constantemente, pelo menos o quanto lhes era possível. De ordinário, conversavam sobre as vantagens de ser fiel a Deus e à Igreja, comentando que seria mil vezes preferível a morte com sofrimento a renunciar à religião.
A providência preparava-os para o futuro, fortalecendo-os.
Tempos depois, ao patrão do francesinho deu-lhe na veneta de fazer com que o menino renunciasse a Jesus Cristo. E, como resistisse, foi severamente chicoteado e deixado por morto no lugar do suplício.
O amigo, quando soube do que sucedera, foi, correndo, socorrê-lo e ainda o encontrou no mesmo lugar, estirado, d’olhos fechados, todo lanhado e ensangüentado. Aflito, ajoelhou-se ao lado do francesinho, tomou-o nos braços, gritando-lhe o nome, julgando-o morto. Não morrera, porém, o amigo. À voz querida e familiar, abriu os olhos e tentou um sorriso.
Infiéis, então, deram de aparecer, para gozar a cena e escarnecer. E o inglesinho, olhando-os sem raiva, disse-lhes:
- Vou cuidar dele, que sofreu, por meu Deus. Honro aqueles que sofrem por Jesus Cristo, meu Salvador e meu Deus.
Os turcos, a pontapés, escorraçaram-nos dali.
Quando o francesinho ficou curado das feridas, foi visitar o amigo, já que, havia uns bons cinco dias, deixara ele de comparecer. Lá chegando, encontrou-o estrado no catre, tal qual ele estivera: todo lanhado e rodeado de infiéis que se riam, porque sofria. Diante disto, a coragem do francesinho redobrou. E , perante os turcos, em altas vozes, perguntou ao amigo:
- A quem pertencemos nós – a Jesus Cristo ou a Maomé?
- A Jesus Cristo! gritou o pequeno inglês. Somos cristãos, e cristãos, com a ajuda do bom Deus, morreremos!
Aquilo movimentou os infiéis, que se encolerizaram. Um deles, puxando duma afiadíssima faca, avançou para o francesinho e num instante lhe cortou uma das orelhas, perguntando, a rir:
- Ainda és cristão, verme?
- Ainda, não! respondeu o menino com assombroso sangue frio e intrepidez. Sempre fui e nunca deixarei de ser cristão! Vamos! Toma, corta-me a outra orelha!
Tal destemor, parece, desarmou o bruto, de cuja faca ainda pingava o generoso sangue do valente jovenzinho. E, um a um, saíram todos, deixando juntos, e em paz, os dois amigos inseparáveis.
Deus, que ambos haviam confessado com tanta coragem, acabou por purificá-los, por mais um ano, com uma moléstia contagiosa, moléstia que, em 1648, os levou da terra ao céu.
Nos arquivos de São Lázaro, há os atos de muitos outros mártires. São pedras preciosas da pobre igreja da África, ressuscitada pela graça de Deus em meio aos ferros, presídios e tormentos.
Quando os missionários de São Vicente de Paulo não conseguiam livrar os escravos de todo, procuravam, por todos os meios, adoçar-lhes as amarguras, fazendo com que pudessem servir de pastores aos companheiros de infortúnio. A hierarquia católica, da qual o chefe está em Roma, à frente do universo cristão, estendia assim seus órgãos e benefícios até nas prisões de Tunis e Argel.

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