terça-feira, 26 de junho de 2012

Santo Antão, heroi dos cristãos


Da vida de Antão, de Santo Atanásio,
bispo e doutor da Igreja
 
Depois da morte de seus pais ficou só com sua única irmã, muito mais jovem. Tinha então uns dezoito a vinte anos, e tomou cuidado da casa e de sua irmã. Menos de seis meses depois da morte de seus pais, ia, como de costume, a caminho da igreja. Enquanto caminhava, ia meditando e refletia como os apóstolos deixaram tudo, e seguiram o Salvador (Mt 4,20;19,27); como, segundo se refere nos Atos (4,35-37), os fiéis vendiam o que tinham e o punham aos pés dos Apóstolos para distribuição entre os necessitados, e quão grande é a esperança prometida nos céus para os que assim fazem (Ef 1,18; Col 1,5). Pensando estas coisas, entrou na igreja. Aconteceu que nesse momento se estava lendo o evangelho, e ouviu a passagem em que o Senhor disse ao jovem rico: "Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá-o aos pobres, depois vem, segue-me e terás um tesouro no céu" (Mt 19,21). Como se Deus lhe houvera proposto a lembrança dos santos, e como se a leitura houvesse sido dirigida especialmente a ele, Antão saiu imediatamente da igreja e deu a propriedade que tinha de seus antepassados: trezentas "aruras", terra muito fértil e formosa. Não quis que nem ele nem sua irmã tivessem algo que ver com ela. Vendeu tudo o mais, os bens móveis que possuía, e entregou aos pobres a considerável soma recebida, deixando só um pouco para sua irmã.
De novo, porém, entrando na igreja, ouviu aquela palavra do Senhor no evangelho: "Não se preocupem do amanhã" (Mt 6,34). Não pôde suportar maior espera, mas foi e distribuiu aos pobres também este pouco. Colocou sua irmã entre virgens conhecidas e de confiança, entregando-a para que a educassem. Então ele dedicou todo seu tempo à vida ascética, atento a si mesmo e vivendo de renúncia a si mesmo, perto de sua própria casa. Ainda não existiam tantas celas monásticas no Egito, e nenhum monge conhecia sequer o longínquo deserto. Todo o que desejava enfrentar-se consigo mesmo, servindo a Cristo, praticava sozinho a vida ascética, não longe de sua aldeia. Naquele tempo havia na aldeia vizinha um ancião que desde sua juventude levava na solidão a vida ascética. Quando Antão o viu, "teve zelo pelo bem" (Gl 4,18), e se estabeleceu imediatamente na vizinhança da cidade. Desde então, quando ouvia que em alguma parte havia uma alma esforçada, ia, como sábia abelha, buscá-la e não voltava sem havê-la visto; só depois de haver recebido, por assim dizer, provisões para sua jornada de virtude, regressava. Aí, pois, passou o tempo de sua iniciação, se afirmou sua determinação de não voltar à casa de seus pais nem de pensar em seus parentes, mas a dedicar todas as suas inclinações e energias à prática contínua da via ascética. Fazia trabalho manual pois tinha ouvido que "o que não quer trabalhar não tem direito de comer" (2 Ts 3,10). Do que recebia guardava algo para sua manutenção e o resto dava-o aos pobres. Orava constantemente [14], tendo aprendido que devemos orar em privado (Mt 6,6) sem cessar (Lc 18,1; 21,36; 1 Ts 5,17). Além disso, estava tão atento à leitura da Sagrada Escritura, que nada se lhe escapava: retinha tudo, e assim sua memória lhe servia de livros.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A Eucaristia e a Igreja


Da Encíclica Ecclesia de Eucharistia,
do Bem-Aventurado João Paulo II, papa (n. 61)


O mistério eucarístico – sacrifício, presença, banquete – não permite reduções nem instrumentalizações; há-de ser vivido na sua integridade, quer na celebração, quer no colóquio íntimo com Jesus acabado de receber na comunhão, quer no período da adoração eucarística fora da Missa. Então a Igreja fica solidamente edificada, e exprime-se o que ela é verdadeiramente: una, santa, católica e apostólica; povo, templo e família de Deus; corpo e esposa de Cristo, animada pelo Espírito Santo; sacramento universal de salvação e comunhão hierarquicamente organizada.

Maria, Mulher Eucarística

Da Encíclica Ecclesia de Eucharistia,
do Bem-Aventurado João Paulo II, papa (nn. 53-6)

Para além da sua participação no banquete eucarístico, pode-se delinear a relação de Maria com a Eucaristia indiretamente a partir da sua atitude interior. Maria é mulher «  eucarística » na totalidade da sua vida. A Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com este mistério santíssimo.
Mysterium fidei! Se a Eucaristia é um mistério de fé que excede tanto a nossa inteligência que nos obriga ao mais puro abandono à palavra de Deus, ninguém melhor do que Maria pode servir-nos de apoio e guia nesta atitude de abandono. Todas as vezes que repetimos o gesto de Cristo na Última Ceia dando cumprimento ao seu mandato: « Fazei isto em memória de Mim », ao mesmo tempo acolhemos o convite que Maria nos faz para obedecermos a seu Filho sem hesitação: « Fazei o que Ele vos disser » (Jo 2, 5). Com a solicitude materna manifestada nas bodas de Caná, Ela parece dizer-nos: « Não hesiteis, confiai na palavra do meu Filho. Se Ele pôde mudar a água em vinho, também é capaz de fazer do pão e do vinho o seu corpo e sangue, entregando aos crentes, neste mistério, o memorial vivo da sua Páscoa e tornando-se assim “pão de vida” ».
De certo modo, Maria praticou a sua fé eucarística ainda antes de ser instituída a Eucaristia, quando ofereceu o seu ventre virginal para a encarnação do Verbo de Deus. A Eucaristia, ao mesmo tempo que evoca a paixão e a ressurreição, coloca-se no prolongamento da encarnação. E Maria, na anunciação, concebeu o Filho divino também na realidade física do corpo e do sangue, em certa medida antecipando n'Ela o que se realiza sacramentalmente em cada crente quando recebe, no sinal do pão e do vinho, o corpo e o sangue do Senhor.
Existe, pois, uma profunda analogia entre o fiat pronunciado por Maria, em resposta às palavras do Anjo, e o amen que cada fiel pronuncia quando recebe o corpo do Senhor. A Maria foi-Lhe pedido para acreditar que Aquele que Ela concebia « por obra do Espírito Santo » era o « Filho de Deus » (cf. Lc 1, 30-35). Dando continuidade à fé da Virgem Santa, no mistério eucarístico é-nos pedido para crer que aquele mesmo Jesus, Filho de Deus e Filho de Maria, Se torna presente nos sinais do pão e do vinho com todo o seu ser humano-divino.
« Feliz d'Aquela que acreditou » (Lc 1, 45): Maria antecipou também, no mistério da encarnação, a fé eucarística da Igreja. E, na visitação, quando leva no seu ventre o Verbo encarnado, de certo modo Ela serve de « sacrário » – o primeiro « sacrário » da história –, para o Filho de Deus, que, ainda invisível aos olhos dos homens, Se presta à adoração de Isabel, como que « irradiando » a sua luz através dos olhos e da voz de Maria. E o olhar extasiado de Maria, quando contemplava o rosto de Cristo recém-nascido e O estreitava nos seus braços, não é porventura o modelo inatingível de amor a que se devem inspirar todas as nossas comunhões eucarísticas?
Ao longo de toda a sua existência ao lado de Cristo, e não apenas no Calvário, Maria viveu a dimensão sacrificial da Eucaristia. Quando levou o menino Jesus ao templo de Jerusalém, « para O apresentar ao Senhor » (Lc 2, 22), ouviu o velho Simeão anunciar que aquele Menino seria « sinal de contradição » e que uma « espada » havia de trespassar também a alma d'Ela (cf. Lc 2, 34-35). Assim foi vaticinado o drama do Filho crucificado e de algum modo prefigurado o « stabat Mater » aos pés da Cruz. Preparando-Se dia a dia para o Calvário, Maria vive uma espécie de « Eucaristia antecipada », dir-se-ia uma « comunhão espiritual » de desejo e oferta, que terá o seu cumprimento na união com o Filho durante a Paixão, e manifestar-se-á depois, no período pós-pascal, na sua participação na celebração eucarística, presidida pelos Apóstolos, como « memorial » da Paixão.
Impossível imaginar os sentimentos de Maria, ao ouvir dos lábios de Pedro, João, Tiago e restantes apóstolos as palavras da Última Ceia: « Isto é o meu corpo que vai ser entregue por vós » (Lc 22, 19). Aquele corpo, entregue em sacrifício e presente agora nas espécies sacramentais, era o mesmo corpo concebido no seu ventre! Receber a Eucaristia devia significar para Maria quase acolher de novo no seu ventre aquele coração que batera em uníssono com o d'Ela e reviver o que tinha pessoalmente experimentado junto da Cruz.

sábado, 9 de junho de 2012

A ninguém é permitido aviltar este Mistério

Da Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 
do Bem-Aventurado João Paulo II, papa (n.52)

(...) Sinto o dever de fazer um veemente apelo para que as normas litúrgicas sejam observadas, com grande fidelidade, na celebração eucarística. Constituem uma expressão concreta da autêntica eclesialidade da Eucaristia; tal é o seu sentido mais profundo. A liturgia nunca é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade onde são celebrados os santos mistérios. O apóstolo Paulo teve de dirigir palavras ásperas à comunidade de Corinto pelas falhas graves na sua celebração eucarística, que tinham dado origem a divisões (skísmata) e à formação de facções ('airéseis) (cf. 1 Cor 11, 17-34). Atualmente também deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas como reflexo e testemunho da Igreja, una e universal, que se torna presente em cada celebração da Eucaristia. O sacerdote, que celebra fielmente a Missa segundo as normas litúrgicas, e a comunidade, que às mesmas adere, demonstram de modo silencioso mas expressivo o seu amor à Igreja. (...) A ninguém é permitido aviltar este mistério que está confiado às nossas mãos: é demasiado grande para que alguém possa permitir-se de tratá-lo a seu livre arbítrio, não respeitando o seu caráter sagrado nem a sua dimensão universal.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Eucaristia: Banquete sacrificial



Da Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 
do Bem-Aventurado João Paulo II, papa (n. 48)

Tal como a mulher da unção de Betânia, a Igreja não temeu « desperdiçar », investindo o melhor dos seus recursos para exprimir o seu enlevo e adoração diante do dom incomensurável da Eucaristia. À semelhança dos primeiros discípulos encarregados de preparar a « grande sala », ela sentiu-se impelida, ao longo dos séculos e no alternar-se das culturas, a celebrar a Eucaristia num ambiente digno de tão grande mistério. Foi sob o impulso das palavras e gestos de Jesus, desenvolvendo a herança ritual do judaísmo, que nasceu a liturgia cristã. Porventura haverá algo que seja capaz de exprimir de forma devida o acolhimento do dom que o Esposo divino continuamente faz de Si mesmo à Igreja-Esposa, colocando ao alcance das sucessivas gerações de crentes o sacrifício que ofereceu uma vez por todas na cruz e tornando-Se alimento para todos os fiéis? Se a ideia do « banquete » inspira familiaridade, a Igreja nunca cedeu à tentação de banalizar esta « intimidade » com o seu Esposo, recordando-se que Ele é também o seu Senhor e que, embora « banquete », permanece sempre um banquete sacrificial, assinalado com o sangue derramado no Gólgota. O Banquete eucarístico é verdadeiramente banquete « sagrado », onde, na simplicidade dos sinais, se esconde o abismo da santidade de Deus: O Sacrum convivium, in quo Christus sumitur! - « Ó Sagrado Banquete, em que se recebe Cristo! » O pão que é repartido nos nossos altares, oferecido à nossa condição de viandantes pelas estradas do mundo, é « panis angelorum », pão dos anjos, do qual só é possível abeirar-se com a humildade do centurião do Evangelho: « Senhor, eu não sou digno que entres debaixo do meu tecto » (Mt 8, 8; Lc 6, 6).

"Minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida"


Da Encíclica Ecclesia de Eucharistia,
do Bem-aventurado João Paulo II, papa  (n. 16)

A eficácia salvífica do sacrifício realiza-se plenamente na comunhão, ao recebermos o corpo e o sangue do Senhor. O sacrifício eucarístico está particularmente orientado para a união íntima dos fiéis com Cristo através da comunhão: recebemo-Lo a Ele mesmo que Se ofereceu por nós, o seu corpo entregue por nós na cruz, o seu sangue « derramado por muitos para a remissão dos pecados » (Mt 26, 28). Recordemos as suas palavras: « Assim como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, assim também o que Me come viverá por Mim » (Jo 6, 57). O próprio Jesus nos assegura que tal união, por Ele afirmada em analogia com a união da vida trinitária, se realiza verdadeiramente. A Eucaristia é verdadeiro banquete, onde Cristo Se oferece como alimento. A primeira vez que Jesus anunciou este alimento, os ouvintes ficaram perplexos e desorientados, obrigando o Mestre a insistir na dimensão real das suas palavras: « Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós » (Jo 6, 53). Não se trata de alimento em sentido metafórico, mas « a minha carne é, em verdade, uma comida, e o meu sangue é, em verdade, uma bebida » (Jo 6, 55).

A Eucaristia, o dom por excelência do Senhor



Da Encíclica Ecclesia de Eucharistia
do Bem-Aventurado João Paulo II, papa (n. 11)

"O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue" (1 Cor 11, 23), instituiu o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue. As palavras do apóstolo Paulo recordam-nos as circunstâncias dramáticas em que nasceu a Eucaristia.Esta tem indelevelmente inscrito nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação, mas presença sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos.Esta verdade está claramente expressa nas palavras com que o povo, no rito latino, responde à proclamação "mistério da fé" feita pelo sacerdote: "Anunciamos, Senhor, a vossa morte".
A Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor, não como um dom, embora precioso, entre muitos outros, mas como o dom por excelência, porque dom d'Ele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e também da sua obra de salvação. Esta não fica circunscrita no passado, pois "tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente".
Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e "realiza-se também a obra da nossa redenção". Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do gênero humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes. Assim cada fiel pode tomar parte nela, alimentando-se dos seus frutos inexauríveis. Esta é a fé que as gerações cristãs viveram ao longo dos séculos, e que o magistério da Igreja tem continuamente reafirmado com jubilosa gratidão por dom tão inestimável. É esta verdade que desejo recordar mais uma vez, colocando-me convosco, meus queridos irmãos e irmãs, em adoração diante deste Mistério: mistério grande, mistério de misericórdia. Que mais poderia Jesus ter feito por nós? Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado até ao "extremo" (cf. Jo 13, 1), um amor sem medida.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Obrigatoriedade da Recitação da Liturgia das Horas



A celebração íntegra e cotidiana da Liturgia das Horas é, para os sacerdotes e diáconos a caminho do presbiterado, parte substancial de seu ministério eclesiástico.
 
Seria uma visão empobrecida olhar esta responsabilidade como o mero cumprimento de uma obrigação canônica, ainda que também o seja, e não teria presente que a ordenação sacramental confere ao diácono e ao presbítero um especial encargo de elevar ao Deus uno e trino o louvor por sua bondade, por sua soberana beleza e pelo desígnio misericordioso acerca da nossa salvação sobrenatural.
 
Junto com o louvor, os sacerdotes e diáconos apresentam ante à Divina Majestade a oração de intercessão afim de que se digne acudir às necessidades espirituais e temporais da Igreja e de toda a humanidade.
 
O “sacrifício de louvor” se realiza antes de tudo na celebração da Santíssima Eucaristia, porém se prepara e se prolonga na celebração da Liturgia das Horas (cf. IGLH, 12), cuja forma principal é a recitação comunitária, seja em uma comunidade de clérigos ou de religiosos, sendo muito desejável a participação dos fiéis leigos.
 
Todavia, a Liturgia das Horas, chamada também Ofício Divino ou Breviário, de nenhuma maneira carece de valor quando é recitada a sós ou de certa forma privadamente, já que, ainda neste caso, “estas orações se realizam privadamente, porém não imploram coisas privadas” (Gilbertus de Holland, Sermo XXIII in Cant., em P.L. 184, 120).


Com efeito, mesmo em circunstâncias similares, estas orações não constituem um ato privado, mas fazem parte do culto público da Igreja, de tal modo que, ao recitá-las, o ministro sagrado cumpre com seu dever eclesial: o sacerdote ou o diácono que, na intimidade de um templo, de um oratório ou em sua residência, se entrega à celebração do Ofício Divino, realiza, ainda que não haja ninguém que o acompanhe, um ato eminentemente eclesial, em nome da Igreja e em favor de toda a Igreja, inclusive da humanidade inteira.
 
No Pontifical Romano se lê:
 
“Vós todos, quereis de acordo com vosso estado, perseverar e progredir no espírito de oração e, neste mesmo espírito, segundo vossas condições, realizar fielmente a Liturgia das Horas com o povo de Deus, em seu favor e pelo mundo inteiro?” (Pontifical Romano, Rito da ordenação de diáconos).
 
Assim, no rito da ordenação diaconal, o ministro sagrado pede e recebe da Igreja o mandato da recitação da Liturgia das Horas, o que pertence, portanto, ao âmbito das responsabilidades ministeriais do ordenado, e vai além de sua piedade pessoal. Os ministros sagrados, junto com o bispo, se encontram unidos no ministério de intercessão pelo povo de Deus que lhes foi confiado, como o foi a Moisés (Ex 17,8-16), aos Apóstolos (1Tm 2,1-6) e ao mesmo Jesus Cristo, “que está à direita do Pai e intercede por nós” (Rm 8,34).
 
Igualmente, na Institutio Generalis de Liturgia Horarum n° 108 se diz:
 
"Na Liturgia das Horas, quem salmodia não o faz tanto em seu próprio nome, como em nome de todo o Corpo de Cristo, e ainda na pessoa mesma do próprio Cristo".
 
Mesmo assim, no n. 29 da mesma Institutio se diz:
 
"Portanto, os bispos, os presbíteros e os diáconos que se preparam para o presbiterato e que receberam da Igreja o mandato de celebrar a Liturgia das Horas cumpram cada dia integralmente o seu curso, observando a realidade das horas, na medida do possível”.
 
O Código de Direito Canônico, por sua parte, estabelece no cân. 276, § 2, n. 3, que :
 
"os sacerdotes e os diáconos que aspiram ao presbiterato estão obrigados a cumprir cada dia com a Liturgia das Horas, usando seus próprios livros litúrgicos, devidamente aprovados; os diáconos permanentes têm essa obrigação nos termos estabelecidos pela Conferência Episcopal".
 
Com os antecedentes expostos se pode responder às perguntas formuladas na seguinte forma:
 
1. Qual é a mente da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos em relação à  extensão da obrigação de celebrar ou recitar diariamente a Liturgia das Horas?
R/ Aqueles que foram ordenados estão obrigados moralmente, em virtude da mesma ordenação recebida, à celebração ou recitação íntegra e cotidiana do Oficio Divino tal e como está canônicamente estabelecido no cânon 276, § 2, n. 3 do CDC, citado anteriormente. Esta recitação não tem a índole de uma devoção privada ou de um piedoso exercício realizado somente pela própria vontade do clérigo, mas é um ato próprio do sagrado ministério e oficio pastoral.
 
2. Se estende a obrigação sub gravi[1] à recitação íntegra do Oficio Divino?
R/ Deve ter-se presente que:
a.      um motivo grave, seja de saúde, ou de serviço pastoral do ministério, ou do exercício da caridade, ou de cansaço, não uma simples incomodidade, pode escusar a recitação parcial e inclusive total do Oficio Divino, segundo o princípio geral que estabelece que uma lei meramente eclesiástica não obriga com grave incomodidade;
b.      a omissão total ou parcial do Oficio só por preguiça ou por realizar atividades de lazer não necessárias não é lícita, mais ainda, constitui um menosprezo, segundo a gravidade da matéria, do oficio ministerial e da lei positiva da Igreja;
c.       para omitir o Oficio de Laudes e Vésperas se requer uma causa de maior gravidade ainda, posto que estas Horas são "o duplo eixo do Oficio cotidiano" (SC 89);
d.      se um sacerdote deve celebrar várias vezes a Santa Missa no mesmo dia, atender confissões por várias horas ou pregar várias vezes em um mesmo dia, e isso lhe causa cansaço, pode considerar, com tranqüilidade de consciência, que tem escusa legítima para omitir alguma parte proporcionada do Oficio;
e.      o Ordinário próprio do sacerdote ou do diácono pode, por causa justa ou grave, segundo o caso, dispensá-lo total o parcialmente da recitação do Oficio Divino, ou substituí-lo por outro ato de piedade (como, por exemplo, o santo Rosário, a Via Sacra, uma leitura bíblica ou espiritual, um tempo de oração mental razoavelmente prolongado, etc.).
 
3. Qual é a incidência do critério da "veritas temporis"[2] sobre esta questão?
R/ A resposta deve dar-se por partes, para esclarecer os diversos casos:
a.      O "Ofício das Leituras" não tem um tempo estritamente assinalado, e poderá celebrar-se a qualquer hora, podendo-se omiti-lo por alguma das causas apontadas na resposta indicada no n. 2 anterior. Segundo o costume, o Oficio das Leituras pode ser celebrado a partir das horas do entardecer ou ao anoitecer do dia anterior, depois das Vésperas (Cf. IGLH, 59).
b.      O mesmo vale para a "hora media", que tampouco têm assinalado algum tempo determinado de celebração. Para sua recitação, observe-se o tempo que media entre a manhã e a tarde. Fora do coro, das três horas, nove, doze e quinze, cabe eleger uma das três, aquela que mais se acomode ao momento do dia, afim de que se mantenha a tradição de orar durante o dia, no meio do trabalho (Cf. IGLH, 77).
c.       Por si mesmas, as Laudes devem ser recitadas nas horas da manhã e as Vésperas nas horas do entardecer, como o indicam os nomes destas partes do Oficio. Se alguém não pode recitar as Laudes na manhã, tem a obrigação de fazê-lo quanto antes. Da mesma forma, se as Vésperas não podem ser recitadas nas horas da tarde, devem ser recitadas logo que se possa (SC 89). Em outras palavras, o obstáculo que impede observar a "verdade das horas" não é uma causa que escuse da recitação de Laudes ou Vésperas, porque se tratam de "Horas principais" (SC, 89) que "merecem o maior apreço" (IGLH, 40).
 
Quem recita com gosto a Liturgia das Horas e procura celebrar com dedicação os louvores ao Criador do universo, pode recuperar ao menos a salmodia da hora que foi omitida depois do hino da hora correspondente e concluir só com uma leitura breve e a oração.
 
Estas respostas se publicam com o beneplácito da Congregação para o Clero.
 
 
Cidade do Vaticano, 15 de novembro de 2000.
 
 
+Jorge A. Card. Medina Estévez
Prefeito
 
 
+ Francesco Pio Tamburrino
Arcebispo Secretario

Fonte: http://www.eternamisericordia.com.br/artigo/obrigatoriedade-da-recitacao-da-liturgia-das-horas