Após as missões, São Vicente de Paulo estabeleceu confrarias de caridade para o socorro aos doentes pobres. Logo precisou de alguém capaz, que visitasse de tempos em tempos as diversas confrarias e nelas conservasse o zelo da caridade. Deus fez com que aparecesse uma viúva, uma santa mulher – Luísa de Marillac.
Às vezes, as damas da caridade não podiam, em pessoa, ir servir os doentes. Mandavam, então, fazendo-lhes às vezes, as empregadas, que se desincumbiam muito bem da tarefa. Aquilo proporcionou a Vicente aproveitar-se da boa vontade de muitas jovens; passou a ministrar-lhes aulas sobre o assunto, formando-as para o serviço dos doentes. Tal é a origem das irmãs da caridade, que agora vemos em todo o mundo, mesmo nos mais longínquos lugares.
Em Paris, o santo estabeleceu uma confraria de caridade para os galeotes. Lembremo-nos de que Monsieur de Gondi era o Geral dos galeotes de França.
Vicente, de quando em quando, repousava do trabalho das missões do campo, visitando a capital. Então aproveitava a oportunidade e percorria as prisões. Falava com os prisioneiros, consolava-os, exortava-os a uma vida futura honesta e construtiva, ouvia-os em confissão. E aos mais infelizes, os criminosos condenados às galés, unia-se mais estreitamente. Encontrava-os num estado deplorável. Jaziam trancados em masmorras, onde, às vezes, permaneciam por muito tempo, comendo imundícies, como que largados, tomados de uma terrível indiferença, absolutamente descuidados do corpo e da alma.
Dirigindo-se ao Geral, Vicente falou-lhe do estado em que viviam os pobres infelizes. Queria um meio de ajudá-los física e espiritualmente.
Monsieur de Gondi deu-lhe plenos poderes. Satisfeito, o santo alugou uma casa num subúrbio, em Saint-Honoré, e para lá foram os presos transferidos.
Vicente visitava-os seguidamente. Instruía-os, levantava-lhes a fé, fazia-os confessar com freqüência, administrando-lhes os sacramentos. Não contente com a recuperação das almas que semeava, providenciava ainda medidas para o conforto do corpo.
Aos doentes, mesmo aos portadores de moléstias contagiosas, dedicava-se com afinco, destemeroso do que lhe pudesse suceder, se contraísse esta ou aquela doença, tal o amor que dedicava aos detentos.
Quando era obrigado a afastar-se por assuntos outros, deixava-os aos cuidados de dois eclesiásticos, amigos particulares, e viajava sossegado, porque sabia que os pobres teriam a mesma assistência que ele lhes proporcionava.
Gondi, sabedor da dedicação do santo para com os presos, de como incansavelmente trabalhava para a salvação de todos, principalmente dos mais abandonados e descoroçoados, pensou nos forçados todos do reino. Foi ao rei e falou-lhe do que Vicente de Paulo fazia e quão grandiosa obra era aquela.
O Rei Luís XIII, a uma propositura do Geral dos galeotes, nomeou o santo Capelão-Geral, ou Mor, de todos os forçados do país. E o diploma foi expedido a 8 de fevereiro de 1619.
Monsieur Vicente de Paulo aceitou o encargo com satisfação: aquilo lhe dava uma semelhança maior com o Salvador do mundo, aquele mundo que era uma imensa prisão abarrotada de criminosos e condenados às galés verdadeiramente perpétuas. A ele, ao mundo atroz, viera o Filho de Deus. Fez-se igual a qualquer um, tomou todos os crimes e todas as penas para si e libertou-os. Vicente, pai dos pobres, na acepção mais pura, desejava imitar o Salvador.
Em 1622, foi visitar os forçados de Marselha. Queria ver em que estado estavam e se por eles poderia fazer o que fizera aos da capital fizera. Chegou sem dar a conhecer o título de Capelão-Mor, tanto para evitar as honras que infalivelmente lhe tributariam, como para melhor agir. Indo e vindo, dum lado a outro do presídio, deu com um forçado mais infeliz que culpado, que se desesperava com a condição em que se achava, pensando na mulher e nos filhos, certamente reduzidos à mais negra miséria.
Vicente ficou tão comovido, foi tanta a sua compaixão, que fez pelo desgraçado o que Paulino de Nola para resgatar da escravidão o filho duma pobre viúva: ofereceu-se para sofrer-lhe a pena pelo resto da vida. Semelhante oferta foi aceita, e Vicente levou por algumas semanas as cadeias de ferro dos galeotes – até que se descobriu que se tratava do Capelão-Mor da França.
Há autores que querem por em dúvida este feito do santo, mas era tão conhecido na cidade toda de Marselha, que o superior dos padres da missão, o qual ali se estabeleceu em 1643, testemunha ter ouvido o sucesso de várias pessoas, e de pessoas dignas de todo o crédito. Acha-se ainda atestado, num antigo manuscrito, por Sieur Domingos Bleyrie, parente do santo, o qual, estando na Provença, alguns anos depois da soltura de Vicente, do fato informado por um eclesiástico. Este último foi quem se referiu a Vicente citando o caso da escravidão daquele Paulino, servidor de Deus na Barbaria. Afinal, um dos padres de Vicente, duma feita, perguntou-lhe se era verdade que substituíra um forçado e que estivera, por certo tempo, preso com cadeias. O santo, sorrindo, não lhe deu nenhuma resposta á pergunta, mas o jeito era de que assim fora, tal o sorriso.
Concebe-se, depois disto, qual teria sido a caridade de Vicente de Paulo para com os presos, pois lhes ouvia as lamentações com paciência incrível, compartilhava-lhes as penas, abraçava-os, beijava-lhes as cadeias que lhe rodeavam o pescoço e as pernas. Entregava-se-lhes de corpo e alma, rezava por eles constantemente recomendava-os instantemente aos ofícios, rogando-lhes tratamento mais humano para os desgraçados: assim, facilmente , ganhava os infelizes para Deus.
Quando os galeotes de Marselha foram transferidos para Bordeaux, em 1623, Vicente para lá se foi, com muitos outros bons religiosos de diversas ordens. Divididos, trabalhavam dois em cada galé.
Um turco, que Vicente convertera naquele 1623, e que fora batizado com o nome de Luís, vivia ainda, em Paris, quando Abelly publicou a vida do santo.

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