terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A oração é tratar de amizade com quem se ama



Do Livro da Vida, de Santa Teresa de Ávila, virgem e doutora da Igreja (Séc. XVI)

O bem que quem pratica a oração – refiro-me à oração mental – obtém já foi tratado por muitos santos e homens bons. Glória a Deus por isso! Se assim não fosse, embora pouco humilde, eu não sou tão soberba que me atrevesse a falar disso.
Do que tenho experiência posso falar: quem começou a ter oração não deve deixá-la, por mais pecados que cometa. Com ela, terá como se recuperar e, sem ela, terá muito mais dificuldades. E que o demônio nunca tente ninguém como tentou a mim, levando-me a abandonar a oração por humildade; creiam-me que as palavras do Senhor não hão de faltar se nos arrependermos de verdade e tivermos o firme propósito de não mais ofendê-Lo; nesse caso, Ele nos recebe com a mesma amizade, concedendo-nos as mesmas graças de antes e, às vezes, se o arrependimento fizer jus a isso, muitas mais.
Por isso, peço aos que ainda não começaram que, por amor de Deus, não se privem de tanto bem. Não há o que temer, mas o que desejar. Porque, mesmo que não vá adiante nem se esforce pela perfeição, a ponto de merecer os gostos e regalos que Deus dá aos perfeitos, ao menos irá conhecendo o caminho que leva ao céu. Se perseverar, tudo espero na misericórdia de Deus, pois ninguém fez amizade com Ele sem dele obter grande recompensa. Para mim, a oração mental não é senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com quem sabemos que nos ama. E se ainda não O amais (porque, para que o amor seja verdadeiro e duradoura a amizade, deve haver compatibilidade; o Senhor exige, como se sabe, que não se cometam faltas, que se seja perfeito; nós, no entanto, somos viciosos, sensuais e ingratos), não podeis por vós mesmos chegar a amá-Lo, porque não é de vossa condição; mas, levando-se em conta o muito que Ele vos ama e o quanto vale ter a Sua amizade, passai pelo sofrimento de estar muito na presença de quem é tão diferente de vós.
Ó infinita bondade do meu Deus, que me parece que Vos vejo e me vejo dessa maneira! Ó delícia dos anjos, que, ao ver isso, todo o meu ser gostaria de desfazer-se em Vosso amor! Como é certo que sofreis com quem sofre por ter-Vos junto a si. Que bom amigo sois, Senhor meu! Como vais brindando a alma, e sofrendo, à espera de que ela alcance Vossa condição, suportando a sua, até que ela o consiga! Considerais, Senhor meu, os instantes em que ela o quer e, por um vislumbre de arrependimento de sua parte, esqueceis que ela Vos tem ofendido!
Vi isso com clareza em mim mesma, e não entendo, Criador meu, por que o mundo inteiro não procura travar convosco essa amizade particular. Os maus, que não têm a Vossa condição, deviam fazê-lo para que nos fizésseis bons. Isso acontecerá se eles permitirem que estejais com eles ao menos duas horas por dia, mesmo que não estejam convosco, mas às voltas com mil cuidados e pensamentos do mundo, como eu fazia. Devido ao esforço que fazem por querer estar em tão boa companhia, sabeis quem, no princípio, e até depois, não podem fazer mais; Vós, como recompensa, impedis os ataques dos demônios, reduzindo a força destes a cada dia, ao mesmo tempo que fortaleceis a alma. Jamais matais os que confiam em Vós e que Vos querem por amigo – Vida de todas as vidas! Vós lhes sustentais a vida do corpo, dando-lhes mais saúde, vivificando a alma.
(Vida, 8,5-6)

Nenhum comentário:

Postar um comentário